Trigo e Loba Japonesa

Tradução: Virtual Core


Volume 4

Capítulo 5

Lawrence estava preocupado que Elsa e Evan tivessem dificuldade em juntar suas coisas rapidamente, mas provavelmente graças ao desejo de longa data que Evan tinha de deixar o lugar, eles estavam prontos em pouco tempo.

Os suprimentos que eles haviam preparado não continham nada desnecessário, exceto talvez por um livro de escrituras desgastado. Eles estavam aprovados.

“A saída?”

“Eu encontrei,” disse Lawrence. “Está bloqueada por uma parede.”

Em frente ao pé da escada que levava ao porão, havia uma seção de parede nua onde não havia estantes de livros.

Uma vez que soube que havia uma passagem para fora do porão, esse foi o primeiro lugar que Lawrence olhou. Depois de bater algumas vezes na parede, ficou claro que além dela havia um espaço oco. Ele chutou, provocando rachaduras na argamassa entre as pedras e eventualmente a quebrando.

Além da parede havia um túnel perfeitamente redondo — tão redondo que era sinistro.

Era menos uma passagem e mais de uma caverna ou algo do tipo.

“Vamos?” disse Lawrence.

Sob o olhar vigilante da Santa Madre, Evan e Elsa assentiram. Iima provavelmente ainda estava acima deles na porta da igreja,

impedindo os aldeões de fazer qualquer coisa imprudente.

Lawrence respirou fundo e, com a vela na mão, entrou no túnel. Holo seguiu imediatamente atrás dele, com Elsa e Evan na retaguarda.

Ainda havia muitos livros não lidos no porão. Em um deles podia muito bem ter contos sobre os antigos companheiros de Holo.

E, do ponto de vista estritamente mercantil, os volumes magnificamente encadernados valiam uma fortuna.

Lawrence queria muito trazer um para aumentar seus fundos de viagem, mas não teve coragem de tentar trazer um livro repleto de histórias pagãs ao longo de uma viagem dessas.

Em caso de problemas, um livro era silencioso e inútil, ao passo que a estranha garota com orelhas e cauda conseguia reunir eloquência que nenhum mercador poderia igualar.

E então Lawrence foi mais a fundo no túnel.

Seu corpo foi imediatamente cercado por um frio estranho. O túnel não era alto o suficiente para ficar em pé; ele teve que abaixar a cabeça ligeiramente para passar. Era estreito o suficiente para que pudesse tocar os dois lados simultaneamente com as mãos estendidas. Felizmente, o ar não parecia velho ou mofado.

Com a vela na mão, Lawrence viu que o túnel era tão estranhamente circular que parecia ser formado com grandes pedras aqui e ali que, deliberadamente e de forma limpa, foram esculpidas na forma adequada.

E, no entanto, o túnel não era reto; virava para lá e para cá.

Se os construtores não pretendiam que o túnel fosse perfeitamente reto, então por que se dar ao trabalho de dividi-lo deliberadamente nessas proporções? Não fazia sentido para Lawrence.

A passagem também tinha um cheiro cremoso e animalesco, que transmitia uma sensação de mal-estar totalmente diferente dos odores que preenchiam os esgotos de Pazzio.

Lawrence segurou a vela na mão direita e a mão de Holo na esquerda. Ele podia sentir um ligeiro nervosismo vindo dela.

Todos ficaram em silêncio enquanto caminhavam.

Eles decidiram que Iima fecharia a entrada do porão depois de um tempo, mas Lawrence agora se via preocupado se ela o abriria para eles caso o túnel não tivesse saída.

Eles prosseguiram, no entanto, destemidos. A passagem não tinha bifurcações, apesar de sua natureza sinuosa.

Se uma bifurcação aparecesse no caminho, Lawrence sabia que provavelmente iria sucumbir à pressão e falar.

Silenciosamente, eles andaram ao longo da passagem. Era difícil saber quanto tempo tinha passado, mas eventualmente detectaram fragmentos de ar fresco em meio ao cheiro fétido do túnel.

“Estamos perto,” murmurou Holo, o que provocou um óbvio suspiro de alívio de Evan.

Tomando cuidado para não deixar a vela cair, Lawrence acelerou o passo.

Impulsionado pela insuportável estranheza do túnel, ele viu a luz da lua no espaço de tempo de três respirações.

Árvores cresciam em torno da outra entrada do túnel, o que fez Lawrence presumir que estava escondido entre penhascos. Mas não — quando ele se aproximou, logo viu que não era o caso.

A entrada era larga, parecendo quase engolir o luar.

Ele havia assumido que a entrada estaria situada em um local escondido, discreto, mas havia algo que era distintamente semelhante a um altar.

Ao se aproximar para dar uma olhada melhor, Lawrence viu que uma pedra larga e chata havia sido colocada cuidadosamente sobre quatro pedras quadradas. Sobre a pedra plana havia algumas frutas secas e trigo.

Certamente não, Lawrence murmurou para si mesmo. Holo também pareceu notar e olhou para Lawrence.

Um momento depois, a voz de Elsa falou: “I-isto é—” “Ha! Ah, isso é ótimo," disse Evan, rindo.

O túnel que saía da igreja parecia passar por uma colina nos arredores da aldeia, emergindo do lado oposto.

Se seguissem a suave inclinação para baixo, haveria uma abertura de floresta com pasto, de onde poderia ser visto o débil reflexo do luar no riacho.

Quando todos os quatro saíram do túnel e se certificaram de que não havia aldeões por perto, eles olharam para o buraco.

“Sr. Lawrence, você sabe o que é esse buraco?” perguntou Elsa.

“Na verdade, não.”

“É a toca que o Lorde Truyeo usou quando veio do extremo norte para hibernar há muito, muito tempo.”

Lawrence já tinha adivinhado mais ou menos isso ao ver o altar com as oferendas, mas seu rosto ainda mostrava surpresa quando suas suspeitas foram confirmadas.

“Todos os anos, para o plantio e colheita, os aldeões vêm aqui para fazer orações e comemorar. Nós geralmente não participamos, mas… por que a passagem da igreja levaria até aqui?”

“Eu não sei porque, mas certamente é inteligente. Os aldeões nunca se atreveriam a entrar,” disse Lawrence.

Ainda assim, havia coisas sobre o túnel que eram estranhas.

Se o padre Franz o tivesse escavado, era impossível imaginar que os aldeões não o tivessem notado e, de qualquer forma, os aldeões estavam adorando Truyeo muito antes de a igreja ser construída.

Lawrence olhou para Holo enquanto pensava e viu que ela estava olhando vagamente para a entrada da caverna.

De repente, ele entendeu — a estranha torção do túnel, as pedras perfeitamente esculpidas aqui e ali, e a completa falta de qualquer morcego, apesar da perfeição da caverna.

E havia aquele cheiro cru e fétido.

Percebendo o olhar de Lawrence, Holo sorriu, depois se virou para olhar a lua que pairava no céu noturno.

“Venha, ficar aqui é como pedir que nos encontrem! Vamos primeiro descer até o riacho,” disse ela.

Não houve argumentos.

Elsa e Evan trotaram pela grama seca da encosta quando Lawrence soprou a vela e deu uma última olhada na área.

“Isso é mesmo uma toca?” Ele não ousou fazer a pergunta na frente de Elsa e Evan.

“Havia uma grande cobra aqui. Mas a quanto tempo atrás, até eu não sei dizer.”

Pode até não ter sido Truyeo.

Pode ter sido pura coincidência que a adega da igreja tenha cruzado com o caminho da caverna. Corretamente falando, o porão havia sido construído no meio do covil, que provavelmente continuava passando pelo porão na direção oposta.

Lawrence não sabia se havia ou não uma cobra gigante enrolada em algum lugar mais profundo.

Holo olhou para a entrada de alguma forma triste e carinhosa enquanto falava. “Foi um acaso ele fazer uma toca aqui, e ainda assim as pessoas continuamente vêm para adorar. Duvido que alguma vez tenha conseguido tirar uma soneca adequada.”

“Esse não é o tipo de coisa que um mercador que supersticiosamente segue os caminhos dos santos quer ouvir.”

Holo sorriu e encolheu os ombros. “Não é minha culpa que os humanos sejam criaturas esquisitas que precisam encontrar algo para adorar.” Seu sorriso se tornou malicioso. “Você não deseja me adorar?”

Lawrence sabia que ela odiava ser adorada e temida como um deus, então ela claramente não estava sendo séria.

No entanto, ele não tinha resposta pronta.

Afinal, quando ela estava de mau humor, ele oferecia sacrifícios para acalmá-la.

Lawrence suspirou e desviou o olhar; Holo riu.

De repente, ele sentiu a mão dela. “Vamos,” disse ela, puxando-o enquanto corria pela encosta.

Ele olhou para o rosto dela de perfil. Ela parecia menos satisfeita com a provocação dele e mais aliviada com alguma coisa.

Talvez ver o covil de Truyeo, a quem todos os aldeões adoravam, a lembrasse do seu próprio passado e da vila que uma vez habitou.

Foi certamente por vergonha de ter ficado sentimental que Holo acabou provocando Lawrence.

Ela continuou a correr sob o luar.

Além de fingir não notar, havia pouco que Lawrence pudesse fazer para ajudá-la com essas pontadas de fraqueza.

Isso o fez se sentir completamente inútil, e mesmo assim Holo ainda estava disposta a pegar sua mão.

Talvez essa fosse a distância perfeita para manter, ele pensou —

com apenas um pouco de solidão.

Tais eram os pensamentos que ocupavam sua mente enquanto desciam a face da colina para alcançar a dupla que já havia alcançado a margem do rio à sua frente.

“Então, como escapamos?” perguntou Evan. Lawrence entregou a pergunta para Holo. “Nós precisamos primeiro ir para Enberch.” “Hã?”

“Já estivemos lá uma vez antes. Vamos precisar de alguma noção da configuração da terra se quisermos escapar sem sermos detectados.”

Evan assentiu, como se dissesse: “Ah, entendo.”

Mas Holo ainda parecia vagamente descontente quando ela chutou pedrinhas ao redor da margem do riacho. Ela suspirou. “Deixe-me dizer uma coisa,” disse ela, enfrentando Evan e Elsa, que ainda estavam de mãos dadas. “Se você se encolher de medo, eu vou devorar vocês dois.”

Lawrence lutou contra o desejo de salientar que essa declaração em si já era suficientemente ameaçadora. Holo provavelmente estava ciente disso.

Ela era como uma criança que sabia que suas exigências eram irracionais, mas não podia deixar de fazê-las de qualquer maneira.

Os dois assentiram, obviamente surpresos com os modos de Holo. Holo olhou para o lado, parecendo um pouco embaraçada. “Vocês dois! Virem-se e olhem para o outro lado! E você—”

“Certo,” disse Lawrence.

Holo puxou o capuz para trás e tirou a capa. Ela entregou suas roupas para Lawrence, peça por peça, enquanto removia cada item.

Apenas observá-la foi o suficiente para fazer Lawrence sentir frio. Evan olhou por cima do ombro, aparentemente incapaz de resistir a espreitar ao súbito som de roupas.

Holo não teve que agarrá-lo porque Elsa fez isso por ela. Lawrence simpatizou com Evan.

“Francamente, por que a forma humana é tão fraca contra o frio?” Holo reclamou.

“Estou com frio só de olhar para você,” disse Lawrence.

“Hmph.”

Tirou os sapatos e os jogou para Lawrence, depois removeu a bolsa contendo grãos de trigo pendurados no pescoço.

Lá estavam eles em meio às árvores de galhos mal iluminados pela lua.

O riacho refletia o luar como um espelho.

Diante daquele riacho havia uma garota estranha com orelhas de lobo e uma cauda fofa que parecia ser a única parte quente de seu corpo.

Era realmente a visão de um sonho antes do amanhecer.

Uma névoa escapava da boca de Holo. De repente ela olhou para Lawrence.

“Você quer ser elogiada agora?” Ele perguntou com um encolher de ombros.

Holo deu-lhe um sorriso derrotado em troca. Lawrence virou as costas para ela, desviando o olhar.

Lá embaixo do luar cintilante, a donzela se tornou um lobo. Este mundo não pertence somente à Igreja.

A prova disso estava mais perto do que a margem oposta do riacho murmurante.

“Meu pelo é realmente o melhor.”

Lawrence se virou e olhou para a fonte da voz baixa e estrondosa e foi recebido por um par de olhos vermelhos que brilhavam de volta para ele, brilhantes como a lua.

“Se você quiser vendê-lo, basta dizer,” disse Lawrence.

Holo enrolou os lábios para trás, revelando uma fileira de dentes afiados.

Ele a conhecia bem o suficiente para entender que isso era um sorriso.

Agora tudo o que restou foi o teste de Elsa e Evan. Holo pareceu suspirar, olhando suas formas, as costas ainda voltadas na escuridão.

“Hmph. Bem, eu não posso dizer que minhas expectativas eram altas.

Venham, subam em cima de mim. Será incômodo se formos descobertos.”

Um pássaro perseguido por um cachorro não tem forças nem para voar, e apesar das palavras de Holo, Elsa e Evan estavam exatamente assim.

Só quando Lawrence deu a volta para ficar na frente de Elsa e Evan e gesticulou com o queixo que eles conseguiram se virar.

Até mesmo Lawrence tinha ficado aterrorizado quase perdendo a capacidade de ficar de pé quando viu a verdadeira forma de Holo pela primeira vez.

Em sua mente, ele aplaudiu o casal por não desmaiarem.

“Isso não é nada além de um sonho, lembram?” Ele disse, olhando particularmente para Elsa.

Eles não gritaram nem tentaram fugir, apenas olharam para Lawrence por um momento antes de encarar Holo novamente.

“Então o padre Franz não estava mentindo,” murmurou Evan, que provocou um longo sorriso com presas em Holo.

“Vamos, vamos em frente,” disse Lawrence.

Holo soltou um grande e cansado suspiro, depois se abaixou.

Lawrence, Elsa e Evan subiram em suas costas, cada um segurando sua pele rígida e eriçada.

“Se você cair, eu vou pegá-lo com a minha boca. Esteja preparado.”

Evidentemente este era o aviso padrão de Holo quando levava humanos nas costas.

Elsa e Evan levaram o aviso a sério, apertando ainda mais o pelo, o que fez Holo rir.

“Agora vamos.”

Ela correu, ela era um lobo em cada detalhe.

 

Andar nas costas de Holo era como mergulhar em água gelada.

Seus pés eram terrivelmente rápidos. Ela traçou um amplo círculo ao redor da vila, depois foi para Enberch, chegando quase imediatamente no ponto em que ela e Lawrence pegaram a estrada para Tereo com a carroça.

Elsa e Evan estavam sentindo algo muito além do mero terror.

Embora estremecessem incontrolavelmente, eles mesmos não tinham noção se isso era por causa do frio ou do medo.

O caminho ao longo do qual Holo corria dificilmente poderia ser chamado de caminho; seus passageiros eram pressionados contra suas costas em um instante, apenas para quase serem arremessados no próximo. Eles não puderam relaxar nem por um momento.

Lawrence se agarrou ao pelo de Holo com todas as suas forças, rezando para que Elsa e Evan não fossem jogados para trás.

Era difícil saber quanto tempo tinha passado, mas depois de um período que parecia ser tanto uma eternidade esmagadora quanto um breve cochilo, a corrida de Holo diminuiu até parar, e ela se agachou novamente.

Ninguém perguntou se eles haviam sido vistos.

Holo era inquestionavelmente a menos cansada de todos, apesar de carregar três pessoas nas costas.

O corpo de Lawrence estava rígido e apertado, e ele não conseguia nem afrouxar o aperto de suas mãos no pelo de Holo — ainda assim ele podia ouvir a cauda dela roçando o chão gramado.

Ela não ordenou que seus passageiros saíssem.

Holo, sem dúvida, entendeu que mal conseguiam se mexer.

Ela sabia que, se continuasse a correr, um de seus três passageiros certamente teria desistido e caído.

“...Até onde chegamos?” Lawrence levou algum tempo para reunir forças e fazer uma pergunta.

“A meio caminho.”

“Então é uma pausa ou...” começou Lawrence, quando atrás dele a exausta Elsa e Evan pareciam se contorcer com a alternativa.

Holo também notou a reação deles.

“Nossa fuga seria em vão se você morresse no caminho. Chegamos longe o suficiente para que um cavalo demorasse um pouco para nos alcançar. Nós vamos descansar um pouco.”

A notícia de sua fuga de Tereo só podia viajar tão rápido quanto um cavalo pudesse galopar.

Eles podiam se dar ao luxo de descansar até lá.

Nas palavras de Holo, Lawrence sentiu o cansaço pressionando-o.

“Não durmam em cima de mim. Desçam.”

Ela parecia descontente, então Lawrence e Evan conseguiram de alguma forma descer — mas Elsa estava em seu limite e teve que ser retirada das costas de Holo.

Lawrence queria acender uma fogueira para se aquecer, mas Holo havia parado em um pequeno trecho de floresta entre as colinas ao longo do caminho que ligava Enberch e Tereo — contanto que eles ficassem quietos, eles não seriam descobertos. Acender um fogo, no entanto, os tornariam muito mais fáceis de detectar.

De qualquer forma, o problema do calor foi rapidamente resolvido.

Afinal, eles estavam bem ao lado de uma bola de pelo gigante.

“De repente me sinto como uma mãe.”

A voz profunda de Holo retumbou no estômago de Lawrence quando ele se inclinou contra ela.

Elsa e Evan se enrolaram em um cobertor que trouxeram da igreja, se aconchegando contra Holo, e Holo enrolou sua grande cauda em volta dos três.

O pelo dela era tão quente que Lawrence nem se lembrava do triste sorriso que deu com as palavras dela, tão depressa adormecera.

 

Embora os mercadores possam dormir quase em qualquer circunstância, Lawrence não dormiu exatamente bem.

Holo se mexeu um pouco e ele acordou.

O céu havia clareado; a névoa da manhã estava fina.

Lawrence ficou de pé, com cuidado para não acordar Elsa e Evan, que ainda dormiam ao lado dele. Seu corpo se sentiu mais leve quando ele lentamente se esticou.

Ele deu a si mesmo um último e grande alongamento, braços erguidos, depois relaxou com um suspiro.

Sua mente estava ocupada com o que eles ainda tinham que fazer.

Não importava para qual cidade ele e Holo decidissem ir, eles não seriam capazes de simplesmente largar Elsa e Evan. Tudo o que poderiam era retornar brevemente a Kumersun, explicar a situação à corporação comercial e obter sua proteção — depois, usar as conexões da guilda para negociar com Enberch e Tereo.

Em seguida, ele recuperaria o dinheiro que havia depositado na guilda e seguiria para Lenos.

Isso era mais ou menos o que fariam.

Ele notou que Holo estava olhando para ele.

Mesmo deitada como estava, sua forma era enorme, embora ele já não a considerasse tão aterrorizante quanto misteriosa.

Holo olhou para ele por algum tempo, como se ela fosse um boneco bem elaborado, construído como uma brincadeira por algum deus. Eventualmente ela desviou o olhar.

“O que foi?”

Lawrence se aproximou dela, com os pés roçando nas folhas secas.

Ela deu a ele um olhar cansado, então gesticulou com o queixo.

Como ela claramente não estava pedindo para coçar se pescoço, Holo deveria estar apontando para alguma coisa, Lawrence assumiu.

Logo após a colina, ficava a estrada que ligava Enberch e Tereo. Ele logo entendeu.

“Então é seguro olhar, hein?”

Holo não respondeu, em vez disso bocejou imensamente e apoiou a cabeça nas patas dianteiras. Suas orelhas giraram duas vezes, três vezes.

Lawrence tomou suas ações como uma afirmação, mas ainda foi até a colina com seu corpo baixo e passos leves.

Era óbvio quem estaria subindo o caminho a esta hora.

Ele se aproximou do pico da colina, mantendo a cabeça ainda mais baixa enquanto cuidadosamente olhava o caminho.

Em seu primeiro olhar rápido, ele não viu ninguém, mas quando olhou mais longe, Lawrence pôde ouvir uma confusão silenciosa de ruídos vindos da direção de Enberch.

Logo depois de ouvir o som, ele avistou sua fonte na névoa da manhã.

Era a caravana devolvendo o trigo de Tereo.

O que significava que o mensageiro de Enberch já havia chegado a Tereo e, dependendo das especificidades da mensagem, os aldeões já teriam entrado na igreja em busca de Lawrence e companhia.

Ele se perguntou se Iima, tendo ajudado sua fuga, estaria segura.

Sua posição dentro da aldeia era forte, então ela provavelmente estaria bem — mas ele ainda se preocupava um pouco com a segurança dela.

Mas isso era irrelevante — nenhum deles poderia retornar a Tereo.

Só então, ele ouviu o farfalhar de passos atrás dele. Ele olhou para trás.

Era Evan.

“Como ela está?” Lawrence perguntou.

Evan assentiu — evidentemente, Elsa estava bem. Ele então se agachou ao lado de Lawrence, olhando ao longe. “Eles são de Enberch?”

“Devem ser.”

“Huh.” Evan tinha uma expressão complicada, como se ambos ansiassem por uma arma com a qual assaltar a procissão, e ficou feliz por não ter essa arma.

Lawrence olhou de Evan para Holo atrás deles. Holo ainda estava deitada com Elsa encostada nela.

Elsa parecia acordada, mas olhava indiferente para o ar.

“Elsa está realmente bem?” Lawrence perguntou.

Afinal, ela desmaiara de anemia, depois passou a noite em movimento.

Enquanto considerava o que havia pela frente, a condição de Elsa pesava na mente de Lawrence.

“Difícil dizer,” disse Evan. “Sua pele está bem o suficiente, mas ela parece estar pensando em algo.”

“Pensando?” Evan assentiu.

Se isso era tudo que Evan podia dizer, então Elsa não deveria ter dito a ele o que estava em sua mente. Tendo sido forçada a sair de repente de casa, não era de se surpreender que ela estivesse aturdida e contemplativa.

Evan se virou e olhou para Elsa. Lawrence viu sua expressão — parecia um cão fiel que não queria nada além de correr para o lado dela.

Mas Evan parecia entender que era melhor deixá-la sozinha por um tempo.

Evan forçou seu olhar de volta para a caravana de Enberch, que agora estava um pouco mais perto.

“É um grupo considerável”, disse ele.

“Eles provavelmente estão devolvendo todo o trigo comprado de Tereo. E aquelas longas varas que os homens ao redor das carroças estão segurando — certamente são lanças.”

Os lanceiros eram meramente caso a caravana encontrasse resistência dos aldeões, mas eles davam à procissão um ar imponente e sinistro.

“Diga, senhor Lawrence ...”

“Mm?”

“Não poderíamos pedir a sua... hum... a deusa que nos trouxe até aqui?”

Embora Evan baixasse a voz, Holo certamente ouviu isso. Ela fingiu não ter ouvido.

“Pedir o que?” Lawrence pressionou.

“Para... matar todos eles.”

Quando todo o resto falhar, peça aos deuses — os humanos sempre foram assim.

E seus pedidos eram muitas vezes absurdos.

“Suponha que ela concordasse com tal pedido. Certamente seria feito. Mas então Enberch simplesmente enviaria um exército para Tereo. E não podemos lutar contra todos os exércitos que eles possam enviar.”

Evan assentiu, como se soubesse qual seria a resposta. “Eu suponho.”

A caravana chegara bem perto agora. O par se agachou e olhou.

“Então, o que faremos a seguir?”

“Estou planejando ir até uma cidade chamada Kumersun primeiro. Se conseguirmos chegar lá, nossas vidas não estarão mais em perigo. Depois disso, bem, vamos descobrir quando chegarmos lá.”

“Entendo…”

“Você deveria pensar sobre o que quer fazer. Temos um vínculo, você e eu — farei o que puder para ajudar,” disse Lawrence.

Evan fechou os olhos e sorriu. “Obrigado.”

A caravana que levava consigo a ruína de Tereo, percorreu ruidosamente o caminho, perturbando a paz matinal.

Incluía talvez quinze carroças com cerca de vinte lanceiros para vigiar a caravana.

No entanto, o que mais chamou a atenção de Lawrence foi um grupo na parte de trás da procissão, que estava vestido de maneira um pouco diferente do resto.

O cavalo carregando o último carro tinha viseiras e abas de sela que indicavam um membro de alto escalão do clero, e era cercado por quatro homens carregando escudos com vários clérigos de baixo escalão em roupas de viagem seguindo atrás a pé.

“Então é assim,” Lawrence murmurou.

O Fogo do Inferno de Ridelius havia sido misturado com a colheita de trigo de Tereo, e um cidadão de Enberch morrera por disso.

Mas se trigo venenoso não estivesse lá desde o começo, não haveriam mortes semelhantes em Tereo.

Enberch ia usar isso para sua vantagem.

Eles alegariam que a ausência de vítimas de envenenamento em Tereo era a prova de que a vila estava sendo protegida por espíritos malignos e que todos os aldeões eram culpados de heresia.

“Vamos voltar,” disse Lawrence.

Evan assentiu sem palavras, parecendo ter percebido algo por si mesmo.

Lawrence desceu a colina e voltou para Holo. Elsa lançou um olhar interrogativo, que ele fingiu não notar.

O que quer que ela pudesse perguntar, a resposta seria que a posição de Tereo era desesperadora.

“Vamos um pouco mais longe, depois tomar o café da manhã,” disse Lawrence.

Elsa baixou o olhar, como se tivesse percebido alguma coisa.

Ela não disse nada, mas ficou de pé, o que levou Holo a se levantar também.

Evan e Lawrence dividiram a bagagem, e os quatro começaram a andar com Holo na liderança.

As folhas secas rangiam sob os pés.

O primeiro a parar de andar foi Evan, seguido por Lawrence.

Holo deu mais alguns passos e parou, olhando para trás.

“Elsa?” Perguntou Evan.

Elsa ficou parada ali, com o corpo embrulhado num cobertor. Ela olhou para o chão.

Evan trocou olhares com Lawrence, depois assentiu e começou a se aproximar de Elsa.

Naquele exato momento, Elsa falou.

“Holo...” Ela não estava se dirigindo a Evan. “Você é... realmente uma deusa?”

Holo não disse nada inicialmente, apenas balançando a cauda uma vez. Ela então se virou para encarar Elsa. “Eu sou Holo, a Sábia Loba de Yoitsu. Há muito tempo fui chamada de deusa,” disse Holo, sentando-se e olhando diretamente para Elsa.

A resposta surpreendeu Lawrence.

Ainda mais surpreendente foi a expressão de Holo enquanto ela olhava para Elsa; era muito séria, mas não indelicada.

“Eu moro dentro do trigo e posso virar tanto lobo quanto humano. Os humanos me adoram como o deus da colheita abundante, e eu sou capaz de responder às suas orações.”

Holo parecia ter entendido alguma coisa.

Elsa apertou o cobertor que a envolvia em volta do corpo por cima do ombro. Holo tinha discernido os pensamentos que estavam no âmago da garota, escondidos sob os braços cruzados e o cobertor.

Holo deve ter visto a preocupação da garota, ou ela nunca teria se chamado de deus.

“Colheita abundante? Isso... Então Truyeo é —?”

“A resposta para essa pergunta já está dentro de você.” Holo mostrou os dentes, talvez algo como um sorriso triste.

Elsa abaixou a cabeça em um ligeiro aceno de cabeça. “Truyeo é Truyeo. Você é você.”

Holo meio riu e meio suspirou, e as folhas secas a seus pés dançaram no ar.

Seus olhos cor de âmbar estavam cheios de uma gentileza que Lawrence nunca tinha visto.

Se deuses existiam, certamente eles eram algo assim, com olhos que inspiravam reverência, mas não medo.

Elsa olhou para cima.

“…Se isso for verdade, então—”

“A pergunta que você faria...” disse Holo, sua cauda roçando barulhentamente as folhas.

Elsa engoliu suas palavras, mas ainda olhou para Holo.

“...não deve ser pedido a mim,” Holo terminou.

Instantaneamente o rosto de Elsa se retorceu, uma lágrima rolou pela bochecha direita.

Evan tomou isso como um sinal. Ele correu para o lado dela e a abraçou.

Elsa fungou algumas vezes, acenando com a cabeça como se quisesse mostrar que ela estava, de fato, bem. Ela suspirou, a respiração escapando de sua boca.

“Eu sou a sucessora do padre Franz. Isso eu posso dizer com certeza.”

“Oh, pode?”

Elsa sorriu para a pergunta puramente retórica de Holo.

Era um sorriso novo, o resultado de jogar de lado um fardo pesado.

Talvez ela tivesse percebido o verdadeiro objetivo do padre Franz ao coletar histórias dos deuses pagãos.

Não — ela provavelmente sabia há muito tempo, desde quando o padre Franz lhe contara sobre sua adega secreta.

Ela simplesmente se recusou a entender. Era exatamente como Iima dissera.

O mundo era vasto, mas as mentes dos aldeões eram estreitas.

Elsa percebeu essa vastidão. Suas próximas palavras vieram naturalmente.

“Estou voltando para a vila.”

“O qu—” veio a resposta estrangulada de Evan.

Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, Elsa desembrulhou o cobertor que usava e enfiou nas mãos dele.

“Eu sinto muito, Sr. Lawrence.”

Enquanto ele não tinha certeza do que exatamente ela estava se desculpando, parecia uma declaração apropriada.

Lawrence assentiu, sem dizer nada.

A aceitação de Evan, no entanto, seria mais difícil.

“Qual é o ponto em voltar para a vila? Mesmo se você fizer isso, já é tarde demais para...”

“E ainda assim eu devo.” “Por quê?!”

Evan deu um passo na direção dela, mas Elsa não se mexeu. “Eu sou responsável pela igreja. Não posso abandonar os aldeões.”

Evan cambaleou como se tivesse sido fisicamente atingido. Ele cambaleou para trás.

“Evan — seja um bom mercador, tudo bem?”

Elsa finalmente o empurrou para longe, depois correu na direção da vila.

Correndo no ritmo de uma mulher e descansando, ela provavelmente alcançaria Tereo à noite.

Embora ele não quisesse pensar sobre isso, Lawrence sabia muito bem o que a esperava quando ela chegasse lá.

“Sr. L-Lawrence.” Evan parecia arrasado e à beira das lágrimas.

Lawrence ficou surpreso com as palavras de Elsa. “Parece que ela quer que você seja um bom mercador.”

“…!” O rosto de Evan se contorceu em fúria; ele parecia pronto para avançar contra Lawrence.

No entanto, Lawrence continuou friamente. “Um mercador deve ser capaz de pesar logicamente o ganho contra perda. Você pode fazer isso?”

Evan parecia uma criança vendo uma ilusão de ótica pela primeira vez. Ele parou de andar.

“Não importa o quão decidida ela possa estar, não importa o quão firme seja sua resolução, isso não significa que ela nunca esteja incerta.” Lawrence encolheu os ombros e continuou. “Mercadores devem pesar o ganho contra perda. Você quer ser um mercador, não é?”

Evan cerrou os dentes, fechando os olhos e apertando os punhos.

Ele jogou os suprimentos que levava de lado, depois se virou e correu.

Lawrence sentiu Holo se aproximando por trás. Ele virou. “Então, o que vamos,” ele começou, mas não conseguiu terminar.

Seu corpo foi derrubado no chão tão facilmente quanto uma árvore ressequida pela enorme pata de Holo.

“Eu estava errada?”

A pata de Holo pressionou contra o peito de Lawrence, duas de suas garras fazendo ruídos enquanto perfuravam a terra ao lado da cabeça de Lawrence.

“Eu estava errada?” Ela perguntou novamente, seus olhos queimando em vermelho, seus dentes arreganhados e próximos.

Lawrence sentiu se afundar no solo macio.

Se ela colocasse um pouco mais de peso, esmagaria sua caixa torácica.

Ainda assim, ele conseguiu forçar algumas palavras. “Quem... quem pode julgar uma coisa dessas?”

Holo sacudiu sua grande cabeça. “Eu não posso. Ainda assim, eu... eu...”

“Se você lutar pela sua casa, mesmo contra o impossível...” Lawrence colocou a mão na pata de Holo. “...Pelo menos você não terá arrependimentos.”

Lawrence sentiu Holo se arrepiar. Ele ia ser esmagado.

Assim que o medo estava prestes a superar o pensamento racional, a forma de Holo desapareceu.

Se alguém dissesse a Lawrence que ele estava sonhando, ele teria acreditado na pessoa.

A pequena mão de Holo agarrou seu pescoço suavemente, seu corpo leve sobre o dele.

“Minhas garras podem esmagar pedregulhos. Eu posso derrotar qualquer número de humanos.”

“Eu sei bem disso.”

“Ninguém em Yoitsu me supera. Nenhum humano, lobo, veado ou javali.”

“E um urso?” Lawrence não se referia a um urso comum.

“Eu poderia ter me igualado o Urso Caçador de Lua?” Não foi a tristeza que a impediu de chorar, mas a raiva.

Lawrence não poupou seus sentimentos. “Certamente não.”

Naquele momento, Holo ergueu a mão direita, que anteriormente continha a garganta de Lawrence. “Pelo menos teria sido uma grande batalha. Pelo menos a história de Yoitsu poderia ter chegado a três páginas nos livros do padre Franz.”

Sua mão caiu fracamente contra o peito de Lawrence.

“Eu não sei se isso é verdade. Ainda assim, tudo isso é hipotético.

Estou errado?” Disse Lawrence.

“...Não,” disse Holo, batendo no peito de leve novamente.

“Se pouco depois de deixar Yoitsu você soubesse que o Urso Caçador da Lua estava chegando, não tenho dúvidas de que teria corrido de volta. Mas isso não foi o que aconteceu. Não sabemos quanto tempo se passou entre quando você foi embora e o desastre chegar a Yoitsu, mas de qualquer forma, aconteceu enquanto você não podia saber disso.”

Holo tinha visto os pensamentos de Elsa.

Ela deveria abandonar sua vila? ela deveria lutar apesar de ser inútil, apesar de não haver chance de vitória? Essa foi a escolha que Elsa enfrentou.

Holo nunca tivera essa escolha — no momento em que soube do destino de sua aldeia, tudo já estava terminado.

O que Holo teria sentido vendo Elsa assim?

Ela teria desejado que Elsa escolhesse o caminho do menor arrependimento.

Mas ao fazê-lo, Elsa fez com que Holo visse com perfeita clareza o caminho que ela mesma nunca conseguira alcançar.

“Não posso abandonar os aldeões,” dissera Elsa — mas para Holo, essas palavras atravessaram o tempo e o espaço, acusando-a.

Foi então que Lawrence a alcançou. “O fato de não estar chorando mostra que você mesmo entende como é tolo se sentir assim.”

“Eu—!” Holo mostrou os dentes afiados, os olhos vermelhos de raiva.

Mas Lawrence estava despreocupado enquanto deixava Holo sentada em seu peito. Ele afastou um pouco do musgo que restou de quando ela o empurrou.

“Eu sei disso,” ela terminou.

Lawrence suspirou e se apoiou nos cotovelos.

Ainda em cima dele, Holo desviou o olhar como uma criança repreendida.

Ela deslizou rigidamente para um lado, movendo as pernas para sentar na perna direita de Lawrence, finalmente oferecendo sua mão.

Lawrence pegou-a e se sentou, puxando o corpo de onde estava meio afundado na terra macia. Ele suspirou, mostrando fadiga em seu rosto.

“Que desculpa você daria a Elsa e Evan se eles voltassem?”

A ainda despida Holo se afastou de Lawrence. “O que você quer dizer com que desculpa?”

“Por me matar.”

Holo deu um raro olhar de genuíno constrangimento, depois franziu o nariz. “Se eu fosse uma mulher humana, você não teria motivos para reclamar se eu te matar.”

“Eu não teria capacidade de reclamar, estaria morto.”

Holo parecia tão fria que Lawrence queria segurá-la simplesmente para aquecê-la. Ela olhou para o rosto dele e esperou que ele continuasse.

“O que você deseja fazer?” Ele perguntou.

“Isso é o que eu deveria perguntar a você.”

A rápida resposta de Holo pegou-o de surpresa. Ele olhou para o céu.

Mesmo agora, Holo ainda era Holo. Ela sempre estaria pegando as rédeas.

Lawrence abraçou-a. “Apenas espere,” ele disse como recompensa por aquela rédea sempre presente.

Ela se mexeu levemente em seu abraço. “Não podemos fazer algo por eles?” ela perguntou, obviamente referindo-se a Elsa, Evan e a vila de Tereo. “Yoitsu não pode mais ser salva, mas esta vila ainda pode.”

“Sou um simples mercador viajante.”

A cauda de Holo balançou audivelmente. “Eu não sou uma simples loba.”

Ela estava oferecendo sua cooperação completa.

No entanto, mesmo com isso, o que poderia ser feito?

Ela não podia simplesmente matar todas as pessoas de quem não gostava.

“O problema é o trigo venenoso, certo? Se estiver misturado com o trigo bom, ainda posso dizer a diferença.”

“Eu pensei nisso. Eu não acho que isso possa nos ajudar.

“Então não há como fazê-los acreditar.”

“Com exceção de um milagre, eu acho que não.” Lawrence fez uma pausa, então disse de novo, “Exceto por um milagre...”

“O que foi?”

Os olhos de Lawrence se moviam para lá e para cá, tentando conectar os pensamentos que ocupavam sua mente.

Ele havia considerado que Holo seria capaz de distinguir o veneno do trigo do bom. O que o impediu foi como convencer os outros da pureza do trigo — ou da falta dele.

Em algum lugar, ele ouvira falar de uma história semelhante. Mas onde?

Ele folheou suas memórias rapidamente.

O que finalmente surgiu foi uma imagem de Elsa e sua igreja.

“Isso mesmo… um milagre…” “Mm.”

“Qual você acha que é o melhor caminho para a Igreja aumentar seus seguidores?”

Holo fez uma careta como se tivesse sido ridicularizada.

“Produzindo um milagre?”

“Exatamente. Mas o fruto de um milagre é sempre metade da semente. Eles não são o que parecem.”

Agora era Holo cujo olhar corria de um lado para o outro enquanto ela perseguia seus próprios pensamentos frenéticos.

“Então seria preciso ser algo que os olhos possam ver...” ela falou pensativa. “De fato. Ei — me dê meu trigo.”

Lawrence apontou para as malas que ele havia largado quando Holo o empurrou.

“Então, estenda a mão e o pegue para mim.” Evidentemente, ela não tinha intenção de sair do seu colo.

Percebendo que as brincadeiras seriam inúteis, Lawrence se contorceu como lhe disseram, estendendo a mão e agarrando o saco em questão, depois puxando-o para mais perto para extrair a bolsa de trigo de dentro — a bolsa de trigo em que Holo morava.

“Aqui,” disse Lawrence.

“Mm. Agora observe de perto.”

Ela pegou um grão de trigo da bolsa e, colocando-o na palma da mão, respirou fundo.

O momento seguinte — “O qu—!”

Diante dos olhos de Lawrence, o grão estremeceu minuciosamente, depois estalou, enviando um broto verde para cima, que se estendeu até um galho branco, que se afastou para o céu, com as folhas verdes se expandindo para fora.

Logo, uma nova espiga de trigo apareceu, cedendo à medida que amadurecia e o talo de trigo uma vez verde se tornava marrom dourado.

O processo demorou apenas um instante.

“Isso é o que eu posso fazer, e não posso fazer vários ao mesmo tempo. E também —” Holo segurava o talo de trigo que ela cultivou, fazendo cócegas no nariz de Lawrence com o topo da espiga de trigo

— “como você pode ver, esse milagre também tem sementes dentro dele.”

“Se eu fosse rir, dificilmente pareceria natural.”

Holo franziu a testa e enfiou o talo em Lawrence. “Bem? Isso é tudo que posso fazer que é visível aos olhos. Bem, isso e assumir minha forma de lobo.”

“Não, isso será o suficiente,” disse Lawrence. Ele pegou o trigo da mão de Holo e continuou. “Tudo o que resta é ver se Elsa vai aceitar esse truque. Além disso —”

“Tem mais?”

Lawrence assentiu. “Mesmo assim...” ele murmurou, balançando a cabeça. “Será hora de mostrar minha habilidade como mercador.”

Mesmo mostrando, sem sombra de dúvida, qual do trigo devolvido por Enberch era venenoso e o que era seguro não livraria instantaneamente a Tereo do perigo que enfrentava.

Pela estimativa de Sem, os fundos que deviam à Tereo chegariam a cerca de setenta limar. Sem abordar esse déficit, os aldeões ainda poderiam ser devorados por Enberch.

Mesmo que Enberch tivesse envenenado o trigo para tomar o controle de Tereo, mesmo que o povo da cidade reconhecesse o milagre de Holo, e mesmo que aceitassem seu julgamento sobre o trigo e o venenoso, ainda assim não comprariam o trigo que devolveram.

Isso significava que o trigo ainda precisaria ser transformado em dinheiro de alguma forma.

Se chegasse a esse ponto, isso caía dentro do alcance de um mercador.

E Lawrence era um mercador.

“Certo. Vamos voltar,” disse Lawrence.

“Hmph. E aqui estou eu sentada, congelando minha cauda.”

Holo se levantou, bloqueando a visão de Lawrence com um rápido movimento de sua cauda — e naquele instante ela voltou a ser um lobo.

“Você parece desapontado,” disse ela com um sorriso de dentes expostos.

Lawrence encolheu os ombros. “Você parece feliz.” Eles alcançaram Elsa e Evan muito rapidamente.

Era meio dia quando o grupo chegou a Tereo.

 

Elsa foi inesperadamente rápida em aceitar a proposta de Lawrence.

Talvez ela tivesse entendido que sem um plano, sua determinação sozinha não seria suficiente para salvar a aldeia.

Mesmo um dia antes, ela teria sido incapaz de tomar tal decisão.

“Eu ainda acredito em meu Deus — o Deus que é supremo entre os deuses e criador de tudo,” ela disse com firmeza, diante da forma de lobo de Holo — uma forma que ela tinha visto pela primeira vez apenas algumas horas antes.

Ela não demonstrou medo diante de um ser que poderia engoli-la em uma mordida ou rasgá-la em pedaços com uma onda de sua pata.

Holo olhou para Elsa sem palavras, mostrando suas fileiras de dentes afiados.

Evan engoliu em seco e olhou, mas Holo conhecia o mundo bem o suficiente para entender que ela não estava no auge.

Ela logo fechou suas mandíbulas terríveis e se virou indignada.

“Agora precisamos determinar como mostraremos isso aos aldeões.”

“Você tem alguma ideia?”

Eles estavam reunidos no pico de uma colina perto de Tereo, perto do moinho de Evan. Holo ficou de vigia.

“Não importa o produto, comprá-lo na fonte produz o maior ganho,” disse Lawrence.

“Então, uma vez que a aldeia tenha sido encurralada...?” Perguntou Evan.

Lawrence assentiu.

Evan continuou. “Com base no que vimos esta manhã, parece que o Bispo Van também veio.”

“Bispo Van, eh?”

A chegada do bispo significava que Enberch planejava encurralar Tereo tanto financeiramente quanto religiosamente, mas também significava que poderia haver uma oportunidade de reverter a situação — uma situação que no início da manhã parecia totalmente sem esperança.

Na verdade, era ainda melhor se o líder da Igreja de Enberch estivesse presente.

Ninguém era mais qualificado para testemunhar um milagre do que o Bispo Van, afinal de contas.

“O grupo de Enberch trouxe lanceiros com eles — eles não terão paciência com quaisquer objeções de Tereo. Eu duvido muito que as negociações aconteçam de maneira civilizada,” disse Lawrence.

“Eu também não acho que o Ancião vai incitar os aldeões a pegar em armas,” disse Elsa.

“Não que os aldeões tivessem coragem suficiente para fazer isso de qualquer forma,” acrescentou Evan. Sua crítica não foi imprecisa.

Dado tudo isso, o melhor momento para Lawrence e companhia aparecer era claro.

“Então devemos entrar depois que Sem se curvar às exigências de Enberch,” disse Elsa.

“O milagre vai acontecer como eu acabei de explicar,” disse Lawrence.

Elsa assentiu, olhando para Evan. “Evan, você vai ficar bem?” Ela se referiu à tarefa que havia ficado com ele.

Mais do que qualquer outra pessoa, sua vida estava em risco. E mais do que qualquer outro, ele tinha que confiar em Holo.

Ele olhou para Holo. “Ora, não é nada — se eu tivesse que comer o trigo envenenado, você tem que me matar antes que eu morra do veneno.” Os dedos dele tremeram um pouco.

Sem dúvidas ele disse isso para parecer forte diante de Elsa, mas Holo não o culpou.

“Eu vou engolir você em uma única mordida. Não vai doer nem um pouco,”

ela respondeu alegremente.

“Então, uma vez que tenhamos produzido esse milagre, deixaremos os negócios para você, senhor Lawrence,” disse Elsa.

“Obviamente, esperamos que eles simplesmente levem o trigo de volta ao local, mas sim, eu vou lidar com isso.”

Elsa assentiu e juntou as mãos. “Que a bênção de Deus vá conosco.”

Holo então falou baixinho.

“Eles chegaram.”

 



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