Volume 3 – Prólogo

Prólogo 5: Nêmesis

Astrid nunca gostou da ideia de comandar soldados, e essa aversão vinha de duas razões profundamente gravadas em sua alma. 

A primeira era, ao mesmo tempo, simples e devastadora: perder alguém. 

Não perder militarmente, não falhar em uma manobra ou recuar de uma batalha, mas perder vidas que, por mérito de seu posto, ela deveria proteger com o próprio corpo.  

Sempre acreditara que um oficial devia ser o escudo de seus subordinados, sua espada e sua esperança. E cada vez que um deles morria, cada vez que ela chegava segundos tarde demais, sentia uma parte de si ruir.  

Já não era capaz de contar quantas vezes chorara sozinha, no silêncio de sua própria cama, tentando se convencer de que não poderia estar em todos os lugares ao mesmo tempo — embora aquilo nunca a consolasse. 

A segunda razão era mais política, porém não menos dolorosa. 

Sendo a maior general do Império, Astrid possuía glória, fama e uma reputação inabalável. Porém, justamente por ocupar essa posição, perdera o direito de escolher aqueles que serviriam sob suas ordens.  

O Conselho, os Nobres, e principalmente o Bispo, insistiam em enviar para o seu comando apenas soldados ligados a famílias influentes, nobres que precisavam de cargos altos para alimentar ambições políticas. 

Na prática, isso significava receber homens arrogantes, corruptos, prepotentes e com caráter distorcido. 

Astrid os desprezava profundamente. Não apenas por serem indignos, mas porque o Bispo fazia de tudo para enfiar em suas mãos nomes que ele, e seus aliados, pudessem manipular e utilizar como moeda política. 

Ainda assim, mesmo negando repetidas vezes, fora forçada a aceitar um mínimo: um destacamento pessoal. 

E que grupo lamentável fora aquele. 

Soldados de armaduras negras, figuras sombrias e silenciosas que, por algum motivo, demonstravam hostilidade sem motivo aparente. A única “vitória” era que, após um aviso firme, jamais voltaram a falar perto dela. 

Pior ainda fora descobrir a origem de um deles. Quando soube como aquele homem havia sido colocado ali, Astrid quase perdeu o controle completamente. Se não fosse a intervenção direta de Varelith, o Bispo e seus cúmplices teriam sido amaldiçoados — talvez até mortos — naquela mesma noite. 

Nos meses que se seguiram, algo inesperado aconteceu. 

Alguns jovens sobreviventes do Incidente dos Descendentes cruzaram seu caminho. Astrid, tocada pela dor deles e pelo potencial que enxergou, conseguiu recrutá-los dois deles. Fora uma pequena vitória, uma vitória amarga. 

Os demais acabaram morrendo.Reforçando a sensação de que, mesmo quando vencia, nunca era o suficiente. 

Mas agora, não poderia pensar nesses fatos. 

Nolan revelara-se um traidor. 

E o Metamorfo estava novamente em Cenara. 

Seu destacamento seria usado. 

Partiram naquele mesmo dia. 

Sem grandes preparativos, sem discursos, sem formalidades. Apenas o necessário para manter seus corpos de pé. Marcharam como quem sabia que o tempo era o inimigo. 

Ainda assim, chegaram com atraso. Um único dia de atraso. 

Kenshiro e Erina já haviam deixado Cenara quando Astrid alcançou os portões. 

Antes de entrar, ordenou que seu destacamento permanecesse a uma distância segura. Não queria chamar atenção, não antes de saber o que realmente estava acontecendo na Cidade Central do Império. 

Mas enquanto caminhava pela estrada principal, algo começou a incomodá-la profundamente. 

Nas rotas oficiais de entrada da Cidade Central, havia sempre guardas distribuídos em intervalos estrategicamente calculados. Equipes de checagem, fiscais de trânsito, patrulheiros de segurança, e ela não encontrou nenhum deles. 

No começo, tentou acreditar que era apenas coincidência, talvez uma mudança de turno, talvez um descuido temporário. No entanto, quando chegou ao grande portão da capital e não encontrou sequer um soldado responsável pela inspeção de entrada e saída… 

— Onde está o restante dos seus homens, General? 

A voz que chegou aos ouvidos de Astrid era jovem, masculina, carregada de um tom quase provocador, como alguém que se divertia mais do que deveria ao questionar uma das pessoas mais perigosas do continente. 

Astrid não se abalou. Apenas sorriu, de um jeito sereno e quase elegante, como quem já compreendia perfeitamente o rumo da conversa antes mesmo de ela começar. O frio do vento pareceu soprar de encontro ao seu rosto quando duas figuras surgiram pelas laterais do portão da cidade. 

Eram jovens, claramente não mais velhos que trinta anos, porém com a postura firme, confiante e de quem já havia matado muitas vezes. Vestiam trajes militares distintos, decorados com símbolos e cores que remetiam às Geleiras, aos Remanescentes. 

Gêmeos. 

Idênticos no olhar, no porte físico e na maneira altiva de caminhar. 

Astrid os reconheceu de imediato. 

— Surtr e Skadi — cumprimentou, levando uma mão ao peito em saudação militar simples, respeitosa. — Admito que não esperava encontrar dois generais dos Remanescentes tão longe de seu território. Apesar que — Seu olhar afiado brilhou por um instante —, isso explica muita coisa sobre o comportamento recente de Nolan. 

Skadi deu um leve passo à frente. Seus olhos claros, quase glaciais, encaravam Astrid sem piscar. 

— Responda nossa pergunta — ordenou a jovem, com a voz fria como lâminas de gelo. 

Astrid manteve o sorriso educado, mesmo sentindo o peso estratégico daquela exigência. 

— Eles estão um pouco mais atrás — respondeu, tranquila e sincera, como se aquela informação não tivesse qualquer importância. — Prefiro resolver meus assuntos pessoalmente antes de colocá-los em risco. Agora — Cruzou os braços com leveza, inclinando levemente a cabeça. —, é a vez de vocês responderem. Por que vieram? 

Surtr avançou um passo, colocando-se ao lado de sua irmã. Seu tom era menos formal que o dela, mais afiado, quase insultuoso: 

— Não temos “assuntos” com você. Apenas nos leve até o seu destacamento. Faça isso e não teremos problemas. 

Astrid inspirou lentamente, forçando-se a manter a postura impecável. Ela podia esmagá-los ali mesmo se quisesse. Entretanto, lutar tão perto dos muros da Cidade Central, com civis e edifícios vulneráveis, seria irresponsável. 

Precisou engolir a irritação que crescia. 

— Está bem — respondeu ela, enfim, com um sorriso cortês que, no fundo, era apenas uma máscara para a irritação. — Se é isso que desejam, acompanhem-me. 

Deu meia-volta, passos firmes ecoando na pedra. 

Surtr e Skadi a seguiram imediatamente, confiantes, quase relaxados demais para quem caminhava atrás de dela. 

Astrid, porém, não se permitia relaxar. 

Sabia que aquilo não terminaria em paz. 

Apenas precisava escolher o melhor palco para o conflito — e não seria ali dentro dos portões da cidade. 

(...) 

Astrid caminhou em silêncio pela estrada de pedra, o vento frio roçando seus cabelos e fazendo seu uniforme ondular como um estandarte de batalha.  

O peso da cidade silenciosa atrás dela se misturava ao pressentimento de que aquela conversa não terminaria de forma pacífica. Os dois gêmeos a seguiam de perto, suas botas marcando o ritmo constante sobre o solo, como se marchassem para uma execução já anunciada. 

Ela só parou ao alcançar o primeiro posto de checagem — uma pequena estrutura de fiscalização, onde patrulhas deveriam estar registrando quem entrava e saía da Cidade Central. Estava completamente vazio, abandonado como se ninguém ousasse cumprir seus deveres ali havia dias. 

Astrid olhou ao redor com absoluta certeza de que ninguém apareceria por acidente. Então, lentamente, virou-se para os gêmeos. 

— Aqui está bom — declarou, sua expressão mudando como uma lâmina que finalmente encontra o ânimo para ser desembainhada. Seus olhos endureceram, e com eles o ar ao redor. — Vocês querem meu destacamento? Muito bem. Mas eu quero o grupo que estava com Nolan. Vamos fazer essa troca. 

— Sabemos dos acordos que fez com Nolan, General — disse Skadi, mantendo a frieza que a neve forjara em si. — Mas isso não será possível. 

Astrid ergueu uma sobrancelha. 

— Por que não? 

Quem respondeu foi Surtr, com um tom quase entediado, como se estivesse apenas relatando um pequeno inconveniente e não discutindo vidas e consequências: 

— O grupo de Fox partiu nesta madrugada. No processo, eliminaram alguns guardas que tentaram pará-los. Tentamos mantê-los ocupados com promessas vagas, mas parece que você se atrasou. 

Astrid fechou os olhos por um breve segundo e inspirou devagar. Não estava surpresa. Já tinha ciência de que não os encontraria ali, mas precisava de ao menos um ponto de partida, um vestígio, qualquer coisa concreta para acelerar sua caçada. 

— Vocês estiveram com eles por dias — afirmou, sua voz agora carregada de autoridade e frustração. — Algum sinal, uma direção, uma pista… qualquer coisa que indique para onde eles foram. 

— Não temos nada para você, General — responderam em uníssono, como se fossem apenas duas vozes falando pela mesma mente — Agora, o seu destacamento. 

Astrid soltou o ar de maneira lenta, aceitando a resposta como quem já sabia que seria assim.  

Quase sentia o peso de sua mãe, Varelith, observando-a através de sua alma. 

Anastasia e suas irmãs teriam de procurá-los por conta própria, vasculhando estradas, trilhas e vilas abandonadas por tempo indeterminado. Um trabalho cansativo, perigoso, inevitável. 

Por outro lado, Astrid tinha outra prioridade. O Metamorfo estava ali, em Cenara, envolvendo pessoas inocentes, usando soldados, manipulando através da forma de Nolan.  

Isso não podia continuar. 

— Preciso saber o que aconteceu com Ajax e os homens dele — disse ela, direta, sem rodeios. 

Os gêmeos permaneceram em silêncio por um momento. Não negaram, não explicaram — apenas olharam um para o outro, e então suas mãos foram direto às armas. 

Surtr ergueu seus dois machados, lâminas largas e marcadas por runas antigas, cada uma ardendo como fogo vivo, como um vulcão em erupção. Skadi, por sua vez, girou sua lança com graça e precisão mortal antes de firmá-la na posição de combate. 

Era a resposta. 

Mais morte que não conseguira evitar. 

Astrid apenas soltou outro suspiro — quase cansado, quase desapontado, ainda firme como aço. 

— Vamos logo com isso, então… 

Não havia mais diplomacia possível. 

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