Trigo e Loba Japonesa

Tradução: Virtual Core


Volume 4

Capítulo 4

A primeira coisa que veio à cabeça de Lawrence foi um trigo venenoso conhecido como Fogo do Inferno de Ridelius.

Se comido, apodrecia os membros da vítima por dentro, e ele ou ela morreria gritando em agonia. Mesmo uma

pequena quantidade causaria terríveis alucinações e forçaria uma mulher grávida a abortar.

Acreditava-se que o trigo provinha de demônios que acrescentavam trigo preto falso a espigas normais de trigo e, se passasse despercebido durante a colheita e fosse moído em farinha, seria impossível encontrá-lo.

Ninguém saberia que o trigo era venenoso até que alguém o comesse e desenvolvesse sintomas.

Para uma aldeia agrícola que criava trigo, sua aparição era uma calamidade tão ruim quanto a seca ou a inundação.

O que era verdadeiramente assustador sobre o trigo não era o sofrimento e a morte que causava.

O que o tornava tão terrível era que quando o Fogo do Inferno de Ridelius fosse descoberto na colheita de um ano, nenhum grão poderia ser comido.

“E ninguém da nossa vila foi envenenado?” Perguntou Sem.

“Eu não sei, ancião. A velha Jean está doente na cama, mas é apenas um resfriado,” disse um aldeão.

“O novo trigo foi usado apenas para assar pão para o festival da colheita, certo? Então, pelo menos, sabemos que o trigo que moemos antes disso é seguro.”

A grande rocha plana na praça da aldeia parecia ser o lugar onde os aldeões se reuniam para discutir assuntos importantes.

O fogo ficou vermelho enquanto os aldeões com cara de sono esfregavam seus olhos e observavam os líderes expressarem várias opiniões.

“Hakim disse que um sapateiro comeu pão feito de trigo que ele comprou de Riendott e morreu. Seus membros ficaram roxos e ele sofreu muito. O Conselho de Enberch logo descobriu que era feito com o trigo da nossa aldeia. Hakim voltou para Tereo imediatamente, então ele não sabe o que aconteceu depois disso, mas podemos adivinhar. O senhor feudal, duque Badon, enviará um mensageiro para garantir o retorno do trigo. Podemos esperar um enviado oficial de Enberch ao amanhecer, sem dúvida.”

“Retornar o trigo... Isso significa...”

Ao ouvir o murmúrio do estalajadeiro, todos reunidos no círculo ficaram em silêncio.

Foi Iima quem finalmente falou. Ela era uma das poucas mulheres que se juntaram ao encontro na pedra.

“Isso significa que teremos que devolver o dinheiro. Não é verdade, ancião?”

“…Sim.”

Os aldeões empalideceram com o pronunciamento, segurando suas cabeças.

O dinheiro usado era dinheiro perdido.

E a maioria dos moradores não parecia estar poupando cuidadosamente seus ganhos.

Havia alguns, porém, que não agitavam a cabeça com medo — o ancião Sem, a dona do bar, Iima, e Elsa, junto com o homem que entregara a carta a Sem durante a primeira visita de Lawrence. Além de Lawrence e Holo, claro.

Não era por essas pessoas terem poupança ou serem especialmente corajosas, mas porque todas eram capazes de pensar racionalmente sobre o problema.

Visto de fora, era um cenário simples de entender.

Esta crise do trigo foi uma armação dirigida por Enberch.

“Ancião, o que faremos? Usamos o dinheiro para comprar porcos e galinhas e consertar nossas foices e arados!”

“Isso não custou todo o dinheiro. A colheita deste ano foi abundante, por isso nossa taverna preparou boa comida e bebida. Se o meu dinheiro foi para essas compras, isso significa que o seu também foi,” disse Iima.

Todos os que haviam bebido demais na noite anterior agora inevitavelmente batiam a cabeça em pesar.

As palavras de Iima apenas aprofundaram deu arrependimento. Ela se virou para Sem. “Mas, Ancião — esse não é o único problema, não é?” Iima, a mulher que tinha puxado um barril sobre as costas, vendendo sua cerveja enquanto viajava, de fato era uma figura imponente.

“De fato, não é. Uma vez que o trigo venenoso é misturado com o trigo real, toda a colheita é perdida. A colheita deste ano foi ótima — mas ano passado não foi.”

Uma vez que o trigo fosse semeado e colhido, conseguir o triplo a quantidade semeada era aceitável. Quadruplicar a quantidade era uma excelente colheita. Uma vez que o grão para semear no próximo ano havia sido perdido, a quantidade reservada no caso de uma safra ruim era limitada.

Era possível que os aldeões já tivessem comido a reserva do ano passado, tendo contado com a boa colheita deste ano.

De qualquer forma, o suprimento de comida da aldeia estava em apuros.

E eles não tinham dinheiro para comprar trigo novo.

“O que devemos fazer? A pobreza é suportável, mas não a fome!”

“De fato. No entanto, eu...” Sem continuou a falar, ele foi interrompido quando um homem ao lado do estalajadeiro se levantou de repente e apontou para Lawrence e Holo.

“Foram eles que misturaram trigo venenoso com a colheita! Eu perguntei a ele, e ele admitiu ter trago trigo! Ele está aqui para arruinar nossa colheita e depois nos forçar a comprar o trigo dele!”

Lawrence imaginou que isso aconteceria.

Ele também sabia que Sem não havia trago ele e Holo para a praça por maldade.

O ancião sabia que havia uma boa possibilidade de que, se Lawrence e Holo estivessem ausentes, os aldeãos pegassem as armas na mão e os procurassem com desconfiança e dúvida em seus corações.

“D-deve ser isto! Ele foi até Evan sozinho para moer seu trigo!

Não, Evan está com ele e estão tentando destruir a aldeia!”

“Sim, o Evan! Para onde foi essa escória de moleiro mentiroso? Vamos amarrá-los juntos e fazê-los nos dizer qual trigo eles envenenaram!”

Os aldeões se levantaram um após o outro, prontos para atacar Lawrence.

De repente, Elsa deu um passo à frente e falou. “Por favor, esperem.”

“Não é hora de as mulheres interromperem. Saiam!”

“Dá licença!?” Iima agora estava ao lado de Elsa; ela era três vezes maior que a garota. Os homens se encolheram, seus espíritos um pouco intimidados.

O ancião limpou a garganta como se quisesse resolver as coisas por um momento. “Evan está na igreja. Podemos atribuir a culpa mais tarde. O que é importante agora é o trigo que pode ser devolvido e o dinheiro que eles certamente exigirão.”

“Não podemos pagar com dinheiro que não temos! Teremos que pedir que esperem até o próximo...”

“Se ao menos fosse tão simples.”

Os homens ficaram atordoados com as palavras de Sem. “Ancião, o que... o que você quer dizer?”

“Enberch certamente usará isso como uma oportunidade para restaurar o antigo acordo,” disse ele.

“Certamente não…”

Os rostos dos homens mais velhos no meio da reunião estavam cheios de amargura.

“O que você está dizendo, ancião? Enberch não está autorizado a fazer nada com esta aldeia! O padre Franz já fez isso!”

Lawrence não sabia se Sem não havia explicado a natureza do relacionamento de Enberch com a aldeia ou se os homens simplesmente não queriam entender, mas ele logo descobriu.

“De qualquer forma, nunca deveríamos ter permitido que Elsa herdasse a posição do padre Franz! Enberch nunca respeitará isso!”

“Isso mesmo! Ela passa o dia todo naquela igreja, nunca sai para trabalhar nos campos — embora ela coma sua fatia de pão, com certeza. Todos sabem que foi graças às bênçãos de Lorde Truyeo que a colheita foi tão boa este ano. Como poderia uma garota da igreja...”

“Chega!” disse Sem.

Incerteza só acendia as chamas do descontentamento.

Ela queimava nos lugares mais secos e inflamáveis, depois se espalhava a partir daí.

Era fácil para Lawrence imaginar o quão séria Elsa trabalhou para preservar o legado do padre Franz.

Tendo cooperado com ela, Sem também entendia.

Mas estava claro na palavra dos moradores o quanto eles respeitavam a garota.

Lawrence notou os punhos cerrados de Elsa e seu rosto inexpressivo.

“O que faremos, ancião?” alguém perguntou.

“De qualquer forma, cada um de nós deve verificar quanto dinheiro da colheita ainda temos, bem como quantas provisões nós guardamos para o inverno. Até que o mensageiro Enberch chegue, não sabemos o que exigirão. Eles podem chegar assim que amanhecer. Devemos esperar até lá — cada um de vocês vá agora e verifique o que eu pedi.”

Embora os suspiros dos homens fossem pesados e insatisfeitos, eles relutantemente ficaram de pé.

Os olhares que Lawrence e Elsa suportaram quando os homens deixaram o local da reunião estavam cheios de ressentimento.

Embora os aldeões não fossem razoáveis, era uma sorte que Sem parecesse ser seu aliado.

Se Sem tivesse sido seu inimigo, então Lawrence não teria escolha a não ser pedir a ajuda de Holo.

Enquanto os aldeões se dispersavam, Sem se aproximou de Elsa, com seu bastão na mão. “Elsa, eu sei que isso é difícil, mas, por favor, aguente.”

Elsa assentiu silenciosamente. Sem se virou para Iima em seguida.

“Iima, por favor, vá com Elsa para a igreja. Os mais raivosos podem tentar entrar.”

“Você pode contar comigo,” disse Iima.

Lawrence imediatamente entendeu as relações de poder dentro da aldeia.

Mas onde isso colocava ele e Holo?

“Sr. Lawrence,” Sem finalmente disse, se virando para encará-lo. “Como os outros aldeões, tenho minhas dúvidas sobre você. O tempo é muito coincidente. No entanto, espero que você não me ache tão tolo que eu imediatamente pularia para uma conclusão.

“Se eu estivesse no seu lugar, ancião, eu diria a mesma coisa,” respondeu Lawrence.

Sua velhice fazia sua testa enrugar constantemente, mas ele parecia um pouco aliviado. “Tanto para sua própria segurança quanto para evitar que as suspeitas crescessem ainda mais, infelizmente terei de pedir que você venha a minha casa.”

Holo e Lawrence tiveram a sorte de não terem sido amarrados sem nenhuma explicação. Se eles tivessem resistido, parecia a Lawrence que um derramamento de sangue teria acontecido.

Ele assentiu cooperativamente e caminhou em direção à casa de Sem, seguindo este e os aldeões.

“Sabe, tem uma cela trancada em algum lugar daquela aldeia,” dizia o rumor, quando as línguas de todos estavam suficientemente soltas pelo vinho.

Aconteceu depois que o mercador em questão bebeu demais e contou todas as suas histórias sobre lucro.

Uma vez que ele soube que havia mais dinheiro a ser ganho, ele foi alegremente junto com os aldeões para a casa do ancião, apenas para ser trancado em uma cela para nunca mais escapar.

Desde que nenhum dos aldeões falasse sobre o evento, ninguém jamais saberia o que aconteceu com o mercador.

Seus pertences foram todos vendidos e o próprio mercador foi oferecido como sacrifício por uma boa colheita.

Estranhamente, rumores como esses pareciam ser mais comuns em aldeias mais ricas.

Felizmente, não parecia o tipo de coisa que provavelmente aconteceria em Tereo.

O quarto em que Lawrence e Holo foram postos era bastante comum. Estava bem ao lado daquele em que Lawrence e Sem haviam falado quando o mercador chegou na aldeia.

A porta não tinha trinco e parecia que, se Holo e Lawrence precisassem forçar a saída, não seria impossível.

Se eles tivessem que criar um plano, este lugar seria tão bom quanto qualquer outro.

“O que você acha?” perguntou Lawrence.

Os dois se sentaram frente a frente em bancos separados por uma mesa baixa no centro da sala. Ele falou suavemente para não ser ouvido pelo guarda que, sem dúvidas, estava do lado de fora.

“Eu deveria ter desistido de procurar o livro e saído da aldeia com você,” veio a resposta resmungada de Holo.

No entanto, seu rosto não parecia tão culpado nem demonstrava muito arrependimento.

Ela se concentrou seu olhar em um ponto, sua mente trabalhando furiosamente.

“Não está claro se aquilo realmente mudaria alguma coisa. Digamos que depois nós fôssemos perguntar sobre a localização da abadia para partimos no mesmo dia. Isso teria sido o dia antes de ontem. Então a notícia do trigo envenenado de Enberch chegaria à aldeia hoje. Obviamente, eles assumiriam que alguém mal- intencionado misturou o trigo venenoso com o bom. E quem você acha que eles culpam? Nós,” disse Lawrence.

“Não existem outros grupos formados por um mercador tolo e uma linda donzela. Eles logo nos pegariam a cavalo,” acrescentou Holo.

Lawrence estremeceu com as palavras amargas de Holo, mas obviamente, cair em prantos e auto recriminação não era exatamente o estilo de Holo.

“Assim que pisamos nesta aldeia, era inevitável que fossemos suspeitos de envenenar o trigo. Demônios trazendo calamidade sempre vêm de fora, afinal.”

“E não há nada que possamos dizer para provar nossa inocência.” Lawrence assentiu.

Se foi um demônio ou uma pessoa com más intenções que envenenou o trigo era irrelevante — quando a calamidade acontecia, as pessoas precisavam de algo para culpar.

Não era como se os demônios foram responsáveis pelas desgraças, mas sim que quando algo de ruim acontecia, era possível culpar os demônios.

“As circunstâncias são perfeitas demais. Quanto mais penso nisso, mais me convenço de que este é um movimento de Enberch para ganhar o controle de Tereo. Todos na região devem estar cientes da disputa tributária entre os dois. Se o trigo de Tereo de repente aparecer envenenado, Enberch será o suspeito óbvio. Tereo tem pessoas que a apoiam e elas certamente não ficarão caladas. Portanto Enberch precisa de alguém para culpar. Então, como acabamos de aparecer, isso lhes deu a oportunidade perfeita para executar o plano deles.”

Se tudo isso fosse verdade, Lawrence tinha uma boa noção do que os aguardava.

“Então, quando eles negociarem com a aldeia, eles vão oferecer a condição de pagamento a prazo, desde que os aldeões encontrem o responsável.”

Assim, Enberch seria capaz de convencer seus vizinhos de que isso não era obra deles e enfim ter Tereo sob seu controle, enquanto Lawrence e Holo evaporavam sob as mãos do carrasco.

“Enberch não vai querer ter problemas com nossa guilda de comércio, então eles certamente não farão um julgamento para determinar nossa culpa. Vão simplesmente nos declarar culpados e nos executar, prometendo diminuir a dívida da Tereo enquanto os aldeões ficarem quietos sobre quem éramos e de onde viemos, e a questão ficaria por aí.”

Holo suspirou e mordeu a unha do polegar. “E você está contente com isso?”

“Claro que não.” Lawrence riu e encolheu os ombros, mas ele entendia que não sabia o que deveriam fazer para se livrar da situação.

“Se corrermos, eles certamente pensarão que fomos nós que envenenamos o trigo e, se o seu rosto for marcado em todos os lugares, não dá para fazer negócios,” disse Holo.

“Sim, seria o fim da minha vida como mercador.” Então o que fazer?

Holo pareceu pensar algo de repente e falou. “Hm. Ah, você não poderia procurar ajuda com a guilda da qual você é membro?”

“Ajuda, huh. Se eu pudesse fazer isso, eu... ah. Hm.” Lawrence bateu em sua própria cabeça. Holo olhou para ele incerto.

“Espere — já temos você aqui,” ele finalmente falou.

“O que você quer dizer?”

“Algo bom. Se eu estivesse nas suas costas, poderíamos fugir para outra cidade mais rápido do que a cavalo?”

“Certamente.”

“A distância não é tão grande e, em todo caso, a única coisa mais rápida que um cavalo é um navio. A rede que Enberch teria que jogar para nos pegar só poderia se estender na velocidade que um cavalo pode correr. Isso significa—”

Holo fungou levemente pelo nariz. Era difícil saber se era um pequeno suspiro ou uma resposta.

“Eu estava pensando que se eu estivesse viajando com você na carroça, nunca poderíamos entrar em contato com uma casa da guilda antes que eles nos pegassem. Mas se conseguirmos chegar lá, podemos obter alguma medida de proteção. Se as notícias de um membro da guilda usando trigo envenenado para fazer negócios surgirem, seria um desastre — então eles farão o que puderem para acabar com isso.”

“Se as pessoas que tentam nos prender pensarem da mesma forma, elas poderiam desistir da perseguição assim que percebessem que escapamos.”

“Contudo —”

O prazer de Lawrence em ver uma saída da situação foi de curta duração; logo ele viu a conclusão inevitável.

“Mas depois disso, quem seria acusado de ser o culpado?” Ele perguntou.

Não havia necessidade de perguntar. Seria obviamente a pessoa que todos os aldeões sabiam que era um mentiroso, aquele de quem sempre suspeitaram e cuja ocupação lhe proporcionava a oportunidade perfeita de envenenar o trigo: Evan, o moleiro.

Holo foi rápida em entender o que Lawrence estava querendo dizer.

Ela ficou irritada. “Tudo bem então, eu também deixo ele ir nas minhas costas. Ele quer ver o mundo lá fora de qualquer forma, certo? Eu não vou recusar. Se a garota estiver em perigo, eu levo ela também. Você é absurdamente gentil, afinal de contas — sinceramente, o problema que eu passo por sua causa...” ela falou, como se já tivesse desistido de protestar.

Com Lawrence e Evan longe, Enberch não teria ninguém para apontar como o culpado.

Não apenas isso, mas com os dois desaparecidos, Enberch teria que reivindicar às cidades vizinhas que Evan era o criminoso e que ele fugira porque era culpado. Não haveria necessidade de ir atrás de Lawrence, já que isso arriscava problemas com sua guilda.

“O problema, porém, é que você terá que revelar sua verdadeira forma,” disse Lawrence.

Holo deu um sorriso incrédulo, irritada por ter sido subestimada. “Eu não sou tão ranzinza a ponto de me preocupar com isso. É verdade, no entanto… Ser temido magoa meu frágil coração.”

Havia uma acusação nos olhos de Holo, talvez lembrando do medo de Lawrence quando ele a viu pela primeira vez em forma de lobo nos esgotos de Pazzio.

Mas ela logo mordeu o lábio inferior maliciosamente, mostrando um pouco suas presas, e disse “Ou você simplesmente deseja ser a única pessoa que conhece o meu segredo?”

Sem palavras, Lawrence pigarreou.

Holo riu roucamente. “Se é isso que deseja fazer, não me importo.”

Era inevitável. Ele não conseguia pensar em outra maneira de sair da situação. “É a pior solução, é claro, mas as chances de que isso aconteça são muito altas. Seria uma pena deixar para trás o cavalo, a carroça e a carga, mas não há nada a fazer senão aceitar a perda.”

“Eu suponho que não me importo de ser sua nova carroça.” Foi uma brincadeira inteligente.

“Oh? Eu gostaria de ver um cavalo que segura suas próprias rédeas.”

Assim que Holo mostrou seu sorriso imbatível, veio uma batida na porta.

 

A porta se abriu para revelar Sem.

A crise que a aldeia enfrentava parecia um fardo pesado demais para seu corpo envelhecido.

Embora provavelmente fosse um efeito da luz vinda das velas que pendiam do teto, ele parecia estar ainda mais abatido.

“Posso falar com você?” ele perguntou.

Não parecia provável que ele tivesse ouvido a conversa de Lawrence com Holo.

Afinal, Holo não teria baixado a guarda e falado houvesse essa possibilidade.

“Sim, estávamos apenas esperando para falar com você,” disse Lawrence.

“Bem, se me der licença,” disse Sem, se segurando em sua bengala

e entrando na sala. Um aldeão estava atrás dele, vigiando a porta.

Talvez por não estar acostumado com a perspectiva de violência, o aldeão estava obviamente nervoso.

“Por favor, feche a porta,” disse Sem. Os olhos do aldeão se arregalaram em surpresa, mas ele fez como foi dito de má vontade e fechou a porta.

Era óbvio que ele acreditava que Lawrence e Holo eram culpados.

“Bem, então,” disse Sem, colocando a vela que trazia consigo na mesa. “Quem exatamente vocês são dois?”

Ele certamente foi direto ao ponto.

Lawrence mostrou o sorriso de mercador. “Nós não somos

ninguém relevante, devo dizer. Eu já te disse quem eu sou.”

“Sim, você realmente me disse quem você é. Embora ainda não tenha confirmado isso, acredito em você.”

O olhar de Sem mudou de Lawrence para Holo.

Holo olhou para baixo silenciosamente, a cabeça coberta pelo capuz.

Quase parecia que ela estava dormindo.

“Você estava perguntando sobre a Abadia de Diendran. Que negócios você teria por lá?”

Sem admitiu que a abadia existia. Isso era um progresso.

Quando Lawrence tinha originalmente perguntado sobre o paradeiro da abadia, Sem fingira não saber nada sobre.

O que ele queria agora era averiguar se Lawrence e Holo eram de Enberch.

Mas o que ele faria depois de adquirir esse conhecimento?

“Uma pessoa que conheci em Kumersun me contou sobre o abade da Abadia de Diendran. Para ser preciso, ela não disse a mim, mas sim para minha companheira.”

O maior temor de Sem que Lawrence e Holo fossem enviados de Enberch.

Mas parecia que ele não tinha paciência para rodeios com questões sutis que fariam a verdade vir à tona.

Ele respirou fundo, ofegante, seus olhos implorando. “Você não veio aqui sob as ordens de Enberch? Se você veio, quanto — quanto pagaram a você?”

“Nós viemos pelo caminho de Enberch, mas foi apenas uma parada em nossas viagens. É por nossos próprios objetivos que procuramos a Abadia de Diendran.”

“Chega de mentiras!” Sem gritou rouco, se inclinando para a frente, sua expressão quase monstruosa à luz das velas.

“Não temos nada a ver com a disputa entre Enberch e Tereo. Eu só entendi o problema reunindo o que ouvi em sua taverna, coisas que aprendi falando com Evan e Senhorita Elsa, e pela minha própria experiência,” disse Lawrence.

Sem temia a possibilidade de que Lawrence e Holo fossem espiões de Enberch.

O problema do trigo venenoso não se centrava na heresia e na Igreja — era sobre dinheiro.

Dependendo das negociações, a aldeia não estava necessariamente condenada.

Mas se a Igreja se envolvesse, não seria tão simples.

“V-você... você realmente não é de Enberch?” Sem provavelmente estava ciente de que nenhuma resposta que eles dessem o convenceria completamente.

Mas ele tinha que perguntar, e Lawrence só podia responder de uma maneira.

“Nós realmente não somos.”

Sem olhou para baixo, seu rosto era uma máscara de sofrimento, como se ele tivesse engolido um pedaço de ferro em brasa. Mesmo sentado, ele teve que apoiar seu corpo com sua bengala.

Ele levantou a cabeça devagar. “Se isso é verdade...”

Sem dúvida, até agora Sem conhecia a situação financeira dos aldeões.

Lawrence pensou no assunto e ficou imediatamente claro que, se todo o trigo fosse devolvido, a aldeia cairia em ruínas.

Isso significava que o lucro que vinha uma vez a cada semestre — talvez apenas uma vez por ano — desapareceria em um instante.

“Se isso for verdade... você poderia nos emprestar sua sabedoria... e seu dinheiro?”

Holo se mexeu um pouco.

Ela deve ter se lembrado de Lawrence pedindo empréstimos em Ruvinheigen.

Ele foi pego em uma armadilha e teve que correr freneticamente pedindo dinheiro emprestado.

Na época, ele se sentia como um homem que estava se afogando, tentando respirar mesmo que isso significasse inalar água.

Mas Lawrence era um mercador.

“Eu posso te emprestar minha sabedoria. Contudo —”

“Eu não pediria a você para entregar de graça,” disse Sem.

Lawrence encontrou os olhos atentos de Sem.

Ele não imaginava que Tereo tivesse muito a lhe oferecer como compensação.

Havia apenas algumas possibilidades.

“Em troca, garantirei sua segurança,” disse Sem.

Tereo poderia ser uma pequena aldeia, mas era uma comunidade e Sem era seu líder.

Em uma vila pobre, a moeda de um mercador era poderosa.

Mas contra as foices e enxadas de aldeões enfurecidos, um mercador estava desamparado.

“Isso é uma ameaça?”

“A razão pela qual eu simplesmente te prendi no local foi porque você veio primeiro a mim com o trigo,” disse Sem.

Ele era bastante hábil.

Lawrence não achava que argumentar melhoraria sua situação.

Além disso, ele já havia conferido com Holo; ele conhecia seu curso de ação. Cooperar com o Sem facilitaria tudo.

“Eu suponho que não tenho escolha a não ser concordar.”

“...”

“No entanto” — Lawrence se endireitou e olhou Sem nos olhos — “se eu conseguir mudar a situação, pedirei uma compensação apropriada.”

Lawrence não estava implorando por sua vida nem pedindo para ser deixado com uma pequena porção de seu próprio dinheiro, mas fazendo exigências de remuneração. Sem pareceu momentaneamente atordoado, mas logo voltou a si.

Talvez ele pensasse que a autoconfiança de Lawrence era justificada.

Ou talvez ele simplesmente quisesse acreditar nisso.

Mas a verdade é que Lawrence mentiu para ganhar a confiança de Sem.

Ele queria se afastar dessa aldeia o mais pacificamente possível. Assim, o melhor curso de ação era esperar que o mensageiro de Enberch chegasse, e então Lawrence veria por si mesmo qual seria o destino de Tereo.

Assumindo que Enberch desejasse tomar o controle de Tereo tão facilmente quanto possível, era improvável que o povo da cidade investigasse se o trigo envenenado ocorrera naturalmente ou se era resultado de um crime.

Eles provavelmente deixariam o mistério sem solução.

“Muito bem. Conte-me todos os detalhes “, disse Lawrence para Sem. Talvez por algum milagre eles pudessem mudar a situação. Quanto mais Lawrence ouvia a história de Sem, pior ficava.

O contrato que o padre Franz havia negociado com Enberch era diferente de qualquer coisa de que Lawrence já tivesse ouvido falar, começando com a estipulação de que a Tereo poderia simplesmente nomear seu preço de venda e quantia ao vender trigo para a Enberch.

Mas, olhando os livros que o padre Franz reunira na adega da igreja, era fácil imaginar que ele tivesse simpatizantes poderosos em algum lugar.

Encadernado em couro e reforçado nos quatro cantos com ferro, cada volume teria custado uma fortuna.

Com base nas cartas que Lawrence espiara na mesa de Elsa, o padre Franz conhecera pessoalmente o duque de uma região fronteiriça próxima, bem como o bispo de um bispado muito grande.

Embora ele fosse suspeito de heresia uma ou outra vez, o padre Franz tinha sido capaz de viver seus dias pacificamente, sem dúvida por causa de suas conexões poderosas. Como as cordas que são tecidas juntas para criar uma rede, os laços entre as pessoas poderiam ser uma fonte de grande força.

Sem alegou não saber como o padre Franz havia imposto o contrato em Enberch, o que provavelmente era verdade.

Ele especulou que o padre Franz havia aprendido algo prejudicial sobre o duque Badon, o governante de Enberch, o que parecia provável.

O padre Franz certamente foi um homem notável.

No entanto, não era hora de perder o fôlego cantando os louvores do falecido.

Se Lawrence pudesse encontrar uma maneira de resolver o problema da aldeia, seria um bom negócio para ele, então ele queria pensar seriamente no assunto.

A extravagância com que os aldeões desperdiçaram o legado do padre Franz era nada menos que trágica.

Mesmo que Lawrence entregasse todo o seu ouro e prata em nome da aldeia, o dinheiro faria pouca diferença.

Ficou claro que, se todo o trigo fosse devolvido, a aldeia estaria arruinada.

Mas nada viria de tais pensamentos. Lawrence ofereceu a única possibilidade que ele poderia pensar.

“Corretamente falando, Enberch vai querer comprar trigo da colheita do próximo ano para compensar o que resta por agora.”

“…Que significa?”

“Isso significa que eles vão definir um preço agora para a compra

de todo o trigo de seus campos no próximo ano.”

Sem sequer compreendia a ideia da colheita verde — era óbvio por quanto tempo a aldeia ficara livre de preocupações.

“Se isso for possível, então conseguiríamos adiar a dívida, pelo —”

“Mas quem compra tem a vantagem. Como eles estão pagando

por algo que ainda não existe, só é favorável para eles se receberem um desconto significativo. E uma vez que o preço for acordado, não importa o tamanho da colheita, você ainda deve vender tudo a esse preço.”

“M-mas isso é um absurdo.”

“Portanto, mesmo que a safra do ano que vem seja tão abundante quanto a deste ano, sua renda cairá e você terá que vender especulativamente trigo no ano seguinte para compensar a diferença, o que significa que a renda do seu terceiro ano será ainda menor. Eles podem até aproveitar sua fraqueza para cancelar o negócio em caso de uma safra ruim. Tenho certeza de que você entende o que aconteceria depois disso.”

Era por essa razão que os aldeões normalmente passavam muito tempo em trabalhos paralelos durante o inverno.

Eles tinham que economizar dinheiro para impedir que outros roubassem suas terras.

“Eu sempre pensei que tudo estaria bem, desde que evitássemos a tributação... É por isso que me esforcei tanto para guardar o que o padre Franz nos deixou.”

“Você não estava enganado. No entanto, os aldeões não entenderam quão grande era o presente do legado do Padre Franz.”

“Entendo... sei que é tarde demais para essa conversa, mas quando o padre Franz chegou, ele pediu para ficar na igreja em troca de melhorar suas relações com Enberch. Embora tivéssemos uma igreja em nossa aldeia, não poderíamos abandonar nossa fé no antigo guardião da terra, Lorde Truyeo. O padre Franz alegou não se importar com isso e nunca se envolveu em nenhum proselitismo. Ele simplesmente morava na igreja.”

“Os aldeões provavelmente pensaram no padre Franz como uma bênção enviada a eles pelo lorde Truyeo.”

“Eu não posso acreditar que chegou a isso,” Sem finalmente falou.

“Ancião, certamente você viu o potencial para isso acontecer, não é?” Lawrence perguntou sem rodeios.

O rosto de Sem ficou em branco e ele fechou os olhos, suspirando. “Suponho que sim… eu vi. Mas e pensar que o licor de Khepas iria aparecer...”

“O licor de Khepas?”

“Ah, sim, é o que chamamos de trigo venenoso. É feito de centeio, e todos nós sabemos disso — não posso imaginar que alguém da aldeia seja tão descuidado que o misture com trigo com pureza suficiente para

matar um homem.”

Lawrence concordou. “Então se conclui que alguém fez isso intencionalmente,” disse ele.

“Os aldeões culparão o viajante, já que os forasteiros são sempre suspeitos,” disse Sem.

“E depois disso, Evan, o moleiro.”

Sem assentiu e depois assentiu novamente. “Falei com Elsa há pouco, e ela acredita que Enberch seja responsável. Eu sou patético. Eu acreditava que, desde que pudéssemos plantar trigo e vendê-lo facilmente, teríamos paz. Não pensei em mais nada.”

“Quando o mensageiro de Enberch chegar, ficará claro se isso tudo é obra deles ou não. Se possível, eu gostaria de falar com Elsa antes disso,” disse Lawrence.

Todos os conselhos que Lawrence tinha dado a Sem foram simplesmente uma preparação para essa frase.

“Entendido.” Sem se levantou e abriu a porta, dando ao aldeão algumas breves instruções. Ele então se virou para Lawrence. “Este homem vai levá-lo até ela.”

Sem se agarrou à sua bengala enquanto se afastava para Lawrence e Holo passarem.

“Embaraçosamente… isso custou um bocado nesse meu corpo antigo. Por favor, me diga o que você planejou depois.”

O aldeão apressadamente empurrou a cadeira em que estava sentado. Sem se sentou, aparentando dor em suas feições.

Embora fosse conveniente que Sem não os estivesse seguindo para a igreja, ele também era o único que poderia proteger Holo e Lawrence da ira dos aldeões.

Lawrence certamente esperava que tudo isso fosse resolvido pacificamente.

Ele se sentiria mal se Sem desmoronasse agora, então se despediu do homem com algumas palavras gentis antes de sair de sua casa.

O fogo na praça da aldeia ainda ardia intensamente com pequenos grupos de aldeões reunidos aqui e ali conversando.

Assim que Lawrence e Holo saíram da casa do ancião, os olhos de todos os aldeões caíram sobre eles.

“Bem, isso certamente é desagradável,” murmurou Holo.

Se o aldeão que os levasse à Igreja fosse traí-los, Lawrence e Holo quase certamente seriam espancados e enforcados pela multidão enfurecida.

Era uma situação incrivelmente delicada.

Embora a igreja estivesse a uma curta distância, agora ela parecia muito longe.

“Iima, o ancião nos enviou.”

Eles finalmente chegaram à igreja, quando o aldeão bateu na porta e se anunciou em voz alta.

Sem dúvida, a voz alta também era para avisar aos aldeões vizinhos que ele estava levando os dois viajantes pelas ordens do ancião.

O que um aldeão temia acima de tudo era ser isolado por seus iguais.

Logo a porta da igreja se abriu e Iima convidou Lawrence e Holo para dentro. O aldeão que era seu acompanhante parecia visivelmente aliviado, com os ombros caídos.

Os olhares cheios de ódio que Lawrence e Holo suportaram estavam tingidos de vermelho pela luz do fogo, mas agora a porta fechada da igreja os bloqueava.

Era uma porta magnífica, mas Lawrence não tinha certeza de como ela pararia algo além de olhares odiosos.

“Então o ancião te enviou? O que foi?” Embora ela os tivesse deixado entrar na igreja, Iima bloqueou o caminho deles, não deixando que fossem mais adentro.

“Eu preciso falar com a senhorita Elsa.”

“Com Elsa?” perguntou Iima, com os olhos estreitos em suspeita.

“Sem garantiu a minha segurança em troca da minha sabedoria e moeda. Mas para tornar a sabedoria e a moeda tão eficazes quanto possível, preciso de informações precisas. Acredito que a senhorita Elsa tenha uma melhor compreensão da situação do que Sem.”

Lawrence esperava que Iima, que vivera e viajara sozinha, tivesse alguma simpatia por ele e por Holo e pela situação irracional em que agora se encontravam.

Sem deixar claro se correspondia essa esperança, ela gesticulou com o queixo na direção da sala de estar. “Ela está lá; siga-me,” disse Iima, dirigindo-se para o interior da igreja.

Holo ainda estava olhando para o santuário.

Se Lawrence não estivesse lá, ela já teria forçado a entrada na igreja em uma vez que tivesse o livro entre seus dentes, Holo teria escapado para o horizonte.

À esquerda do santuário estavam os escritórios de estudos sacerdotais.

Luz de velas brilhava ao virar a esquina no final do corredor, e quando o grupo o dobrou, eles encontraram Evan.

Ele estava parado diante da porta da sala, com o machado na mão.

Não foi difícil adivinhar por que ele estava lá.

Quando notou Lawrence e Holo, ele ficou surpreso a princípio, antes que seu rosto tomasse uma expressão mais complicada.

Havia duas pessoas na aldeia que eram suspeitas de envenenar o trigo. Evan, é claro, sabia que não era ele, então isso o deixava apenas uma pessoa para suspeitar. Ele era, no entanto, uma das poucas pessoas que podia acompanhar o caminho que todo o trigo da aldeia tomava.

Talvez ele soubesse que não havia chance de Lawrence envenená-lo.

“Elsa está aqui, correto?”

“Ah, sim, mas —”

“O ancião já deu permissão. Elsa! Elsa!” Disse Iima quando ela passou por Evan.

A lâmina do machado que Evan segurava estava enferrujada, e o cabo parecia ter sido comido pelos cupins.

Lawrence podia entender o que faria Evan pegar uma arma dessas e ficar na frente da porta daquele jeito.

Afinal, o próprio Lawrence ficou na frente de Holo, exausto e espancado, para protegê-la nos esgotos sob Pazzio.

“O que foi?” Perguntou Elsa. “Você tem convidados.”

“Hã? Oh —”

“Viemos falar com você,” disse Lawrence.

A expressão de Elsa era de certa forma ainda mais neutra do que

quando visitaram a igreja anteriormente. “Muito bem, venham —” Iima levantou a voz. “Elsa.”

Elsa estava prestes a se retirar para o quarto quando se virou na voz de Iima.

“Está tudo bem mesmo?” Iima perguntou.

Sem dúvida ela estava se referindo a Lawrence e Holo.

Lawrence não estava confiante em sua habilidade para ganhar de Iima em uma briga. Ele ponderou enquanto ela deu a ele um olhar intimidador.

Evan engoliu em seco e olhou.

“Não podemos depender deles, mas podemos confiar neles,” disse Elsa. “Afinal, eles pelo menos sabem rezar.”

Este era o tipo de sarcasmo que Holo gostava. Lawrence notou que a própria Elsa deu um leve sorriso.

Sob o capuz, a expressão de Holo sugeria que ela não tinha tempo para lidar com pessoas sem importância — mas o que realmente a irritava era sem dúvida que ela queria retrucar, mas não podia.

“Bem. Evan, garoto — você deve protege-la, ouviu?” ordenou

Iima, batendo no ombro de Evan e voltando pelo corredor.

Era um bom sinal Iima não ter insistido em ser incluída na conversa.

Enquanto ela estivesse por perto, Evan e Elsa se sentiriam seguros.

“Peço desculpas pela interrupção,” disse Lawrence, entrando na sala com Holo atrás dele.

Evan, com o machado na mão, estava prestes a segui-los, mas Elsa o deteve.

“Você espera lá fora.”

“O que? Por quê?”

“Por favor.”

A relutância de Evan era compreensível. Ele assentiu com relutância depois que Elsa pediu novamente, mas ainda parecia insatisfeito.

Lawrence desamarrou a bolsa de moedas que estava fixada em sua cintura e a estendeu para Evan. “Qualquer mercador choraria se perdesse sua bolsa de moedas. Estou deixando isso com você. Pense nisso como prova de que pode confiar em mim.”

A bolsa de moedas continha apenas seu dinheiro, por isso não era muito para Lawrence, mas Evan segurou a bolsa como se estivesse fumegante, olhando de um lado para o outro, entre a bolsa e o rosto de Lawrence, seu rosto à beira de lágrimas.

“Vou deixá-la sob seus cuidados,” finalizou Lawrence.

Evan assentiu e deu um passo para trás.

Elsa fechou a porta e voltou a olhar para o quarto.

“Uma excelente atuação. Se Enberch fosse tão habilidosa quanto você, não teríamos outra opção a não ser nos render,” ela disse com um suspiro.

“Você duvida de nós?”

“Se você fosse de Enberch, então seriam os anciões da Igreja vindo para a aldeia, não uma carroça cheia de trigo.”

Elsa se afastou da porta e se sentou em uma cadeira, gesticulando com desprezo para que Lawrence e Holo fizessem o mesmo. Ela massageava as têmporas, como se sofresse de uma terrível dor de cabeça.

Ela continuou. “Além disso, é ainda mais difícil acreditar que você veio aqui para envenenar o trigo do que acreditar que você veio em busca de heresias.”

“Com isso você quer dizer...?”

“Hmph. Enquanto o Ancião ainda duvida de você, tudo isso... tudo isso é claramente obra de Enberch. Mas eu nunca imaginei que chegaria a isso.”

“Padre Franz faleceu no verão passado, correto? É difícil ter trigo venenoso pronto em apenas seis meses. Onde quer que você vá, o Fogo do Inferno de Ridelius — quer dizer, o licor de Khepas — é escondido e descartado assim que aparece,” disse Lawrence.

Se Enberch tivesse preparado o trigo venenoso há muito tempo e nunca colocado o plano em ação, provavelmente era porque não havia viajantes convenientemente fora de época para pôr a culpa em Tereo até agora.

Pensando nisso racionalmente, os habitantes da cidade provavelmente também temiam o padre Franz.

Da mesma forma, no entanto, eles sem dúvida decidiram que poderiam agir com segurança contra Elsa.

“O estado financeiro da aldeia é desolador. Eu  gostaria muito de pedir a ajuda dos meus apoiadores, mas todos eles estão me apoiando apenas por causa do legado de meu pai. É tudo o que posso fazer para convencê-los a continuar esse apoio. Se eu pedir mais, corro o risco de perder o que tenho,” disse Elsa.

“...Sem dúvida.” Lawrence pigarreou. “Então, Senhorita Elsa — o que você acha que acontecerá conosco agora?”

Um clérigo típico lhe diria que, enquanto confiasse na graça de Deus, não havia necessidade de se preocupar, que Deus conhecia a verdade.

Um sorriso dançou nos cantos da boca de Elsa. “Você está me perguntando?” Ela falou em voz baixa.

“Aqueles que melhor podem me dizer como a peça de Enberch vai

acabar são você e Iima.”

“Assim como vocês duas, não concorda?”

Elsa claramente não queria falar isso.

Sobre a questão de que tipo de pedidos o mensageiro de Enberch traria e quem seria levado de volta a Enberch em troca do trigo, Lawrence e Elsa tinham uma única opinião.

Lawrence assentiu, depois olhou para Holo ao lado dele. Sob o capuz, ela parecia sonolenta.

Ela estava bem ciente do que seu papel seria em breve, então ela

parecia estar dizendo: “Deixe-me descansar até lá.”

Lawrence de repente olhou para Elsa. “Estamos planejando escapar,” disse ele casualmente.

Elsa ficou imóvel. No máximo, o rosto dela mostrava desprezo, como se estivesse lidando com uma criança particularmente densa e lenta. “Acredito que o tempo para a fuga passou há muito tempo.”

“Você acha que Enberch já tem a estrada sob vigilância?”

“Isso é bem possível. Se eles de fato planejaram tudo isso, então também precisariam de vocês dois.”

A opinião de Elsa reforçava a de Lawrence — o que significava que o mesmo problema incomodava os dois.

“A suspeita da aldeia é destinada a você e Evan. Será difícil se defender. No entanto, se você correr, será o mesmo que admitir sua culpa,” disse Lawrence.

Se Elsa fosse um pouco mais velha e fosse um homem, ela teria sido capaz de herdar facilmente o grande legado do padre Franz, pensou Lawrence.

“Independentemente disso, mesmo que vocês dois conseguissem fugir a cavalo, talvez nem conseguissem passar pelos aldeões.”

“Se minha companheira fosse apenas a donzela que ela parece ser, isso seria verdade.”

Lawrence teve a sensação de que as orelhas de Holo se contorceram, talvez devido a sua irritação com o olhar de Elsa.

“Falando em termos de resultados, podemos escapar. Podemos fugir quando quisermos,” ele falou.

“Então... por que você não fugiu?”

Lawrence assentiu. “Primeiro, ainda não lemos todos os livros da adega. Além disso, se corrermos, quem você acha que seria o próximo na fila a receber a ira dos aldeões?”

Elsa apenas engoliu em seco.

Sua mente rápida e lógica já a levara a essa conclusão, e ela já parecia estar preparada para enfrentá-la.

“Eu não sei como planeja escapar, mas você tem confiança de que pode levar Evan com você?”

“Não só ele, mas você também.”

Pela primeira vez, Elsa sorriu. “Ridículo,” pareceu dizer. “Eu não vou impedir nem encorajar sua fuga. Como aldeã, não posso permitir que você fuja já que ainda é o maior suspeito. Mas, como seguidora da Igreja, não posso permitir que seja injustamente condenado e rezaria pelo seu sucesso.”

Ela deve ter pensado que Lawrence estava encurralado e falando besteira — justificando o seu modo estranhamente descuidado.

“De qualquer forma, com relação ao seu primeiro ponto, não tenho motivos para te recusar a esta hora tardia. Eu gostaria de deixar você terminar de ler os livros…” ela continuou.

“Neste momento, há apenas um único volume que gostaríamos de ver.”

Holo se mexeu e disse: “Está atrás do altar. Eu gostaria de ler apenas esse livro... dada a situação. Não vou pedir mais.”

Elsa fechou os olhos lentamente, parecendo chegar a uma decisão. Ela pode ter decidido conceder um favor a pessoas que achava que em breve estariam mortas.

Ela se levantou e abriu a porta.

“Wh-whoa!”

“Espionar é passível de punição,” disse Elsa.

“Er, não, eu não queria...”

“Francamente. De qualquer maneira, já não importa mais. Há um livro escondido atrás do altar. Vá buscá-lo, por favor.”

A discussão que acabara de acontecer não foi barulhenta, então Lawrence não tinha certeza se Evan tinha ouvido.

Evan hesitou por um momento, mas logo correu pelo corredor. Elsa o observou ir e pareceu murmurar algo baixinho, mas

Lawrence não conseguiu entender o que era.

Pode ter sido “Se pudéssemos escapar,” mas antes que ele pudesse perguntar a Holo, Elsa se virou para encará-lo.

“Eu não tentarei te impedir de escapar. No entanto” — ela era a nobre clériga — “até que fuja, você nos emprestaria sua sabedoria? Não há ninguém nesta aldeia que conheça bem a arte da moeda.”

Naturalmente, Lawrence assentiu. “Eu vou, embora não possa garantir que você vai achar minhas respostas satisfatórias.”

Elsa piscou surpresa, depois sorriu da mesma forma que sorria com Evan. “Parece que vocês mercadores gostam muito dessa frase.”

“Somos muito cuidadosos,” disse Lawrence, quando Holo pisou no pé.

“Eu trouxe o livro.”

Evan deve ter encontrado o livro com facilidade. Ele retornou mais rápido do que Lawrence esperava.

“Mas… esse não é um dos livros de lendas pagãs? Por que você precisa disso?” perguntou Evan.

Holo foi até ele e pegou — não, arrancou — o livro dele.

O conteúdo do livro era algo tão importante que o padre Franz cuidara de registrá-los com imparcialidade. Holo não tinha tempo para as perguntas de Evan.

Lawrence respondeu por ela. “Quando se envelhece, os contos antigos ficam mais interessantes.”

“Huh?” Grunhiu Evan sem entender.

Holo passou direto por ele e entrou no corredor.

Era óbvio que ela não queria ler o livro enquanto outros olhavam. Lawrence mandou que Elsa acendesse uma vela para ele, depois a colocou num candelabro e seguiu Holo.

Quando chegou na parte de trás do santuário, encontrou Holo agachada, segurando os joelhos como uma criança repreendida.

“Não importa quão bons sejam os seus olhos, você não pode ler no escuro.”

Ela abraçou o livro, tremendo levemente.

Apenas quando Lawrence se perguntou se ela estava chorando, ela olhou para cima lentamente. Seu rosto não mostrava sinais de fraqueza.

“Escuta aqui,” ela começou. “Se eu destruir este livro com raiva, você vai fazer resolver a situação?”

Ela não estava brincando. Isso era muito mais a cara de Holo do que qualquer lágrima.

Lawrence suspirou e encolheu os ombros. “Eu não me importo de pagar por isso, mas não rasgue as páginas para secar seus olhos.” Ele sentiu que era uma frase bastante boa.

Holo sorriu, mostrando suas presas quando ela olhou para cima. “Você felizmente compraria minhas lágrimas a um preço alto. Seria uma pena não chorar.”

“Existem muitas pérolas falsificadas no mundo. Eu odiaria comprar uma farsa.”

Era a brincadeira habitual deles. Ambos riram do absurdo que isso era.

“Você vai me deixar sozinha por um tempo para eu ler?” Ela perguntou.

“Vou. Mas me conte o que achou quando terminar.”

Se possível, Lawrence queria estar ao lado dela enquanto lia. Dizer isso, no entanto, provocaria sua raiva.

Se preocupar com alguém era o mesmo que não confiar nele.

Holo era uma orgulhosa loba. Lawrence tinha pleno conhecimento de que tratá-la como uma donzela delicada e chorosa traria represálias furiosas.

Ele se preocuparia com ela quando ela o convidasse a fazê-lo.

Deixando Holo com a leitura, ele não disse mais nada, nem olhou para trás. Holo respirou fundo como se já tivesse esquecido sua presença.

No momento seguinte, ele ouviu uma virada de página decidida.

Enquanto caminhava pelo corredor escuro, Lawrence bateu na cabeça com o punho fechado, tentando pensar em outra coisa.

Elsa não desistira de tentar restaurar a posição da aldeia. Se o conhecimento e experiência que Lawrence possuía pudesse ser de alguma ajuda, ele emprestaria.

Além disso, no fundo de sua mente, ele estava procurando as palavras que precisaria para persuadir Evan a fugir com ele se o pior acontecesse.

“Oh, Sr. Lawrence, você não vai ficar com ela?” Veio a pergunta surpresa de Evan quando Lawrence voltou para o quarto.

Percebendo a mudança de humor, Elsa retirou casualmente a mão de Evan, enxugando os cantos dos olhos. Holo nunca foi doce assim.

“Ah, se for melhor eu estar em outro lugar, eu posso me retirar.” Elsa limpou a garganta e Evan ficou branco.

Lawrence se perguntou se ele também ficava assim, mas não tinha o luxo de tais preocupações inúteis no momento.

Sem dúvida, Elsa também preferiria estar ao lado de Evan, sem precisar se preocupar com nada.

Ela logo recuperou sua expressão neutra.

“Bem, então, como meu conhecimento e experiência podem ajudá-la?”

“Eu ouvi do Élder Sem antes que, se todo o trigo for devolvido, teremos apenas setenta limar.”

O limar era uma moeda de ouro equivalente a vinte moedas de prata, o que significava que a dívida chegaria a cerca de mil e quatrocentos trenni.

Isso equivalia, provavelmente, à quantia que a cidade gastara para consertar as ferramentas, arrumando provisões para o inverno e comprando comida, bebida e luxos. Estimando generosamente a população de Tereo em cem famílias, que chegavam a quatorze moedas de prata para cada uma. A terra da aldeia não era particularmente grande — quatorze peças de prata eram uma estimativa muito alta.

“Mesmo se eles coletarem tudo o que possuo, seria como espalhar água em uma pedra quente. Se Enberch for o comprador, eles vão reduzir o preço o máximo possível. Todo o trigo da minha carroça mal daria duzentos na melhor das hipóteses,” disse Lawrence.

“Isso não é tudo. Não podemos simplesmente comer o grão que foi armazenado no celeiro, então vamos precisar de fundos para comprar mais para comer…” disse Elsa.

“Não poderíamos testar o trigo devolvido como veneno, alimentando pequenas quantidades com, digamos, cachorros?” Perguntou Evan.

No pior dos casos, essa seria sua única opção.

Mas os aldeões seriam capazes de sobreviver principalmente de pão de trigo possivelmente envenenado até a colheita do ano seguinte?

Improvável.

“O licor de Khepas é invisível, e mesmo se você pegasse um punhado de trigo seguro de um saco, o trigo diretamente abaixo dele poderia muito bem-estar envenenado.”

Mesmo supondo que Holo pudesse contar o trigo envenenado de forma segura, eles nunca seriam capazes de fazer os aldeões confiarem nela.

Eles podiam colher farinha ao acaso e fazer um pedaço de pão, mas o próximo pão poderia ser mortal.

“Não é difícil ver que tudo isso é obra de Enberch. E, no entanto, não podemos expô-los — por quê? Por que a primeira pessoa a contar uma mentira recebe toda a confiança?” Falou Elsa, com a palma da mão contra a testa.

Essas coisas aconteciam nos negócios o tempo todo.

Lawrence tinha visto inúmeras de brigas em que a parte que atirou a primeira pedra acabou ganhando.

Era comum dizer que, embora Deus revele a forma da justiça, Ele a põe à prova.

O sentimento de impotência de Elsa era compreensível.

“O nosso destino não nos levará a lugar algum,” disse Lawrence.

Elsa assentiu com a cabeça ainda descansando nas mãos. Ela olhou para cima e falou. “Verdade. Eu não posso chorar agora, meu pai... Padre Franz, ele iria... iria...”

“Elsa!”

Suas pernas pareciam perder toda a sua força e ela estava prestes a desmoronar, mas Evan conseguiu pegá-la um pouco antes.

Ela parecia exausta, com os olhos semicerrados e sem foco. Ela tinha a mão pressionada na cabeça por causa da tontura — anemia, talvez.

“Eu vou buscar Iima,” disse Lawrence.

Evan assentiu, depois deitou Elsa gentilmente, empurrando a cadeira para o lado.

Elsa desmaiou antes, quando Lawrence e Holo revelaram a verdade da existência de Holo.

Essa líder de uma igreja que ninguém frequentava — ela não era tão diferente de um deus sem adoradores.

Sem dízimos nem ofertas, ela só tinha um pobre moleiro como companhia.

Não importava como os dois dividissem seu pão escasso, isso ainda seria um sofrimento intolerável, Lawrence poderia ver.

Ele foi até a entrada do santuário onde encontrou Iima plantada em uma cadeira. Ela levantou assim que viu Lawrence.

“Senhorita Elsa desmaiou.”

“De novo? Anemia, certo? Ela se foça demais, aquela garota.”

Iima passou por Lawrence e voltou em breve carregando Elsa em seus braços, indo para a sala de estar.

Atrás deles veio Evan, segurando uma vela em uma mão, sua expressão conturbada.

“Ei, senhor Lawrence?” “Hm?”

“O que... o que vai ser de nós?” perguntou Evan, enquanto olhava fixamente para a sala de estar. Ele parecia uma pessoa diferente do Evan de alguns momentos atrás.

O colapso de Elsa havia claramente o abalado. Não, não era isso, Lawrence se corrigiu.

Evan não se permitia ter um olhar incerto diante de Elsa.

Até mesmo a robusta Elsa procurou se tranquilizar com Evan assim que Lawrence não estava mais por perto.

E como aquele cuja segurança era procurada, Evan não podia se deixar parecer fraco.

Mas isso não significava que ele mesmo não tivesse medo.

“Elsa continua dizendo não é verdade, mas os aldeões — todos suspeitam de você e eu, não é?”

Evan não olhou para Lawrence.

“Isso mesmo”, disse Lawrence, olhando vagamente. Evan respirou fundo. “Eu sabia…”

Seu rosto parecia quase aliviado.

Para Lawrence parecia uma expressão de derrota, mas de repente Evan continuou. “Ainda assim,” disse ele, olhando para cima. “O que você disse antes é verdade?”

“Qual parte?”

“Eu não quis escutar, mas... a parte sobre ser capaz de escapar.” “Aí sim. Sim, podemos escapar.”

Evan olhou rapidamente para a sala e depois para Lawrence. “Com Elsa também?”

“Sim.”

Evan estava acostumado a ser objeto de suspeita, mas não estava acostumado a suspeitar; ele parecia desconfortável.

Estava claro que sob as chamas de sua dúvida estava o desejo de acreditar.

“Se minha companheira e eu escaparmos sozinhos, a culpa cairá sobre você e Elsa. Portanto, é meu desejo egoísta que, se houver uma fuga, vocês dois viessem comigo.”

“Isso não é nada egoísta! Eu não quero morrer aqui. Eu não quero deixar Elsa morrer aqui. Se você nos ajudar, eu quero fugir. Mesmo Elsa, tenho certeza de que ela... Evan olhou para baixo, enxugando os cantos dos olhos antes de continuar. “Tenho certeza que ela quer sair desta vila. Os aldeões afirmam ter uma grande dívida com o padre Franz, mas nunca demonstram gratidão. Eles nunca escutaram seus ensinamentos, e mesmo quando ofereciam enormes sacrifícios ao velho deus da aldeia, eles não davam nem um pedaço de pão para a igreja. Se não fosse pelo Ancião Sem e a Sra. Iima, teríamos morrido de fome há muito tempo.”

As palavras de Evan eram pesadas e não premeditadas.

Parecia que ele tinha muito mais a dizer e sua boca se abriu como se fosse falar. Seus pensamentos não conseguiam acompanhar, e não havia palavras.

Foi Iima emergindo da sala de estar que interrompeu. “O mundo lá fora também não é bom,” disse ela, com as mãos nos quadris e uma expressão cansada no rosto. “Mas é muito melhor que este lugar. Não sei quantas vezes tentei contar a ela.”

“Você tem alguma experiência com a vida de viajante, não é?” perguntou Lawrence.

“Claro. Você ouviu meus contos na taverna, não ouviu? Eu não acho que uma pessoa precisa ficar na mesma cidade ou vila toda a sua vida. A atitude dos aldeões mudou assim que a saúde do padre Franz falhou, mas aquela garota é tão teimosa. Ela teria gostaria de partir há muito tempo Evan, mesmo sem você dizer a ela.”

Evan se virou, mas se por vergonha ou raiva, era difícil dizer.

“Mas o que está acontecendo agora… é um desastre para a vila. Estou tão assustada com o nosso futuro quanto qualquer outra pessoa. Mas tenho que admitir que seria uma boa chance para essa igreja desajustada finalmente se livrar de Tereo.”

Dizer que a igreja iria “se livrar” de Tereo era uma forma otimista de pensar. Não havia como evitar o fato de que Elsa e Evan estavam sendo expulsos. Lawrence esperava que Holo não estivesse escutando essa conversa.

No entanto, ele não achava que fazia sentido para Elsa e Evan ficarem só para morrerem juntos.

“Então, se você... er...” começou Iima.

“Lawrence. Kraft Lawrence.”

“Ah, sim, senhor Lawrence. Se você tiver alguma maneira de escapar com eles, acho que deveria. Não — eu quero que você faça isso. Este lugar é minha casa, afinal. Eu não quero que ele ganhe a reputação de que mata pessoas inocentes. Seria muito triste.”

O trigo da aldeia havia sido envenenado e seria devolvido.

Quantas pessoas se preocupariam com a reputação em tal crise?

“Eu suponho que precisaremos persuadir Elsa.”

Iima concordou com a declaração de Evan.

As pessoas deixam suas cidades por muitos motivos. Alguns, como Lawrence, cortaram todos os laços enquanto outros o abandonaram por necessidade. Outros ainda — por exemplo, Iima — tiveram suas casas destruídas.

Holo partiu para viajar por um tempo e acabou não voltando para casa por séculos, durante os quais Yoitsu foi destruída.

Às vezes as coisas ocorriam como se desejava; outras vezes não.

Por que o mundo sempre foi assim?

Talvez fosse porque estava em uma igreja que os pensamentos de Lawrence se desviavam para lugares tão pouco comuns.

“Espero que todos fiquem calados até que o mensageiro de Enberch chegue. Seria melhor fazer seus preparativos e partir antes dele chegar se você for fugir,” disse Iima.

Sem havia dito que o mensageiro provavelmente chegaria por volta do amanhecer.

Eles tinham algum tempo até então.

Evan assentiu e correu para a sala de estar.

Lawrence estava prestes a dar uma olhada em Holo quando Iima o deteve.

“Com toda essa conversa sobre fuga, como exatamente você planeja fugir?” Ela perguntou.

Era uma pergunta perfeitamente razoável. Sua resposta, no entanto, não foi nada.

“Se alguém pode entrar em uma floresta e encontrar uma donzela que faz uma deliciosa cerveja, então certamente existem outros seres igualmente misteriosos no mundo?”

Iima ficou surpresa por um momento, depois sorriu duvidosamente. “Não me diga que você conheceu uma fada.”

Era um chute.

Lawrence encolheu os ombros e deu um aceno vago.

Iima riu com vontade. “Ha! Essas coisas realmente acontecem, eu me pergunto.”

“Sem dúvida, o duque que te encontrou se sentiu da mesma maneira.”

Iima sorriu, então tocou sua bochecha pensativamente. “Eu certamente ouvi essas histórias em minhas viagens, mas e pensar... eu acho que você está falando de sua companheira?”

O chute foi certeiro.

“Eu não posso exatamente mentir em uma igreja.”

“Certamente. Bem, eu sou apenas a dona da taverna e posso estar bêbada o ano todo. Tudo o que desejo é que esta aldeia seja boa. Sinto muito por te atrasar.”

Lawrence sacudiu a cabeça. “De modo nenhum.”

Iima sorriu. “Eu ouvi dizer que para capturar uma fada da sorte em uma garrafa, você precisa usar licor feito de néctar. É o licor que também me atraiu para esta aldeia.”

“Vou me certificar de usar o vinho da próxima vez que estiver com problemas,” disse Lawrence com um sorriso ao se virar e voltar para a escuridão.

Indo em direção à parte de trás do santuário onde esperava encontrar Holo, ele contornou a segunda esquina apenas para dar de cara com a parede.”

Ou foi o que ele pensou — mas o que estava diante dele era um livro grosso e pesado.

“Idiota. Como se eu fosse ceder a uma simples bebida.”

Lawrence pegou o livro, esfregando o nariz. Ele deu uma olhada para Holo.

Ela não parecia ter chorado. Este fato o aliviou.

“Então você terminou de conversar?” “Mais ou menos.”

“Mm. Bem, da minha parte eu alcancei meu objetivo. Tudo o que preciso fazer agora é mantê-lo seguro.”

Lawrence olhou para o livro. Holo notou seu olhar. “Mais ou menos, eu diria,” disse ela.

“Mais ou menos?”

“Metade de mim gostaria de não ter lido, e a outra metade está feliz por eu ter lido.”

Não era uma resposta muito clara. Gesticulou com o queixo para o livro, como se dissesse a Lawrence para ver por si mesmo, depois se sentou ao lado da vela e pegou sua cauda.

A folha de pergaminho presa entre as páginas do livro provavelmente marcava a seção que tratava de Yoitsu.

Lawrence, no entanto, começou no começo.

O livro era organizado como uma narrativa que começou com as origens do espírito do urso e continuou nas muitas histórias sobre o espírito de várias regiões.

Estava escrito no livro que o espírito do urso era verdadeiramente gigantesco, digno do epíteto “caçador lunar”. Dizia-se que ele era tão vasto que até a montanha mais alta não passava de uma almofada para que o espírito do urso se deitasse.

O animal de pele branca tinha uma disposição selvagem e dizia-se que era um precursor da morte. Matou sem piedade todos os que se opuseram. O espírito do urso viajava de região para região, desafiando qualquer ser que fosse adorado como um deus. Depois de matar, devorou toda a comida da região e seguiu em frente. Os contos do livro eram todos assim.

Além da seção marcada pela folha de pergaminho, as histórias eram muito parecidas.

Entre eles, o conto mais longo dizia respeito à batalha do espírito do urso contra a serpente do mar de Teuperovan, uma criatura tão vasta que um continente e inúmeras ilhas eram carregadas em suas costas. Houve até uma canção escrita sobre o grande conflito, cujas letras continham uma referência a uma ilha na região de Radoon, que havia sido criada quando a terra caiu das costas da serpente no decorrer da batalha. A luta entre o urso e a serpente tinha sido feroz, e muitas páginas foram dedicadas a registrar sua extensão.

Os outros contos, embora não fossem tão épicos, ainda eram espetaculares, e todos serviam para confirmar tanto a selvageria invencível do urso quanto o número de espíritos menores que ele derrubara.

Era fácil entender por que o padre Franz queria julgar as histórias sem preconceitos.

Se essas histórias fossem acreditadas, isso significaria que os espíritos nesta área já haviam sido devastados antes que a Igreja se mudasse do sul.

Depois que Lawrence leu a seção que tratava de Yoitsu, seus sentimentos fiacaram bastante complicados.

Embora Yoitsu fosse de fato mencionada, parecia que os espíritos da região haviam enfiado o rabo entre as pernas e corrido, e a própria Yoitsu se despedaçara em menos tempo do que uma fruta leva para cair do galho de uma árvore para o chão. Isso foi tudo o que tinha sido escrito. Se alguém estivesse folheando rapidamente as páginas, essa seção seria fácil de perder.

Os espíritos da região eram sem dúvida velhos amigos de Holo. Se eles tivessem realmente fugido, isso significava que estavam a salvo, mas também os fazia parecer inevitavelmente patéticos.

Agora, Lawrence sabia o que Holo queria dizer, meio que desejando que não o tivesse lido e meio feliz por ter lido.

A história de Yoitsu não tinha sido muito interessante — era apenas uma breve e desinteressante seção. Holo não poderia ter gostado.

Tudo o que disse, o fato de que Yoitsu não havia sido destruída depois de uma luta amarga e desesperada, era uma boa sorte dentro de uma situação ruim. Se tudo isso fosse verdade, talvez os espíritos que conheciam o nome Yoitsu tivessem acabado de se mudar para outro lugar.

Assim como Holo não conseguiu estar genuinamente feliz com essa notícia, Lawrence não sabia o que dizer a ela. Se seus companheiros estavam vivos, era porque eram covardes.

Ele fechou o livro e olhou furtivamente para as costas de Holo.

O tempo em que o mundo girava em torno dos deuses passara. Até a Igreja, com toda a sua grande influência no Sul, sentia os efeitos.

Mas havia muitos deuses que nunca tiveram uma influência particularmente forte, mesmo no passado distante.

Diante dessa verdade — de que o mundo dos deuses não era tão diferente do dos humanos — a forma de Holo parecia menor do que o normal.

Ela tinha sido até mesmo desprezada em sua própria aldeia. Lawrence sentiu como se entendesse a fonte de sua solidão.

Ela não era diferente de uma pessoa — de certa forma, ela era a jovem que parecia ser. Assim como ocorreu a ele —

“Talvez seja apenas a minha imaginação, mas sinto que alguém está olhando para mim de uma maneira verdadeiramente enfurecedora.”

Holo se virou e deu a Lawrence um olhar avassalador. O monarca de um pequeno país ainda era um monarca.

“Não, não, eu não sou… Não, suponho que sou. Sinto muito. Não fique com tanta raiva.”

Normalmente Holo teria se afastado. Lawrence não teve escolha senão repensar sob seu olhar fulminante.

Ele estava correto sobre ela.

“Hmph. Estou satisfeita em saber que meus amigos estão seguros.

Isso é tudo que importa.”

Sem dúvida, ela queria acrescentar “Então, não me pergunte mais nada,” mas seu orgulho de loba sábia não a deixava fazer um pedido tão lamentável.

Lawrence não pôde deixar de se divertir um pouco com seu modo infantil.

Ele tossiu para esconder o sorriso que inevitavelmente subiu aos lábios, depois falou. “Isso é realmente uma boa notícia, mas ainda não temos mais informações sobre a localização de Yoitsu.”

Ele folheou as páginas mais uma vez.

Embora as informações sobre a própria Yoitsu fossem escassas, parecia que todos os contos do espírito do urso eram muito antigos, a maioria deles ocorrendo em cidades ou vilarejos de que Lawrence nunca tinha ouvido falar e em nações com nomes desconhecidos.

Ele tinha ouvido algumas das histórias antes — notavelmente, a história da serpente marinha — e, embora soubesse da região de Radoon, não havia nada que o ajudasse a diminuir o paradeiro de Yoitsu.

No entanto, de todas as histórias de destruição em massa provocadas pelo espírito do urso, era estranho que Lawrence tivesse ouvido falar justo de Yoitsu.

Era inútil considerar, mas Lawrence não podia deixar de pensar nisso.

“O mundo não gira como se deseja,” ele falou, fechando o livro.

Holo  mastigou  a  ponta  da cauda.  “Certamente.” Ela suspirou.

“Então, e sobre aqueles que moram nessa vila cujas vidas não estão indo como gostariam? Se você for fugir, decida logo. Seria melhor fugir no escuro da noite.”

“Elsa e eu sabemos do nosso destino se ficarmos aqui. Precisamos ter certeza do que faremos, mas, nesse caso, acho que a discrição muito importante.”

“Uma ideia ruim é pior do que nada,” disse ela com um bocejo, de pé. “Ainda assim, se chegar a esse ponto, você vai tomar um grande prejuízo.”

“Não tenho o que fazer. Não é como se pudéssemos levar o trigo conosco.”

“Mesmo assim, você não parece muito chateado com isso.”

“Não?” Perguntou Lawrence, acariciando o queixo. Não era a primeira vez que ele era pego nesse tipo de disputa. Às vezes, as perdas eram inevitáveis.

Era verdade que seu lucro em Kumersun havia excedido e muito as suas expectativas, mas mesmo assim, Lawrence ainda se surpreendia com a própria calma.

E em todo caso, a vida de um viajante era algo barato para uma aldeia isolada. Saber que sua própria vida não estava realmente em perigo já era lucro suficiente.

“Ainda assim, mesmo com as coisas como estão, há algumas coisas caras que provavelmente podemos salvar,” disse Lawrence.

“A pimenta, certo?”

Qualquer mercador teria pensado a mesma coisa. Pimenta e outras especiarias eram caras porque eram escassas. No entanto, se eles não conseguissem estocar nada, não havia sentido em falar sobre transportá-lo.

Algo ocorreu a Lawrence enquanto pensava sobre isso. “Há um produto caro e ainda mais leve do que as especiarias que podemos trazer conosco.”

“Oh?”

“É a confiança.”

Holo deu a Lawrence um olhar raro de admiração, depois sorriu maliciosamente. “Vou esperar para vender a confiança que você deposita em mim até que ela fique um pouco mais valiosa.”

“Você tem alguma ideia do quanto eu me tornei paranoico desde que sou provocado tão impiedosamente por você?”

Holo riu, depois passou o braço ao redor de Lawrence. “Eu suponho que terei que fazer as pazes com você.”

“Este é exatamente o tipo de coisa que aprendi a desconfiar.”

Holo não se movia; ela estreitou os olhos. “Mentiras só vão diminuir o valor da sua confiança.”

Ela nunca jogou justo.

“Mesmo assim, você nunca me culpou por esse problema em que estamos, e por isso sou muito grata.”

“Hã?”

“Se eu não tivesse insistido em vir aqui, você não estaria sofrendo esse prejuízo.”

Então ela estava jogando assim agora, Lawrence refletiu.

No   entanto,   esses   provavelmente   eram   seus verdadeiros sentimentos.

“Bem, o que você acha de moderar sua alimentação e bebida por um tempo para compensar a perda, hm?”

Holo gemeu. “Você certamente está menos contido.”

“Fique à vontade para tomar as rédeas e —” começou Lawrence, enquanto colocava a folha de pergaminho de volta entre as páginas do livro. Seus olhos se encontraram.

A estátua da Santa Madre olhou para os dois, a cabeça inclinada como se estivesse perdida com a conversa tola que se desenrolava abaixo dela.

O som que agora ecoava pelo santuário ruidoso o bastante para que Lawrence o ouvisse certamente não era uma bênção da Santa Madre. Alguém estava batendo na porta da igreja.

“Eu tenho um mau pressentimento sobre isso,” disse Lawrence.

“Pressentimentos ruins geralmente estão corretos,” disse Holo, soltando o braço de Lawrence. Os dois correram pelo corredor.

Lawrence ouviu o som da batida de novo, junto com Iima gritando algo em resposta.

Era óbvio para ambos que os aldeões exigiam que Iima entregasse Lawrence e Holo.

“Não, por aqui não!” Disse Iima. “Para a parte de trás da igreja — vá!”

“Mas —”

“Eles estão tagarelando sobre se te entregarem para Enberch, Enberch vai perdoar tudo isso! Eles nunca planejaram lidar com isso eles mesmos. Até o trigo cresce da terra por conta própria — eles ficam felizes em colhê-lo, desde que seja conveniente. Contanto que as coisas sejam fáceis, eles farão de tudo para continuar assim!”

Enquanto Iima falava, havia mais pancadas fortes na porta.

Era uma igreja em uma área pagã e, como tal, tinha um pesado ferrolho de madeira na porta.

Parecia improvável que os aldeões conseguissem atravessar a porta principal, mas havia uma frágil janela de madeira na sala de estar. Se eles ficassem sérios, poderiam facilmente quebrá-la e entrar na igreja.

Agora era uma luta contra o tempo.

Nesse momento, Evan apareceu com Elsa no encalço.

“Vou convencê-los a —” Elsa começou.

“Não seja ridícula,” disse Iima.

“Mas—!”

Iima deu uma pancada forte na porta, depois se virou para Elsa. “Você sair para enfrentá-los seria como jogar combustível no fogo. Você acha que fez um bom trabalho tentando esconder, mas todo mundo sabe que você e Evan são próximos. Na pior das hipóteses, eles chamariam você de herege só para poder entregá-lo a Enberch.”

Iima tinha uma boa noção da situação.

Lawrence podia facilmente imaginar isso. Forçada a escolher entre Elsa e a vila, até mesmo Sem, que tinha sido o último raio de esperança de Elsa e Evan, provavelmente ficaria do lado da vila.

Ninguém queria jogar fora sua vida, sua posição, seu nome e sua casa.

“Ouça bem, agora. Você não pode ficar aqui. Olhe para esses dois viajantes estranhos e você entenderá — o mundo é vasto. Os aldeões não podem compreender isso. Você deve pelo menos tentar começar sua nova vida com companheiros nos quais possa confiar,” disse Iima.

Havia muita coisa que Elsa e Evan tinham que abandonar, mas havia muito que ganhariam.

Elsa se virou para olhar para Evan e depois os dois baixaram os olhos.

Lawrence entendeu isso e percebeu que os dois não precisavam trocar nenhuma palavra para transmitir seus pensamentos no momento. Só então, Holo puxou sua manga.

Embora nunca tenha dito isso, ela deve ter desistido de muitas coisas ao deixar a aldeia que habitou por tantos séculos.

“Não importa a jornada, quando você chegar a uma bifurcação na estrada, deve decidir em um instante qual caminho seguir,” disse Holo.

“Você está certa,” concordou Lawrence.

Elsa fechou os olhos e agarrou abertamente a mão de Evan.

Ela abriu os olhos. “Eu quero fugir.”

Iima olhou para Lawrence, que olhou para Holo.

“Deixe comigo,” disse Holo. “Eu tenho uma condição,” ela continuou, puxando o capuz e ignorando a surpresa de Iima e Evan. “Pense em tudo o que acontece a partir de agora até o amanhecer como um sonho.”

Quando se tratava de determinação, talvez as mulheres fossem melhores que os homens.

Elsa assentiu, e só depois de vê-la concordar, Evan também assentiu.

“O que eu sou senão uma fada que produz cerveja na floresta?

Bêbados não se lembram de nada,” disse Iima.

Holo sorriu. “Então deixe tudo isso para mim. Agora, se o bando lá fora tiver lanças, posso passar por elas facilmente, mas elas podem te incomodar.

“A igreja tem uma porta dos fundos?” perguntou Lawrence.

Por um momento, Elsa começou a sacudir a cabeça, mas parou. “Talvez — padre Franz me falou sobre o porão apenas uma vez, mas quando o fez, ele disse que havia uma passagem subterrânea acessível por trás.”

Se a construção de igrejas era a mesma em todo o mundo, então também eram as ações das pessoas dentro delas.

Qualquer igreja com tantos inimigos quanto esta teria passagens secretas para escapar — era um fato bem conhecido entre o tipo de pessoas que precisavam saber.

“Bem, vamos usá-la,” disse Lawrence. Elsa assentiu e olhou para Iima.

“As coisas devem ficar bem por um pouco mais. Eles ainda não decidiram exatamente o que querem fazer lá fora.”

Era verdade — quando Iima bateu na porta por dentro, a algazarra pareceu ter se acalmado.

“Vamos descer para o porão, então,” disse Lawrence.

“Estamos confiando em você,” disse Elsa, com um tom firme, embora a incerteza estivesse clara em suas feições.

Qualquer um sentiria medo ao ouvir repentinamente que precisavam deixar a cidade natal para sempre, a menos que passassem seus dias sonhando em fazer exatamente isso.

“Para você vai ser fácil,” disse Iima. “Pelo menos você pode se preparar um pouco antes de sair.” A cidade natal de Iima fora arrasada por piratas e ela teve que fugir para salvar sua vida.

“De fato,” concordou Holo. “Não é como se a sua casa fosse desaparecer amanhã. Fique feliz que ainda exista.”

“Oh, ho, a Senhorita Fada perdeu sua casa também?” “Não me misture com essas criaturas fracas.”

O conhecimento do sofrimento dos outros não diminuia o sofrimento de alguém, afinal de contas.

No entanto, poderia ser usado como um pouco de encorajamento.

Elsa recuperou sua determinação. “Vamos nos preparar de maneira correta,” disse ela.

“Você tem dinheiro para viajar?” Iima perguntou.

“Evan,” disse Lawrence. Evan se lembrou da bolsa de moedas que Lawrence lhe confiou e entregou para Lawrence. “Isso deve ser o suficiente para nós quatro, desde que comamos frutos,” disse Lawrence.

“Muito bom. Certo, agora vão!”

Com as palavras de Iima, todos entraram em ação.

Ela era a imagem de uma mulher heroica, Lawrence pensou enquanto corria. Assim que chegaram à estátua da Santa Madre, Holo falou como se tivesse lido os pensamentos de Lawrence.

“Nem eu consigo igualar a presença dela.”

Lawrence abriu a boca para falar, depois pensou melhor. Isso, obviamente, não passou despercebido.

“Não se preocupe — esta é a única forma que posso assumir,” disse ela com uma risada.

Lawrence deu uma risada, parcialmente envergonhado, e respondeu, “É uma pena. Eu prefiro um corpo mais robusto.”

Holo inclinou a cabeça e sorriu, depois deu um leve soco no rosto de Lawrence. “Só abra o porão.”

Lawrence decidiu não pensar muito sobre o que enfurecera Holo, para que isso não trouxesse ainda mais fúria.



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