Trigo e Loba Japonesa

Tradução: Virtual Core


Volume 1

Capítulo 6

Holo parou de repente, certamente não por causa do rato que saiu correndo com um chiado em seus pés.

Lá na escuridão, Lawrence se virou para Holo. Não iria perdê-la, ainda mais agora que segurava a mão dela.

“O que foi?”

“Você não sente uma agitação no ar?”

Lawrence não tinha certeza de onde exatamente na cidade eles estavam, mas o cheiro de água limpa no ar sugeria que estavam em algum lugar perto do mercado. Ele poderia pelo menos dizer que estavam no mínimo, longe do rio que corria ao lado da cidade.

Era fácil imaginar as inúmeras pessoas e carroças puxadas por cavalos passando por cima deles. Um pouco de movimento no ar dificilmente seria surpreendente.

“Não está vindo de cima?” ele perguntou.

“Não...” disse Holo. Era possível ver que ela olhava de um lado para o outro. Mas eles estavam em um túnel — e haviam apenas duas direções para ir.

“Se tivesse meus bigodes eu seria capaz de dizer...”

“Tem certeza que não é sua imaginação?”

“Não... há um som. Posso ouvi-lo. Água? O som de respingos—”

Os olhos de Lawrence se arregalaram com o seu pensamento instintivo... Eles estavam sendo perseguidos.

“Vem da nossa frente. Isso não é bom. Devemos voltar.”

Antes que Holo pudesse terminar, Lawrence se virou e começou a correr. Holo correu para segui-lo.

“Não há bifurcações neste caminho, certo?”

“O caminho que estávamos indo era reto. Indo para o outro lado, há uma ramificação. Siga por ela e vai acabar em um labirinto complicado.”

“Não sei se até mesmo conseguiria não me perder lá... whoops!” disse Holo quando parou novamente. Suas mãos se separaram com a parada súbita e Lawrence tropeçou. Quando se apressou para se virar, parecia que Holo estava encarando o caminho de onde vieram.

“Você, cubra seus ouvidos.”

“O quê? Por quê?”

“Mesmo se corrermos, vão nos pegar. Eles soltaram os cães.”

Se estavam sendo perseguidos por um caminho em linha reta por cães bem treinados, não havia esperança. Holo podia ver muito bem no escuro, mas os cães tinham seus narizes e orelhas. Eles não tinham armas para afastar os animais exceto o punhal de prata que Lawrence sempre carregava.

No entanto, ele tinha algo bastante feroz — Holo, a Sábia Loba.

“Heh. Que som tolo, esse latido,” disse Holo. Lawrence agora podia ouvir fracamente o barulho dos cães.

Podia ser apenas os ecos que se sobrepunham, mas a partir do som, Lawrence poderia dizer que havia pelo menos dois animais.

O que Holo estava planejando?

“Não tenho certeza do que vou fazer se eles forem estúpidos demais para entenderem isso. Enfim, cubra bem seus ouvidos!”

Lawrence fez o que lhe foi dito e cobriu seus ouvidos. Ele imaginou o porquê — Holo ia uivar.

Holo tomou um longo e profundo fôlego. Durou tanto tempo que Lawrence começou a se perguntar para onde ia todo aquele ar. Houve uma breve pausa, e então ela soltou um uivo para tremer a terra.

“Awooooooooooo!”

A força do grandioso barulho era suficiente para provocar arrepios em suas mãos e deixar a pele do seu rosto tremendo. Parecia que o túnel estava prestes a entrar em colapso.

O uivo era capaz de fazer o medo dominar até o homem mais forte. Lawrence esqueceu que era Holo uivando e se encolheu em uma bola.

O mercador se lembrou de quando foi perseguido através das planícies por matilhas de lobos. Eles possuíam números esmagadores, conhecimento do terreno e força física que nenhum humano poderia igualar. Eles usavam os três para suporte e ataque — e o uivo era o sinal. Era por isso que em algumas vilas que são assoladas pela peste, os moradores imitam o uivo de um lobo para afastar a doença.

Holo tossiu. “Ugh... minha garganta...” Lawrence a ouviu tossindo uma vez que o uivo parou e tirou as mãos de seus ouvidos. Não era de estranhar que um grande uivo vindo de uma pequena garganta tivesse um preço.

“Uma maçã... quero uma maçã... koff —”

“Você pode ter quantas quiser quando escarparmos. E os cães?”

“Eles fugiram com o rabo entre as pernas.”

“Então devemos fazer o mesmo. Eles sabem onde estamos agora.”

“Você sabe o caminho?”

“Mais ou menos.”

Antes de começar a correr, Lawrence estendeu a mão para Holo, que a segurou com firmeza.

Com a garantia de que não iriam se separar, Lawrence correu. Foi então que ouviu as vozes de seus perseguidores.

“Ainda assim... como é que nos encontraram?” perguntou Holo.

“Duvido que eles soubessem exatamente onde estávamos. Provavelmente vieram para o subterrâneo depois de não nos encontrar acima e acabaram nos encontrando.”

“Mesmo?”

“Se soubessem exatamente onde estávamos, já teriam nos encurralado...”

“Entendo. Você está certo.”

Diretamente à frente deles vozes abafadas podiam ser ouvidas, em seguida, um leve raio de luz penetrou no túnel escuro. Era por onde eles haviam entrado pela primeira vez na passagem.

Lawrence nunca tinha sido tão otimista a ponto de pensar que a Companhia Milone viria em seu socorro.

Ele respirou fundo enquanto a ideia o atingia como um balde de água fria e apressou o passo.

Em seguida, uma voz ecoou pela passagem.

“A Companhia Milone os traiu! Não faz sentido tentar escapar!”

Como que para evitar as vozes, eles se viraram na única bifurcação, e por trás deles vieram as mesmas palavras. Lawrence os ignorou e continuou a correr, mas Holo estava insegura.

“Parece que fomos vendidos.”

“E por um preço elevado, sem dúvida. Enquanto você estiver aqui, a Companhia Milone perderá uma filial, no mínimo.”

“... entendo. Deve ter sido um preço alto, de fato.”

Se fossem realmente traídos, Marheit teria sido forçado a colocar toda a filial na linha. Se ele realmente fez isso, deve ter planejando pegar o dinheiro da filial e escapar para outra terra distante. Mas parecia improvável que a enorme Companhia Milone deixaria isso acontecer, nem Marheit parecia ser o tipo de homem que fugiria.

O que significava que seus perseguidores simplesmente estavam mentindo, mas para alguém desabituado a tais táticas, como Holo, poderia ser eficaz.

Holo concordou com a cabeça para indicar a compreensão, embora o aperto em sua mão ficasse ligeiramente mais apertado.

“Certo, viramos à direita aqui.”

“Espere —”

Lawrence parou imediatamente após virar no canto.

No final do túnel uma lanterna balançando. “Lá estão eles,” gritou uma voz.

Lawrence imediatamente pegou a mão de Holo novamente e correu de volta pelo longo do caminho que tinham tomado em primeiro lugar. Seus perseguidores começaram a correr também, mas seus passos não chegavam aos ouvidos de Lawrence.

“Você sabe —”

“— o caminho? Sei, está tudo bem,” disse Lawrence, impaciente, mas não porque ele estava sem ar. Os caminhos eram estranhamente complicados, e tudo o que ele conseguia lembrar era do que os empregados da Companhia Milone lhe disseram sobre onde os caminhos ligavam a entrada e saída.

Não era uma mentira dizer que sabia o caminho, mas também não era a verdade.

Se o caminho fosse virar para esquerda ou para direita, depois de muitos cruzamentos, então era verdade. Se não, era uma mentira.

Sua cabeça cheia de estranhas ilusões que ameaçavam deixar tudo em branco — o som de uma coluna de ratos correndo pela floresta — tropeçando entre os escombros de uma parede de pedra que desmoronou. Mercadores viajantes tinham que lembrar de figuras complicadas sobre o quanto deviam e quanto deviam para eles, por isso tendem a ter confiança na sua memória. Mas a confiança de Lawrence durou apenas um momento.

Os túneis eram simplesmente muito complicados.

“Outro beco sem saída?”

Eles correram uma curta distância depois de virar à direita em uma junção em T antes de chegar ao final. Lawrence chutou a parede, respirando pesado. Suas ações deixavam clara sua preocupação, mas Holo, que também ofegava, simplesmente apertou sua mão mais forte.

A Companhia Medio aparentemente havia decidido que era importante capturar os dois — e eles tinham enviado vários homens para isso.

Seus passos e gritos ecoavam pelos corredores. Eram tantos que até mesmo Holo não tinha certeza do seu número.

A ansiedade que os acompanhava os fez imaginar um grande enxame de homens os perseguindo, mais numerosos que formigas.

“Droga. Nós vamos ter que voltar. Não me lembro de mais nada.”

Se eles avançassem em passagens desconhecidas, não haveria como voltar atrás.

As memórias de Lawrence já estavam bastante instáveis, mas vendo Holo concordar, não disse nada para que ela não se sentisse mais insegura.

“Você ainda pode correr?” ele perguntou.

Lawrence era um homem saudável e forte, e apesar de sua fadiga, ele sabia que ainda podia correr — mas Holo em resposta apenas concordou com a cabeça.

Talvez a forma humana não fosse tão capaz quanto a de lobo.

“Só um pouco,” ela disse apressadamente, como se engasgasse para respirar.

“Vamos encontrar um lugar para...” Lawrence começou. Ele ia dizer “descansar,” mas olhou para Holo e a palavra nunca saiu de sua garganta.

As pupilas dela brilhavam intensamente na escuridão, cada centímetro do predador da floresta estava analisando os arredores.

Confortado por ter alguém como Holo em sua companhia, Lawrence acalmou sua respiração e ouviu atentamente.

Crunch, crunch veio o som dos passos cautelosos de seus perseguidores.

De onde Lawrence estava de pé, parecia que estavam vindo de uma passagem que levava para a direita em algum ponto adiante.

O caminho que tinham usado estava agora diretamente atrás deles. Se voltassem por ele, muitos caminhos possíveis ramificavam de lá. Eles esperavam adivinhar o tempo certo e correr de volta e então escapar por um desses caminhos.

Crunch, crunch, veio o som dos passos se aproximando. Ainda havia um muro entre eles e a fonte do ruído, que era encorajador, mas os passos eram incessantes — era como se os homens da Medio estivessem propositadamente causando uma comoção enquanto conversavam por algum tipo de código incompreensível.

Lawrence sentiu como se já tivessem caído na armadilha, e seus perseguidores precisassem apenas lançar uma rede para capturá-los.

Engoliu em seco dolorosamente, avaliando o tempo para correr.

Ele esperava correr assim que ouvisse outro grito do grupo da Companhia Medio.

A espera não foi longa.

“Ah, ah...”

Outro som veio da direção dos passos. Um espirro.

Lawrence tomou isso como uma bênção dos deuses e agarrou a mão de Holo firmemente preparando para correr.

“Ah-choo!”

 Parecia que quem espirrou percebeu seu erro e tentou abafar o som com uma mão.

Mas era mais do que suficiente para os dois começarem a fuga. Eles viraram à esquerda na primeira junção.

E então, algo preto cruzou na frente dos seus rostos.

Lawrence percebeu que não era um mero rato quando Holo começou a rosnar.

“Rrrrrr.”

“Qu — merda! Aqui! Eles estão aqui!”

Um pequeno vulto preto passou perto do rosto de Lawrence. Ele sentiu algo quente em sua bochecha esquerda. Então percebeu que era uma ferida de faca quando ele colocou a mão e sentiu a calorosa umidade.

Quando percebeu que Holo tinha abandonado a fuga e ainda tinha os dentes no braço da pessoa que estava com a faca, Lawrence, também, perdeu o controle.

Fortalecidos por transportar cargas mais pesadas do que eles mesmos sobre montanhas e através das planícies, os mercadores viajantes tinham punhos tão duros como a prata.

Lawrence colocou toda sua força em seu punho direito e deu um soco, acertando o rosto do homem que Holo estava atacando.

Pôde-se ouvir um horrível som esguichado, como se um sapo tivesse sido pisado, assim que o punho de Lawrence encaixou.

Com sua outra mão, Lawrence se estendeu para alcançar Holo e a agarrou por de trás de sua camisa, puxando-a de volta para ele.

A sombra que o punho tinha atingido caiu lentamente para trás. Não havia tempo para dizer nada — Lawrence saiu correndo, tentando encontrar um caminho diferente.

Mas ele logo percebeu que o espirro tinha sido uma manobra para atraí-los.

Enquanto o corpo caia no chão com um baque, Lawrence sentiu um choque, como se o sangue nas veias de repente mudasse de direção.

No momento em que tentou virar, uma lâmina acertou Lawrence diretamente.

“Oh santo Deus, perdoe os meus pecados...”

Ouvindo as palavras do seu oponente, Lawrence percebeu que o homem pretendia matá-lo.

Lá, na escuridão, o atacante prendeu a respiração, certamente pensando que tinha de fato matado seu alvo.

Mas os deuses ainda não haviam abandonado Lawrence. A faca perfurou seu braço esquerdo, logo acima de seu pulso.

“Antes de pensar em seus pecados,” disse Lawrence, levantando a perna e dando um chute perverso na coxa do homem, “se arrependa e suas ações diárias!”

O homem caiu silenciosamente, Lawrence agarrou a manga de Holo com a mão direita e correu.

Os sons da Companhia Medio se aproximando ecoaram ao redor deles.

Eles desviaram por um caminho para a esquerda, em seguida, se dirigiram imediatamente para a direita — mas não por causa de algum plano ou porque Lawrence havia lembrado o caminho.

Ele simplesmente fugiu. Parar não era uma opção. O braço esquerdo de Lawrence parecia pesado, como se estivesse afundando em um pântano, e queimava como se empalado em um pedaço de ferro em brasa. Sua mão esquerda estava fria, talvez por conta do sangue que fluía livremente do ferimento em seu braço.

Ele não seria capaz de correr muito mais longe. Lawrence tinha sido ferido várias vezes em suas viagens. Ele conhecia os limites de seu próprio corpo.

Era difícil dizer o quão longe eles foram na escuridão. Os ecos confusos de seus perseguidores corroeram sua consciência, desaparecendo como a chuva sobre a pastagem.

Quando até mesmo os passos de seus perseguidores começaram a soar distante, ele já não tinha energia sobrando nem para se preocupar com Holo. Não sabia por quanto tempo seria capaz de continuar.

“Lawrence.”

Quando ele ouviu alguém chamando seu nome, se perguntou se era a morte.

“Lawrence, você está bem?”

Ele voltou a si, percebendo que estava encostado na parede do túnel.

“Que alívio. Você não estava se movendo quando te chamei.”

“... Ugh. Estou bem. Só um pouco sonolento,” disse Lawrence.

Lawrence não tinha certeza se conseguiu sorrir. Holo, irritada bateu em seu peito.

“Controle-se! Estamos quase lá.”

“... estamos quase onde?”

“Você não me ouviu? Disse que posso sentir o cheiro do calor do sol adiante. Deve haver um caminho para a superfície por perto.”

Lawrence não se lembrava de ouvir isso, mas ele balançou a cabeça corrigindo sua postura e cambaleou para frente. Ele percebeu que seu braço tinha sido enfaixado com tecido.

“... Este curativo?”

“Eu rasguei minhas mangas e coloquei no seu braço. Você não percebeu?”

“Uh, não, claro que notei, eu estou bem.” Lawrence fez questão de dar um sorriso tranquilizador; Holo não disse nada. Entretanto, quando eles continuaram andando, ela liderou o caminho.

“Só um pouco mais longe. Vamos pegar esta passagem, em seguida, virar à direita...” ela começou, pegando a mão de Lawrence — mas depois parou. Ele podia dizer o porquê.

Mais passos atrás deles.

“Depressa, depressa,” Holo disse com a voz rouca. Lawrence apressou o passo, sentindo sua força perto do fim.

Apesar de seus perseguidores estarem se aproximando, eles ainda estavam distantes. Contanto que eles pudessem subir para a superfície, Lawrence imaginou que seria capaz de convencer os cidadãos a ajudá-los, dada a sua condição.

A Companhia Medio provavelmente não iria querer uma cena na frente de tantas testemunhas.

Enquanto ela aproveitasse a oportunidade para contatar a Companhia Milone, a fuga de Holo seria suficiente. A prioridade era se encontrar com as pessoas da Milone novamente.

Lawrence refletia sobre isso enquanto pendia seu corpo para frente, parecia se sentir mais pesado a cada segundo. Por fim, tal como disse Holo, ele viu a luz logo adiante.

A luz brilhava no canto superior direito, para baixo à esquerda. Os passos atrás deles ficaram mais perto, mas parecia que eles iriam conseguir.

Holo puxou mais forte no braço de Lawrence para apressá-lo, ele fez o melhor que pôde para continuar.

No final do caminho, viraram à direita.

“Isso leva para a superfície — só um pouco mais!”

Vitalidade havia retornado à voz de Holo, e Lawrence seguiu em frente, encorajado.

A presa havia escapado do caçador no último instante.

Disso Lawrence tinha certeza.

Isto é, até que ele ouviu a voz de Holo quase a chorar.

“N-não...” ela disse.

Lawrence olhou para cima.

Mesmo quando ainda olhava para baixo, a luz incomodava seus olhos, que haviam se ajustado à escuridão total. Levou alguns momentos para focar, mas assim que viu, ele entendeu a razão para o desânimo de Holo.

Talvez tenha sido abandonado quando esses túneis forneciam água. Lá havia um poço não utilizado, com a luz passando através da abertura no teto.

Mas o buraco era alto demais. Lawrence se esticou e mal podia tocar o teto do túnel, a abertura do poço era ainda alta que isso.

Sem uma corda ou uma escada, era simplesmente impossível para os dois escaparem.

Lawrence e Holo ficaram quietos, desesperados como agiotas olhando o longo caminho para o paraíso.

Então, como que para confirmar que eles estavam bem e verdadeiramente encurralados, a fonte dos passos atrás viraram a curva.

“Encontrei!” gritou uma voz, só assim a dupla finalmente olhou para trás.

Holo olhou para Lawrence, que sacou a adaga com sua boa mão direita, com um movimento tão lento que era como se estivesse debaixo d'água, bloqueando o caminho entre ela e seus perseguidores.

“Para trás.”

Lawrence planejou avançar, mas suas pernas não tinham mais força. Ele estava preso ao chão, incapaz de dar mais um passo.

“Você não pode — está fraco!” disse Holo.

“Dificilmente. Ainda posso me mover,” Lawrence disse em um tom indiferente. Porém, se virar para olhar para ela por cima do ombro seria impossível...

“Tolo, não precisa dos meus ouvidos para saber que é uma mentira,” retrucou Holo. Lawrence ignorou e fixou o olhar em frente.

Ele viu cinco homens da Medio de relance. Cada um empunhava uma faca ou um bastão, e havia passos sinalizando mais reforços a caminho.

Apesar de sua vantagem esmagadora, os cinco homens não atacaram, escolhendo esperar no canto e observar a dupla.

Lawrence imaginou que estavam à espera de reforços, embora cinco homens eram mais do que suficientes para levar ele e Holo. Lawrence, obviamente não estava em forma para uma luta, e Holo era apenas uma garota.

Mas os homens se mantiveram firmes, e finalmente mais pessoas chegaram.

Os cinco primeiros olharam para trás, em seguida, se afastaram.

“Ah —” Holo fez um som assim que a figura apareceu.

Lawrence, também, quase falou.

A figura que dobrou a curva era ninguém menos que Yarei.

“Eu imaginava, dada a descrição que recebemos,” disse ele. “Mas pensar que realmente era você, Lawrence.”

Ao contrário dos moradores que viviam nas cidades, ou os empoeirados e suados mercadores que viajavam entre eles, Yarei usava as cores do sol e da terra e parecia quase triste enquanto ele falava.

“Estou tão surpreso quanto,” disse Lawrence. “A maioria das pessoas em Pasloe só pensam em foices ou enxadas ao falar de metais... e pensar que estariam envolvidos em um grande esquema de moedas de prata.”

“São poucos os que entendem essa transação,” disse Yarei, como se não fosse mais a sua vila, o que era compreensível dado o seu traje. A profundidade de sua ligação com a Companhia Medio era evidente em sua cor e textura.

Um humilde lavrador nunca seria capaz de suportar tal luxúria.

“Vamos conversar mais tarde, podemos? Não temos tempo para isso agora.”

“Vamos lá, Yarei — fui até a sua vila e nem fui capaz de vê-lo.”

“Ah, mas você conheceu alguém, não foi?” Yarei olhou além de Lawrence para Holo atrás dele. “Nunca imaginaria que fosse possível, mas ela é exatamente como nos contos de fada. O espírito da loba encarnada, que habita nos campos de trigo e é responsável pelas colheitas boas e más.”

Lawrence sentiu Holo encolher atrás dele, mas não se virou para olhar para ela.

“Entregue-a,” exigiu Yarei. “Vamos entregar ela para Igreja e deixar os velhos tempos descansarem eternamente!” Ele deu um passo para frente. “Lawrence, com a presença dela, podemos destruir a Companhia Milone. Então, uma vez que abolirmos a tarifa do trigo, o trigo da nossa vila será extremamente rentável, e nós que o vendermos seremos homens ricos. Nada é tão rentável como uma mercadoria não tributada.”

Yarei estava a dois passos deles quando Holo agarrou a camisa de Lawrence. Apesar de sua tontura, podia sentir as mãos dela tremendo.

“Lawrence, a nossa vila ainda se lembra que você comprou trigo de nós quando estávamos sofrendo sob pesada tributação. Não seria nenhuma dificuldade lhe dar a prioridade de compra agora. E nós somos amigos, não? Como um comerciante você pode diferenciar a perda do ganho.”

As palavras de Yarei afundaram lentamente na consciência Lawrence. Venda de trigo não tributado seria como arrancar ouro dos talos. Se ele aceitasse a oferta de Yarei, sua fortuna certamente cresceria. Se ele poupasse o suficiente, ele poderia abrir uma loja em Pazzio — e com as opções do trigo como arma, ele continuaria a expandir o seu negócio.

Yarei prometeu a realização de seus sonhos.

“Oh, posso diferenciar ganho das perdas perfeitamente,” disse Lawrence.

“Ho, Lawrence!” Disse Yarei alegremente, seus braços abertos para acolhê-lo. Holo apertou ainda mais a camisa de Lawrence.

Lawrence usou a última de suas forças para olhar para Holo, que olhou para ele.

Seus olhos de âmbar se entristeceram ao olhar para ele; ela logo os fechou.

Lawrence lentamente se virou.

“No entanto, um mercador deve sempre honrar seus contratos,” ele disse.

“Lawrence?” perguntou Yarei desconfiado.

Lawrence continuou. “Por obra do destino, esta estranha garota que encontrei deseja voltar para o norte. Fiz um contrato para acompanhá-la até lá. Quebrar esse contrato é algo que não farei, Yarei.”

“Você —” uma Holo chocada falou enquanto Lawrence olhava para Yarei.

Yarei balançou a cabeça em descrença, suspirando profundamente, então olhou para Lawrence. “Nesse caso, eu não tenho escolha a não ser cumprir o meu contrato.”

Ele levantou sua mão direita, e os capangas da Medio que só estavam olhando até aquele momento, tomaram posturas agressivas.

“Sinto muito que a nossa amizade foi curta, Lawrence.”

“Um mercador viajante está sempre dizendo adeus,” respondeu Lawrence.

“Vocês podem matar o homem. Tragam a garota viva.” A voz de Yarei agora estava fria, como uma pessoa completamente diferente. Os lacaios da Medio avançaram.

Lawrence segurou sua adaga na mão direita, mas ele ainda não foi capaz de dar um passo seja para frente ou para trás.

Se pudesse de alguma forma conseguir um pouco mais de tempo, a Companhia Milone ainda viria para seu socorro. Ele se agarrou a essa esperança enquanto preparava a adaga desajeitadamente.

Nesse momento, Holo colocou seus braços ao redor dele.

“H-Holo, o que você —”

Os braços finos dela o seguraram rápido, em seguida o forçaram para o chão.

Ele perguntou onde ela tinha conseguido essa força repentina, mas depois percebeu que era provavelmente porque ele não tinha mais forças para resistir.

Holo não poderia realmente suportar seu peso, então Lawrence caiu para trás pousando com os quadris. O impacto o fez soltar a adaga da mão.

Lawrence se esticou em direção a adaga e tentou se levantar, mas ele não conseguiu. Incapaz de suportar até mesmo seu braço estendido, ele caiu para frente.

“Holo... a adaga...”

“Isso é o suficiente.”

“Holo?”

Ela não deu nenhuma resposta colocando sua mão no braço estendido de Lawrence.

"Isso pode doer um pouco. Por favor suporte.”

“O qu —”

Lawrence não conseguiu proferir outra palavra antes que Holo desfizesse a bandagem em seu braço esquerdo e cheirasse a ferida exposta.

De repente, sua memória voltou. Se lembrou da conversa quando se conheceram, quando ele a fez provar que era realmente uma loba.

Ele se lembrou da resposta indiferente.

Para assumir sua forma de lobo, ela precisava de um pouco de trigo ou...

...Sangue fresco.

“O que vocês estão fazendo! Depressa, peguem eles!” Yarei gritou, e os capangas da Medio — cujo avanço foi parado por causa das estranhas ações de Holo — recuperaram seus sentidos e começaram a cercá-los.

Holo fechou os olhos, cerrou os dentes e os afundou na ferida de Lawrence.

“E-ela está bebendo o sangue dele!”

Holo abriu os olhos um pouco com o grito e olhou para Lawrence.

Ele não poderia imaginar sua própria expressão, mas Holo parecia sorrir tristemente para ele.

Afinal, só um demônio beberia sangue.

“Não recuem. Ela é apenas uma garota possuída, peguem-na!” Os gritos de Yarei não funcionaram; os homens estavam congelados em seus lugares.

Holo lentamente tirou sua boca do braço de Lawrence, sua transformação já havia começado.

“Eu sempre vou...” ela começou enquanto seu longo cabelo começava a se mexer, se transformando em pelo de animal. Seus braços, visíveis através de suas mangas rasgadas, tomaram a forma de patas de lobo.

“Eu sempre irei lembrar que você me escolheu.”

Ela limpou o sangue do canto da boca com a língua vermelha brilhante em vez de sua mão, uma imagem que marcou Lawrence.

“Lawrence...” ela disse, de pé e de frente para ele. Ela tinha um pequeno sorriso triste em seu rosto enquanto falava suas palavras finais.

“Por favor, não olhe para mim.”

O corpo de Holo cresceu rapidamente ao som de tecido rasgando, pelo marrom quase explodiu através dele. Sua bolsa de trigo caiu no chão entre os farrapos de roupa.

Lawrence automaticamente pegou o trigo em que Holo vivia. Quando olhou para cima, um lobo enorme estava diante dele.

Suas patas terminavam em garras que pareciam foices, e seus dentes eram tão grandes que a forma de cada presa era claramente visível. Parecia capaz de comer um homem em uma única mordida.

O lobo era tão enorme que o ar em torno dele estava pesado e quente — como se pudesse derreter alguém ao se aproximar. Apesar disso, seus olhos eram frios e calculistas.

Não havia como escapar.

Todos os homens no túnel chegaram à mesma conclusão ao mesmo tempo.

“Aaaaauuggh!” O único grito foi o gatilho. A maioria dos assaltantes largaram as armas e fugiram. Dois homens atiraram suas armas no lobo, em grande parte aterrorizados.

A besta moveu seu focinho habilmente, pegando cada arma de ferro e as esmagando entre suas enormes mandíbulas.

Isto era um deus.

Nas terras do norte, a palavra “deus” era usada para descrever qualquer coisa além da capacidade de um humano lidar.

Lawrence nunca tinha entendido essa definição até agora — e agora ele entendia bem demais.

Não havia nada que alguém pudesse fazer contra esse lobo. Absolutamente nada.

“Guh —”

“Qu —”

Os dois que jogaram suas armas fizeram exclamações tão sufocadas que mal eram dignas do termo.

O lobo os esmagou com sua pata enorme, em seguida, correu para a frente, parecendo quase deslizar sobre o solo.

“Nenhum de vocês vai sair daqui vivo!” Uma voz baixa e bestial ecoou.

Os sons da garra se batendo com ferro se misturaram com os gritos dos que pereciam enquanto Lawrence freneticamente tentou se endireitar.

Mas o massacre terminou em um instante.

O lobo fez uma pausa, e a voz talvez do último homem vivo se fez audível.

“D-deuses são sempre assim... sempre... injustos...” era a voz de Yarei.

Não havia resposta além do som do lobo colossal abrindo sua mandíbula.

Lawrence gritou.

“Holo, não!”

Houve um estalo, certamente as mesmas mandíbulas se fechando.

A imagem do torso de Yarei nas presas de Holo veio espontaneamente na mente de Lawrence. Era impensável que Yarei pudesse escapar. Ele era um pássaro sem chance de desviar do ataque do cão.

Mas depois de alguns momentos de silêncio, Holo virou na passagem estreita, e seus dentes não estavam manchados com sangue como Lawrence havia esperado.

Em vez disso, um Yarei, inconsciente pendia impotente em suas presas.

“Holo...” Lawrence murmurou seu nome em alivio, mas Holo simplesmente derrubou Yarei no chão e não olhou para ele.

Uma voz baixa soou.

“O trigo...”

O rosnado era adequado ao grande corpo, e Lawrence encolheu ao ouvi-lo.

Ele sabia que era Holo, mas não se conteve. Se ela olhasse diretamente para ele, não sabia se seria capaz de manter sua compostura.

A loba exigia seu temor.

“O trigo... traga ele para mim,” repetiu Holo. Lawrence assentiu e estendeu a bolsa de trigo na mão.

Só então, Lawrence sentiu uma forte pressão, e seu corpo se retraiu com isso.

Quando ele viu os lábios de Holo se curvarem sobre suas mandíbulas fechadas, ele percebeu que havia cometido um erro terrível.

“Essa é sua resposta. Agora, o trigo —”

Embora soubesse que Holo pretendia tomar o trigo e deixá-lo, as palavras dela, como se por alguma estranha magia, obrigaram seu braço a se esticar e entregar o trigo.

Mas lhe faltava força para apoiar o braço ou até segurar a bolsa.

Primeiro, a bolsa caiu de sua mão flácida no chão, em seguida, seu braço colidiu contra ele.

Ele não seria capaz de pegar novamente.

Lawrence olhou para a bolsa em desespero.

“Te agradeço por ter cuidado de mim,” disse Holo quando ela se aproximou, habilmente pegando o pequeno saco em suas enormes mandíbulas.

Aqueles olhos de âmbar não olharam uma única vez para Lawrence enquanto ela recuava um, dois, três passos, depois virou com destreza no pequeno túnel e começou a se afastar.

A cauda de ponta branca que era o orgulho e a alegria de Holo chamou sua atenção. Era magnífica, enquanto acenava tristemente e retrocedia pela passagem.

Lawrence gritou. Sua voz era tão fraca que mal podia ser considerado um grito, mas ele parecia ter usado toda a sua força restante.

“E-espere!”

Holo continuou andando.

Lawrence desprezava a si mesmo por ter recuado em sua abordagem anterior. Quantas vezes ela tinha dito que odiava quando as pessoas olhavam para ela com medo.

Mas seu corpo tinha reagido instintivamente. Os humanos não podiam deixar de temer o desconhecido, e por isso ele tinha se retraído diante de Holo.

Mesmo assim, Lawrence pensou. Mesmo assim, ele gritou o nome dela.

“Holo!!” gritou sua voz rouca.

Era inútil, ele percebeu — mas então, Holo parou.

Esta era a sua oportunidade. Se não a fizesse mudar de ideia aqui, ele nunca mais a veria novamente.

Mas o que dizer? Cenários corriam em sua mente.

Ele não podia afirmar de forma convincente que não estava com medo dela. Sua forma ainda o aterrorizava. Mas queria impedi-la. Ele não conseguia encontrar as palavras para expressar o conflito que sentia.

Sua mente trabalhava freneticamente. Sem dúvida Holo teria zombado dele por se expressar mal, enquanto tentava juntar as palavras que a traria de volta.

“Quanto... quanto você acha que as roupas que você destruiu custaram?” Foi o que ele finalmente pensou. “Eu não me importo se você é uma deusa ou não... vou fazer você me pagar! Você ganhou só setenta moedas de prata — isso não é nem perto do suficiente!”

Ele gritou com ela, tentando parecer com raiva — não, ele estava de fato, meio zangado.

Ele sabia que pedir para não o deixar seria inútil. Ele ainda estava com medo de sua forma, só poderia usar este motivo para impedi-la de ir.

O rancor que um mercador vai guardar quando tem dinheiro envolvido é mais profundo do que um vale, e um mercador cobrando uma dívida é mais persistente do que a lua no céu à noite.

Lawrence colocou tanto veneno quanto podia em suas palavras para transmitir isso.

Não estava dizendo a ela que não queria que ela fosse embora. Estava dizendo a ela que fugir seria inútil.

“Quantos anos você acha que demorei... para poupar tanto dinheiro? Vou te seguir... vou te seguir todo o caminho até o norte se for preciso!”

A voz de Lawrence ecoou através dos túneis subterrâneos por um tempo antes de finalmente desaparecer.

Holo ficou lá um tempo, então sacudiu sua grande cauda.

Ela vai se virar?

A força de Lawrence finalmente acabou, e ele desabou no chão, mesmo com o peito preenchido com uma nervosa impaciência.

Holo começou a andar novamente.

Suas patas batiam suavemente contra o piso da passagem: tupp tupp.

Lawrence sentiu sua visão ofuscar.

Eu não estou chorando, o mercador disse a si mesmo enquanto sua consciência se afundava na eternidade.



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