Trigo e Loba Japonesa

Tradução: Virtual Core


Volume 3

Capítulo 3

A cidade de Kumersun levantava cedo.

Lawrence atravessou a larga avenida norte-sul e rumou para o oeste em direção a guilda mercantil. No caminho ele viu muitas pessoas construindo o que pareciam ser placas de sinalização aqui e ali.

Lawrence os olhou enquanto corria com o aprendiz de Mark. Eles realmente pareciam placas de sinalização de algum tipo, mas não conseguia dizer o que estava escrito nelas. Era uma escrita que nunca tinha visto antes, e as placas eram decoradas com flores, nabos, ou maços de feno.

Sem dúvida eles eram usados no festival de Laddora, o qual começava hoje, mas Lawrence não tinha tempo para descobrir.

O menino tinha o pé ligeiro e não mostrava sinais de cansaço, talvez por se acostumar a trabalhar tão duro dia após dia com Mark. Lawrence tinha uma quantidade razoável de confiança com sua própria resistência, mas era pressionado a manter o ritmo. Foi quando estava quase lhe faltando ar que chegou à guilda mercantil.

As normalmente proibitivas portas bem fechadas da guilda estavam largamente abertas. Um punhado de mercadores estavam na entrada, os copos de vinho já na mão apesar de ser cedo.

Sua atenção estava direcionada para dentro do prédio, mas ao perceberem a chegada de Lawrence, acenaram para ele com entusiasmo.

“Hey! É o homem em pessoa! Haschmidt o Cavaleiro chegou!”

Ao ouvir o nome Haschmidt, Lawrence agora tinha certeza que o aprendiz de Mark não estava nem mentindo nem brincando.

Havia um conto romântico do país de Eleas, uma nação apaixonada de mares e vinhedos.

O protagonista era Hendt La Haschmidt, um cavaleiro da corte real.

No entanto, Lawrence estava longe de ficar feliz por ser chamado de cavaleiro.

Haschmidt, o Cavaleiro, lutou bravamente por Ilesa, a princesa que ele amava. Ele desafiou o Príncipe Philip Terceiro para um duelo pelo direito da mão da amada e teve uma morte trágica.

Lawrence subiu os degraus de pedra, empurrando através dos mercadores zombeteiros para dentro da companhia.

Seus olhares o perfuravam, como uma lança, como se ele fosse um criminoso prestes a ser crucificado.

Lá no fundo da sala, no balcão atrás do qual estava o mestre da guilda, estava o seu Príncipe Philip Terceiro.

“Eu digo de novo!” gritou uma voz esganiçada de menino que ecoou pelo saguão.

Era Amati — sem vestir o casaco de couro oleado padrão de peixeiro, mas sim um manto formal de aristocrata. Ele parecia o jovem filho de um nobre dos pés à cabeça.

Ele nivelou seu olhar diretamente para Lawrence enquanto todo o conjunto de mercadores que prenderam a respiração.

Ali, naquele instante, Amati ergueu uma adaga e uma folha de pergaminho e fez sua declaração.

“Eu vou pagar a dívida que agora pesa sobre os ombros delicados dessa freira viajante — e quando esta deusa da beleza recuperar sua liberdade, eu juro por São Lambardos, que vela por esta Guilda Rowen de Comércio, que Holo, a freira, terá meu amor eterno!”

A comoção surgiu no salão, risos se misturaram com gritos de admiração para criar uma atmosfera estranhamente febril.

Amati ignorou o barulho. Ele baixou as mãos e virou o punhal, o agarrando pela lâmina e apontando o punho para Lawrence.

“A senhorita Holo me contou do seu infortúnio e seus maus tratos. Eu então proponho usar a minha fortuna e posição como um homem livre para recuperar para ela as asas de liberdade, e posteriormente me casar com ela.”

Lawrence lembrou instantaneamente das palavras de Mark no dia anterior.

Homens da idade dele vão fazer de tudo para conquistar o objeto de sua obsessão.

Ele olhou para o punho da adaga com um olhar amargo e então olhou para o pergaminho.

Amati estava longe o suficientemente para Lawrence não poder dizer o que estava escrito no pergaminho, mas certamente reiterava o que o garoto tinha acabado de dizer em termos mais concretos. O selo vermelho no canto inferior esquerdo da folha provavelmente não era cera, mas sangue.

Em regiões sem um testemunho público, ou quando se precisava de um contrato com muito mais peso do que um testemunho público poderia proporcionar, havia a lei dos contratos. A parte que colocava seu sangue sobre o contrato daria a faca que usou para a parte contrária e faria um juramento em nome de Deus.

Se a primeira parte não cumprisse o contrato, a segunda seria obrigada a matar o oponente com a faca ou então cortar sua própria garganta.

Assim que Lawrence pegasse a faca oferecida por Amati, o contrato seria selado.

Lawrence não se moveu. Ele não tinha a menor ideia de que a paixão de Amati chegaria a isso.

“Sr. Lawrence.” As palavras eram tão penetrantes quanto o olhar de Amati.

Nem desculpas esfarrapadas nem desrespeito iriam afetar o garoto, Lawrence imaginou.

Desesperado para comprar algum tempo, ele disse: “É verdade que Holo está endividada comigo e que ela reza por mim enquanto viajamos para pagar essa dívida, mas ela não vai necessariamente abandonar a nossa jornada uma vez que sua dívida seja paga.”

“Verdade. Mas estou confiante de que ela fará isso pelo meu bem.”

Um murmúrio percorreu a multidão, que ficou impressionada com a audácia de Amati.

Ele não parecia bêbado, mas ele era a própria imagem de Philip Terceiro.

“Além disso, ela pode não ser totalmente devota, mas Holo ainda é uma freira, o que torna o casamento —”

“Se você está preocupado que eu não compreendo totalmente a situação, então a sua preocupação, senhor, é desnecessária. Estou ciente de que Holo não está ligada a nenhum convento.”

Lawrence manteve sua boca fechada para evitar o palavrão que veio à mente.

Havia dois tipos das intituladas freiras viajantes. O primeiro tipo eram mulheres de uma ordem mendicante sancionada pela igreja que, no entanto, não tinha uma base fixa de operações. O segundo tipo era totalmente independente, não pertencendo a nenhuma organização da Igreja.

Tais freiras autoproclamadas compunham a maior parte do grupo, e se referiam a si mesmas como tal simplesmente pela conveniência que lhes oferecia enquanto viajavam. Uma vez que elas não eram oficialmente ligadas a qualquer organização da Igreja, elas eram proibidas de se casar da forma como as verdadeiras freiras são.

Amati sabia que Holo era uma freira independente, então já era tarde demais para organizar qualquer tipo de pretensão com um convento.

Amati continuou a falar, sua voz suave e confiante. “É verdade que não é o meu desejo propor um contrato a você Sr. Lawrence. Sem dúvida cada um aqui pensa em mim como Philip Terceiro do conto de Haschmidt, o Cavaleiro. No entanto, de acordo com a lei Kumersun, quando uma mulher está endividada, seu credor é considerado seu guardião. Claro —”

Amati pausou, limpando sua garganta, então continuou, “Se você vai concordar incondicionalmente com a minha proposta de casamento, não há necessidade desse contrato.”

Este tipo de competição rara por causa de uma mulher criavam as melhores histórias para acompanhar uma bebida.

Os mercadores reunidos falavam em voz baixa enquanto observavam o drama em desenvolvimento.

A maioria dos mercadores experientes não levariam o relacionamento de Lawrence e Holo a sério. Teria sido o cúmulo da ingenuidade pensar que uma freira endividada fosse realmente pagar sua dívida orando por seu credor enquanto eles viajavam. Era muito mais provável que ela não queria ser vendida por quem quer que tivesse sua dívida ou que estava viajando com ele simplesmente porque queria.

Amati certamente percebeu isso e sem dúvida pensou que era a primeira opção.

Libertar uma pobre e linda donzela dos laços da dívida era uma obrigação moral que justificava essa exibição ridícula de galanteria, Amati deve ter pensado.

E mesmo se ele não pensasse assim, Lawrence ainda sairia parecendo o vilão.

“Mr. Lawrence, você vai aceitar a adaga desse contrato?”

Os mercadores observavam, sorrindo silenciosamente.

O mercador viajante estava prestes a perder sua companheira atraente para o jovem peixeiro por pura falta de atenção.

Isso era um entretenimento raro — e não havia nenhuma maneira aceitável de Lawrence escapar.

Sua única opção era a vencer Amati sendo o homem mais nobre.

Em todo caso, ele não acreditava que, se a dívida de Holo fosse paga, ela pararia de viajar com ele só porque Amati pediu.

“Eu não sou tão descuidado a concordar com um contrato que eu não li,” disse Lawrence.

Amati assentiu, recuando a adaga e mostrando o contrato para Lawrence.

Lawrence caminhou em direção a Amati, observado por todos na sala, e pegou o pergaminho, examinando o seu conteúdo rapidamente.

Como ele esperava, o que estava escrito era uma versão mais tortuosamente redigida da declaração que Amati tinha acabado de fazer.

O que Lawrence estava mais interessado era a quantidade que Amati se propunha a pagar.

Quanto Holo alegou que devia?

Para Amati estar tão cheio de confiança, tinha que ser uma quantidade relativamente pequena.

Finalmente, ele encontrou a quantia em uma das linhas do contrato.

Por um momento, ele duvidou de seus olhos.

Mil moedas de prata trenni.

Um alívio, corporal, tomou conta dele.

“Suponho que este contrato lhe satisfaça?”

Lawrence verificou novamente, certificando-se que não havia armadilhas óbvias escondidas no contrato. Ele também procurou por todos os pontos que pudesse transformar em benefício próprio.

Mas a linguagem do contrato era firme o suficiente para não dar espaço para armadilhas que prejudicassem a primeira parte.

Lawrence não tinha escolha a não ser devolver o contrato de Amati.

“Entendido,” ele disse, entregando o contrato de volta para o menino e o olhando nos olhos.

Lawrence estendeu a mão para pegar a adaga e o contrato foi selado.

Todo mercador no salão — e mais importante, o santo padroeiro da guilda mercantil, São Lambardos — era testemunha do contrato.

Os mercadores levantaram suas vozes em um grito, brindando seus copos juntos, trazendo um fim ao entretenimento.

Em meio ao barulho, os dois homens se entreolharam e deixaram o contrato e a adaga com o mestre da guilda.

“Os termos do contrato se estendem até o final do festival — em outras palavras, até o pôr do sol de amanhã. É o suficiente?”

Lawrence assentiu. “Traga os mil trenni em moeda. Eu não vou aceitar um pagamento parcial ou qualquer valor menor que esse.”

Mesmo que Amati fosse o tipo de mercador que rotineiramente guiava três carroças de peixe fresco, não havia nenhuma maneira de ser capaz de simplesmente produzir mil moedas trenni. Se ele fosse tão bem-sucedido, Lawrence já saberia.

Claro que, se tivesse um estoque cujo valor somasse mil moedas trenni, isso poderia ser facilmente produzido.

Para colocá-lo da maneira mais feia possível, este acordo permitia Amati comprar Holo por mil moedas de prata. Assumindo que Amati não tinha nenhuma intenção de tentar revendê-la em outro lugar, era como se mil moedas de prata fossem simplesmente do bolso de Amati para o bolso de Lawrence.

Se fosse esse o caso, Amati certamente teria problemas para pagar por seu estoque de peixes do próximo dia. Mesmo se por algum acaso, Holo de fato aceitasse sua proposta de casamento, o que os aguardava era um futuro difícil. Os menestréis podem alegar que dinheiro não podia comprar o amor, mas o contrário também era verdade.

“Nesse caso, Sr. Lawrence, vamos nos encontrar aqui novamente amanhã.”

Seu rosto ainda traia a sua emoção exacerbada, Amati saiu do salão da guilda. Ninguém disse uma palavra para ele, e logo todos os olhos estavam sobre Lawrence.

Se ele não dissesse alguma coisa aqui, todos pensariam nele como um mero caipira dominado pelo astuto Amati.

Lawrence ajeitou o colarinho. “Não creio que minha companheira vá segui-lo simplesmente porque a sua dívida foi paga.”

Um grande urro emergiu dos mercadores que se reuniram, imediatamente seguido por gritos de “O dobro em Lawrence, o quádruplo no Amati — quem mais vai apostar?”

Foi um mercador de sal, conhecido de Lawrence, que ofereceu seus serviços para gerenciar as apostas — ele foi visto por Lawrence e sorriu.

O fato de que a probabilidade de Lawrence era menor significava que os mercadores neste salão pensavam que as chances de Amati de ganhar eram piores. A sensação de alívio que sentiu ao ver a soma de mil trennis no contrato não era otimismo sem base. O senso comum ditava que Amati tinha exagerado.

As apostas rolavam, a maioria delas em Lawrence. Quanto mais dinheiro fosse colocado em suas chances para vitória, mais sua confiança crescia.

Apesar de seu sangue ter corrido frio momentaneamente quando Amati tinha feito sua proposta de casamento, as chances de que isso ocorresse na realidade eram baixas.

Não só os números estavam contra Amati — Lawrence se consolava em saber que havia outra barreira que o outro deveria superar.

Amati jamais poderia casar com Holo a menos que ela desse seu consentimento.

Neste ponto Lawrence tinha absoluta confiança.

Não havia como Amati saber que Holo estava viajando com Lawrence para terras do norte.

Ele já havia dito a Holo que o conhecimento era o melhor amigo de um mercador e que um negociante ignorante era como um soldado andando com os olhos vendados em um campo de batalha.

A situação de Amati era um exemplo perfeito. Mesmo que ele conseguisse correr por toda a cidade e juntar mil moedas trenni, era praticamente certo que Holo permaneceria com Lawrence enquanto eles viajassem para o norte.

Ele refletiu sobre o assunto enquanto se desculpava com o mestre pela comoção inevitável e então deixou o salão da guilda para trás.

Parecia prudente sair antes que os mercadores terminassem de colocar as suas apostas e a atenção se voltar para ele. Ele não quer ser o aperitivo de suas bebidas.

Uma vez que Lawrence abriu seu caminho através da multidão considerável e saiu do salão, ele reconheceu um rosto familiar.

Era Batos, que o tinha apresentado a cronista Diana.

“Parece que você se enrolou em um problema e tanto.”

Lawrence sorriu, envergonhado, para o que Batos sorriu com simpatia.

Batos então continuou de forma sinistra, “No entanto, acho que o jovem Sr. Amati encontrou uma maneira de levantar o capital.”

O sorriso de Lawrence desapareceu com a declaração inesperada de Batos. “Certamente que não.”

“Não posso dizer que é o método mais admirável, é claro.”

Ele não poderia estar fazendo a mesma coisa que Lawrence fez em Ruvinheigen.

Kumersun não tinha as tarifas de importação de Ruvinheigen e, sem tarifas, o contrabando não fazia sentido.

“Não vai demorar muito para a notícia correr toda a cidade, por isso não posso dizer muito. Se eu mostrar muito apoio para você, não seria justo para o pobre Amati — afinal, ele juntou toda sua coragem e fez aquela declaração impressionante. Mas eu queria te deixar avisado.”

“Por quê?”

Batos sorriu infantilmente. “Quaisquer que sejam as circunstâncias, é uma coisa boa ter uma companhia na viagem. É difícil observar isso ser tirado de um colega mercador viajante.”

Lawrence sentiu a sinceridade no sorriso do homem.

“Você faria bem em retornar à sua estalagem e formular um contra plano.”

Lawrence fez uma reverência para Batos como se Batos fosse um parceiro de negócios que tinha acabado de concordar com condições muito favoráveis em um grande acordo, e então ele correu de volta para a estalagem.

Amati tinha encontrado uma maneira de garantir os fundos.

Lawrence tinha calculado errado, mas ainda havia coisas entre ele e Holo que Batos não fazia ideia.

Ele revirava a situação em sua mente enquanto caminhava pela larga avenida, cujo tráfego era limitado devido ao festival.

Ele estava confiante de que não havia nenhuma maneira de Holo ser tomada por Amati.

 

Quando Lawrence voltou para a estalagem e explicou a situação para Holo, sua reação foi inesperadamente vaga.

Ela ficou bastante surpresa ao ouvir a mensagem que o aprendiz de Mark entregou, mas agora parecia achar que pentear sua cauda tinha maior importância. Ela estava sentada de pernas cruzadas, sua cauda enrolada em seu colo enquanto cuidava dela.

“Então você aceitou esse contrato?”

“Aceitei.”

“Mm...,” ela disse vagamente, olhando novamente para sua cauda. Holo não se impressionou; Lawrence sentiu pena de Amati.

Ele olhou além da janela de madeira, dizendo a si mesmo que não havia com o que se preocupar, quando Holo falou abruptamente.

“Você, escute.”

“O quê?”

“O que você vai fazer se o garoto realmente te entregar o dinheiro?”

Ele sabia que se respondesse com “O que quer dizer com o que eu vou fazer?” ela ficaria entediada.

Quando ela fazia perguntas como esta, Holo queria saber a primeira coisa que vinha à sua mente.

Lawrence fingiu pensar sobre isso por um momento e, em seguida, propositadamente deu uma resposta não tão boa assim. “Depois que eu calcular o quanto você usou, vou te entregar o restante.”

As orelhas de Holo se mexeram lentamente e ela estreitou os olhos. “Não me teste.”

“É um pouco injusto que eu seja o único a ser testado, hein?”

“Hmph.” Holo fungou, entediada, então voltou a olhar para a cauda que arrumava.

Lawrence tinha propositalmente evitado falar a primeira coisa que veio à mente.

Ele queria testar se ela tinha notado este fato.

“Se Amati cumprir sua parte do contrato, eu certamente vou cumprir a minha,” ele disse.

“Oh ho.” Holo não olhou para cima, mas Lawrence podia dizer que ela também não estava olhando para sua cauda.

“Claro, você esteve livre o tempo todo. Pode agir como desejar.”

“Cheio de confiança, não é?” Holo esticou as pernas e as balançou para fora da cama.

Parecia que ela estava se preparando para saltar em cima dele como fez tantas vezes, e Lawrence se encolheu, mas recuperou a compostura e respondeu.

“Não é confiança. Eu simplesmente confio em você.”

Essa foi uma forma de explicar.

Havia inúmeras formas para expressar a mesma ideia, mas esta parecia ser a mais galante.

Holo ficou sem fala por um momento, mas sua rápida esperteza já tinha previsto isso.

Ela sorriu e então se levantou rapidamente.

“De fato, você é muito mais encantador quando está nervoso.”

“Até mesmo eu posso dizer o quanto amadureci.”

“Então ser adulto é fingir compostura?”

“E não é?”

“Ter tempo para se vangloriar só porque viu uma aposta que te dá a vantagem significa que você é apenas um pouco esperto. Não te faz um adulto.”

Ao ouvir as sensatas palavras da sábia loba centenária, Lawrence fez uma expressão suspeita, como se ele fosse o assunto discutido no mercado negro.

“Por exemplo, quando Amati propôs o contrato a você, não seria mais admirável recusar?”

Longe disso, Lawrence estava prestes a dizer, mas Holo o cortou. “Mas você olhou ao redor e julgou se seria ou não embaraçoso.”

“Uh—”

“Imagine se nossas posições fossem invertidas. Por exemplo, se —”

Holo limpou a garganta, colocou a mão direita no peito, e começou a recitar:

“Não posso considerar tomar parte em tal contrato. Eu desejo ficar com Lawrence eternamente. Talvez seja uma dívida que nos una, mas ainda é uma união. Não importa quantos fios sejam tecidos ente nós, não suportaria cortar nem mesmo um. Mesmo que isso me envergonhe, não posso aceitar seu contrato — ou tal declaração. O que acha?”

Foi como uma cena de uma peça.

A expressão de Holo esteve absolutamente séria, e suas palavras ecoaram no coração de Lawrence.

“Se alguém dissesse algo assim sobre mim, eu ficaria repleta de felicidade, ouso dizer,” Holo falou.

Isso sem dúvida era uma piada, mas fazia sentido.

Lawrence não estava disposto a simplesmente admitir que ela estava certa — isso seria o mesmo que atestar que ele era um covarde que tinha aceitado o contrato apenas para se livrar do constrangimento. E em todo caso, ser tão franco e direto na frente de tantas pessoas tinha suas vantagens e tal, mas haveria consequências.

“Bom, essa certamente seria a atitude mais viril a se tomar, mas se esta seria a forma mais adulta de lidar com isso já é outra questão.”

Holo cruzou os braços, olhando de lado e acenando minuciosamente. “Verdade. Isso pode ser tanto o ato de um bom homem quanto o ato imprudente e juvenil. Alguém pode ficar feliz de ouvi-lo, mas ainda é bastante exagerado.”

“Viu só?”

“Mm. Agora que penso nisso, as ações que fazem um bom macho e aquelas que fazem um bom adulto podem ser mutuamente exclusivas. Um bom macho é como uma criança. Um bom adulto tem um grau de covardia.”

Era fácil imaginar um cavaleiro valente puxando sua espada em fúria diante da desfaçatez de Holo para com o sexo masculino.

Lawrence naturalmente se sentiu obrigado a contra-atacar. “Então, como é que Holo, a Sábia Loba, que tanto é uma boa mulher quanto uma boa adulta, responderia a tal proposta romântica?”

O sorriso de Holo não se alterou.

Seus braços ainda cruzados, ela respondeu: “Ora, é claro que eu sorriria e aceitaria.”

Seu sorriso leve e descompromissado sorriso enquanto afirmava tão facilmente concordar com o contrato, fez Lawrence perceber o quão profunda eram a tranquilidade e confiança que ela possuía.

Ele teria jamais teria tais ideias.

De fato, era Holo, a Sábia Loba, que estava diante dele.

“É claro que, ao aceitar o contrato, eu voltaria para a estalagem e, sem dizer nada, me aproximaria de você e então —,” ela continuou, descruzando os braços e caminhando em direção à Lawrence, o deixando contra a janela. Ela estendeu a mão para ele. “E então eu abaixaria o olhar...” suas orelhas e cauda baixaram, os ombros caídos, ela parecia nitidamente miserável. Se isso era uma armadilha, era impossível de desvendar.

O riso de Holo que veio logo em seguida era genuinamente assustador.

“Ainda assim,” ela falou levemente “você é um mercador bom o suficiente. Você aceitou o contrato porque acha que pode ganhar. Sem dúvida você vai fazer alguns negócios por baixo da mesa apenas para ter certeza.”

Holo olhou de volta para cima, sua cauda e orelhas balançando alegremente. Ela deu um giro e parou sem dificuldades ao lado de Lawrence.

Ele logo entendeu aonde ela queria chegar.

“‘Me leve para o festival,’ não é?”

“Certamente um mercador como você não hesitaria em subornar alguém para cumprir um contrato, certo?”

O contrato de Lawrence com Amati não envolvia Holo diretamente, mas a verdadeira questão era se a proposta de casamento de Amati teria sucesso ou não. Para ser franco, as mil moedas de prata podiam ou não encontrar o seu caminho para o bolso de Lawrence a depender da disposição de Holo.

Por sua parte, Lawrence não podia se dar ao luxo de não subornar Holo, cuja decisão influenciaria tudo.

“Bem, eu tenho que ir colher informações sobre Amati de qualquer modo. Posso muito bem te levar junto.”

“Você quer dizer é que vai me levar para o festival e aproveitar para recolher informações enquanto isso.”

“Certo, certo,” Lawrence respondeu, suspirando enquanto Holo socava suas costelas.

 

A primeira coisa que precisava ser investigada eram os ativos de Amati.

Batos disse que o garoto usaria alguns métodos não tão admiráveis para obter o dinheiro, o que Lawrence suspeitava que provavelmente fosse verdade. Ele não via como Amati poderia produzir mil trennis do nada.

Mas seria um problema se Amati realmente conseguisse o feito, então Lawrence foi para tenda de Mark para pedir a sua cooperação.

Como Mark mantinha sua tenda aberta durante o festival, ele lamentou ter perdido a comoção no salão da guilda por isso prontamente concordou em ajudar. Com rumores se espalhando como fogo sem quase nenhum mercador ter realmente visto o rosto do Holo, a trazer junto com ele foi bastante eficaz.

Se isso significasse que Mark poderia ver os desdobramentos da primeira fila, Lawrence pensou que era um preço pequeno a pagar por quaisquer dos favores que fossem necessários.

“E de qualquer forma, não sou eu que terei que correr pela cidade,” Mark acrescentou.

Lawrence se sentiu mal pelo jovem aprendiz de Mark, mas era um caminho que cada mercador tinha que percorrer — era uma emoção complicada.

“Mesmo assim, está tudo bem sair por aí com a encantadora donzela da vez?”

“Ela quer ver o festival de Laddora. Além do mais, se eu a trancasse na estalagem, realmente pareceria que eu a estaria mantendo presa por uma dívida.”

“Bom, isso é o que Sir Lawrence diz, mas isso é toda a verdade?” Mark perguntou para Holo, sorrindo. Holo estava vestida com suas habituais roupas de garota de cidade, com o cachecol de pele de raposa que Amati lhe dera enrolado em seu pescoço. Ela parecia entender aonde Mark queria chegar. “A verdade é apenas essa. Estou presa pelas pesadas correntes da dívida. Através delas eu não posso sequer ver o amanhã, e delas eu não posso escapar. Se você fosse me livrasse delas, eu alegremente me cobriria de farinha trabalhando para você.”

O rosto de Mark imediatamente se abriu enquanto rompia em gargalhadas. “Bwa-ha-ha! Oh Amati, aquele pobre rapaz. Lawrence é quem está preso por você, ha!”

Lawrence desviou o olhar, não se dignando a responder. Ele podia ver claramente que ir contra Mark e Holo ao mesmo tempo levaria apenas à frustração.

Talvez como recompensa por sua boa conduta, o salvador de Lawrence apareceu. O aprendiz de Mark chegou, abrindo seu caminho por entre a multidão.

“Eu verifiquei,” disse para Mark.

“Oh? Muito bem. O que conseguiu?”

O aprendiz cumprimentou Lawrence e Holo enquanto entregava seu relatório para Mark.

Não havia dúvida de que o que ele queria não era uma recompensa de Lawrence ou Mark, mas um sorriso de Holo.

Compreendendo isto, ela o entregou seu mais belo e mais recatado sorriso. A inegável travessura de Holo fez com que o pobre rapaz a ficasse vermelho até as orelhas.

“Então, o que você descobriu?” Mark riu do seu aprendiz, que se debateu por um momento antes de responder. Conhecendo Mark, Lawrence tinha certeza que o pobre rapaz era provocado com frequência.

“Ah, sim. Er, de acordo com os registros fiscais, ele foi taxado em duzentos irehd.”

“Duzentos irehd, eh? Isso dá... aproximadamente oitocentos trenni em mãos é o que o conselho da cidade tem consciência que Amati possui.”

Com poucas exceções, todos os mercadores com uma certa quantidade de bens estavam sujeitos à tributação. O montante era registrado no livro fiscal e qualquer um com motivos para tal poderia examinar os registros. Mark falou com seus conhecidos para poder dar uma olhada em registros fiscais de Amati.

Mas não havia garantia de que um mercador informaria seus bens ao conselho da cidade com precisão, portanto era melhor assumir que ele tinha uma certa quantidade escondida. Em qualquer caso, como mercador, a maior parte das suas riquezas existiam como crédito com outros fornecedores.

Mas Amati não seria capaz de produzir facilmente mil moedas de prata para comprar Holo.

O que significava que, se realmente planejasse cumprir o contrato, ele teria que recorrer à empréstimos, jogos de azar ou outro método para conseguir de ganhos a curto prazo.

“Onde é a casa de jogos da cidade?”

“Hey, só porque mantemos a Igreja sob controle não significa que tudo seja liberado. As coisas aqui se limitam a jogos de cartas, de dados e jogo do bicho. Também há um limite para o quanto se pode apostar. Ele não vai conseguir o dinheiro apostando.”

Dada a precisão e detalhe com o qual ele respondeu à pergunta simples, parecia que Mark também estava tentando descobrir como Amati poderia levantar os fundos.

Afinal, Amati estava essencialmente propondo a gastar mil moedas de prata em algo que ele nunca seria capaz de revender, portanto qualquer mercador ficaria curioso em saber a origem de tal riqueza.

Lawrence estava imerso em pensamentos, tentando decidir o que investigar a seguir, quando Mark falou de repente.

“Oh, claro. Aparentemente há uma outra aposta ocorrendo — sobre o que vai acontecer depois do contrato.”

Depois do contrato?”

“Sim, se Amati ganhar, quem será o vencedor depois disso.”

Mark riu provocativamente; Lawrence se virou, seu rosto entregando sua irritação.

Holo tinha se interessado nos grãos e na farinha expostos na loja de Mark, e ela vagava, ouvindo as longas explicações do aprendiz.

Ela pareceu ouvir Mark e Lawrence e olhou para eles.

“Mas você leva vantagem nas apostas até agora.”

“Talvez eu deva pedir para o agenciador me dar uma parte.”

“Ha-ha-ha. Então o que você vai fazer de fato?”

Mark estava obviamente tentando obter alguma informação que lhe permitiria ganhar dinheiro com a aposta, mas ele também parecia genuinamente curioso.

Lawrence apenas deu de ombros, sem dar uma resposta adequada à pergunta, mas então Holo (que evidentemente havia se aproximado dos dois em algum momento durante a conversa) falou.

“Mesmo que exista uma resposta apropriada para a pergunta, algumas vezes não se pode simplesmente entrega-la. Por exemplo, a mistura naquela sua farinha ali.”

“Erk —” Frustrado, Mark lançou para o seu aprendiz um olhar afiado, mas o rapaz apenas balançou a cabeça, como se dissesse: “Eu não disse nada pra ela!” A mistura da farinha certamente se referia à sua pureza. Misturar farinha mais baratas com farinha de trigo para aumentar o seu volume era um truque comum dos mercadores.

Mesmo um mercador que lidava com farinha dia após dia, provavelmente teria dificuldade em perceber pequenas mudanças na pureza, mas para Holo, cujo espírito residia no trigo, era a coisa mais simples do mundo.

Ela continuou, “Você quer perguntar o que vou fazer se ele realmente paga a minha dívida, não é?”

Ela deu o sorriso afrontoso que era sua especialidade.

Mark agora balançou a cabeça freneticamente, assim como seu aprendiz, enquanto olhavam para Lawrence com os olhos suplicantes.

“A essa altura, tudo o que podemos fazer é observar as ações do nosso adversário,” disse Lawrence.

“Que traiçoeiro.”

A observação afiada de Holo perfurou o coração de Lawrence.

“Eu ficaria mais feliz se você chamasse isso de uma disputa às cegas. Ele certamente vai ter alguém observando nossos movimentos também, sabe,” disse Lawrence.

Mark recuperou a compostura o suficiente para discordar. “Eu me pergunto se é verdade. Amati fugiu de casa e veio sozinho por todo o caminho até esta cidade, alcançando todo o seu sucesso de forma independente. E ainda tem a sua juventude a se considerar. Ele é muito confiante. Assim como ele não dá muita atenção para as conexões entre mercadores, ele provavelmente considera truques desse tipo baixos demais para ele. Ele confia apenas em seus olhos para avaliar o peixe e na sua capacidade para vendê-los. Nisso e na proteção dos deuses.”

Amati soava mais como um cavaleiro que um mercador para Lawrence, que se viu com inveja da habilidade do garoto para conseguir tal sucesso por conta própria.

“Isso explica por que ele se apaixonou por uma garota encantadora que acabou de chegar na cidade,” Mark continuou. “As mulheres da cidade são ainda mais interligadas do que os mercadores. Elas parecem se preocupar apenas com a reputação e estão sempre observando umas às outras. Se uma começa a se destacar um pouco mais, as outras vão acabar com ela. Tenho certeza que ele acha isso desagradável. Obviamente, nem todas as mulheres são assim, como descobri quando me casei com Adele.”

Como um mercador viajante, Lawrence entendeu muito bem a explicação de Mark. A cidade certamente poderia parecer assim olhando de fora.

Lawrence lançou um olhar para Holo. Ele pensava que sim, se ele estivesse em circunstâncias semelhantes e visse uma garota como Holo, ele poderia muito bem se apaixonar por ela instantaneamente — ainda mais se pensasse que ela era apenas uma garota comum.

“Amati pode muito bem ser como você diz, mas não vou hesitar em usar qualquer ligação que eu precisar. Traição pode ser proibida quando cavaleiros duelam, mas não tem desculpas em uma disputa de mercadores.”

“Eu certamente concordo,” Mark falou. Ele olhou para Holo.

Lawrence igualmente a olhou novamente. Holo colocou as mãos ao rosto em um gesto de constrangimento, como se estivesse esperando por esse momento e falou.

“Queria que pelo menos uma vez alguém me atacasse de diretamente.”

Sem dúvida que Mark estava finalmente percebendo, Lawrence pensou, que não havia vitória contra Holo.

Por fim, Lawrence decidiu usar os contatos de Mark para obter mais informações sobre Amati. Ele fez questão de mencionar a dica do mascate Batos sobre a potencial reserva de capital de Amati.

Lawrence confiava em Holo, mas não havia como prever o que ela faria se ele vacilasse nessa disputa. E sempre havia a possibilidade de ser capaz de ganhar algum dinheiro às custas de Amati.

Holo e Lawrence não podiam simplesmente ficar na loja de Mark o dia inteiro, então, depois de Lawrence pedir ajuda a Mark com as informações, eles deixaram a tenda para trás.

 

A cidade estava se tornando cada vez mais viva e a multidão não diminuía à medida que eles iam do mercado para a praça.

O meio dia se aproximava e as pessoas faziam fila na frente de cada tenda ao longo da rua. Holo não hesitava em entrar na fila, segurando o dinheiro que ela tinha tomado de Lawrence.

Lawrence a observava de longe, pensando que já era hora do sino do meio dia a tocar, quando ouviu um som baixo, um tom preguiçoso.

“Uma corneta?”

O som da corneta o fez lembrar de pastores e, por um momento, ele se lembrou de Norah e do perigo que haviam enfrentado juntos em Ruvinheigen. No entanto, se Holo notasse, isso seria um problema.

Lawrence expulsou o pensamento de sua mente e tentou ver de onde o som vinha assim que Holo retornava, levando o pão assado que ela teve êxito em comprar.

“Não era uma corneta de um pastor que eu acabei de ouvir?” ela perguntou.

“Sim. Eu não tinha certeza, mas se você chamou de uma corneta de pastor, então deve ser isso mesmo.”

“Os odores das comidas certamente se misturam por aqui. Não posso dizer se há ovelhas ou não.”

“Deve haver ovelhas em abundância no mercado, mas não há necessidade de soprar uma corneta na cidade.”

“E nem pastoras graciosas.”

Lawrence estava esperando o soco, por isso ele não foi realmente atingido.

“Hmph,” disse Holo. “Quando você falha em reagir, parece mais que estou tentando ganhar o seu afeto.”

“Eu estou terrivelmente encantado. Realmente assustado.”

Holo alegremente mordeu o seu pão com uma sonora dentada. Lawrence riu e olhou para a praça novamente, percebendo que a multidão parecia estar fluindo em uma direção particular. As pessoas estavam indo para o centro da cidade. Talvez a corneta fosse o sinal para a abertura do festival.

“Parece que o festival começou. vamos ver?”

“Seria chato não fazer nada além de comer.”

O sorriso de Lawrence quando começou a andar foi um pouco forçado; Holo tomou sua mão e o seguiu.

Eles se moveram com a multidão, seguindo para o norte ao longo da extremidade do mercado, até que eventualmente começaram a ouvir os clamores em meio aos sons de tambores e cornetas.

Todo o tipo de pessoas estavam se reunindo — garotas vestidas assim como Holo, aprendizes de artesãos (seus rostos negros de fuligem, depois de terem escapado de seu trabalho), sacerdotes itinerantes com as habituais três penas fixadas em suas túnicas, e até mesmo homens com armaduras leves que poderiam ser cavaleiros ou mercenários.

O barulho parecia vir do cruzamento das duas ruas principais que cruzavam a cidade, mas com a multidão era impossível de ver. Holo esticou o pescoço para tentar ver um pouco mais à frente, mas mesmo Lawrence não podia ver através da multidão, e ele era muito mais alto que Holo.

Lawrence se lembrou de algo e, tomando a mão de Holo, ele correu para um beco.

Uma vez que estavam um pouco adentro do beco, o ambiente ficou muito mais calmo, ao contrário da rua clamorosa. Aqui e ali haviam mendigos vestidos em trapos, cochilando como se proclamassem sua falta de interesse no festival, juntamente com artesãos que estavam ocupados preparando as mercadorias que venderiam em suas barracas, suas oficinas davam de frente para o beco.

Holo rapidamente pareceu entender onde eles estavam indo e continuou em silêncio.

Se o festival estava sendo realizado nas ruas principais, eles seriam capazes de apreciar a vista perfeitamente do seu quarto na estalagem.

Holo e Lawrence seguiram sem problemas pelas vielas desertas, entraram na estalagem pela porta dos fundos e subiram para o segundo andar.

Parece que alguém teve a mesma ideia e estava lucrando com isso. Ao chegarem no segundo andar notaram que várias portas ao longo do corredor que levava ao seu quarto estavam abertas, e um mercador de olhar entediado estava sentado em uma cadeira em frente a elas, de braços cruzados a brincando com uma moeda.

“Temos que agradecer a Amati por isso, apesar de tudo.”

Ao entrarem no quarto e abrirem a janela, eles imediatamente ganharam assentos na primeira fila.

Para ver tudo o que estava acontecendo no grande cruzamento, Holo e Lawrence tinham apenas que se inclinarem um pouco para fora da janela e, mesmo sem se debruçar, já tinham uma visão perfeitamente aceitável.

Os músicos tocando flautas e tambores no cruzamento estavam vestidos da cabeça aos pés em sinistras vestes negras que não permitiam nem mesmo identificar seu sexo.

Atrás do grupo de preto caminhava outra trupe estranhamente vestida.

Alguns dos trajes consistiam em peças costuradas em conjunto, grandes o suficiente para cobrir um grande número de pessoas. O traje continha várias pessoas escondidas por baixo dela e por onde suas cabeças deveriam aparecer haviam máscaras. Outros artistas usavam vestes que escondiam o que parecia ser uma pessoa montada nos ombros da outra, a cabeça despontando na parte superior da peça. Alguns carregando grandes espadas feitas de finos pedaços de madeira; outros possuíam arcos mais altos do que eles mesmos. Eles brandiam as armas descontroladamente aos gritos da multidão.

Mas, assim que Lawrence pensou que estar acabando, veio um grito claramente mais alto da multidão, e um novo conjunto de instrumentos podia ser ouvido.

Holo deu um pequeno grito de surpresa e Lawrence inclinou a cabeça para fora da janela, de modo que não bloqueasse a visão dela.

A estalagem estava no canto sudeste do cruzamento, e parecia que um outro grupo em trajes estranhos estava vindo do leste.

Liderando o grupo estavam pessoas vestidas de preto, mas atrás deles seguia um outro grupo em trajes completamente diferentes daqueles que atualmente ocupavam o cruzamento.

Algumas pessoas tinham rostos enegrecidos pela pintura e usavam chifres de vaca sobre suas cabeças; outros carregavam asas de pássaro em suas costas. Muitos estavam cobertos de peles de animais de alguma espécie, e parecia provável que se Holo andasse entre eles com suas orelhas e cauda exposta, ninguém iria se importar. Após esse bloco passar, surgiu um grito desenfreado e com ele uma figura de palha gigante, muito maior do que qualquer ser humano. Ela tinha uma certa forma de lobo, quatro patas, e ainda maior do que a forma de lobo de Holo. A figura se apoiava em uma armação de madeira, que era levada por cerca de dez homens.

Lawrence estava prestes a dizer algo sobre isso para Holo, mas abandonou a ideia quando viu a concentração com a qual ela assistia o festival.

Trajes de animal intermináveis apareceriam no palco da interseção enquanto o bloco continuava a andar.

O grupo pintado de preto na frente da procissão agora apontava para os sinais que foram erguidos aqui e ali no cruzamento enquanto andavam.

Vendo isso, Lawrence supôs que este não era um mero desfile de fantasias. Ele achava que havia algum tipo de conto a ser passado — infelizmente, não tinha certeza. Ele estava pensando em perguntar sobre isso para Mark mais tarde, quando viu uma outra procissão chegar do norte.

Esta era composta por pessoas normais, embora alguns estivessem vestidos com farrapos, alguns com vestes nobres, e outros como cavaleiros e soldados. A única semelhança era a colher que cada um deles carregava. Lawrence estava se perguntava por que colheres quando os três grupos colidiram no cruzamento começaram a discutir em uma língua que ele nunca tinha ouvido. Uma ligeira ondulação de nervosismo percorreu os espectadores reunidos enquanto observavam a troca; Lawrence também sentiu uma perturbação.

Assim que ele quis saber o que iria acontecer, o grupo de preto apontou na mesma direção como um só.

Foi para sudoeste que eles apontaram, e o olhar de todos imediatamente foi desviado para lá.

Carros carregados com grandes barris foram evidentemente preparados de antemão. Seus guias riam alto (de forma um pouco forçada) e empurravam os carros para o cruzamento.

As pessoas vestidas de preto começaram a tocar os instrumentos que carregavam, as pessoas em fantasias começaram a cantar, e os portadores dos barris os abriram e começaram a despejar seus líquidos.

Como se isso fosse algum tipo de sinal, os observadores inundaram o cruzamento e começaram a dançar.

O número de dançarinos se expandia rapidamente. Muitos dos foliões estranhamente vestidos tinham saltado para fora da intersecção e dançavam por todos os lados das ruas.

A festa se espalhou e em pouco tempo toda a avenida já era um enorme salão. No meio do cruzamento, os participantes da procissão original entrelaçaram seus braços e começaram a dançar em um círculo. Agora o festival estava vivo e verdadeiramente em curso; o canto e a dança continuariam noite adentro.

Parecia que a abertura deste festival — este carnaval — estava completa.

Holo puxou seu corpo — que até então havia se inclinado bem para fora da janela — de volta para o quarto.

“Eu estou indo dançar,” ela falou, apesar de não estar claro se ela falou com Lawrence ou não.

Lawrence podia contar o número de vezes que ele já dançou assim com uma mão. Ele costumava evitar festivais como este, e dançar sozinho sempre era algo deprimente.

Por isso ele hesitou por um momento, mas logo mudou de ideia ao ver a mão estendida de Holo.

Todo mundo estaria bêbado — ninguém notaria se sua dança fosse um pouco desajeitada.

E a mão estendida de Holo valia mais que dez mil moedas de ouro.

“Pois bem,” disse Lawrence, tomando a mão de Holo e se preparando.

Holo riu de sua decisão séria. “Eu sou delicada, não pise no meu pé,” ela disse com um sorriso.

“...Farei o meu melhor.”

Os dois saíram da estalagem e mergulharam na multidão carnavalesca.

 

Fazia quantos anos desde que tinha comemorou tanto assim?

Lawrence tinha dançado, bebido e riu tanto que não podia deixar de questionar.

Certamente esta também era a primeira vez que ele sentia o brilho do pós-festa.

Normalmente, uma vez que a diversão havia passado, ela era seguida por uma terrível onda de solidão.

Mas enquanto ele ajudava Holo, que estava de pé de forma instável devido a um excesso de dança e vinho, a subir as escadas da estalagem, o calor do momento foi substituído por um calor agradável. Enquanto Holo estivesse ali, ele sentiu que a festa iria continuar.

A janela do quarto da estalagem tinha sido deixada aberta, e os sons do festival continuavam a entrar. A noite ainda estava começando, os mercadores e artesãos que tiveram que trabalhar durante o dia só foram participar das festividades agora.

O festival parecia ter entrado em uma nova fase. Enquanto eles voltavam para a estalagem, Lawrence tinha olhado para trás no cruzamento e o viu lotado de gente indo e vindo.

Se Holo ainda tivesse qualquer resquício de força, ela certamente teria gostado de ver. Infelizmente, ela estava exausta.

Depois de colocá-la na cama e arrumar suas coisas (continuando seus deveres de servo do dia anterior), Lawrence suspirou.

Não foi, no entanto, um suspiro infeliz. O suspiro veio enquanto ele olhava para as bochechas coradas de Holo enquanto ela estava deitada inocente na cama.

Ele se sentiu um pouco mal por Amati. Ele já não estava nem remotamente preocupado em ter de cumprir o contrato.

Longe disso — na verdade, ele o tinha esquecido completamente antes de retornar para a estalagem.

Assim que eles voltaram, o gerente disse a Lawrence que havia uma mensagem para ele. Era de Mark; a mensagem era “Descobri como Amati planeja conseguir o dinheiro —venha para a loja assim que puder.”

O primeiro pensamento que passou pela cabeça de Lawrence foi “Eu vou amanhã.” Normalmente esse tipo de procrastinação nunca teria ocorrido a ele, e quando parou para pensar melhor, isso só mostrou quão baixa era essa prioridade para ele.

O que o preocupava mais que a mensagem de Mark era a carta que vinha com ela. Estava selada com cera e tinha “Diana” escrito com uma bela letra no envelope. A carta aparentemente foi entregue por um homem corpulento cuja forma lembrava um caixão, que devia que ser Batos.

Lawrence tinha pedido a cronista deixá-lo saber se lembrasse mais sobre Yoitsu, que é o que ele esperava que fosse o assunto da carta. Ele considerou abri-la ali mesmo, mas decidiu que uma vez que se sentasse e abrisse o envelope, ele estaria ainda menos disposto a visitar Mark, então decidiu por não abrir.

Lawrence colocou o envelope de volta em seu casaco e, fechando a janela contra o clamor ainda flutuando da rua, ele saiu.

Assim que estava prestes a abrir a porta, ele sentiu um olhar sobre suas costas, e voltando para trás viu Holo, forçando seus olhos sonolentos e pesados a abrir para olhar para ele.

“Eu só vou sair um pouco.”

“... Humm, e com uma carta de uma mulher escondido perto de seu peito?” Sua irritação não parecia vir de sua luta para se manter acordada.

“Sim, e ela é uma beldade, eu poderia dizer. Isso te incomoda?”

“...Tolo.”

“Ela é um cronista. Você sabe o que é isso? Ela é quem está me contando sobre Yoitsu. Ela tem bastante conhecimento sobre os contos das terras do norte. Eu não li a carta ainda, mas apenas falar com ela ontem me deu excelentes informações. Eu até ouvi uma história sobre você.”

Holo esfregou os olhos como um gato lavando seu rosto e, em seguida, se sentou. “...Uma história? Sobre mim?”

“Uma cidade chamada Lenos tinha uma história sobre você. Holoh da Cauda de Trigo. É você, não é?”

“...Não faço ideia. Mas o que você quer dizer com ‘excelentes informações’?” Com sua terra natal como o assunto da conversa, Holo agora estava totalmente desperta.

“Parte do conto incluída a direção de onde você chegou na cidade.”

“V-ver...” Os olhos de Holo se arregalaram e ela congelou, seu rosto completamente emocionado. “Verdade?”

“Eu não tenho motivos para mentir, não é? Evidentemente você chegou em Lenos vindo da floresta ao leste da cidade, portanto, entre as montanhas ao sudoeste de Nyohhira e ao leste de Lenos é onde vamos encontrar Yoitsu.”

As mãos de Holo agarraram os lençóis com força, ela olhou para baixo após ouvir a notícia inesperada. Suas orelhas de lobo tremiam como se cada pelo transbordasse de alegria.

O alívio dela era o de uma garota que há muito tinha perdido seu caminho para casa, mas finalmente tinha encontrado um caminho familiar.

Devagar e com cuidado ela respirou fundo, que depois exalou com força.

Era apenas o orgulho de ser a Sábia Loba que a impedia de começar a chorar ali mesmo no local.

“Estou surpreso que você não chorou.”

“...Tolo.” Seu sorriso de escárnio provou o quão perto de chorar ela tinha chegado.

“Sabendo apenas que era a sudoeste de Nyohhira teria tornado a busca difícil, mas agora será muito mais fácil. Eu ainda não abri a carta, mas tenho certeza que tem informações adicionais. Deve ser muito mais fácil de encontrar o nosso destino agora.”

Holo balançou a cabeça e olhou de lado; em seguida, ainda segurando os lençóis, ela lançou um olhar penetrante para Lawrence.

Seus olhos cor de âmbar tingidos de vermelho brilhavam com uma mistura de expectativa e dúvida.

A ponta branca de sua cauda balançava para lá e cá, e ela parecia tanto com uma frágil donzela que Lawrence não pôde deixar dar um fraco sorriso.

Se não conseguisse entender o que ela dizia com aquele olhar, ele não teria nenhum direito de reclamar quando ela rasgasse sua garganta.

Lawrence limpou sua garganta. “Eu diria que nós vamos ser capazes de encontrar Yoitsu dentro de meio ano.”

Ele poderia dizer que o sangue mais uma vez fluía através da forma paralisada dela.

“Mm!” Disse Holo feliz com um aceno de cabeça.

“Então a remetente desta nota é como uma pomba que carrega boas notícias. Vá refletir sobre suas suposições equivocadas.”

Os lábios de Holo torceram em desagrado, mas Lawrence não pôde deixar de notar que era fingimento.

“Em todo caso, agora vou ver Mark.”

“Com uma carta tingida com o cheiro de uma mulher escondida perto de seu peito?”

Lawrence não podia deixar de rir de Holo repetindo essa pergunta.

Sem dúvida, ela queria que ele deixasse a carta.

Ela não pôde dizê-lo em voz alta, já que era muito embaraçoso admitir que estava tão nervosa a ponto de querer que ele deixasse uma carta que ela não conseguia nem ler.

Se divertindo com o estado honesto da frequente traiçoeira mente de Holo, Lawrence entregou a carta a ela.

“Você disse que a remetente era bonita?”

“Oh sim, e bastante adulta.”

Holo levantou uma sobrancelha. Ela pegou a carta e, em seguida, olhou para Lawrence, seus olhos se estreitaram. “Você está se tornando um pouco adulto demais, e astuto.” Ela sorriu, revelando suas presas.

“Além disso, aparentemente Amati encontrou uma maneira de conseguir as mil moedas de prata que ele precisa. Estou indo tratar a respeito disso.”

“Oh? Bem, tente encontrar alguma maneira de me impedir de ser comprada, ok?”

Dada a sua conversa até agora, Lawrence não levou as palavras de Holo muito a sério.

“Se quiser ler a carta, sinta-se livre para abri-la. Se você puder ler, claro.”

Holo fungou e caiu sobre a cama, com a carta na mão, sua cauda balançando, como se dissesse “Bem, agora vá.” Ela era como um cão carregando um osso de volta para sua toca.

Ele não se atreveria a dizer isso, claro, então sorriu sem dizer nada e, abrindo a porta, saiu do quarto.

Pouco antes dele fechar a porta atrás dele, Lawrence olhou para Holo uma última vez, cuja cauda acenou como se ela tivesse esperado que ele desse uma última olhada.

Ele riu e fechou a porta devagar para não fazer barulho.

 

“Devo dizer, para alguém pedindo um favor, você não parece muito preocupado.”

“Desculpe.”

Lawrence se questionou se devia ir direto para a casa de Mark, mas decidiu que o homem provavelmente ainda estava em sua tenda no mercado, o que se mostrou correto.

Entre os estandes espalhados aqui e ali no mercado, as pessoas torravam seu dinheiro sob o luar, e até mesmo muitos dos guardas responsáveis pela vigilância de bens de seus mestres tinham sucumbido aos seus desejos e estavam bebendo.

“Embora eu suponha que eu tenha tempo de sobra durante o festival,” Mark admitiu.

“Oh?”

“Oh, é verdade. Ninguém quer arrastar mercadorias pesadas enquanto observa o festival, não é? Especialmente algo tão volumoso como trigo, que vendo antes do festival começar e compro uma vez que termina. É claro que o festival da noite é outro caso.”

O festival da noite era realizado depois que o festival de dois dias terminava, e se tratava de uma grande festa, Lawrence tinha ouvido falar. Não era como se ele não entendesse o desejo de utilizar o festival como uma desculpa para beber e se divertir.

“E de qualquer forma, eu já consegui um pouco de lucro graças a sua informação, então acho que vou deixar essa passar.” O rosto sorridente de Mark era o de um mercador satisfeito em cada curva.

Evidentemente que ele tinha se aproveitado do que quer que Amati estivesse fazendo.

“Então você entrou na onda, hein? Qual é o truque?”

“Você vai gostar disso. Não quero dizer o truque é apenas esperto — Quero dizer que é como pegar ouro na rua.”

“Sou todo ouvidos,” disse Lawrence, se sentando em uma cadeira de madeira convenientemente perto.

Mark sorriu para o que isso implicava. “Eu ouvi dizer o cavaleiro Haschmidt é um dançarino excelente. Se ele continuar assim, pode acabar ter que pegar as mil moedas de prata e perder a sua adorável dama.”

“Você é bem-vindo a apostar toda sua fortuna em Amati — não faz a menor diferença para mim.”

Mark bloqueou o ataque de Lawrence não com seu escudo, mas com a espada. “O Philip Terceiro tem dito algumas coisas interessantes sobre você.”

“Oh?”

“Que você mantém a pobre moça em dívida simplesmente para levá-la para onde bem desejar, que você a trata cruelmente e a alimenta só com mingau frio — e por aí vai.”

Mark estava obviamente se divertindo, como se fosse uma grande brincadeira, mas Lawrence só podia ouvir e sorrir desconfortavelmente.

Amati estava obviamente espalhando boatos sobre Lawrence como uma forma de justificar suas próprias ações. As bochechas de Lawrence se contraíram, mais devido ao aborrecimento deste zumbido de mosquito em volta do seu rosto do que do dano causado à sua reputação.

Um mercador viajante não era um mercenário armado de espada — ele não poderia simplesmente enganar uma garota que desejasse com uma dívida, a forçando a viajar com ele. Mesmo se a nota da dívida fosse escrita em uma cidade onde o mercador tivesse alguma influência, não faria sentido, logo eles estariam na estrada.

Da mesma forma, qualquer um acostumado a viagens longas sabia que não havia nada de surpreendente sobre a comida escassa que se comia durante a viagem. Qualquer mercador que tivesse tentado maximizar o lucro sabia que havia vezes em que ficava sem comida.

Então a difamação de Amati sobre Lawrence não seria levada a sério. Esse não era o problema. O que irritava Lawrence era que Amati espalhou a noção de que ele e Lawrence estavam no mesmo ringue, lutando por uma mulher.

Mesmo que não tivesse um efeito direto sobre os negócios da Lawrence, dificilmente era algo que gostaria de estar atrelado à sua posição como um mercador independente.

Mark certamente sabia o quão irritante isso seria, o que explicava o seu sorriso de satisfação. Lawrence suspirou e acenou com a mão, como que para encerrar a discussão. “De qualquer forma, qual a informação sobre o lucro?”

“Ah, sim. Uma vez que eu soube que o velho Batos tinha descoberto, eu juntei as peças.”

Então tinha algo a ver com os negócios de Batos.

“Pedras preciosas?”

“Perto, mas não. Você dificilmente poderia chamar de preciosas.”

As matérias-primas que os mercadores de minério compravam e vendiam enquanto viajavam pelo país minerando, passaram por sua mente. De repente, Lawrence descobriu.

O mineral que tinha falado com Holo que parecia de ouro —

“Pirita?”

“Oh, então você já ouviu?”

Aparentemente, essa era a resposta.

“Não, eu apenas pensei que poderia fazer um bom negócio com isso. Por causa do cartomante, certo?”

“Isso é o que eles dizem. Apesar do cartomante já ter deixado a cidade.”

“Entendo.”

Um brado repentino chamou a atenção de Lawrence; ele se virou para ver um grupo de homens em roupas de viagem alegremente cumprimentando alguns mercadores da cidade, abraçando um ao outro cordialmente em seu reencontro evidentemente feliz.

“Sim, a história de conhecimento geral é que sua divinação era muito boa, então ele estava atraindo a atenção de um inquisidor da Igreja, mas isso parece muito suspeito.”

“Por que suspeito?”

Mark tomou um gole de vinho e tirou um pequeno saco de estopa da prateleira atrás dele.

“Antes de mais nada, se um inquisidor tivesse realmente chegado à cidade, isso seria uma grande notícia. Segundo, tem pirita demais em circulação no momento. Meu palpite é que ele comprou em algum lugar e fugiu logo que vendeu todo seu estoque. Além disso...”

Mark despejou o conteúdo do saco em cima da mesa. Algumas das peças de pirita tinham formas bonitas de dados; outras eram tão disformes quanto pão achatado.

“Acho que ele estava tentando exagerar a raridade de pirita. Quanto você acha que essa coisinha vale agora?”

Em sua mão, Mark segurou uma peça em forma de dado, que era geralmente considerada a forma mais preciosa da pirita. O valor normal de mercado era, talvez, dez irehd, ou um quarto de uma moeda trenni.

Mas Holo havia dito que o pedaço de pirita que Amati a deu foi sido comprado em um leilão, por isso, Lawrence fez um palpite mais ousado.

“Cem irehd.”

“Tente duzentos e setenta.”

“Im—”

possível, ele estava prestes a dizer, mas engoliu a palavra, se amaldiçoando por não comprar um estoque imediatamente após Holo lhe falar da pirita.

“Para homens como nós, isso seria um preço ridículo, mesmo para uma pedra preciosa. Mas quando o mercado abrir amanhã, ele vai subir ainda mais. Agora cada mulher na cidade está planejando comprar isso. Divinação e poções de beleza secretas estão sempre em demanda.”

“Mas ainda assim — duzentos e setenta? Por isso?”

“E nem sequer tem que ser em forma de dado. Outras formas também subiram em valor, graças à ideia de que cada um tem uma finalidade diferente. As mulheres vêm para o mercado e com a fala doce para os seus maridos mercadores e agricultores com as carteiras gordas para comprar essas piritas. E se você quiser falar sobre milagres, essas mulheres estão até começando a competir entre si, para ver quem ganhou mais pirita. Chegou ao ponto em que o preço aumenta com cada elogio que uma mulher fala.”

Lawrence tinha comprado vinho e bugigangas para garotas de cidade antes; isso foi difícil de ouvir.

Mas essa dificuldade não era nada em comparação com o seu pesar por ter deixado essa oportunidade escapar.

“Não é uma questão de qual a porcentagem de lucro pode ser feita em um investimento agora. É uma questão de quantas vezes, quantas dezenas de vezes que você vai multiplicar o seu dinheiro. Seu Philip Terceiro está de olho em sua princesa e ele está fazendo um enorme lucro para levá-la.”

Se Amati teve este plano logo que comprou para Holo seu pedaço de pirita, ele poderia muito bem já ter feito uma boa quantidade de dinheiro. Era perfeitamente possível que ele teria as mil moedas de prata, no dia seguinte.

“Eu mal abri a porta da minha casa e já consegui trezentos irehd. Isso é o quanto o preço vai subir. Não é uma oportunidade para se deixar passar.”

“Quem mais sabe?”

“Aparentemente, isso estava se espalhando pelo mercado esta manhã. Na verdade, eu já cheguei tarde no jogo. Aliás, a frente da tenda dos mercadores de minério estava enlouquecendo enquanto você dançava com sua princesa.”

Apesar de estar sóbrio a um bom tempo, o rosto de Lawrence estava mais vermelho do que o de Mark, que ainda estava bebendo.

Não porque Mark o provocou com Holo, mas sim porque quando até mesmo o mais idiota dos mercadores teria entrado em ação, Lawrence estava ao lado do mercado, gastando a noite dançando.

Nenhum rosto vermelho de frustração poderia expressar seus sentimentos.

Ele era um fracasso como mercador.

Pela primeira vez desde o desastre de Ruvinheigen, ele queria segurar a cabeça entre as mãos e chorar.

“Se Amati estava fazendo algo complicado, provavelmente haveria algo que pudesse fazer para impedi-lo. Mas da forma que é, não acho que tenha algo a se fazer. Sinto muito amigo, mas aqui você é um peixe dentro de um barril.”

Mark estava tentando dizer, tudo o que ele podia fazer era esperar para ser cozido, mas foi isso que deprimiu Lawrence. Ele estava simplesmente chateado consigo mesmo por colocar a diversão com Holo antes dos negócios.

“Ah, eu devo mencionar que a notícia já se espalhou pela praça, de modo que o número de mercadores que procuram comprar pirita para vender tem impulsionado o preço ainda mais alto. Estou dizendo que o vento está soprando agora. Se não içar sua vela, vai se arrepender para o resto de sua vida.”

“É verdade. Eu não vou sentar e ver os navios zarparem.”

“Esse é o espírito! E ei, se o pior acontecer, você vai precisar de dinheiro para comprar uma nova princesa, não é?”

Lawrence sorriu ironicamente para Mark. Seria uma boa oportunidade para compensar suas perdas em Ruvinheigen pelo menos.

“Nesse caso, eu vou usar um pouco do meu crédito com você por aqueles pregos para tirar essas piritas de suas mãos,” disse Lawrence.

Mark imediatamente fechou a cara, como se de repente lamentasse ter mencionado algo.

 

Lawrence pagou a Mark trinta trenni por quatro pedaços de pirita e, em seguida, fez seu caminho de volta para a estalagem em meio à multidão que cantava e dançava à luz das fogueiras.

O festival parecia ter entrado na sua segunda fase e ele ouviu o som de poderosas batidas de tambores.

A multidão era suficientemente densa para dificultar a vista, mas em contraste com as festividades do dia, a folia parecia ter se tornado mais selvagem. Bonecos de palha colidiam uns com os outros e dançarinos de espadas rodopiavam.

Era um desenvolvimento surpreendente, pois as pessoas já vinham dançando e bebendo durante todo o dia.

Mas se ele queria ver o festival, seria fácil fazê-lo da linha de frente no quarto de estalagem.

Ele correu por entre a multidão e foi para lá.

Lawrence tinha assuntos em que pensar.

As chances de Amati realmente conseguir as mil moedas trenni tinha aumentado, mas Lawrence ainda não se sentia perturbado ou preocupado em perder Holo.

O que o estava preocupando era o quanto poderia fazer com a pirita que tinha na mão e o quão barato poderia convencer Holo a lhe vender a peça que tinha obtido de Amati.

Às vezes, itens inúteis se transformam em ouro.

De fato, festivais eram ocasiões especiais.

Ao longo das ruas mais calmas ligeiramente afastadas do clamor e das luzes do festival, cavaleiros e mercenários davam em cima de garotas ou tinham seus braços entrelaçados com alguma que já estivesse conquistada.

As garotas que se enroscavam nos braços dos perigosos cavaleiros de olhos escuros não pareciam mulheres da vida, mas garotas bastante comuns, que em qualquer outra noite só falariam com homens de disposição e estatura mais séria.

A estranha atmosfera afrodisíaca do festival apaixonante nublou seus olhos — e desde que isso também provocasse uma elevação no preço da pirita, Lawrence não tinha do que reclamar.

Enquanto estava remoendo sobre isso, Lawrence avistou uma loja que vendia melões doces para acalmar as gargantas queimadas com muito vinho e comprou dois para Holo.

Não havia como dizer o quão brava ela poderia ficar se retornasse de mãos vazias. Os melões eram como os ovos de algum pássaro enorme; ele sorriu resignado, carregando um debaixo do braço e um na mão.

O salão do primeiro andar da estalagem estava tão animado quanto as ruas, mas Lawrence apenas lançou um olhar enquanto seguia para o segundo andar.

Ao chegar, Lawrence percebeu que o ruído do andar de baixo parecia irreal, como se estivesse assistindo uma fogueira queimando distante.

O som da conversa o lembrou um riacho murmurante; ele escutava enquanto abria a porta e entrava no quarto.

Por um momento, se perguntou por que o quarto estava tão bem iluminado, mas depois viu que a janela havia sido deixada aberta.

Provavelmente estava muito escuro para ler a carta.

De repente, Lawrence percebeu que algo estava errado nesse cenário.

A carta?

Seus olhos se encontraram com os de Holo enquanto ela estava de pé diante da janela com a carta na mão.

Aqueles olhos assustados.

Não — assustados não.

Eram os olhos de alguém que tinha acabado de voltar a si depois de ser completamente atordoado.

“Você...”

...consegue ler? Lawrence ia perguntar, mas as palavras ficaram presas em sua garganta.

Os lábios de Holo estremeceram, em seguida foram seus ombros. Ele a viu tentar reunir forças em seus dedos finos e dormentes, mas a carta escorregou e caiu no chão.

Lawrence não se mexeu. Ele tinha medo que seu movimento a fizesse quebrar como uma escultura de gelo.

Era a carta de Diana.

Se ler aquela carta trouxe Holo a este estado, não havia muitas possibilidades que Lawrence pudesse imaginar.

Tinha que ser sobre Yoitsu.

“Qual o problema?” ela perguntou.

Sua voz soava como sempre. Apesar de estar visivelmente à beira do colapso, ela conseguiu dar um sorriso fino; o contraste era irreal, como um sonho.

“Tem algo g-grudado no meu rosto?” Holo tentou manter o sorriso, mas seus lábios tremiam e era claramente difícil para ela falar.

Lawrence olhou em seus olhos, que estavam fora de foco.

“Não há nada em seu rosto. Mas, talvez você esteja um pouco bêbada.”

Ele não podia suportar ficar em silêncio diante dela desse jeito, então tentou escolher as palavras menos ofensivas que podia.

O que dizer a seguir? Não, primeiro ele tinha que descobrir o quanto ela sabia. Lawrence estava nesse ponto quando Holo falou novamente.

“S-sim, bastante. E-eu devo estar bêbada. Bêbada d-de fato.”

Seus dentes batiam enquanto sorria, ela rigidamente caminhou até a cama e sentou.

Lawrence finalmente se afastou da porta e, muito lentamente, de modo a não fazer este pássaro assustou voar, ele fez o seu caminho até a mesa.

Ele colocou os dois melões sobre a mesa e casualmente olhou para a carta que Holo havia deixado cair.

A linda letra de Diana estava claramente iluminada pela lua.

 

Em relação ao assunto que discutimos ontem sobre o vilarejo de Yoitsu, destruído há muito tempo...

 

Os olhos de Lawrence caíram sobre as palavras. Ele não podia deixar de fechar os olhos.

Holo afirmara ser incapaz de ler — provavelmente ela tinha planejado surpreendê-lo ou provocá-lo em algum momento no futuro. Sem dúvida, ela estava surpresa que a chance tinha chegado tão rapidamente, e ela leu a carta imediatamente.

Mas deu tudo errado.

A carta era sobre a sua casa, Yoitsu — claro que ela iria querer lê-la.

A imagem de uma Holo animada rasgando o envelope de repente passou pela mente de Lawrence.

E então ela viu as palavras sobre destruição de Yoitsu. Ele não podia sequer imaginar o quão ruim o choque deve ter sido.

Holo se sentou na cama, olhando para o chão.

Enquanto Lawrence lutava para pensar nas palavras certas, ela olhou para cima.

“O que — o que eu devo fazer?” seus lábios se curvaram em um sorriso forçado. “Não tenho — não tenho nenhum lugar para voltar...”

Ela não piscou nem gritou, mas um fluxo constante de lágrimas escorria pelo seu rosto.

“O que devo fazer...,” ela murmurou de novo, como uma criança que tinha quebrado seu brinquedo favorito. Lawrence não suportava vê-la dessa forma. Todo mundo era uma criança quando se lembrava de sua terra natal.

Holo era uma loba sábia com muitos séculos de experiência; ela certamente tinha considerado a possibilidade de que Yoitsu foi enterrada no fluxo do tempo.

Mas assim como a lógica não tem poder sobre uma criança, era inútil em diante de emoções tão fortes.

“Holo.”

Holo vacilou momentaneamente ao som de seu nome antes de recuperar a compostura.

“É só uma velha história, uma lenda. Existem muitas lendas que estão erradas.”

Lawrence falou a fim de dar às suas palavras tanto peso quanto podia. Em se tratando de probabilidade, as chances de Yoitsu estar de pé eram muito baixas. As cidades que sobreviveram por centenas de anos eram tipicamente grandes; todo mundo sabia.

Mas ele não conseguia pensar em mais nada para dizer.

“Er... erradas?”

“Isso mesmo. Nos lugares onde um novo rei ou grupo toma conta, eles espalham todos os tipos de contos como para marcar posição para um novo território.”

Não era uma mentira. Ele conhecia muitos exemplos.

Mas Holo balançou a cabeça de repente, suas lágrimas escorrendo pelos lados através de suas bochechas.

A apatia em seus olhos era a calmaria antes da tempestade.

“Não, se isso fosse verdade, por que — por que esconderia isso de mim?”

“Eu estava procurando o momento certo para falar. É uma questão delicada. Então —”

“Heh,” Holo riu, embora parecesse uma tosse.

Era como se um demônio a tivesse possuído de alguma forma.

“D-deve ter sido terrivelmente divertido, me ver tão despreocupada.”

A mente de Lawrence ficou em branco instantaneamente. Ele nunca poderia sentir qualquer coisa do tipo. A raiva cresceu dentro dele, estreitando sua garganta, mas ele se conteve de alguma forma.

Ele percebeu que Holo só queria machucar alguma coisa, qualquer coisa.

“Holo, por favor, se acalme.”

“Eu estou b-bastante calma. Não sou eu a própria imagem da lucidez? Você provavelmente sabia sobre Yoitsu o tempo todo.”

Lawrence estava sem palavras; ela tinha percebido a verdade.

Ele percebeu que o seu erro fatal foi esconder isso dela.

“Você sabia, não sabia? Não sabia? Você sabia desde que me conheceu. Isso explica muita coisa.”

A expressão de Holo agora era a de uma loba encurralada.

“Hah. V-você gosta de garotinhas tristes e fracas. Então como eu estava, enquanto falava em voltar para a terra natal que você sabia que estava destruída? Eu fui tola o suficiente? Fofa o suficiente? Eu estava triste e charmosa o suficiente? Tanto que você perdoou o meu egoísmo e sentiu pena de mim?”

Lawrence tentou falar, mas Holo continuou.

“E então você me disse para voltar para Nyohhira sozinha, porque se cansou de mim, não é?”

Seu sorriso era desesperançado. A própria Holo deveria saber que, o que ela disse era uma distorção maliciosa e deliberada.

Ele sabia que se perdesse a paciência e a atacasse, ela só abanaria sua cauda feliz.

“É isso mesmo que você acha?”

As palavras de Lawrence a golpearam, ela olhou através dele com olhos vermelhos em chamas. “É!”

Holo se levantou, com os punhos brancos e tremendo.

Seus dentes afiados batiam e sua cauda inchou como uma escova de garrafa.

Lawrence ainda não recuou. Ele sabia que a raiva de Holo vinha de uma tristeza profunda.

“É, eu penso assim! Você é humano! O único animal que aprisiona outros animais! Deve ter sido tão divertido para você enquanto eu mordia como uma tola a isca que era Yoitsu e —”

“Holo.”

Holo estava gesticulando bravamente; Lawrence rapidamente se aproximou dela e agarrou seus braços com toda sua força.

Ela estava tão irritada e assustada como um vira-lata encurralado, e ela não podia colocar mais resistência do que uma jovem com tal aparência poderia ter.

Com Lawrence segurando seus braços, a diferença em suas forças era clara.

“E-eu estou completamente sozinha. O-o que devo f-fazer? Ninguém está me esperando voltar. Não tem ninguém para me apoiar. Eu... eu estou sozinha...”

“Você tem a mim, não tem?” ele disse, completamente sério.

Não eram palavras que poderiam ser ditas por descuido.

Mas Holo simplesmente desprezou e retrucou “O que você é para mim? Não — o que eu sou para você?”

Lawrence não tinha uma resposta pronta. Ele tinha que pensar.

Foi um momento depois que ele percebeu que deveria ter respondido rapidamente, mesmo se fosse uma mentira.

“Não! Eu não quero mais ficar sozinha! Não posso!” Holo gritou e então congelou. “Venha... Será que... você se deitaria comigo?”

Lawrence estava prestes a soltar os braços dela.

Mas então percebeu que o sorriso dela era vazio. Ela estava zombando de seu próprio estado desequilibrado.

“Estou completamente sozinha. Mas com uma criança seriam dois. Olha, eu tomei a forma humana. Não é impossível que com você, eu poderia, por favor...”

“Não fale mais nada. Eu te imploro.”

Lawrence compreendeu as emoções que ferviam dentro dela, compreendeu que só o que poderia sair eram palavras afiadas e venenosas. Ele entendia muito bem.

Mas ele não conseguiu amarrar essas emoções e colocá-las de lado para se acalmar.

Pedir para ela não falar era tudo que conseguia fazer.

O sorriso de Holo se reforçou, e uma nova onda de lágrimas derramou pelos seus olhos.

“Heh. Aha...ha-ha-ha-ha. É verdade. Você é muito fraco. Não posso esperar nada desse tipo de você. Mas não me importo. Eu lembrei, sabe. Existe... Sim, tem alguém que me ama.”

Ela não conseguiu superar o aperto de Lawrence com a força, por isso, a fim de tirar vantagem de qualquer brecha que pudesse aparecer, Holo relaxou os punhos e deixou a tensão sair do seu corpo. Lawrence soltou seus pulsos e as palavras que agora vieram dela eram como borboletas doentias.

“É por isso que essa disputa não te preocupa, não é? Se pudesse receber cem moedas de prata por mim, não seria tão ruim me deixar ir embora?”

Lawrence sabia que qualquer coisa que dissesse que não teria efeito, então só ouviu em silêncio.

O silêncio continuou, como se Holo tivesse queimado seu combustível completamente.

Por fim, apenas quando Lawrence estendeu a mão até ela novamente, Holo disse com a voz fraca.

“...Eu sinto muito,” ela falou.

Lawrence sentiu que podia ouvir o baque que veio com aquelas palavras enquanto Holo fechava a porta do seu coração.

Ele congelou. Era tudo o que podia fazer.

Holo se sentou novamente, olhando para o chão, imóvel.

Lawrence recuou, mas ele se viu incapaz de ficar parado, então ele pegou a carta de Diana que Holo deixou cair e a leu, como que para escapar.

Nele, Diana disse que havia um monge que vivia em uma cidade no caminho para Lenos, especialista em lendas das terras do norte, e que faria bem para Lawrence visitá-lo. Na parte de trás da carta estava escrito o nome do monge.

Lawrence fechou os olhos, angustiado.

Se ao menos tivesse olhado para a carta primeiro. Se pelo menos tivesse feito isso.

Ele foi preenchido com uma súbita vontade de rasgar a carta em pedaços, mas sabia que essa explosão era inútil.

A carta ainda era uma importante pista para encontrar Yoitsu.

Parecia um dos poucos fios que ainda o ligavam a Holo; ele dobrou a carta e a colocou dentro do casaco.

Ele olhou de volta para Holo, que ainda olhava para o chão.

Em sua mente, ele ouviu novamente o que ela tinha falado — “sinto muito” — quando estendeu a mão para ela.

Tudo o que ele podia fazer agora era silenciosamente sair do quarto.

Ele deu um passo para trás. Dois passos.

Um clamor alto entrou pela janela. Lawrence aproveitou a oportunidade e saiu da sala.

Por um instante, pensou que Holo tinha levantado o rosto para olhar para ele, mas sabia que era apenas uma ilusão.

Ele alcançou a porta atrás dele para fechá-la, desviando os olhos como que para deixar claro que não desejava se intrometer.

Mas isso não iria desfazer nada.

Ele teria que fazer alguma coisa.

Ele teria que fazer alguma coisa — mas o que e como?

Lawrence deixou a estalagem.

As ruas ainda estavam repletas de estranhos.



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