Volume 3
Capítulo 2
Não importa o quão atormentado com preocupações a mente de um mercador possa estar, é dito que eles sempre conseguem dormir bem.
Então, apesar da preocupação de Lawrence que Holo pudesse ir embora sozinha durante a noite, Lawrence dormiu profundamente e acordou com o canto dos pássaros que entrava pela janela.
Ele não fez nada de tão alarmante como pular freneticamente para fora da cama, mas Lawrence ainda olhou para a cama ao lado dele e suspirou de alívio quando viu que Holo ainda estava lá.
Ele saiu da cama e olhou para fora da janela. Estava bastante frio dentro do quarto, mas o ar do lado de fora no início da manhã ainda estava ainda mais frio; sua respiração se transformava em vapor branco.
No entanto, o ar frio estava perfeitamente claro — uma manhã feita de cristais.
Já haviam pessoas nas ruas em frente a estalagem. Olhando para os mercadores da cidade, que se levantavam ainda mais cedo do que os mercadores viajantes que são conhecidos por levantarem cedo, Lawrence organizou os planos para o dia em sua cabeça, finalmente, dizendo “muito bem” para si mesmo quando eles ficaram em ordem.
Embora isso não exatamente iria compensar o erro da noite anterior, Lawrence queria ser capaz de apreciar plenamente o festival — que começava no dia seguinte — com Holo, e isso significava concluir seus negócios hoje.
A primeira prioridade dos negócios seria vender a mercadorias que conseguiu em Ruvinheigen, pensou nisso enquanto se virava voltando seu olhar para o quarto.
Ainda com coração um pouco pesado por causa da noite anterior, Lawrence caminhou até sua companheira, que dormia profundamente como de costume, com a intenção de acordá-la — quando parou e franziu as sobrancelhas.
Não era estranho Holo dormir até a hora que quisesse, mas outra coisa estava errada.
Definitivamente não se podia ouvir seu ronco despreocupado habitual.
Lawrence se perguntava se o silêncio era o que ele pensava ser enquanto estendia a mão até ela. Ela pareceu notar; o cobertor se agitou brevemente.
Ele levantou as cobertas gentilmente.
O que viu o fez suspirar.
O rosto de Holo sob as cobertas era mais patético do que qualquer gatinho abandonado.
“Ressaca de novo, hein?”
Suas orelhas se moveram levemente; talvez doesse muito mover a cabeça.
Ele pensou em provocar Holo por causa isso, mas se lembrou da noite anterior e pensou melhor. Em todo caso, ela não estaria disposta a ouvir.
“Vou trazer um copo de água e um balde só por precaução. Apenas se comporte e descanse.”
Ele deu mais ênfase no “se comporte,” com isso suas orelhas se moveram mais uma vez.
Lawrence não achava que ela se comportaria só porque ele falou, mas era improvável que ela sairia vagando por aí em seu estado atual. Dada a impossibilidade de Holo pegar suas coisas e sair por conta própria, ele se deixou relaxar um pouco.
Ele sabia que Holo era plenamente capaz de simular uma ressaca, mas seu rosto estava tão pálido que duvidava que esta fosse falsa.
Tirando esse pensamento da sua cabeça, ele terminou seus preparativos para sair sem dizer mais uma palavra e então voltou para o lado da cama de Holo — ela evidentemente era incapaz de sequer se virar de lado.
“O festival não vai começar até amanhã, então não precisa se preocupar.”
O alívio surgiu instantaneamente no rosto exausto e devastado pelo álcool de Holo; Lawrence teve que rir.
Parece que até mesmo sofrer com a ressaca era menos importante para Holo do que participar do festival.
“Estarei de volta à tarde.”
As orelhas de Holo estavam paradas; esta afirmação não a interessava.
Lawrence deu um sorriso forçado e assim os cantos da boca de Holo se enrolaram lentamente em um sorriso.
Ela parecia estar fazendo isso de propósito.
Lawrence deu de ombros e novamente colocou o cobertor sobre Holo. Sem dúvida ela ainda estava sorrindo lá embaixo.
Mesmo assim, ele estava genuinamente aliviado que ela parecia não guardar rancor da noite anterior.
Enquanto saia do quarto, Lawrence deu mais uma olhada para Holo. Sua cauda que estava fora do cobertor balançou duas vezes, como que dando tchau.
Pensando em comprar algo saboroso para ela, ele fechou a porta atrás de si.
Tentar fazer negócios antes do sino que abre um mercado geralmente não é bem recebido em qualquer cidade — e isso é ainda mais verdadeiro quando se está espremido bem no meio do mercado.
No entanto, dependendo do tempo e das circunstâncias, esta regra pode ser distorcida.
Em Kumersun as pessoas eram quase encorajadas a reduzir o congestionamento que vinha com a abertura do mercado durante o festival.
Então, apesar da hora adiantada, com o sol começando a surgir acima dos edifícios, o mercado — que ocupava metade da praça sul de Kumersun — já estava cheia de mercadores.
Aqui e ali haviam pilhas de caixas e pilhas de sacos de estopa, porcos, galinhas e todo tipo de animais amarrados ou enjaulados nos espaços apertados entre mercadorias e barracas. Como Kumersun era o maior exportador de peixes nessa região sem litoral, era fácil ver peixes nadando em grandes barris de água fresca, não muito diferente dos que Amati carregava no dia anterior.
Assim como Holo era incapaz de esconder sua excitação diante de uma sequência de barracas de comida, o pulso de Lawrence não poderia deixar de acelerar quando via a vasta gama de mercadorias no mercado.
Quanto lucro alguém poderia fazer transportando estes bens para aquela cidade? Esta outra mercadoria era tão abundante que deve haver um excedente naquele local — será que o preço é mais baixo? Tais pensamentos rodopiavam pela mente de Lawrence.
Quando estava apenas começando como um mercador, Lawrence não tinha noção do que era um preço favorável para um produto, então ele vagava sem rumo sem saber o que fazer — mas agora ele podia discernir todo o tipo de informação.
Uma vez que um mercador compreendia totalmente esta intrincada teia de mercadorias, ele se tornava como um alquimista, transmutando chumbo em ouro.
Lawrence se sentiu tonto com o poder que esta ideia oferecia até que se lembrou de seu fracasso em Ruvinheigen, com o que ele riu, decepcionado.
Afinal, deixar a avareza te cegar facilitaria seu tropeço.
Ele respirou fundo para se acalmar, agarrando as rédeas e se dirigindo para o centro do mercado. A barraca da qual finalmente se aproximou já começava seu dia de trabalho, como todas as outras. O dono da loja tinha apenas um ano de diferença de Lawrence e também tinha começado como um mercador viajante. O fato de que ele tinha se tornado um mercador de trigo adequado — com uma tenda completa que, apesar de seu pequeno tamanho, tinha um teto decente — era geralmente atribuído à boa sorte do homem. Ele havia até mesmo adotado o estilo de barba quadrangular que era comum na região.
O mercador de trigo mencionado — Mark Cole — ficou momentaneamente surpreso ao ver Lawrence, mas imediatamente se recompôs e levantou a mão em saudação, sorrindo.
O outro mercador com quem Mark conversava também se virou para encarar Lawrence, assentindo em saudação. Nunca se sabe quando se pode encontrar alguém que possa vir a se tornar um parceiro de negócios, por isso Lawrence mostrou seu melhor sorriso de mercador e fez um gesto para que eles não se importassem e continuassem a conversa.
“Le, spandi amirto.Vanderji.”
“Ha-ha. Pireji. Bao!”
Evidentemente, sua conversa já estava terminando; o homem falou com Mark em uma língua que Lawrence não entendia e depois se despediu. Naturalmente, Lawrence não se esqueceu de dar ao homem um outro sorriso profissional enquanto ele partia.
Ele guardou o rosto do homem na memória para o caso de se encontrarem novamente em alguma outra cidade.
Estas eram as pequenas interações que se acumulavam ao longo do tempo, eventualmente gerando lucro.
O mercador — que provavelmente era de algum lugar nas terras do norte — desapareceu na multidão e Lawrence finalmente desceu de sua carroça.
“Acho que interrompi o seu negócio.”
“De forma alguma! Ele já estava cansando meu ouvido sobre o quão grato ele era ao deus da montanha Pitra. Você me salvou,” disse Mark, enrolando uma folha de pergaminho enquanto se sentava sobre uma caixa de madeira. Ele riu da conversa tediosa que teve com o homem.
Mark, assim como Lawrence, era um membro da Guilda Rowen de Comércio. Sua relação era resultado de se verem todo ano no mesmo mercado para fazer comércio, e os dois se conheciam desde o início de suas respectivas carreiras. Eles poderiam facilmente pular as formalidades habituais.
“Se eu soubesse que seria assim, não teria me incomodado em aprender a língua deles. Eles não são más pessoas, mas uma vez que descobrem que você pode entendê-los, você nunca vai parar de ouvir sobre o quão grande é deus deles.”
“Pode ser que uma divindade local é melhor do que um deus que nunca sai do santuário exceto quando percebem o brilho do ouro, não é?” disse Lawrence.
Mark riu, batendo na própria cabeça com o pergaminho enrolado. “Você não está mentindo! E dizem que os deuses da colheita são todas belas mulheres.”
O rosto de Holo apareceu na mente de Lawrence. Ele assentiu e sorriu, mas é claro que não disse o que veio à mente: Mas elas têm personalidades terríveis.
“De qualquer forma, chega dessa conversa. Serei repreendido pela patroa, com certeza. Vamos falar de negócios? Presumo que é por isso que está aqui.”
A expressão de Mark passou de amigável para de profissional. Embora não houvesse necessidade de formalidades entre os dois, o relacionamento deles era calculado. Lawrence se preparou para a negociação e falou.
“Eu trouxe pregos de Ruvinheigen. Pensei que você pudesse comprá-los.”
“Pregos, eh? Sou um vendedor de trigo. Por acaso você ouviu por aí que agora fechamos nossos sacos de trigo à prego? Acho que não.”
“Ah, mas em breve você vai ter muitos clientes comprando suprimentos para o longo inverno. Você poderia vender esses pregos juntos com o trigo. As pessoas precisam fortalecer suas casas contra a neve.”
Mark olhou para o céu por um momento antes de voltar seu olhar para Lawrence.
“Suponho que seja verdade... Pregos, certo. Quantos?”
“Tenho cento e vinte pregos de três paté de comprimento, duzentos e quatro paté e duzentos de cinco paté, juntamente com uma declaração de qualidade da guilda dos ferreiros de Ruvinheigen.”
Mark coçou a bochecha com uma extremidade do pergaminho enrolado e suspirou. Esta relutância fingida era uma mania comum dos mercadores.
“Vou levar o lote por dez lumiones e meio”.
“Qual é a cotação atual do lumione? Em trennis de prata.”
“Trinta e quatro quando o mercado fechou ontem. Então isso daria... 357 trennis.”
“Muito pouco, sir” disse Lawrence.
O montante não era nem mesmo a quantia que Lawrence gastou para comprar os pregos. A testa de Mark franziu com a resposta rápida de Lawrence.
“Você ouviu falar sobre a queda nos preços de armaduras?” Mark perguntou. “Sem as expedições militares para o norte neste ano, as pessoas estão se livrando de armaduras e espadas por todos os lados, o que significa que há um excesso de ferro cru. Mesmo pregos estão mais baratos agora — até dez lumiones é um preço generoso.”
Essa era a resposta que esperava, então Lawrence se acalmou e respondeu.
“Sim, mas isso é no sul. Onde há bastante ferro para ser derretido, o preço do combustível vai subir o suficiente para fazer com que isso seja impraticável. Se puder comprar lenha suficiente para derreter o ferro nesta época do ano em Ploania, eu certamente gostaria de ver. Qualquer um que tente fazer isso provavelmente terá sua cabeça partida por um machado.”
Quando o inverno chegava nas regiões com muita neve, o fornecimento de lenha estagnava. As fornalhas para o ferro, com o apetite interminável por combustível, eram abandonadas durante o inverno, o preço da lenha dispararia imediatamente, e em breve ele se encontraria no centro das maldições das congeladas pessoas da cidade. Assim, mesmo que a matéria-prima para os pregos de repente estivesse sobrando na região, o preço original desses pregos deveria se manter estável.
Qualquer mercador com um pouco de experiência seria capaz de ligar os fatos.
Sem surpresa, Mark sorriu. “Ora vamos, você deveria estar vendendo estes pregos para um pobre mercador de trigo? Se fossem grãos, certamente eu saberia como comprá-los barato, mas pregos estão longe de ser a minha especialidade.”
“Então, dezesseis lumiones.”
“Muito caro. Treze.”
“Quinze.”
“Quatorze e dois terços.” O rosto de Mark se endureceu, deixando-o parecido com um tronco.
Lawrence podia dizer que não conseguiria ir além nessa negociação.
Pressionar só prejudicaria essa relação de negócios. Lawrence assentiu e estendeu a mão direita. “Feito, então.”
“Obrigado, parceiro da guilda!” Mark disse com um sorriso, apertando a mão de Lawrence.
Certamente isso era um grande compromisso para Mark.
Como um mercador de trigo, Mark não era, estritamente falando, autorizado a comprar ou vender pregos. Qual mercador poderia vender quais produtos era decidido pela respectiva guilda, de modo que para estocar um novo item, um mercador tinha que obter a permissão dos outros mercadores que já vendiam esse item ou incluí-los nos lucros.
À primeira vista, esta regra parecia obstruir o livre comércio, mas se ela estivesse ausente, companhias gigantes com enormes quantidades de capital em breve engoliriam todo o mercado. A regra era projetada para impedir que isso acontecesse.
“Você prefere acertar isso em moeda ou em crédito?” perguntou Mark.
“Crédito, por favor.”
“Graças a Deus. Há tantos acordos em dinheiro nesta época do ano é difícil acompanhar.”
Enquanto comerciantes não tinham problemas em manter o controle de seus negócios em seus livros de registros, muitas pessoas que traziam mercadorias para as aldeias e vilas gostariam de ser pagas apenas com moedas.
Mas a escassez de moedas era um sério problema em toda a cidade.
Mesmo que um mercador tivesse créditos o suficiente para comprar um determinado bem, sem a moeda para fazer o pagamento não poderia haver comércio. E para um agricultor analfabeto, a nota promissória não serviria nem para assoar o nariz.
Na natureza, o cavaleiro com sua espada era o mais forte, mas nas cidades, a moeda se igualava ao poder. Foi por isso que a Igreja ficou tão rica. Coletando dízimos semana após semana, não havia como deixar de se tornar poderosa.
“Então, já que estou recebendo em crédito, tenho um favor a te pedir,” disse Lawrence enquanto Mark se aproximava para descarregar o saco de pregos da carroça. O rosto do mercador de trigo ficou instantaneamente cauteloso.
“Não é nada terrivelmente importante. Tenho que ir para o norte para resolver um assunto, me pergunto se você não poderia perguntar as condições das estradas e os pedágios por lá. Aquele seu cliente anterior, ele era do norte, não?”
Vendo que o pedido de Lawrence não tinha nada a ver com negócios, Mark visivelmente relaxou.
A mudança em sua expressão era obviamente intencional, Lawrence notou com desgosto. Provavelmente era a maneira de Mark de se vingar por Lawrence vender os pregos tão caro.
“Aye, isso é fácil,” disse Mark. “Embora fosse mais fácil se viesse no verão como de costume. Deve ser algo muito importante para fazer você ir para o norte no meio do inverno.”
“Bem, você sabe como é. Mas devo dizer que não tem nada a ver com negócios.”
“Ha-ha-ha. Mesmo o mercador sempre viajante não pode se livrar das pequenas obrigações da vida, não é? Então, para onde você está indo?”
“Um lugar chamado Yoitsu. Já ouviu falar?”
Mark se inclinou sobre a carroça enquanto levantava uma sobrancelha. “Não posso dizer que sim. Mas quem sabe quantas pequenas cidades e aldeias eu nunca ouvi falar. Então, quer que eu encontre alguém que a conheça?”
“Bem, de qualquer forma, estamos indo para Nyohhira, então se puder perguntar sobre Yoitsu como uma espécie de ‘e por acaso’; já seria o suficiente.”
“Certo. Então, se está indo a Nyohhira você vai atravessar as planícies de Dolan.”
“Então você sabe o caminho? Isso torna as coisas mais fáceis para mim.”
O mercador de trigo concordou e bateu no peito, como se dissesse “deixe comigo.” Mark certamente seria capaz de coletar as informações que Lawrence precisava.
Em primeiro lugar, era exatamente por isso que Lawrence tinha vindo até Mark, mas se tivesse interrompido o mercador de trigo durante a mais movimentada das estações simplesmente para reunir informações sem trazer algum negócio consigo, isso teria pesado em sua consciência — e Mark não teria ficado nada satisfeito.
É por isso que ele trouxe os pregos para vender. Lawrence estava bem ciente de que Mark conhecia muitos ferreiros da área. Seria fácil para Mark vender os pregos a qualquer um deles por um lucro garantido.
Mark seria até mesmo capaz de pedir uma parte do pagamento pelos pregos em dinheiro. Como um mercador de trigo — cuja última chance de salvar dinheiro estava se aproximando rapidamente — a chance de ter um pouco de moeda em suas mãos provavelmente o faria mais feliz do que qualquer lucro escasso.
E como Lawrence esperava, Mark concordou prontamente. Isso resolvia a necessidade de reunir informações para a viagem a seguir.
“Oh, sim. Tem outra coisa que gostaria de te perguntar. Não se preocupe, isso vai ser rápido,” disse Lawrence.
“Eu pareço tão mesquinho?”
Lawrence viu o sorriso decepcionado de Mark. “Por acaso esta cidade tem algum cronista?”
“Cronistas...? Oh, você quer dizer aquelas pessoas que escrevem esses diários intermináveis sobre os eventos da cidade?”
Cronistas recebiam pagamentos de nobres ou oficiais da Igreja para registrar a história de determinada área ou cidade.
Lawrence não podia deixar de rir ao ouvir Mark chamar com desprezo o trabalho deles de “diários intermináveis.”
Não era inteiramente correto, mas não estava muito longe da verdade, o que torna tudo ainda mais engraçado.
“Não acho que eles gostariam que você falasse dessa forma, mas sim,” disse Lawrence.
“Bah, é só que me incomoda que tudo o que eles precisam fazer para ganhar dinheiro é sentar em uma cadeira o dia todo e escrever.”
“É um pouco difícil aceitar isso de alguém que teve tanta sorte em um acordo e que foi capaz de abrir uma loja em uma cidade.”
A história da boa sorte de Mark era famosa.
Lawrence riu de novo, desta vez da expressão momentaneamente atordoada de Mark.
“Então, tem algum cronista ou não?”
“Ah... sim, eu acho que tem. Mas não me meteria com eles se eu fosse você,” disse Mark, pegando o saco de pregos da carroça de Lawrence. “Rumores dizem que um deles foi acusado de heresia por um monastério em algum lugar e teve que fugir. A cidade está cheia de gente foragida como essa.”
Os habitantes da cidade de Kumersun estavam menos preocupados com a animosidade entre os pagãos e a Igreja do que com a prosperidade econômica, de modo que a cidade se tornou um refúgio natural para uma variedade de naturalistas, filósofos e outros hereges do tipo.
“Só tenho algumas coisas que quero perguntar,” disse Lawrence. “Cronistas coletam lendas locais e afins, certo? Tem algo que me interessa nesse assunto.”
“E por que você se preocuparia com isso? Precisa de assunto para puxar conversa quando viajar para o norte?”
“Algo assim. Sei que é repentino, mas você acha que pode me apresentar?”
Mark virou suavemente a cabeça e gritou na direção da sua barraca, com o saco cheio de pregos ainda em uma das mãos.
Um garoto surgiu de trás de uma montanha de sacos de trigo. Evidentemente Mark tinha chegado ao ponto em que poderia ter um aprendiz.
“Eu conheço um. Melhor se for alguém da Rowen, certo?” disse Mark, entregando saco atrás de saco ao seu jovem aprendiz.
Vendo isso, Lawrence foi tomado por um renovado senso de urgência de chegar a Yoitsu e voltar à sua rotina normal o mais rápido possível.
No entanto, seria um problema se Holo descobrisse esse fato — e da sua parte, não era como se Lawrence quisesse se livrar dela.
Ele descobriu que era impossível conciliar seus dois sentimentos sobre o assunto.
Se vivesse tanto quanto Holo, ficar um ou dois anos fora dos negócios dificilmente seria um problema.
Mas a vida de Lawrence era muito curta para isso.
“Qual é o problema?”
“Hm? Oh... nada. Sim, se tem um cronista na guilda mercantil é mais conveniente. Posso te pedir para me apresentar?”
“Certamente posso fazer isso, sim. Vou até fazer isso de graça.”
Lawrence não podia deixar de sorrir para o esforço de Mark ao dizer “de graça.”
“Quanto antes melhor?” perguntou Mark.
“Se possível, sim.”
“Então vou mandar o menino para lá. Tem um velho mascate destemido chamado Gi Batos lá, e se me lembro direito, ele é chegado de alguém que é eremita de uma fé pagã e que já foi cronista. O velho Batos tira uma semana antes e uma depois do festival de folga, então se você passar pela guilda em torno do meio-dia, deve encontrar ele gastando o dia bebendo.”
Mesmo dentro de uma única guilda, como a guilda de Comércio Rowen, mercadores viajantes como Lawrence não sabiam muito sobre os outros membros — como Amati cujo negócio não estava relacionado com o de Lawrence.
Lawrence repetiu o nome Gi Batos para si mesmo, gravando em sua memória.
“Entendido. Estou em dívida com você.”
“Ha-ha. Se isso é tudo o que preciso para deixar você em dívida comigo, eu odiaria pensar no que vem a seguir. Chega de falar disso — você vai estar na cidade até que o festival acabe, certo? Vamos sair para tomar uma bebida, tudo bem?”
“Acho que eu deveria deixá-lo se gabar de seu sucesso pelo menos uma vez. Está marcado.”
Mark gargalhou alto e então suspirou quando entregou o último saco de pregos para seu aprendiz. “Mesmo um mercador da cidade sofre com problemas e preocupações intermináveis. Às vezes desejo voltar a viajar.”
Lawrence só podia sorrir vagamente já que ele ainda estava trabalhando dia após dia para conseguir o que Mark já tinha conseguido. Mark pareceu notar. “Uh, esqueça o que eu disse,” ele falou, sorrindo em desculpa.
“Tudo o que podemos fazer é manter nossos narizes na direção do lucro. É assim para todos os mercadores.”
“É verdade. Boa fortuna para nós dois!”
Lawrence apertou a mão de Mark, e depois de ver outro cliente chamando o mercador de trigo, ele deixou a tenda para trás.
Ele lentamente manobrou sua carroça no meio da multidão e então olhou para a barraca de Mark.
Lá estava Mark, que parecia ter esquecido completamente Lawrence e agora estava envolvido em negociações com o seu próximo cliente. Lawrence estava claramente com inveja.
Mas mesmo Mark, o mercador bem-sucedido da cidade, disse que às vezes gostaria de voltar a viajar.
Lawrence se lembrou de uma história. Há muito tempo atrás havia um rei que planejou se livrar da pobreza em seu próprio reino invadindo a nação próspera ao lado, mas um poeta da corte disse o seguinte: “As pessoas sempre veem as partes miseráveis da própria terra e as melhores partes das terras vizinhas.”
Lawrence pensou sobre a história.
Ele esteve focado nos problemas envolvidos em encontrar a terra natal de Holo ou no problema que sofreu em Ruvinheigen, mas a verdade era que ele foi capaz de viajar com uma companheira de rara qualidade.
Se Lawrence nunca tivesse encontrado Holo, ele teria continuado ao longo de sua rota comercial de costume, suportando a solidão infinita que ela trazia.
Já esteve a ponto de fantasiar seriamente sobre como seria se seu cavalo se tornasse humano. Quando pensou nisso, Lawrence notou que um de seus sonhos já era realidade.
Havia uma boa chance de que, eventualmente, ele estaria viajando sozinho de novo, e quando essa hora chegasse, Lawrence sabia que se lembraria do tempo que viajou com Holo com total carinho.
Lawrence agarrou as rédeas mais uma vez.
Uma vez que ele terminasse de fazer as rondas pelas guildas mercantis e companhias de comércio, ele se asseguraria de comprar um almoço verdadeiramente delicioso para Holo.
Kumersun não tinha uma igreja, por isso era um sino no topo de uma torre no mais alto teto da mais nobre casa da cidade que grandiosamente tocava o sino do meio-dia a cada dia. O sino, é claro, era decorado com esculturas da melhor espécie, e o telhado, visível por toda a cidade, era mantido pelos melhores artesãos que se poderia ter.
Dizia-se que o telhado — construído unicamente por causa da vaidade da nobreza que ali morava — tinha custado trezentos lumiones no total, mas as pessoas da cidade não desejavam mal algum aos nobres, pois concluíam que era fazer tais coisas que tornava alguém um nobre.
Talvez a razão pela qual os mercadores mais ricos, que acumulavam seu dinheiro em grandes cofres, guardavam ressentimentos tão caros era porque lhes faltava esse senso lúdico de extravagância. Até o cavaleiro mais famoso por sua violência seria amado se gastasse livremente.
Lawrence pensou sobre isso enquanto abria a porta do seu quarto — e foi atingido diretamente pelo cheiro forte do licor.
“Então isso cheirava assim tão mal...”
Lawrence de repente se arrepende por não lavar a boca antes de sair, mas a maior parte do cheiro era certamente culpa da loba que até agora dormia diante dele.
Holo não mostrou sinal de agitação mesmo quando Lawrence entrou no quarto, mas seu ronco natural sugeria que ela tinha se recuperado em grande parte de sua ressaca.
O cheiro do licor era demais para Lawrence, então ele abriu a janela antes de se aproximar da cama. O copo de água ao lado dele estava vazio assim como — felizmente — estava o balde. O rosto dela, exposto por debaixo das cobertas, parecia melhor do que antes. Lawrence havia comprado o verdadeiro pão de trigo, que ele raramente se dava ao luxo, em vez de bolachas de mel; foi a escolha certa, ele sentiu.
Tinha certeza de que as primeiras palavras que sairiam da boca de Holo ao acordar seriam “estou com fome.”
Lawrence segurou o saco de pão perto do nariz de Holo, que se contraiu ligeiramente. Ao contrário do pão de centeio de aveia amargo e duro que muitas vezes eles acabavam comendo, o cheiro do macio pão de trigo era bastante sedutor.
Holo cheirando o saco era o suficiente para fazer Lawrence duvidar que ela estava realmente dormindo. Por fim, ela fez um pequeno e natural mmph e então escondeu seu rosto nas cobertas.
Lawrence olhou para o pé da cama, onde viu a cauda da Holo de fora das cobertas tremendo levemente.
Ela parecia no meio de um bocejo lá embaixo das cobertas.
Lawrence aguardou, e como esperado, o rosto com os olhos turvos de Holo finalmente emergiu por sob as cobertas.
“Mmph... Algo cheira incrivelmente bem...”
“Se sente melhor?”
Holo esfregou os olhos, bocejou novamente, e falou como que para si mesma. “Estou com fome.”
Apesar de seu grande esforço para se conter, Lawrence desatou a rir.
Sem parecer particularmente interessada, Holo lentamente se arrastou para fora da cama e bocejou pela terceira vez. Em seguida, farejou novamente e voltou seu olhar guloso para o saco que Lawrence segurava.
“Imaginei que você diria isso. Eu esbanjei um pouco e trouxe pão de trigo.”
Assim que Lawrence entregou o saco, a sábia loba orgulhosa se transformou em um gato presenteado com um brinquedo.
“Você não vai comer um pouco?”
Holo, sentada na cama segurando o saco e devorando o pão branco puro, obviamente sem querer compartilhar.
Mesmo quando perguntou para ele, seu semblante agora era mais próximo ao de um cão de caça que não tinha nenhuma intenção de deixar sua presa escapar.
Provavelmente era o limite da generosidade de Holo arriscar perguntar antes de terminar de comer o saco inteiro.
“Não, eu estou bem. Já comi mais cedo.”
Normalmente ela o veria com certa suspeita, mas Holo — fiel à sua capacidade de ver através de uma mentira — parecia ter aceitado isso como a verdade. Visivelmente aliviada, ela voltou a atacar ao pão.
“Cuidado, você vai engasgar.”
Lawrence se lembrou de quando, logo depois que ele e Holo se conheceram, ela quase se engasgou com algumas batatas em uma pequena igreja onde tinham passado a noite. Ela o lançou um olhar, com o qual riu. Ele puxou uma cadeira da mesa e se sentou.
Em cima da mesa havia vários envelopes selados com cera. Depois de fazer as voltas rondar pelas várias firmas comerciais, Lawrence recebeu várias cartas endereçadas a ele.
Apesar de seu estilo de vida itinerante, os mercadores viajantes tinham muitas oportunidades para enviar e receber cartas já que suas paradas sazonais eram muito previsíveis.
Algumas ofereciam comprar um determinado bem a um preço elevado se passassem por uma determinada cidade que vendesse o item; outros diziam o preço de um bem em suas cidades e perguntavam como estava em outro lugar — a correspondência era diversificada.
Mas era estranho, Lawrence sentiu. Ele geralmente passava por Kumersun no verão, por isso era incomum que as cartas chegassem aqui e agora no limiar do inverno. No pior dos casos, as cartas acabariam nos arquivos das companhias de comércio por mais de meio ano. Se as cartas não chegassem a Lawrence em Kumersun dentro de duas semanas, elas seriam enviadas ao sul. Não precisa dizer que tais arranjos custariam bem caro.
Estava claro que as cartas eram urgentes.
Os remetentes eram todos os mercadores de cidades situadas em Ploania ao norte.
Lawrence removeu cuidadosamente os selos de cera com uma faca quando sentiu Holo o olhando fixamente.
“São cartas.”
“Mm,” veio a resposta curta de Holo enquanto se sentava sobre a mesa com o pão na mão.
Lawrence não se importava se ela visse o conteúdo do envelope, então depois de quebrar o selo, ele abriu a carta ali mesmo.
“Caro Sr. Lawrence...”
O fato de a carta não começar com “Em nome de nosso Senhor” estava de acordo com o estilo de um nortista.
Lawrence pulou os cumprimentos e voltou seu olhar para o resto da página.
Vendo a escrita confusa e às pressas, ele rapidamente discerniu a importância da carta.
De fato, a informação era crítica para um mercador.
Ele leu a segunda carta, confirmando o seu conteúdo era igual à da primeira, e então suspirou, sorrindo levemente.
“O que elas dizem?” perguntou Holo.
“Quer dar uma olhada?”
Talvez irritada por ter sua pergunta respondida com outra, Holo franziu a testa e revirou os olhos. “Elas dificilmente se parecem com cartas de amor.”
Mesmo um amor de cem anos encontraria o seu ardor enfraquecido por uma caligrafia tão bagunçada, Lawrence pensou.
Ele entregou as cartas ao Holo e sorriu. “Você sempre consegue informações importantes depois que elas são necessárias.”
“Hmph.”
“Essas cartas foram enviadas com uma sincera preocupação, então devo a eles pelo menos um pouco de gratidão. O que acha?”
Holo lambeu os dedos, seja de contentamento ou porque ela simplesmente comeu tudo o que havia para comer, e olhou para as cartas que tinha na outra mão.
Então as empurrou de volta para Lawrence, uma expressão amarga em seu rosto.
“Eu não sei ler.”
“Ah... você não sabe?”
Lawrence pegou as cartas e Holo estreitou os olhos para olhá-lo.
“Se está fingindo ignorância, devo dizer que está ficando cada melhor nisso.”
“Não, não, desculpe. Eu realmente não fazia ideia.”
Holo o observou por um momento como se analisasse a verdade de suas palavras, e então ela se virou com um suspiro.
“Em primeiro lugar,” ela disse, “há muitas letras para lembrar e muitas combinações confusas. Você pode dizer tudo que precisa fazer é escrever como se fala, mas isso claramente é uma mentira.”
Parecia que Holo já havia tentado aprender a ler.
“Você quer dizer a notação das consoantes ou algo assim?”
“Não faço ideia de como você chama isso, mas as regras são muito complexas. Se tem algo em que vocês humanos superam nós lobos, é no seu domínio desses símbolos inexplicáveis.”
Lawrence quase perguntou se outros lobos eram igualmente incapazes de escrever, mas ele engoliu a pergunta no último segundo, apenas assentindo em acordo.
“Mas não é como se para nós fosse uma simples questão de memorizá-las,” ele disse. “Não foi fácil para mim e, cada vez que eu cometia um erro, meu professor me batia na cabeça por isso. Pensei que teria um galo permanente.”
Holo olhou para ele com ar de dúvida. Se pensasse que ele estava apenas brincando com ela, ficaria irritada, sem dúvida.
“Certamente você pode dizer que não estou mentindo,” disse Lawrence.
Holo finalmente desviou seu olhar duvidoso. “Então, o que é que está escrito aí?”
“Ah, diz que as campanhas do norte foram canceladas, por isso tenha cuidado ao comprar armaduras,” Lawrence disse, jogando as cartas de lado. Ele sorriu com tristeza para o olhar vazio de Holo.
“Então se tivesse recebido essa carta mais cedo, não teria se metido em problemas?”
“De fato. Essa é ideia. Mas o fato de que esses dois mercadores gastaram dinheiro para me enviar esta mensagem vale de alguma coisa. Posso confiar nesses dois.”
“Mm. Mesmo assim, a diferença entre ler e não ler as letras era a diferença entre o céu e o inferno.”
“Não é brincadeira. Você está certa, sem dúvida. Uma única carta pode determinar seu destino. Um mercador sem informação pode muito bem estar indo para o campo de batalha com uma venda nos olhos.”
“Não sei sobre encobrir seus olhos, mas você certamente encobre a sua vergonha com frequência.”
Lawrence estava prestes a colocar as cartas de volta nos envelopes quando ouviu isso e congelou, murmurando um juramento.
“Hmph. Mesmo zombar de você não dissipa minha sonolência.” Holo bocejou e pulou da mesa, caminhando até a cama. Lawrence a observou com amargura. Ela se virou para ele.
“Oh, sim — podemos ir ao festival agora, certo?” ela perguntou enquanto pegava seu manto que estava jogado na cama, seus olhos piscando tão intensamente que quase dava para ouvir. Ao vê-la assim, Lawrence queria sair com ela, mas antes ele tinha outros assuntos a tratar.
“Desculpa, ainda n—”
Lawrence foi cortado no meio da frase. Holo agarrava o manto com força, aparentemente à beira de lágrimas.
“Mesmo que esteja brincando, por favor — pare com isso, eu imploro,” ele disse.
“Ah-hah, então você é fraco com esse tipo de coisa. Vou me lembrar disso,” disse Holo, abandonando a farsa. Lawrence descobriu que não tinha nada com o que contestar.
Tendo outro ponto fraco exposto, ele se voltou para a mesa, derrotado.
“Mm. Mas — não posso ir para a cidade sozinha?”
“Você vai com eu dando permissão ou não.”
“Hm, suponho que seja verdade...”
Lawrence devolveu as cartas aos seus envelopes e se virou para Holo mais uma vez; ela agarrava o manto, parecendo desajeitada.
No começo, ele suspirou interiormente — ela estava realmente jogando este jogo de novo? — mas então percebeu que sem dinheiro, ela seria incapaz de fazer algo além de olhar para as barracas, o que para Holo era semelhante a um morto vivo.
Em outras palavras, ela precisava de dinheiro, mas não tinha coragem de pedir.
“Eu não tenho nenhum dinheiro trocado agora, então... não gaste tudo em um só lugar.”
Ele se levantou e pegou uma moeda irehd de prata da bolsa de moedas em sua cintura, então caminhou até Holo e a entregou.
A moeda tinha a imagem do sétimo governante de Kumersun.
“Não é tão valiosa quanto uma moeda trenni, então você não será malvista se tentar comprar pão com ela. Eles vão de dar o troco sem problemas.”
“Mm...,” Holo respondeu sem se importar mesmo quando pegou a moeda. Lawrence instantaneamente se perguntou se ela queria mais dinheiro.
Mas se ele traísse essa suspeita, ela realmente o teria encurralado.
Lawrence se obrigou a manter uma expressão neutra. “O que há de errado?”
“Hm? Oh...”
Era preciso ter cuidado quando ela estava sendo tão mansa.
A cabeça de Lawrence mudou para o modo de negociação.
“Eu estava... estava apenas pensando que seria um certo desperdício se eu fosse sozinha,” disse Holo.
E simples assim, sua mente girou inutilmente.
“Que negócios você ainda tem que fazer? Se você me levar junto, eu posso te devolver a moeda de prata,” ela falou.
“Oh, uh, eu ia — eu ia me encontrar com alguém.”
“Bem, eu só ia ficar vagando de qualquer maneira. Se não me quiser perto, vou manter uma distância. Me leve com você, pode ser?”
Ela não estava necessariamente bajulando ou seduzindo — ela simplesmente parecia querer ir junto.
Se ela inclinasse a cabeça e dissesse algo como “Oh, por favor, me leve com você!” ele teria suspeitado que ela estivesse fingindo.
Mas seu pedido era inteiramente normal.
Se realmente fosse fingimento, Lawrence sentia que não se importaria de ser enganado.
E caso não fosse fingimento, Holo certamente se magoaria por sua desconfiança.
“Eu realmente sinto muito — pode me deixar ir sozinho hoje? Tenho que encontrar com alguém, e então espero que possamos ir para outro lugar para que eu possa ser apresentado a outro alguém. Se você vir junto, teria que esperar do lado de fora quase o tempo todo.”
“Mm...”
“Eu devo ser capaz de terminar todos os meus negócios hoje, e então a partir de amanhã podemos relaxar e aproveitar o festival. Então você pode ficar sozinha só por mais um dia?”
Ele falou com o mesmo tom que usaria com uma menina de dez anos, mas Holo — parada ali ao lado da cama — pareceria quase tão vulnerável.
Lawrence entendeu como ela se sentia.
Era precisamente porque não gostar de ir ao festival de inverno sozinho que ele vinha para Kumersun apenas no verão.
Uma vez que as multidões ficassem tão densas que não se podia caminhar sem esbarrar em outras pessoas, a solidão se torna muito mais aguda.
Ir a uma festa em uma das firmas de comércio e então retornar sozinho para uma estalagem solitária era igualmente desolador.
Lawrence queria muito levar Holo consigo, mas esta incumbência em especial tornava isso impossível.
Ele seria apresentado a Gi Batos, fazendo assim contato com o cronista da cidade que Batos evidentemente conhecia. Um dos chefes de uma das companhias de comércio que Lawrence visitou também conhecia. Lawrence aproveitou a oportunidade para descobrir mais enquanto pegava suas cartas. Como suspeitava, o cronista coletava não só informações sobre Ploania, mas também escrevia contos pagãos do distante norte.
Se os contos de Yoitsu viessem à tona, poderia ser ruim se Holo estivesse lá para ouvi-los. Já que Lawrence conhecia um desses contos — em que Yoitsu foi destruída por um espírito de urso — ele tinha dificuldade de imaginar que Yoitsu agora prosperava.
Esconder a verdade para sempre seria difícil, mas Lawrence achava que deveria pelo menos tentar revelar a verdade para ela em um momento adequado. Era uma questão delicada.
Um momento de silêncio se passou entre ele e Holo.
“Mm. Bem, não desejo ficar no seu caminho. Não quero que bata na minha mão de novo,” ela disse, parecendo ainda mais triste — o que provavelmente era um ato.
No entanto, o fato de que Lawrence tinha dado um tapa na mão de Holo em Ruvinheigen ainda o machucava. A astuta sábia loba diante dele sabia disso e estava se vingando um pouco por recusar seu pedido.
“Vou te comprar uma lembrança. Apenas aguente mais um dia.”
“Então estou sendo comprada de novo, não é?” ela falou em tom de acusação, mas sua cauda balançando mostrava sua excitação.
“Devo falar manso com você em vez disso?”
“Hmph Suas palavras estão longe de serem doces; elas são praticamente intragáveis. Eu dispenso.”
Era uma coisa desagradável a dizer, mas Holo estava sorrindo; seu humor parecia ter melhorado. Lawrence acenou com uma mão dócil para indicar derrota.
“Suponho que vou apenas vagar por conta própria.”
“Sinto muito,” Lawrence disse, de repente Holo falou novamente como se tivesse lembrado de algo.
“Oh, certo. Se quando você voltar tiver duas pessoas no quarto, se importaria de ficar fora por um tempo?”
Por um momento, Lawrence não entendeu o que ela queria dizer, mas finalmente percebeu que ela estava sugerindo que poderia pegar um homem quando saísse.
Dado os encantos distintos dela, Lawrence pensou que isso certamente poderia acontecer.
Mas Lawrence não tinha ideia de que tipo de expressão deveria fazer em resposta à tal declaração.
Ele deveria ficar com raiva? Deveria rir? Quando concluiu que ignorá-la seria a melhor opção, Holo já sorria para ele em autêntico deleite.
“Ver seu rosto adorável é o suficiente para me satisfazer pelo resto do dia,” ela disse.
Lawrence descobriu que só podia suspirar com essa provocação.
Holo podia ser uma loba irritante.
“Eu prefiro estar em seus braços do que o contrário, portanto,” ela disse alegremente. “Não se preocupe.”
Lawrence não tinha palavras.
Ela poderia ser uma loba incrivelmente irritante.
Lawrence abriu a porta da guilda mercantil. Era de tarde, e a guilda realmente estava muito mais cheia do que estava mais cedo.
O edifício estava cheio tanto com os mercadores com base na cidade de Kumersun quanto mercadores viajantes que operavam na área. A companhia estava aberta, mas nenhum negócio era realizado uma vez que quase todo mundo estava ali para apreciar o festival; a sala se transbordava bebida e alegria.
Batos — o homem que atuaria como o intermediário entre Lawrence e o cronista — evidentemente não era um beberrão como Mark insinuou e estava fora a negócios quando Lawrence veio pela manhã.
Lawrence perguntou sobre ele com o chefe da companhia de comércio; ao que parecia, Batos ainda não havia retornado. Como estava ali para encontrar alguém, Lawrence não poderia simplesmente beber, e ele meditou sobre como passar o tempo.
Havia vários outros mercadores em situação similar, mas foram seduzidos pelo ambiente festivo e estavam envolvidos em um jogo de cartas, por isso Lawrence não podia exatamente puxar conversa com eles.
Não havia nada a fazer a não ser jogar conversa fora com o chefe da guilda, que bebia, mas também não podia se deixar ficar bêbado. Durante sua conversa, as portas se abriram e uma única figura entrou na guilda comercial.
Lawrence e o chefe estavam situados diretamente em frente à entrada, então Lawrence pôde ver imediatamente quem entrou no edifício. Era Amati, parecendo mais com um filho jovem de um nobre do que com um mercador.
“Sr. Lawrence,” disse Amati depois de saudar brevemente os homens bebendo perto da porta.
“Boa tarde. E obrigado por sua ajuda com a estalagem.”
“Não foi nada. Eu deveria agradecer por ter ordenado tantos peixes para o jantar.”
“Minha companheira mimada os elogiou absurdamente. Ela disse que você tem um olho excelente para peixes.”
Lawrence sentiu que esta era um elogio mais eficaz do que dizer que ele próprio tinha gostado da comida. Ele estava certo.
O rosto de Amati se iluminou como o de um garoto animado.
“Ha-ha, estou feliz em ouvir isso! Se ela qualquer outro pedido, vou estar comprando alguns peixes excelentes amanhã.”
“Ela parece ter um gostado particularmente das carpas.”
“Entendo... muito bem, então. Vou procurar mais algumas do gosto dela.”
Lawrence riu internamente; em nenhum momento Amati perguntou o que ele tinha achado dos peixes, mas Amati, sem dúvida, não tinha nem notado isso.
“Ah, a propósito, Sr. Lawrence — você tem algum compromisso no momento?”
“Estou matando tempo antes de me encontrar com o Sr. Batos.”
“Entendo...”
“Por que pergunta?”
A expressão de Amati ficou turva enquanto ele se atrapalhava com as palavras, mas ele contornou isso de uma forma condizente com um mercador acostumado a batalhar nas barracas de peixes todos os dias. “Er, sim, na verdade estive pensando que talvez eu pudesse mostrar a cidade para você e sua companheira. Nosso encontro na estrada foi a vontade de Deus, com certeza, e não tenho dúvida de que poderia aprender muito conversando com um mercador viajante como o senhor.”
Amati soou bastante modesto, mas Lawrence sabia que o garoto tinha os olhos voltados para Holo. Se Amati tivesse uma cauda, Lawrence tinha certeza de que ela estaria balançando para frente e para trás em excitação.
Lawrence teve uma ideia.
“Eu certamente aprecio o convite, e minha companheira Holo esteve querendo dar uma olhada pela cidade, mas não acho que...”
A expressão de Amati mudou. “Se estiver tudo bem para você, eu ficaria feliz em mostrar a cidade apenas para a senhorita Holo! Na verdade, terminei o meu trabalho por hoje e estou bastante livre.”
“Oh, eu não poderia...”
Lawrence não tinha certeza se a sua surpresa fingida era convincente, mas Amati não parecia capaz de ler expressões de Lawrence tão bem assim.
Afinal, Amati estava pensando apenas em Holo.
“De forma alguma. Se me deixar a própria sorte, temo que vou simplesmente beber todo o meu lucro. Para ser franco, isso seria perfeito para mim. Eu ficaria feliz em acompanhá-la.”
“Entendo. Bem, ela não é tão bem-comportada a ponto de ficar na estalagem simplesmente porque eu pedi — ela pode nem estar lá.”
“Ha-ha! Acontece que preciso ir até a estalagem e discutir uma compra com eles, então vou perguntar por ela enquanto estiver lá, e se ela estiver, vou convidá-la para sair.”
“Sinto muito impor isso,” disse Lawrence.
“Não, sem problemas. Por favor me permita te mostrar a cidade também uma próxima vez!”
A habilidade de Amati em bajular o marcava cada vez mais como um mercador.
Ele devia ser cinco ou seis anos mais novo do que Lawrence, mas apesar de sua aparência inexperiente, ele era, sem dúvida, um comerciante sagaz.
Embora a atenção de Amati estivesse bastante distraída por Holo, ele permanecia bastante estabilizado.
Lawrence estava meditando sobre como teria que ter cuidado para não baixar a guarda em torno do garoto quando a porta da guilda se abriu mais uma vez.
Amati olhou em direção à porta ao mesmo tempo que Lawrence. “Parece que terminei bem a tempo,” disse Amati, e Lawrence logo entendeu o porquê.
Como diz o ditado, sua hora havia chegado.
“Bem, Sr. Lawrence — eu vou indo.”
“Ah, sim. Obrigado mais uma vez.”
Seja porque não tinha mais negócios na guilda ou porque sua cabeça estava tão cheia com visões de Holo que esqueceu por que veio, Amati deixou o prédio.
Embora Lawrence tenha deixado Holo com um pouco de dinheiro, ele pensou que Holo ainda estava na estalagem, provavelmente descansando na cama.
Dado o estado de Amati, ele seria um alvo perfeito para Holo, que não teria nenhuma dificuldade em fazê-lo comprar o que quer que ela quisesse.
Por um momento, Lawrence quase sentiu pena do pobre rapaz, mas ele sabia que Amati ficaria muito feliz em desfazer as cordas de sua bolsa de moedas para Holo.
Nada faria Lawrence mais feliz do que o humor de Holo melhorar com as moedas de outra pessoa.
Se pelo menos ele pudesse ser tão astuto ao lidar diretamente com Holo, pensou.
Ela não só passava a perna nele — ela o derrubava completamente.
Enquanto Lawrence se perguntava se sagacidade do Holo excedia a sua própria tanto quanto a sua idade, o homem que entrou na guilda assim que Amati saiu observou a sala e começou a caminhar em direção a Lawrence.
Aparentemente o aprendiz de Mark correu pela cidade toda para informar Batos do pedido de Lawrence, que era sem dúvidas o motivo de Batos agora se aproximar dele.
Lawrence cumprimentou o homem com um olhar, abrindo seu sorriso de mercador.
“Kraft Lawrence, eu presumo? Eu sou Gi Batos.”
A mão que Batos estendeu em saudação era dura e áspera, como a de um soldado veterano.
Pela conversa de Mark, Batos era o tipo de homem que preferia beber seus lucros ao invés de fazê-los, mas ao conhecer o homem em pessoa, Lawrence teve precisamente a impressão oposta.
Enquanto caminhava pela rua, Batos tinha uma estabilidade atarracado que lembrava um caixão forte, e seu rosto tinha a qualidade do couro resistente (de anos de exposição ao vento e areia) do qual crescia uma barba espetada que lembrava um ouriço do mar. Quando Lawrence balançou a mão de Batos ao se cumprimentarem, ele não sentiu como se fosse a mão de um mercador que passava os dias levando nada mais pesado do que as rédeas de seu cavalo de carroça; era áspera e forte, indicando que este era um homem que fazia trabalho pesado durante todo o ano.
No entanto, apesar da aparência de Batos, ele não era nem teimoso nem mal-educado; as palavras que falava tinham uma serenidade sacerdotal atrelada a elas.
“Ouso dizer que mercadores que viajam através de muitas províncias, como você Sr. Lawrence, são mais numerosos nos dias de hoje. Viajar para lá e para cá entre os mesmos lugares vendendo as mesmas coisas como eu, é muito tedioso.”
“Ah, mas os ambulantes e artesãos da cidade certamente ficariam com raiva se o ouvissem dizer isso.”
“Ha-ha-ha! Você está certo. Há inúmeros homens que passam 50 anos vendendo nada a além de corda de couro. Sem dúvida eu ganharia uma bronca se eu falar que estou cansado disso,” Batos disse com uma risada.
Ele contou como era um mercador de metais preciosos das minas de Hyoram e como tinha passado a quase 30 anos indo e voltando entre essas montanhas acidentadas e a cidade de Kumersun.
Qualquer homem que pudesse levar essas cargas pesadas através das montanhas de Hyoram — onde o vento era forte e as árvores eram poucas — era um homem a ser reconhecido
“Ainda assim, devo dizer que você é um rapaz curioso, Sr. Lawrence.”
“Oh?”
“Me refiro a sua busca por cronistas que conhecem os contos antigos das terras do norte. Ou isso tem algo a ver com uma probabilidade de negócios?”
“Oh não, nada disso. É apenas uma espécie de capricho, suponho.”
“Ha-ha-ha! Você tem bom gosto para alguém tão jovem. Só me tornei interessado nos velhos contos recentemente. Originalmente eu pretendia fazer negócios com isso, mas temo admitir que ela se tornou minha mestra, em vez do contrário!”
Lawrence não conseguia imaginar o que Batos queria dizer com fazer negócios com os antigos contos, mas a fala do homem era intrigante, então ele manteve sua boca fechada e escutou.
“Isso me ocorreu depois de tantos anos de idas e vindas entre os mesmos lugares. O mundo que eu conhecia era muito pequeno. Mas mesmo naquele tempo, pessoas estiveram indo e voltando por centenas de anos, e eu não sabia nada sobre essa época.”
Lawrence tinha uma suspeita do que Batos queria dizer.
Quanto mais ele viajava por aí, mais o mundo parecia se estender infinitamente diante de si.
Se essa era a largura do mundo, então em certo sentido o que Batos sentiu era a profundidade.
“Eu sou velho entende, e não tenho mais o vigor para viajar para longe. Nem posso voltar no tempo. Então, mesmo que seja apenas por histórias, passei a querer visitar os lugares que nunca fui capaz de ver pessoalmente e viajar de volta para aquela era que Deus, com seus caprichos, me impediu de experimentar. Quando eu era um jovem com nada além de lucro na minha mente, essas coisas nunca passavam pela minha cabeça, mas agora muitas vezes me pergunto se eu tivesse a chance de reconsiderar, minha vida teria sido bastante diferente. Então devo admitir que estou com um pouco de inveja de você, Sr. Lawrence. Hah, devo parecer bastante velho.” Batos riu da sua própria tolice, mas suas palavras deixaram uma forte impressão em Lawrence.
Era verdade que os velhos contos e lendas permitiam saber de coisas que eram impossíveis de experimentar diretamente.
Ele sentiu um novo peso por trás das palavras que Holo lhe disse não muito depois de se conhecerem.
“Os mundos em que vivemos, você e eu, são muito diferentes.”
Pela maior parte do tempo que Holo viveu, as pessoas de sua própria época já morreram há bastante tempo, a própria época estava perdida no tempo.
E Holo não era humana, mas uma loba.
Pensando nisso, Lawrence viu que a própria existência de Holo começava a parecer especial em mais de um sentido.
O que ela já viu e ouviu? Por onde ela viajou?
Ele começou a querer perguntar a ela sobre suas viagens — talvez quando voltasse para a estalagem.
“Mas quando a Igreja olha para os velhos contos e lendas, tudo o que eles veem são superstições e histórias pagãs. Onde a Igreja põe os olhos, se torna difícil de coletar tais contos. Hyoram é uma região montanhosa e tinha muitas histórias fascinantes, mas a Igreja também estava lá. Kumersun é bem agradável a esse respeito.”
Ploania era um país em que tanto os pagãos quanto a Igreja existiam lado a lado, mas era precisamente por causa dessa coexistência que a Igreja era muito mais rigorosa nessas cidades e regiões em que detinha o poder.
Cidades pagãs que resistiram ao controle da Igreja tinham que estar constantemente preparada para a batalha. Kumersun era a única cidade em Ploania que podia evitar pacificamente esses problemas.
Mesmo em Kumersun, não era como se não houvesse nenhum tipo de conflito.
Lawrence e Batos foram para o distrito norte de Kumersun a fim de se encontrarem com o cronista.
A cidade foi construída pensando na expansão, portanto as muralhas da cidade eram construídas de madeira para que pudessem ser facilmente desmontadas e as ruas e os edifícios eram espaçosos.
No entanto, mesmo dentro desta cidade, existia uma grande muralha feita de pedra.
A parede cercava o distrito que abrigava aqueles que haviam fugido para Ploania por causa da perseguição da Igreja.
O próprio fato de que o distrito era cercado por uma parede de pedra provava que o povo da cidade considerava a presença dos foragidos um fardo. Enquanto não eram considerados criminosos em Kumersun, em Ruvinheigen — por exemplo — eles seriam decapitados como algo natural.
Após refletir, Lawrence mudou de ideia.
O muro não existia simplesmente para isolar essas pessoas; provavelmente era necessário para a proteção deles.
“Isso é... enxofre?” perguntou Lawrence.
“Aha, você também já lidou com pedras medicinais, não é?”
Hyoram ostentava uma variedade de minas muito produtivas, e enquanto Batos poderia ter se acostumado aos odores característicos da região, Lawrence não podia deixar de fazer uma careta.
O cheiro chegou ao seu nariz assim que passaram pela porta na parede de pedra, e ele soube imediatamente que tipo de pessoas viviam aqui.
O maior inimigo da Igreja — alquimistas.
“Não, só tenho conhecimento delas.”
“O conhecimento é a maior arma de um mercador. Você é bom em seu trabalho.”
“...É gentil de sua parte dizer isso.”
A área dentro das muralhas era vários degraus mais baixa do que o chão exterior.
Os espaços entre os edifícios do distrito eram estreitos, e apesar de lembrarem outros becos que Lawrence viu em outras cidades, havia algumas diferenças estranhas.
Por exemplo, muitos dos becos por onde andavam havia penas de aves espalhadas no chão.
“Não se pode sentir o cheiro do vento envenenado todas as vezes. As pessoas criam pequenos pássaros — e se este morre de repente, eles sabem que devem ter cuidado.”
Lawrence sabia que a prática era usada em minas, mas estar em um lugar onde ela era realmente empregada trouxe um arrepio à sua espinha.
A expressão vento envenenado certamente era descritiva, mas da parte de Lawrence, ele achava a expressão da Igreja — a mão da morte — mais apropriada. Aparentemente isso vinha do fato de que, assim que se notava um estranho vento frio, a pessoa já estaria paralisada, incapaz de se mover.
Lawrence imaginou se os gatos que via aqui e ali enquanto caminhava pela rua eram mantidos com a mesma finalidade que os pássaros ou se eles se reuniam para caçar esses pássaros.
Em ambos os casos, era estranho.
“Sr. Batos —”
Fazia algum tempo que Lawrence passou a achar andar em silêncio algo tão difícil.
A rua estava escura e misteriosa, o silêncio pontuado pelo miado de gatos e pela agitação dos pássaros; misteriosos sons metálicos ecoavam ocasionalmente e o cheiro de enxofre era constante. Lawrence não conseguiu se conter e levantou a voz.
“Quantos alquimistas você diria que estão neste distrito?”
“Hmm... contando os aprendizes talvez vinte, mais ou menos. Mas em todo caso, acidentes são comuns, por isso é difícil saber com certeza.”
Em outras palavras, havia muitas fatalidades.
Lamentando ter feito a pergunta, Lawrence se voltou para preocupações mais mercantis.
“Você acha que negociar com alquimistas pode gerar bons negócios? Eu acho que traria um perigo significativo.”
“Mm...,” disse Batos lentamente, contornando um barril que continha alguma substância verde que Lawrence não queria olhar por muito tempo. “Há muito lucro a ser obtido em negociações com alquimistas que tem o apoio da nobreza. Eles compram um monte de ferro, chumbo, mercúrio e estanho — sem falar em cobre, prata e ouro.”
Todos eram produtos bastante normais; Lawrence ficou surpreso.
Ele estava esperando algo muito mais estranho — sapos de cinco pernas, talvez.
“Ha-ha-ha, está surpreso? Mesmo aqui no norte há pessoas que pensam que alquimistas são basicamente feiticeiros. Na verdade, eles não são tão diferentes de ferreiros. Eles aquecem os metais ou os derretem com ácidos. Claro...”
Eles viraram à direita em um cruzamento estreito.
“...Na realidade, há alguns que pesquisam feitiçaria.” Batos olhou para trás e, em seguida, torceu o lábio em um sorriso selvagem.
Lawrence hesitou e parou de andar por um momento, com isso Batos sorriu imediatamente, se desculpando.
“Mas só ouvi rumores sobre eles, e não acredito que qualquer um dos alquimistas neste distrito já encontraram tais pessoas. E aliás, todos que vivem nesta área são basicamente boas pessoas.”
Esta foi a primeira vez que Lawrence tinha ouvido alquimistas — que praticavam suas artes sem qualquer temor à Deus — serem descritos como “boas pessoas.”
Sempre que o assunto vinha à tona, os alquimistas eram citados com medo, de forma indiferente, como se tivessem cometido alguma corrupção indescritível.
“Eles são o meu sustento afinal, então não posso simplesmente acusá-los de serem más pessoas, posso?”
Um Lawrence ligeiramente aliviado sorriu para a declaração bastante mercantil de Batos.
Pouco tempo depois, Batos parou diante da porta de uma das construções.
A rua não recebia a luz do sol e estava cheia de buracos e poças de água escura.
A parede de pedra em frente ao beco tinha uma janela de madeira que estava um pouco aberta, e todo o edifício de dois andares parecia se inclinar para um lado.
Poderia ter sido uma construção de qualquer pocilga do mundo, mas havia uma diferença importante.
A área estava completamente em silêncio; não se ouvia nem o riso de crianças.
“Vamos lá, não precisa ficar tão nervoso. Realmente existem boas pessoas aqui.”
Não importa quantas vezes Batos tentasse tranquilizá-lo, Lawrence só podia devolver um sorriso incerto.
Era impossível para ele não ficar nervoso — este era, afinal, um lugar onde viviam pessoas que foram marcadas como criminosos, altamente perigosos, pelos mais diversos motivos por uma autoridade que não admitia oposição.
“Com licença — tem alguém em casa?” Batos chamou casualmente, batendo na porta sem qualquer medo.
A antiga porta parecia que não tinha sido aberta por anos.
Lawrence pôde ouvir o tranquilo miado de um gato de algum lugar.
Um monge acusado de heresia, expulso de um monastério — que tipo de pessoa seria essa?
Um homem velho enrugado com cara de sapo apareceu brevemente na mente de Lawrence, vestido com um manto esfarrapado.
Este não era um mundo para um mercador viajante.
A porta se abriu bem devagar.
“Olha, se não é o Sr. Batos!”
O momento foi tão decepcionante que Lawrence quase entrou em colapso.
“Já faz um tempo. Você parece bem!”
“Eu poderia dizer o mesmo de você! Gastando todo o seu tempo nas montanhas de Hyoram. Deus realmente deve te favorecer.”
Foi uma mulher alta e de olhos azuis quem abriu a estreita porta de madeira. Ela parecia alguns anos mais velha do que Lawrence, mas o seu belo manto que estava confortavelmente enrolado em seu corpo lhe dava uma aura inegavelmente fascinante.
Seu discurso era animado e agradável — ela era indiscutivelmente linda.
Mas naquele instante, Lawrence pensou no que todos os alquimistas procuravam — o poder da imortalidade.
Bruxa.
A palavra surgiu em sua mente assim que a mulher o olhou.
“Você é um homem bastante charmoso, mas pensa que sou uma bruxa — posso ver isso em seus olhos.”
A mulher tinha facilmente visto através dele; Batos falou rapidamente para acalmar as coisas.
“Nesse caso, talvez seja assim que eu deva apresentá-la?”
“Ora, mas não seja ridículo — este lugar já é tedioso o suficiente. E em todo caso, existe alguma bruxa tão bela quanto eu?”
“Ouvi dizer que muitas mulheres foram consideradas bruxas exatamente por causa de sua beleza.”
“Você nunca muda, Sr. Batos. Sem dúvida você tem refúgios por toda Hyoram.”
Lawrence não fazia ideia do que estava acontecendo, então ele abandonou suas tentativas de compreender a situação e se concentrou em se acalmar.
Ele respirou profundamente.
Então se endireitou e se tornou Lawrence, o mercador viajante.
“Então, minha querida. Não sou eu que tenho negócios com você hoje, mas é o Lawrence aqui.”
Batos parecia ter notado Lawrence recuperar a compostura; com esta declaração no momento certo, Lawrence deu um passo para a frente, colocou o seu melhor sorriso de mercador e cumprimentou a mulher.
“Por favor, desculpe a minha grosseria. Eu sou Kraft Lawrence, um mercador viajante. Eu vim para conversar com o Dian Rubens. Ele está em casa?”
Lawrence raramente falava tão formalmente.
A mulher continuou com a mão na porta, calada por um momento, antes de sorrir achando graça. “O quê, Batos não te contou?”
“Oh —” Batos levemente bateu sua mão na cabeça como que para punir seu próprio descuido, e então olhou para Lawrence se desculpando. “Sr. Lawrence, esta é a Senhorita Dian Rubens.”
“Dian Rubens ao seu dispor. É um nome bastante masculino, não é? Por favor, me chame de Diana,” disse a mulher, seus modos repentinamente muito elegantes enquanto sorria. Foi o suficiente para fazer Lawrence perceber que ela deve ter sido ligada a um monastério bastante rico.
“Bem, chega disso. Por favor, entre. Eu não mordo,” disse Diana, com um sorriso malicioso quando ela fez um gesto o convidando a entrar.
O interior da casa de Diana não era muito diferente do lado de fora — ela lembrava o alojamento do capitão em um navio que foi atingido por uma tempestade ruim.
Baús de madeira reforçados com barras de ferro estavam por toda parte, empilhados em todos os cantos da sala, suas gavetas deixadas descuidadamente abertas, e haviam cadeiras resistentes, e em sua maioria aparentemente caras, enterradas sob roupas ou livros.
Também dentro da sala haviam inúmeras penas, como se um grande pássaro tivesse se limpado na sala.
Os únicos lugares na sala que pareciam marginalmente livres do caos eram as estantes de livros e a grande mesa onde Diana fazia seu trabalho.
“Então, qual poderia ser este seu negócio?” Diana perguntou, puxando uma cadeira debaixo da sua mesa que, por algum milagre de planejamento, era alcançada pela luz solar. Ela não pôs água para ferver nem gesticulou para que sua visita se sentasse.
Com chá ou não, enquanto Lawrence imaginava se ela não faria algo sobre um lugar para ele se sentar, Batos tomou a liberdade de remover itens de uma das cadeiras transformadas em estantes e gesticulou para Lawrence se sentar.
Mesmo o nobre mais arrogante convidaria seus convidados a se sentar.
Lawrence não sentiu nenhuma malícia em particular por trás da excentricidade de Diana; parecia parte de seu estranho encanto.
“Primeiro, eu deveria me desculpar por minha intrusão repentina,” disse Lawrence.
Diana sorriu e acenou para a formalidade padrão.
Lawrence limpou sua garganta e continuou, “Na verdade, Senhorita Rubens, eu estava —”
“Diana, por favor,” ela o corrigiu imediatamente, com o rosto sério.
Lawrence escondeu sua ansiedade. “Me desculpe,” ele falou, e o rosto de Diana retornou ao seu sorriso suave.
“Sim, como eu estava dizendo, ouvi dizer que você conhece bem sobre os velhos contos das terras do norte. Eu esperava que você pudesse compartilhar um pouco desse conhecimento comigo.”
“Do norte?”
“Sim.”
O semblante de Diana se tornou pensativo, e ela olhou para Batos. “E eu aqui pensando que ele queria falar de negócios.”
“Que piada. Se ele tivesse falado de negócios você o arrastaria para fora pela orelha.”
Diana riu com a fala de Batos, mas Lawrence teve a sensação de que provavelmente era verdade.
“Mas você nem sequer sabe se eu conheço o conto que procura.”
“Isso pode significar que o conto que ouvi é uma completa mentira,” disse Lawrence.
“Pois bem, parece que você vai ter que me contar este conto, e eu irei ouvir.”
Lawrence teve que desviar o olhar do sorriso gentil de Diana enquanto limpava a garganta novamente.
Ele estava grato que Holo não estava lá.
“Nesse caso, a história que desejo ouvir é sobre uma aldeia chamada Yoitsu.”
“Ah, aquela que dizem ter sido destruída pelo Urso que Caça ao Luar.”
Diana parecia ter imediatamente aberto as gavetas da sua memória.
Dada a rapidez com que o tema da destruição da vila surgiu, Lawrence novamente sentiu que deixar Holo para trás foi a escolha certa. Parecia que Yoitsu realmente foi destruída. Sua cabeça doía só de pensar em como teria que dar esta notícia para Holo.
Enquanto Lawrence pensava sobre isso, Diana se levantou lentamente e se aproximou de umas estantes de livros estranhamente bem ordenadas na sala, removendo um único volume de uma fileira repleta de grandes volumes.
“Acho que me lembro... Ah, aqui está. O Urso que Caça ao Luar, também conhecido como Irawa Weir Muheddhunde, e Yoitsu, a vila que ele destruiu. Há muitas histórias deste urso. Embora todas sejam bastante antigas,” disse Diana suavemente enquanto examinava as páginas. Ela tinha um calo no dedo indicador por causa da escrita, e estava inchado, fazendo parecer bastante possível que ela tenha escrito todos esses livros.
Quantos contos e superstições pagãs estavam contidos nessas páginas?
Algo de repente ocorreu à Lawrence. Batos tinha dito que ele estava pensando em criar um negócio com os velhos contos — não há dúvida que ele quis dizer vender os livros de Diana para a Igreja.
Com as histórias nos livros, os líderes da Igreja seriam capazes de determinar imediatamente quais crenças hereges haviam penetrado em quais terras; eles fariam praticamente qualquer coisa para obter essas informações.
“Não é no urso que estou interessado, mas sim na vila.”
“Na vila?”
“Sim. Acontece que estou procurando por ele. Por acaso seus contos dizem qualquer coisa que possa revelar sua localização?”
Qualquer um ficaria intrigado com a pergunta de Lawrence, a qual não tinha nada a ver com a origem de uma mercadoria, mas sim com a localização de uma antiga lenda.
Diana fez uma expressão de surpresa e, em seguida, colocou o livro sobre a mesa e começou a pensar.
“Localização, eh? Localização, de fato...”
“Você tem alguma ideia?” Lawrence perguntou novamente, com isso Diana colocou uma mão em sua cabeça como se sofresse uma dor de cabeça e fez um gesto para Lawrence esperar com a outra.
Desde que ela ficasse em silêncio, era fácil imaginar esta mulher impressionante como a chefe de algum convento solene, mas vê-la assim revelava um lado cômico da sua personalidade.
Os olhos de Diana estavam completamente fechados enquanto ela murmurava com o esforço de buscar na memória, mas de repente ela olhou para cima, feliz como uma donzela que tinha acabado de conseguir passar linha em uma agulha.
“Eu sei! Na confluência¹ do Rio Roam, que flui ao norte de Ploania, há uma história assim em uma cidade chamada Lenos,” ela falou de repente, surpreendentemente tão afável como tinha sido quando falou com Batos.
Ela parecia se esquecer de si mesma quando falava dos contos antigos.
Diana limpou sua garganta, fechou os olhos e começou a recitar uma antiga lenda.
“Há muito tempo, uma loba solitária chamada Holoh apareceu na aldeia. Sua grande altura era tal que tinha que era preciso erguer o olhar para poder vê-la. Os aldeões tinham certeza de que era o castigo dos deuses, mas Holoh contou de sua viagem das florestas profundas do leste, explicando que se dirigia às terras do sul. Ela adorava vinho, e por vezes assumia a forma de uma donzela e dançava com as moças da vila. Sua forma era tanto atraente e jovem, mas ela mantinha sua cauda de loba. Depois de se divertir com eles por um tempo, ela abençoou a colheita e continuou para o sul. Desde aquela época, as colheitas abundantes continuaram, e nós da vila nos lembrarmos dela como Holoh da Cauda de Trigo.”
Lawrence ficou duplamente surpreendido — tanto pela narração regular de Diana quanto pela menção do nome de Holo.
A pronúncia do nome era um levemente diferente, mas era inconfundivelmente uma história sobre Holo. Sua bênção sobre colheita da aldeia confirmava isso assim como sua forma de donzela preservar sua cauda lupina.
No entanto, esta surpresa era fraca em comparação com o conteúdo do conto de Diana.
A cidade de Lenos ainda existia na confluência do Rio Roam. Usando isso como ponto de referência, e sabendo que havia uma floresta ao leste, Lawrence poderia desenhar uma linha do sudoeste de Nyohhira e uma do leste de Lenos, o que colocaria Yoitsu diretamente sobre o cruzamento.
“Isso serve de alguma coisa?”
“Sim, uma vez que limita a área para a floresta ao leste de Lenos. É uma grande ajuda!”
“Fico contente em saber.”
“Certamente vou retribuir o mais breve —”
Lawrence foi cortado por um gesto de Diana. “Como pode ver, mesmo que a Igreja me persiga por isso, eu adoro os antigos contos pagãos — os que não foram alterados para se adaptar às crenças da Igreja. Como você é de fato um mercador viajante, Sr. Lawrence, você certamente deve ter ao menos uma história que possa compartilhar comigo. Se fizer isso, não exigirei nenhum pagamento adicional.”
Aqueles que compunham histórias para a Igreja o faziam para preservar a autoridade da Igreja. Historiadores mantidos pela nobreza compunham obras elogiando seus empregadores — esta era simplesmente a forma como o mundo funcionava.
O conto de São Ruvinheigen, origem do nome da cidade santa, era muito diferente da história de Holo sobre o homem. O conto foi deliberadamente reescrito para proteger e estender a autoridade da Igreja.
Diana adorava os velhos contos o suficiente para estar disposta a viver nas favelas de Kumersun, uma cidade devota à liberdade religiosa e econômica.
Lawrence se perguntou que conhecimento terrível ela deveria possuir para ter sido expulsa de seu convento sob acusação de heresia, mas agora via que ela simplesmente adorava os velhos contos o suficiente para morrer por eles.
“Entendido,” ele disse, e começou a contar seu conto.
Era o conto de um lugar conhecido por suas abundantes colheitas de trigo.
E o conto do lobo que reinava por lá.
Eventualmente, uma vez que todos começaram a beber vinho, eles acabaram falando de contos e lendas de todos os tipos de terras.
O sol já estava baixo no céu quando Lawrence finalmente se deu conta e, recusando educadamente o convite de Diana para ficar, ele deixou a casa junto com Batos.
Enquanto ele e Batos caminhavam pela rua estreita, ambos não podiam deixar de rir enquanto falavam das muitas histórias que haviam compartilhado.
Fazia algum tempo desde que Lawrence havia desfrutado dos contos de dragões e cidades douradas — ele já tinha passado da idade em que essas histórias eram tomadas como verdade.
Mesmo depois de Lawrence se iniciar como aprendiz de mercador, ele ainda desejava empunhar espada e escudo e batalhar seu caminho através das terras como um valente cavaleiro andante. Enquanto viajava com seu mestre pelos campos, os contos de dragões cuspidores de fogo, pássaros tão grandes que as asas cobriam o céu e feiticeiros poderosos o suficiente para mover montanhas se assim desejassem, ainda faziam o seu coração acelerar em segredo.
É claro que, eventualmente, ele passou a ver tais contos como pura fantasia.
Foi encontrar Holo que permitiu que Lawrence os apreciassem novamente.
Muitos desses contos e lendas não eram fantasia nenhuma, e até mesmo um humilde mercador viajante podia ter aventuras tão grandiosas como qualquer cavaleiro andante.
Só essa ideia já era o suficiente para causar um ardor, que ele não sentia há muitos anos, se espalhar por todo o seu coração.
No meio de sua vertigem, no entanto, ele se lembrou dos eventos que aconteceram durante a tentativa de contrabando de ouro em Ruvinheigen. Ele sorriu para a sua tolice.
Ele não tinha visto a sua forma, mas não havia dúvida de que um lobo, não tão diferente de Holo, vivia naqueles bosques misteriosos perto Ruvinheigen e eram a fonte dos muitos rumores. Lawrence, no entanto, não tinha sido o robusto protagonista de nenhuma aventura emocionante. Ele era apenas um frágil personagem secundário envolvido no conto.
Ele sentiu que uma vida de mercador lhe servia bem melhor.
Lawrence meditava sobre quando chegaram à rua larga que levava de volta para a estalagem. Aqui ele se despediu de Batos.
Quando Lawrence agradeceu à Batos por agir como um intermediário, a resposta de Batos foi rápida. “As pessoas tendem a fofocar se eu for para a casa de Diana sozinho, então você foi uma boa desculpa.”
O pessoal da guilda mercantil gostava muito de tais conversas.
“Pode me chamar a qualquer hora,” Batos falou. Não era uma simples cortesia. Ele parecia dizer isso genuinamente. Lawrence também tinha gostado, então ele assentiu em resposta.
O sol estava começando a afundar abaixo dos telhados da ampla avenida, a qual estava cheia de artesãos voltando para casa a depois de um longo dia, comerciantes fazendo suas negociações e agricultores a caminho de casa depois de ter vendido os produtos que trouxeram de suas vilas.
Lawrence foi em direção ao sul pela rua para a parte central da cidade, onde bêbados e crianças se juntavam à mistura da multidão.
Normalmente, o número de garotas da cidade na rua tende a cair depois do sol, mas hoje elas eram numerosas, contribuindo para a atmosfera de expectativa para o festival do dia seguinte. Aqui e ali, grupos de pessoas se reuniam em torno de cartomantes e afins, que exerciam sua profissão descaradamente no meio das multidões.
Lawrence cortou seu caminho através da multidão e passou reto pela estalagem ao longo da rua, indo direto para o mercado no centro da Kumersun.
Graças à Diana, ele tinha uma ideia geral da localização de Yoitsu, portanto não iria para Nyohhira, mas sim para a cidade de Lenos.
Lenos estava mais perto, e a estrada que conduzia a ela era melhor mantida. Ele também esperava que uma vez que estivesse em Lenos seria capaz de obter informações mais detalhadas sobre as lendas de Holo.
Por isso Lawrence foi visitar Mark novamente. Como Mark estava reunindo informações sobre a viagem para ele, ele precisava saber sobre essa mudança de destino.
“Ei, rapaz apaixonado.”
Enquanto Lawrence se aproximava da loja de Mark, ele viu Mark com uma garrafa de vinho em uma das mãos, parecendo alegre, de fato; o jovem aprendiz que ele enviou mais cedo para contatar Batos agora tinha o rosto vermelho e se inclinava na parte de trás da loja.
Era a esposa de Mark, Adele, que cuidava do fechamento da loja, cobrindo as pilhas de mercadorias com uma lona para proteger contra o orvalho da noite.
Assim que ela notou Lawrence, Adele acenou levemente e apontou para o marido com um sorriso envergonhado.
“O que há de errado?” Mark falou. “Bah — aqui, bebe um pouco.”
“Então, sobre a informação que te pedi esta manhã... Whoa, isso é demais.”
Mark parecia não ouvir o protesto de Lawrence enquanto ele derramava o vinho de uma garrafa de cerâmica em um copo de madeira.
Sua expressão sugeria que ele não teria nada a dizer até que Lawrence pegasse o copo, que agora estava quase transbordando de vinho.
“Tudo bem, tudo bem.” Exasperado, Lawrence pegou o copo e o levou aos lábios; era um bom vinho. De repente ele queria um pouco de charque para acompanhar.
“Então, sobre o que era? Você mudou seus planos de viagem?”
“Isso mesmo. Há uma cidade, Lenos, na confluência do Rio Roam. É para lá que eu vou.”
“Bem, isso é uma grande mudança, de fato. E eu já tinha coletado bastante informação sobre o caminho para Nyohhira.” Se ele não fosse capaz de pensar com clareza apesar do vinho, Mark nunca teria sido um mercador.
“Desculpa. As circunstâncias mudaram um pouco.”
“Oh ho,” Mark disse com um sorriso enquanto bebia o vinho como se fosse água. Ele então olhou para Lawrence com um olhar de quem se divertia. “Então é verdade que as coisas foram mal com aquela sua companheira?”
Houve uma pausa.
“O que disse?” Lawrence finalmente perguntou.
“Ha-ha-ha-ha. Rumores se espalham, rapaz apaixonado. Todo mundo sabe que você está escondido em uma boa estalagem com uma bela freira. Você certamente não teme à Deus.”
Kumersun era uma cidade grande, mas não tão grande como Ruvinheigen — as notícias se espalhavam rapidamente de um mercador para outro até que quase todos eles tivessem ouvido a notícia. Os laços entre os comerciantes aqui eram fortes. Se alguém tivesse visto Holo com Lawrence, rumores iriam se espalhar.
Se Mark sabia sobre Holo, então todos na guilda mercantil também sabiam. Ele estava aliviado que não havia retornado com Batos.
O que ele não entendia era por que Mark disse que as coisas tinham corrido mal entre Lawrence e Holo.
“Nós não temos o tipo de relacionamento que daria uma boa conversa para o vinho, mas não vejo por que você diria que as coisas foram mal com ela.”
“Heh-heh. O rapaz apaixonado aqui sabe se fazer de bobo, isso é certo. Mas posso ver a preocupação em seu rosto.”
“Bem, não há dúvidas de que ela é formosa. Se as coisas fossem mal entre a gente, seria uma pena.”
Lawrence estava surpreso com sua própria capacidade de se manter calmo durante a conversa — sem dúvida porque estava acostumado com as provocações constantes de Holo.
Embora a verdade seja dita, ele sentiu que teria preferido que sua perspicácia nos negócios tivesse ficado mais afiada em vez de sua paciência.
Mark arrotou. “Por que, agora há pouco, ouvi dizer que a sua companheira foi vista na companhia de um rapaz da nossa guilda mercantil. Evidentemente eles estavam se dando muito bem.”
“Ah, você quer dizer o Sr. Amati.” Lawrence não se sentia confortável chamar o garoto simplesmente de “Amati,” e ainda assim o “Sr.” de repente parecia desnecessário também.
“Ah, então você já desistiu.”
“Você parece estar redondamente enganado. Eu simplesmente tinha negócios hoje e não fui capaz de acompanhá-la, e o Sr. Amati se encontrava com tempo livre e queria nos mostrar a cidade. Estes dois eventos acabaram se coincidindo; isso é tudo.”
“Hmm...”
“Não acredita em mim?”
Lawrence esperava Mark ficar totalmente desapontado, então ele se viu confuso ao notar o olhar de genuína preocupação de Mark.
“Eu costumava ser um mercador viajante como você, por isso vou te dar uns conselhos. Amati é mais formidável do que parece.”
“...O que você quer dizer?”
“O que eu quero dizer é, se você for descuidado, ele vai roubar sua companheira bonitinha bem na sua frente. Homens da idade dele vão fazer de tudo para conquistar o objeto de sua obsessão. E você sabe quanto peixe Amati negocia? Muito. E mais, ele nasceu em uma região bastante agradável no sul, mas uma vez que ele percebeu que por ser o filho mais novo nunca teria a chance de conseguir nada para si mesmo, ele fugiu de casa e veio aqui para abrir o seu negócio. Isso foi apenas há três anos. Uma história e tanto, não é?”
Era difícil imaginar o frágil Amati fazendo tudo isso, mas Lawrence tinha visto as três cargas de peixe fresco na carroça do garoto.
Além do mais, Amati foi capaz de arranjar facilmente um quarto em uma estalagem de frente para a avenida principal — embora seja onde ele vendeu seu peixe. Durante uma época em que a cidade estava transbordando com os viajantes indo e vindo, isso não era pouca coisa.
Uma semente de medo começou a se enraizar no coração de Lawrence, mas ao mesmo tempo, ele não podia acreditar que Holo mudaria seu afeto tão facilmente.
“Não precisa se preocupar. Minha companheira não é tão instável.”
“Ha-ha-ha. Você tem muita fé. Se eu ouvisse que minha Adele tivesse saído com Amati, eu desistiria na hora.”
“O que é isso sobre eu e Amati?” disse Adele, um sorriso verdadeiramente terrível no rosto. Ela estava atrás de Mark já faz algum tempo enquanto limpava a loja no lugar do marido.
Adele e Mark se apaixonaram quatro anos atrás quando, como um mercador viajante, Mark tinha visitado Kumersun. Sua história de amor era bastante famosa na cidade, e era o suficiente para fazer até um bardo de terceira categoria levantar as mãos em desgosto. Ela agora possuía toda a dignidade de esposa de um mercador de trigo.
Quando Lawrence a conheceu, Adele era bastante frágil, mas agora ela era ainda mais robusta do que seu marido.
Dois anos atrás ela havia dado à luz a seu primeiro filho — talvez fosse a força da maternidade que ela agora possuía.
“Uh, o que eu estava dizendo era que, se eu te visse com Amati, você é tão querida para mim que as chamas do meu ciúme queimariam a minha própria carne!”
“Queime então, querido. Eu vou apenas acender um fogo com as cinzas que você deixar para fazer um pão saboroso para o Sr. Amati.”
Adele era tão ácida que tudo que Mark pôde fazer em resposta foi tomar outro drinque.
Talvez as mulheres em todos os lugares fossem mais fortes.
“Então, Sr. Lawrence,” disse Adele. “Beber na companhia deste beberrão deve fazer o gosto do vinho ficar ruim. Vamos fechar a loja por aqui, então por que você não vem até a nossa casa para jantar conosco? Embora o bebê possa ser um pouco barulhento.”
Lawrence não podia sequer começar a imaginar o tanto de trabalho que um filho de Mark poderia dar.
Ele não era particularmente bom com crianças, mas não foi por isso que ele recusou a oferta.
“Ainda tenho alguns negócios para resolver, infelizmente.”
Era uma mentira, claro, mas Adele acenou com pesar, sem qualquer traço de suspeita.
Mark, por outro lado, sorriu como se tivesse visto através de Lawrence. “Oh, sim, você tem negócios inacabados. Boa sorte com eles.”
Sim, Mark tinha visto a verdade. Lawrence conseguiu dar um sorriso fraco.
“Ah, sim, vou manter o seu novo destino em mente. Vou ficar com a loja aberta durante todo o festival, então devo ser capaz de descobrir tudo sobre a rota para Lenos.”
“Eu agradeço.”
Lawrence terminou seu vinho, agradeceu ao casal de novo e se despediu.
Ele notou que estava caminhando mais rápido através da noite agitada e riu de própria tolice.
Ele realmente alegou ter negócios inacabados — ridículo!
Mas articular o verdadeiro motivo fez Lawrence se odiar, então admitir para qualquer outra pessoa estava fora de questão.
Amati e Holo caminhando felizes juntos — a imagem passou rapidamente por sua cabeça.
Apesar de sua frustração, ele se viu apressando seu passo cada vez mais.
O clamor turbulento das ruas ficou mais alto quando a noite caiu. Lawrence estava concentrado em escrever seus próximos planos de viagem com tinta e pena emprestada da estalagem quando Holo finalmente retornou.
Lawrence tinha corrido de volta para a estalagem apenas para descobrir que Holo ainda estava fora, e embora tivesse que engolir sua decepção, o tempo o deu uma chance para se acalmar, pela qual estava grato.
Amati se despediu dela na frente da estalagem, segundo Holo, então ela veio até o quarto sozinha. A julgar pelo cachecol de pele de raposa em volta do pescoço, Amati foi levado por um bom passeio. Não havia dúvida na mente de Lawrence que ela o fez comprar mais do que isso.
Seu alívio e felicidade ao ver o retorno seguro de Holo não era nada comparado com a dor de cabeça que veio ao tentar descobrir qual seria a maneira apropriada de agradecer Amati.
“Ugh... está muito apertado. Venha... me ajude com isso, pode ser?”
Pelo tanto que ela comeu e bebeu, Holo parecia incapaz de tirar suas próprias roupas.
Lawrence suspirou e saiu de sua cadeira, caminhou ao lado da cama e desfez o cinto contra o qual Holo lutava tão corajosamente. Ele também retirou o manto que apertava sua cintura.
“Se você for se deitar, tire o seu cachecol e o xale. Caso contrário eles vão enrugar.” Holo grunhiu vagamente em resposta.
Lawrence conseguiu impedi-la de cair sobre a cama de imediato, e ele a ajudou a tirar o cachecol e o xale de pele de coelho, bem como o lenço triangular que ela usava sobre a cabeça.
Holo cochilava enquanto deixava Lawrence lidar com a sua roupa. Ela provavelmente se separou de Amati na frente da estalagem porque não era mais capaz de cuidar de si mesma.
Uma vez que Lawrence conseguiu tirar o cachecol, o xale e lenço, ela imediatamente caiu sobre a cama.
Embora ele não pudesse deixar de sorrir quando olhou para essa loba despreocupada, Lawrence suspirou quando olhou para o cachecol de pele de raposa. Ele não podia se imaginar comprando tal item para revenda, muito menos como um presente.
“Ei, você — o que mais você fez ele comprar, hein?”
Se Amati tinha ido tão longe, parecia provável que ele tenha comprado algo ainda mais caro.
Holo nem sequer tinha energia para levantar as pernas para cima da cama, e sua posição estranha permaneceu inalterada enquanto ela respirava lenta e profundamente ao cair no sono. As orelhas das quais ela tinha tanto orgulho não deram sequer uma contraída com a pergunta de Lawrence.
Percebendo que não havia nada mais a fazer, Lawrence levantou as pernas dela e as colocou em cima da cama, mesmo assim ela nem sequer abriu os olhos.
Ele se perguntou se essa total falta de defesa se devia a confiança ou simplesmente desdém.
Ele refletiu sobre isso por um tempo, mas finalmente decidiu que tais pensamentos só o levariam à decepção, por isso os baniu de sua cabeça. Colocando o cachecol e o xale sobre a mesa, ele começou a dobrar o manto dela.
Assim que ele fez isso, algo caiu do manto e bateu no chão com um baque.
Ele pegou o objeto; era um belíssimo cubo metálico.
“Ferro...? Não.”
Tinha bordas afiadas, cuidadosamente preenchidas e uma superfície que era muito suave, mesmo à fraca luz da lua. Mesmo que fosse apenas o trabalho em metal, o cubo seria uma peça valiosa, mas não havia como dizer o quão brava Holo ficaria se ele a acordasse apenas para perguntar sobre isso.
Ele colocou o cubo sobre a mesa, decidindo perguntar sobre isso no dia seguinte.
Ele colocou o manto sobre as costas da cadeira e dobrou o lenço; em seguida, ele enrolou o cinto depois de suavizar suas rugas.
Por um momento, ele se perguntou por que estava fazendo essas tarefas servis — afinal, ele não era um servo — mas bastava um olhar para Holo dormindo, roncando ingenuamente ali na cama, isso já era o suficiente para dissipar sua indignação.
Ela não fez nenhum movimento dando a entender que ela mesma o faria, então Lawrence foi até a cama e puxou as cobertas sobre ela, rindo.
Ele, então voltou para sua mesa e seus planos de viagem.
Se suas circunstâncias não permitissem que ele ficasse no norte enquanto procurava Yoitsu, ele simplesmente tinha que adaptar seu plano de negócios para acomodar algumas viagens ao norte. Mesmo se ele fosse ou não realmente seguir essas mudanças, não havia mal nenhum em fazer o plano.
Além disso, fazia um bom tempo desde que ele realmente se sentou com pena e papel e listou as cidades, rotas comerciais, mercadorias e as margens de lucro que compunham a vida de um mercador viajante.
Ele estava cheio de nostalgia quando se lembrou das vezes em que já havia queimado óleo na meia noite para fazer tais planos.
No entanto, havia uma grande diferença entre aquela época e agora.
Esses planos eram feitos para o seu próprio bem — ou para o bem de outra pessoa?
Lawrence trabalhava, a pena na mão, ouvindo os roncos tranquilos de Holo, até que a vela de sebo se extinguiu.
“Comida, bebida, o cachecol, e este dado.”
“Algo mais?”
“Isso foi tudo. Bem, isso e conversa mole o bastante para o resto da vida,” Holo disse despreocupadamente, mastigando o pente que ela usava para pentear sua cauda. Lawrence olhou cansado para ela.
Ele ficou aliviado quando ela acordou sem ressaca e foi imediatamente interrogando ela sobre os acontecimentos da noite anterior. Olhando para os presentes que ela tinha recebido à luz da manhã, Lawrence poderia dizer que eles eram de valor considerável.
“Então você comeu e bebeu a noite toda, e ainda tem esse cachecol. Não posso acreditar que você simplesmente aceitou uma coisa dessas...”
“É uma pele de alta qualidade, não é? Embora não se compare com a minha cauda.”
“Você fez ele comprar essa coisa?”
“Você acha que sou tão sem vergonha? Ele praticamente me forçou a aceitar. Apesar de ser bem elegante da parte dele, dar um cachecol de presente.”
Lawrence olhou para a peça de pele de raposa e então para Holo. Ela continuou, parecendo satisfeita, “Ele está bastante apaixonado por mim, sabe.”
“Me desculpe, eu pedi por uma piada? Você não pode simplesmente dizer que acabou quando recebe um presente deste valor. E eu que pensei em deixar alguém te bancar uma visita pela cidade, mas agora olha para a dívida que eu tenho!”
Holo riu. “Então esse era o seu plano o tempo todo, não era? Imaginei que sim.”
“Vou descontar o valor desse cachecol dos seus do seu dinheiro para o festival, esteja avisada.”
Holo o encarou, mas se virou, duplamente irritada ao ver que Lawrence a encarou de volta.
“Espero que pelo menos não tenha mostrado suas orelhas e cauda para ele, certo?”
“Você não precisa se preocupar. Eu não sou tão tola assim.”
Com base no estado dela na noite anterior, Lawrence não tinha pensado em se preocupar com essa possibilidade, mas agora ele não tinha tanta certeza.
“Suponho que te perguntaram que tipo de relacionamento que você tem comigo.”
“O que eu gostaria de saber é precisamente por que você está me perguntando isso.”
“Se nossas histórias não forem iguais, as pessoas vão começar a suspeitar.”
“Mm. Você está certo. Sim, fui bastante questionada a respeito disso. Eu sou uma freira viajante e você me salvou de ser vendida por homens maus, foi o que disse para ele.”
Tirando a parte sobre Holo ser uma freira, o resto era mais ou menos consistente com a verdade.
“Mas uma vez que você me salvou, e eu fiquei profundamente em dívida com você, e como não posso esperar pagá-lo, estou gradualmente recompensando orando por sua segurança enquanto viajamos. Oh, pobre de mim! Minha voz estava desesperadamente triste enquanto narrava esse conto. O que você acha, hein? Tem o som da verdade!”
Embora Lawrence ficasse um pouco irritado por parecer ser o vilão da história, a história parecia convincente.
“Assim que terminei o conto, ele me comprou o cachecol,” disse a falsa freira viajante com um sorriso claramente diabólico.
“Eu suponho que isso sirva. Mas e este dado? O que fez ele te comprar algo assim?”
Lawrence tinha sido incapaz de discernir a cor da coisa sob a fraca luz da lua, mas agora ele poderia dizer que o cubo de metal, tão perfeito que parecia obra de um mestre ferreiro, tinha um tom distintamente amarelo, como ouro sem polimento.
Lawrence já tinha visto este tipo de ouro como mineral antes.
Não era o trabalho de nenhum ser humano, mas totalmente natural.
“Oh, isso? O cartomante estava usando. Dizem que é um dado que pode adivinhar o futuro. Ele tem uma forma adorável, não tem? Mal posso entender como foi feito. Não há dúvida de que vai vender por um alto preço.”
“Sua tola. Você realmente acha que pode vender isso?” Lawrence falou usando o mesmo tom que ela muitas vezes usava para repreendê-lo. As orelhas de Holo se mexeram com a súbita aspereza.
“Isto não é um dado. Este é um mineral chamado pirita. E nenhum homem o criou.”
Sua informação era obviamente inesperada. Holo o olhou com ar de dúvida, mas Lawrence ignorou isso, pegando o cubo amarelo de cima da mesa e o jogando para Holo.
“Suponho que a sábia loba que garante a colheita saiba pouco de pedras. Essa pedra em forma de cubo foi extraída do jeito que você a vê.”
Holo sorriu incerta, claramente duvidando dele, enquanto brincava com a pirita.
“Suas pequenas orelhas podem dizer que não estou mentindo.”
Holo murmurou baixinho e segurou a pirita entre os dedos.
“Não serve para muita coisa, mas muitas vezes é vendido como lembrança. E uma vez que se parece com o ouro, algumas vezes é usado por vigaristas. Por acaso mais alguém comprou isso?”
“Oh, de fato. Muitas. O cartomante tinha grande habilidade, o suficiente para impressionar até mesmo eu. Ele alegou que, com dados como o dele, qualquer um poderia ler o destino, por isso todos que se reuniram queriam a pirita que ele estava vendendo. Ele inventou todos os tipos de motivos pelos quais eles seriam desejáveis.”
“Você quer dizer esse dado?”
“Sim. Até os que não tinham uma forma tão perfeita como este, ele alegou que poderia afastar a doença ou o mal.”
Lawrence sentiu um certo respeito profissional por qualquer um que pudesse inventar um negócio tão lucrativo. Festivais e feiras muitas vezes provocavam manias estranhas.
A atmosfera carregada era feita para os grandes negócios, mas pirita — esse era um grande ponto, de fato.
“Amati deu o melhor lance por esse dado.”
Isto genuinamente surpreendeu Lawrence. “Ele deu o melhor lance?”
“A multidão ficou bastante entusiasmada. Nunca tinha visto esse tipo de competição — de fato foi algo que valeu a pena ver. Espero poder vender esse dado por um preço bastante alto.”
Lawrence pensou em Batos, que viajou pelas regiões de Hyoram.
Será que Batos sabia disso? Se ele tivesse pirita na mão ou conexões para consegui, Lawrence poderia fazer um excelente negócio.
Lawrence já ia longe em sua linha de pensamento quando houve uma batida na porta.
“Hm?” Por um momento, ele considerou a possibilidade de que Amati tinha visto orelhas e cauda de Holo, mas então decidiu que a perceptiva Holo teria notado se esse fosse o caso.
Ele olhou da porta para Holo e viu que ela puxou o cobertor sobre ela. Evidentemente, o visitante não era do tipo perigoso que tinham encontrado em Pazzio.
Lawrence foi até a porta e a abriu.
Do outro lado estava o jovem aprendiz de Mark.
“Peço desculpas por vir tão cedo pela manhã. Tenho uma mensagem do meu mestre.”
Dificilmente ainda era “cedo pela manhã,” e Lawrence não podia imaginar o que era tão urgente que faria Mark a enviar seu aprendiz em uma tarefa logo quando o mercado estava para abrir.
Ele se perguntou se talvez Mark tivesse ficado gravemente doente, mas não — se esse fosse o caso o rapaz não diria que tem uma mensagem do seu mestre.
Holo se moveu debaixo dos cobertores, colocando a cabeça para fora.
O rapaz percebeu e olhou em sua direção. Vendo uma garota em uma cama coberta até o pescoço pelos cobertores era, evidentemente, mais do que ele esperava. Ele se virou, o rosto vermelho.
“Então, qual era a mensagem?”
“Oh, er, sim. Ele disse que você precisava saber com urgência, então eu vim para cá imediatamente. O que aconteceu foi —”
A notícia chocante fez Lawrence correr pelas ruas de Kumersun no mesmo instante.
Nota:
1 – Junção entre rios.