Volume 3 – Prólogo
Prólogo 6: Nêmesis
— Vamos logo com isso, então…
Os gêmeos ativaram suas Essências, e o ar ao redor deles pareceu vibrar com intensidade crescente.
Cada um foi envolvido por uma aura dourada que cintilava como metal aquecido, até que gradualmente seus tons verdadeiros se destacaram, tornando-se tão vivos que até os olhos de ambos passaram a refletir tais cores com um brilho sobrenatural.
Surtr foi o primeiro a se transformar por completo. Sua energia tomou um vermelho profundo entrecortado por faíscas alaranjadas, como rochas incandescentes expelidas do coração de um vulcão prestes a explodir. Sua presença emanava calor, impulsividade, ferocidade. Era fogo vivo — intenso, explosivo, sempre pronto a atacar antes mesmo de pensar.
Skadi, em contrapartida, assumia uma cor quase oposta. Sua aura clareou até se tornar um tom acinzentado quase branco, como neve recém-caída sob o primeiro raio de sol. Sua energia era silenciosa, disciplinada, calma a ponto de ser facilmente subestimada. Porém, como uma avalanche que nasce de um sussurro nas montanhas, era capaz de aniquilar tudo quando forçada a descer.
Os dois trocaram apenas um olhar antes de avançar.
Não hesitaram nem por um instante, pois sabiam que não podiam permitir que Astrid liberasse sua própria Essência. O que ignoravam — e aprenderiam da pior forma — era que a General sequer julgava necessário recorrer a tal recurso.
Agindo com perfeita sincronia, atacaram.
Skadi projetou seu corpo para frente, sua lança apontada diretamente para o coração de Astrid, mirando um golpe rápido e mortal. Surtr veio logo atrás, os machados prontos para decepar o pescoço da General em um único movimento.
Astrid, entretanto, parecia mais entediada do que pressionada.
Com um simples gesto — as costas da mão, despretensiosamente — desviou a lança de Skadi, fazendo com que a jovem perdesse o equilíbrio devido ao impacto da força bruta aplicada com uma facilidade humilhante.
Antes que Surtr pudesse completar seu ataque, Astrid avançou um único passo, saindo do alcance das lâminas como se previsse o movimento desde antes de ele existir. Então, agarrou o braço de Surtr, girando o corpo com naturalidade e o arremessando ao chão, esmagando suas costas contra a superfície de pedra da estrada.
O impacto arrancou seu ar por um momento, e o mundo ao redor pareceu girar. De olhos arregalados, Surtr viu a silhueta de Astrid aproximar-se, bloqueando sua visão com uma sombra imponente. O pé dela se ergueu, pronto para esmagar seu peito ou sua cabeça — ele não conseguia sequer distinguir qual.
— SURTR!
A voz de Skadi cortou o ar como uma lâmina.
WOOOOSH!
Em um gesto desesperado e inconsciente, Skadi estendeu a mão para o irmão, o coração disparado pelo medo de perdê-lo.
Uma magia gélida explodiu de seus dedos sem que ela sequer percebesse o que estava invocando. O chão rangeu sob a súbita queda de temperatura, cristais de gelo se espalharam pelo ar, e Surtr foi puxado para trás no exato instante em que o golpe fatal descia.
Somente então ambos perceberam o que realmente havia acontecido.
Astrid não se movia.
Todo o seu corpo, da cabeça aos pés, estava transformado em uma estátua perfeita de gelo, rígida, imóvel, bela e letal — congelada em pleno ataque.
Os gêmeos não possuíam qualquer experiência real com magia. Nunca haviam passado por treinamento específico, muito menos pisado em uma academia especializada como a AMA e, para falar a verdade, essa ideia jamais havia sequer cruzado seriamente suas mentes. Para eles, magia era algo distante, abstrato, pertencente a um mundo reservado a estudiosos, nobres ou veteranos de guerra.
Ainda assim, a Essência, quando despertada, tinha um talento peculiar para desenterrar aquilo que permanecia mais escondido dentro de seus portadores, abrindo portas que nem eles sabiam possuir.
Mesmo na ignorância, havia algo natural e instintivo naquele poder.
As magias elementares sempre foram ligadas às profundezas da alma: personalidade, ideais, emoções reprimidas, crenças, traumas antigos — tudo podia servir de canal. Era por isso que, apesar da falta de controle, não era difícil associar cada pessoa a um tipo de elemento.
O mundo já havia visto incontáveis exemplos disso: gelo, fogo, água, lava, pedra, madeira, relâmpago, vento, plantas… elementos simples e, ao mesmo tempo, profundamente simbólicos, geralmente refletindo quem o mago era por dentro de maneira quase transparente.
Porém, com o declínio dos verdadeiros praticantes de magia, o que antes era comum tornara-se quase parte de mitos e lendas. Magos eram raros, quase figuras folclóricas, e por isso qualquer manifestação elemental — por menor que fosse — já era vista como algo extraordinário, digno de reverência e temor.
Astrid, por outro lado, não via nada de especial no que acabara de acontecer.
Ela havia permitido ser atingida deliberadamente apenas para sentir o golpe, para medir sua intensidade, para avaliar o potencial de seus oponentes. Em seu íntimo, esperava algo que a fizesse mudar de expressão, algo que indicasse ameaça real ou talento acima da média.
Mas a verdade a atingiu de forma clara e imediata: o resultado a decepcionou profundamente.
TRRIIIC!
Um estalo seco ecoou pelo local enquanto sua forma congelada começava a rachar dos pés à cabeça. Lascas de gelo se desprenderam, produzindo pequenos estalidos metálicos ao tocar o chão, enquanto uma névoa fina e branca se espalhava ao redor como respiração em uma manhã gelada.
A figura de Astrid surgiu novamente por entre aquela cortina gélida, intacta, de postura ereta e olhar tão imperturbável quanto antes. Não havia surpresa em sua expressão — nem mesmo respeito. Se algo transparecia em seus olhos, era apenas enfado, quase tédio, como quem observa algo que já sabia que seria medíocre muito antes de ver.
Os gêmeos avançaram novamente, determinados a não dar descanso à General. Ainda ofegantes do esforço anterior, mas tomados por uma teimosia quase infantil, queriam provar — a eles mesmos — que não estavam tão longe do nível que almejavam alcançar.
Skadi foi a primeira a agir. Com um movimento firme, golpeou o chão com o cabo de sua lança, e o impacto reverberou pelo campo como um trovão abafado. O solo tremeu sob seus pés, e então várias cópias etéreas da arma surgiram ao redor, materializando-se bem sob os pés de Astrid.
A General teve que saltar rapidamente, como se o próprio chão estivesse tentando enfiá-la em estacas invisíveis.
Surtr aproveitou a brecha. Girando o corpo em um impulso explosivo, lançou seus machados contra Astrid. As armas cortaram o ar como dois bumerangues prateados prestes a dilacerar qualquer coisa em seu caminho.
Algo chamou atenção de Astrid.
“Ele não tinha só dois machados?”
Onde antes existiam apenas dois, agora dezesseis machados tomavam forma, como imagens espelhadas feitas de pura hostilidade. Um enxame de lâminas afiadas avançando contra seu alvo em convergência mortal.
Ao mesmo tempo, as lanças que surgiram sob Astrid ergueram-se como troncos de árvores crescendo em questão de segundos, estendendo-se de baixo para cima com a clara intenção de empalá-la no ar. Era uma combinação instintiva, mas muito eficiente: cercar o inimigo de baixo e de todos os lados.
Porém, mais do que a multiplicidade das armas, havia algo ainda mais claro para Astrid: aquelas armas eram Arcanas.
Verdadeiras obras-primas de forças equivalente às magias elementares dos magos. Isso explicava os ataques impossíveis acontecendo contra ela. No entanto, Astrid ficou com outra dúvida:
“Existem ferreiros Remanescentes capazes de criar tais armas? Ou eles apenas tiveram de adaptar seus próprios estilos de combate a elas?”
Astrid sorriu. Um sorriso breve, quase preguiçoso, carregado de certo apreço.
Enquanto as lanças e machados se aproximavam, ela apenas cruzou os braços junto ao corpo, aguardando com paciência quase irritante até que as armas estivessem suficientemente perto. Então, num movimento explosivo, abriu os braços com a maior força que seu corpo conseguia expressar.
O ar ao seu redor foi deslocado com violência.
Um estrondo seco ecoou, como uma rajada de vento comprimido se expandindo instantaneamente. A pressão gerou uma onda invisível, impulsionada pelo poder bruto de Astrid, que atingiu todas as armas simultaneamente. Lanças foram desviadas e os machados giraram no ar, perdendo trajetória antes de serem repelidos para longe.
O impacto foi tão forte que os próprios gêmeos perderam o equilíbrio, tropeçando para trás. Quase caíram, e só não o fizeram porque fincaram os pés no chão no último segundo, respirando com frustração e incredulidade.
Astrid pousou suavemente, como se a gravidade lhe pertencesse, e encarou os dois generais dos Remanescentes com a calma de quem assistia a um treino de iniciantes.
— Querem mesmo continuar com isso?
Ela recostou os braços atrás do corpo, como se já tivesse dado o assunto por encerrado, postura que transmitia algo ainda mais doloroso do que derrota: indiferença.
Os gêmeos trocaram olhares. Havia dor neles, não física, mas ego ferido — a constatação clara de que a diferença entre seus níveis era maior do que estavam preparados para aceitar.
Astrid começou a caminhar em direção a eles, tranquila, suas botas ecoando ritmadamente na superfície destruída pelo combate.
— Não tenho nada contra os Remanescentes — declarou, com sinceridade fria. — De verdade. Não faço ideia de como conseguiram atravessar a Muralha de Aranost, mas se se renderem agora, permitirei que retornem ao reino de vocês. Imagino que existam assuntos muito mais urgentes esperando lá do que aqui…
Os gêmeos ficaram perplexos. A frase os atingiu com peso dobrado.
“Ela… sabe…?”
Astrid passou por eles sem pressa, deixando-os com aquela dúvida martelando na mente.
Não parou, não os olhou novamente.
Caminhou rumo à Cenara, esperando — torcendo — que os dois escolhessem a decisão mais sensata naquele momento. Ela já havia oferecido a saída. Restava a eles aceitá-la.
— Sinto muito — disse Skadi com a voz trêmula, firme.
Surtr completou logo em seguida, sem hesitar:
— Mas existe uma pessoa…
PAH!
As mãos dos dois se chocaram com força, em um gesto tão sincronizado que parecia ensaiado desde o nascimento. O contato gerou um clarão violento, uma luz branca e dourada tão intensa que obrigou Astrid a erguer o rosto na direção deles, como se uma explosão silenciosa iluminasse o campo inteiro.
— ...que precisamos salvar — declararam, agora com uma única voz, ecoando como se falassem ao mesmo tempo.
O brilho os envolveu como uma muralha viva de energia, e seus corpos começaram a se fundir. Astrid observou atentamente enquanto músculos, linhas, pele, e até as próprias Essências de cada um eram absorvidas uma pela outra, como duas correntes sendo moldadas em um único aço.
Suas feições se misturaram com naturalidade, gerando um rosto onde traços tanto de Skadi quanto de Surtr eram visíveis, porém sem que fosse possível atribuir gênero ou origem específica.
Nasceu ali um ser andrógino, harmônico, poderoso — a representação perfeita de duas almas que jamais existiram separadas no coração uma da outra.
A lança e os machados se desfizeram em partículas brilhantes, que giraram em torno do novo corpo unificado. Em seguida, se fundiram em um único armamento colossal: um grande machado de duas lâminas opostas.
O cabo longo parecia pulsar com vida, como se gelo e fogo percorressem sua estrutura em espirais alternadas. Cada lâmina se tornou a materialização perfeita de seu portador original — uma ardendo como magma recém-expulso das profundezas, a outra gélida como uma nevasca ancestral.
Astrid não sorriu.
A aura diante dela não era mais a de dois novatos. Era o desejo absoluto de vitória. Era alguém disposto a queimar tudo que possuía, e o que não, para alcançar seu objetivo.
Sem alternativas, Astrid finalmente permitiu o despertar de sua Essência.
Seu corpo começou a brilhar timidamente, uma luz dourada dançando ao redor de sua pele como brasas sendo sopradas pelo vento. Então pequenas chamas escuras brotaram dali, ganhando forma.
Sua alma transbordou.
A Essência de Astrid se revelou em toda sua glória: fogo negro e branco, contraditório, intenso, equilibrado em uma maestria que só décadas de guerra e treinamento poderiam forjar. Era um poder que queimava com dignidade, com propósito, com uma calma que assustava mais do que a fúria.
Diante dela, o ser unificado levantou o enorme machado.
Os gêmeos — agora um só — queriam terminar tudo em um único golpe decisivo. Cada lâmina explodia em seu respectivo elemento: o lado de gelo expelia uma névoa azulada densa, repleta de minúsculos cristais que brilhavam como estrelas; o lado flamejante derramava faíscas e fumaça com fúria selvagem.
Astrid se colocou em postura de combate, pés firmes, corpo relaxado, braços pendendo como tigre prestes a dar o bote. Não recuou nem um milímetro. Apenas esperou pelo ataque iminente.
E ele veio.
Com velocidade comparável a um ataque de Impulso, o guerreiro andrógino disparou contra ela como uma flecha de pura determinação. O machado caiu em um arco mortal, pesado o suficiente para esmagar montanhas, mirando o peito de Astrid.
A General ergueu apenas um punho — um gancho perfeito, livre de hesitação, direto contra a lâmina descendente.
BOOOOOOM!!!
A colisão entre punho e aço desencadeou uma explosão que sacudiu o campo inteiro, uma onda de impacto que fez o ar vibrar como se o mundo tivesse prendido a respiração por um segundo.
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios