Volume 3 – Prólogo
Prólogo 4: Nêmesis
Começaram a correr pelos corredores em disparada, e o som das botas ecoava nas paredes de pedra como tambores de guerra.
Astrid avançava quase como uma flecha disparada, o corpo fluindo com precisão militar, mas forçando-se a conter a própria velocidade. Era necessário que Nolan conseguisse acompanhá-la — ainda que cada fibra de seu corpo gritasse para arrancar tudo do caminho e chegar primeiro.
Mas, dentro de si, Astrid sabia com uma certeza amarga e sufocante:
Eles já estavam atrasados. A morte fora mais rápida.
Mais guardas viriam para a cena, ela sabia muito bem disso. Em poucos minutos, o local estaria lotado de armaduras, curiosos e oficiais tentando organizar a desordem. Se quisesse entender o que havia acontecido, precisava observar antes que o caos tomasse tudo. Precisava ver com seus próprios olhos, enquanto ainda fosse possível arrancar pistas do silêncio.
Quando chegaram à porta dos aposentos, não hesitaram nem por um segundo. Nolan empurrou com força, Astrid já preparada, e a porta bateu contra a parede com estrondo.
O que viram do outro lado fez até a guerreira endurecida sentir gelo percorrer a espinha.
Mãe e filha. Mortas.
Estendidas no chão, os corpos enregelados como mármore, o quarto transformado em um santuário de pesadelo. Era uma visão que congelava a respiração: a mulher, tombada de lado, como se tivesse lutado até o último instante para proteger a criança; e a menina, pequena demais, frágil demais, completamente imóvel.
— NÃÃÃOOOO!!! — o grito de Nolan cortou o ar como uma lâmina partida.
O mago caiu de joelhos tão rápido que o corpo inteiro tremeu sob seu próprio peso. Avançou vacilante, agarrou as duas com desespero e apertou-as nos braços, como se abraçá-las com força suficiente pudesse chamá-las de volta. Como se calor humano fosse capaz de competir com a frieza da morte.
— Não, não, não, não... — ele repetia sem ar, o rosto esmagado contra os cabelos da filha, as mãos trêmulas, a dor subindo como uma torrente que rasgava de dentro para fora. — Não...
Astrid observou em silêncio; era um silêncio pesado, militar, frio, que só alguém acostumada a conviver com perdas profundas conseguia sustentar.
Ela sentia pesar — sentia de verdade —, mas não podia se permitir o luxo de mergulhar nele.
Ainda havia algo a ser feito.
E, mesmo com o coração franzido diante da cena, Astrid não perdeu tempo. Avançou lentamente pelo aposento, seu olhar treinado passando por cada detalhe: posição dos corpos, marcas no chão, sinais de resistência, vestígios de sangue, qualquer coisa que denunciasse o assassino ou suas intenções.
Observava enquanto ainda podia.
Porque logo, muito em breve, o lugar seria tomado por soldados, burocratas, autoridades — e cada novo par de botas sujaria pistas valiosas.
Astrid tinha apenas alguns instantes.
E ela sabia que precisaria aproveitar cada um deles.
Ambas estavam cobertas por cortes profundos, distribuídos pelo corpo como marcas de tortura metódica. Não eram ferimentos que sugerissem luta ou resistência eficiente — eram lacerações cruéis, calculadas, destinadas a fazê-las sangrar até que a vida se esvaísse, lenta e dolorosamente. O quarto inteiro parecia ainda pulsar com o eco do sofrimento que haviam suportado.
Astrid rapidamente percebeu que os cortes não tinham sido causados por lâminas ou qualquer arma física. Nenhuma faca, espada ou objeto semelhante seria capaz de produzir feridas com aquele padrão irregular, translúcido e ao mesmo tempo abruptamente preciso. Tudo naquela cena apontava para magia — e magia cruel, usada de forma perversa como instrumento de tortura.
A general respirou fundo, enchendo os pulmões com ar carregado de cheiro metálico de sangue. Forçou-se a ignorar o gosto amargo que parecia se infiltrar na boca, o misto de ferro e morte que impregnava o ambiente. Precisava manter o controle. Precisava pensar.
E, mesmo contra sua vontade, permitiu que aquele odor pesado e entranhado se espalhasse por suas narinas. No meio dele, conseguiu captar algo a mais — quase imperceptível, sutil, escondido como um sussurro atrás da tragédia.
Resquícios de magia.
A energia não era intensa, mas estava ali, impregnada no ar, gravada nas paredes, vibrando como um eco residual de algo que já se dissipava. A força mágica que fora utilizada não tinha sido pequena.
Astrid caminhou um pouco mais, o olhar aguçado analisando cada centímetro do quarto. E então percebeu:
— Um campo mágico... — murmurou para si mesma.
Alguém havia erguido uma barreira naquele aposento — uma espécie de domo silencioso e absoluto. Aquele feitiço havia sido criado para impedir que qualquer som escapasse. Gritos, pedidos de socorro, choro, agonias, tudo estava condenado a morrer ali dentro, sufocado pelas paredes invisíveis daquele maldito feitiço.
O responsável havia planejado tudo.
E pior que planejar — tinha aproveitado.
Era possível deduzir pelo cuidado cruel dos ferimentos, pela forma calculada como a magia fora empregada, que quem fizera aquilo se divertira até o último segundo.
Astrid se agachou para analisar o corpo da mãe, mas assim que estendeu a mão, Nolan a puxou bruscamente, agarrando o corpo morto com o instinto selvagem de um animal acuado. Seus olhos, iluminados pelo mais puro ódio e pela dor que o estava despedaçando vivo, se cravaram nela como facas.
Astrid não recuou. Não porque fosse insensível, mas porque não podia perder tempo.
Ela já havia visto dor demais na vida. O olhar de Nolan não era novo — apenas mais uma ilustração do que a guerra fazia com as pessoas quando arrancava delas aquilo que amavam.
Ainda assim, ela compreendia.
Não precisava continuar examinando-as para saber tudo o que haviam sofrido. Já estavam mortas. E qualquer resposta emocional não traria suas vidas de volta. Astrid era prática — talvez fria —, mas essa frieza permitia que enxergasse o cenário com clareza.
E foi então que algo chamou sua atenção.
Um detalhe que alguém menos experiente jamais perceberia.
Ela inalou fundo e distinguiu, no meio do ar pesado, um rastro que não deveria estar ali. Não era perfume, nem resina, nem sangue. Era algo mais primitivo, involuntário.
Feromônios.
Era ridículo, mas real. Um rastro biológico, denunciando o autor daquele massacre:
— Foi um homem — concluiu Astrid num sussurro distante.
Astrid se endireitou e continuou analisando o ambiente. Foi então que percebeu outra ausência gritante:
A bolsa de Nolan não estava ali.
Uma pessoa comum não seria capaz de fazer o que fora realizado naquele quarto. Mesmo magos medianos, com anos de estudo formal, teriam dificuldades para erguer um campo de silêncio tão poderoso e, além disso, conjurar feitiços ofensivos simultâneos, especialmente com essa precisão cruel.
A resposta era óbvia.
E Astrid, sentindo o estômago contrair em uma raiva silenciosa, já começava a deduzir quem poderia estar por trás daquele inferno.
— O Metamorfo veio para cá — declarou Astrid, a voz fria como gelo recém-formado. — Teve a sorte de se infiltrar em um dia em que eu não estava presente...
Nolan não levantou o rosto. O corpo inteiro tremia sobre as duas que amava, e cada palavra de Astrid era como sal derramado sobre uma ferida aberta.
— Fique quieta... — pediu ele, num fio de voz rouco, estrangulado pelo choro.
Astrid não se deteve.
— Assumiu a forma de um guarda e aguardou o momento perfeito. Conteve seus desejos assassinos pelo tempo necessário e, quando enfim teve a oportunidade, extravasou tudo.
— Fique quieta.
Era quase um aviso, mas fraco, sem força. Apenas um homem desesperado tentando se proteger de palavras mais dolorosas do que qualquer magia.
Astrid prosseguiu, implacável:
— É uma pena que você tenha se enganado. Dizer que o metamorfo tinha assumido a forma de Ajax… se soubéssemos a verdade, teríamos reforçado a segurança de todas as cidades e estradas e, claro, nada disso teria acontecido.
— Fique quieta!
O grito de Nolan veio engasgado, a voz rasgando a garganta, mas Astrid nem piscou. Ela continuou se aproximando, olhos fixos nele como lâminas afiadas examinando a verdade.
— Mas... será que você realmente se enganou? Ou estava apenas mentindo desde o começo?
Nolan apertou ainda mais os corpos, como se pudesse protegê-los agora, quando já era tarde demais.
Astrid inspirou, sentindo outro detalhe no ar, e então concluiu em voz baixa, porém clara:
— O cheiro do teletransporte... não foi para a AMA, não é?
Esse foi o ponto de ruptura.
— FIQUE QUIETA!!!
Nolan se levantou com um movimento explosivo, o rosto distorcido pela dor, raiva e culpa. A mão direita, antes coberta pela luva, foi revelada — e na palma, uma marca mágica cicatrizada brilhou como se tivesse sido gravada em ferro quente.
Era um selo permanente.
Ele não precisava de pergaminhos. Nunca precisou.
E naquele instante, todos os sentimentos acumulados — dor, desespero, perda, impotência — se transformaram em magia.
O corredor atrás deles ganhou vida com o som de passos apressados. Os guardas finalmente chegavam e, ao verem a cena, enxergaram Nolan apontando magia contra Astrid.
Aos olhos deles, ele era o agressor.
Uma chama surgiu à frente da palma de Nolan, pequena no começo — uma centelha, um estremecer no ar —, mas rapidamente se tornou uma esfera de fogo incandescente, cuspindo calor e fumaça.
Boom!
A bola de fogo foi disparada, cortando o ar e iluminando o quarto com um clarão alaranjado. As paredes tremeram com o impacto e parte do piso rachou com o calor bruto da explosão.
Astrid, mesmo pegando todos de surpresa ao não contar com a capacidade de Nolan invocar magia sem preparação, moveu-se como um felino treinado para sobreviver desde o nascimento. Desviou com facilidade, o corpo girando para o lado com elegância quase dançante, o fogo passando a poucos centímetros dela e explodindo contra a parede atrás.
Mesmo diante daquele ataque inesperado, o olhar de Astrid permaneceu firme. Nada de surpresa, nada de espanto.
Apenas a confirmação fria de que agora, naquele quarto impregnado de tragédia, Nolan havia acabado de cometer o pior erro de sua vida.
Os soldados congelaram na porta, olhos arregalados, incapazes de acreditar no que estavam presenciando. A lendária General Astrid — o mito vivo que inspirava histórias dentro e fora do exército — estava prestes a lutar.
E ela percebeu suas atenções.
— Todos vocês — ordenou, apontando para os soldados —, virem de costas, e não ousem olhar para trás.
Era uma ordem que nenhum deles queria obedecer — afinal, estavam a um passo de ver algo que poucos no mundo já viram —, mas ainda assim nenhum contestou.
De cabeças baixas, visivelmente frustrados, viraram-se como crianças castigadas e aguardaram.
SNAP!
Com um simples estalar de dedos, o ar no quarto mudou. Nolan olhou para a porta e viu uma barreira mágica surgir como névoa sólida, tomando forma em tons de cinza escuro, como fumaça comprimida transformando-se em pedra.
Astrid falou, o sorriso no rosto mais parecido com uma sentença do que com alegria:
— Você não é o único capaz de utilizar magias, Nolan. Magia elementar pode ser mais simples de manipular... mas contra mim? Totalmente inútil.
Nolan, com movimentos lentos, quase reverentes, depositou sua filha e sua esposa no chão, cuidando para não tocá-las com pressa ou brutalidade. Cada gesto dizia o que suas palavras jamais conseguiriam expressar:
A dor estava matando-o.
Então ele se levantou, tirando a segunda luva. Na palma desta mão, outra marca mágica cicatrizada, assim como a primeira.
E agora, sem família para proteger e sem nada a perder, a morte — fosse a dele ou de Astrid — finalmente parecia um destino desejável.
— Criou uma barreira para que não escutassem nossa luta? — perguntou, ajeitando a postura, a voz quase calma demais, como se a mente já tivesse passado da dor para o entorpecimento.
Astrid respondeu com a frieza calculada de uma cirurgiã:
— Quase isso. Apenas nossas vozes estão silenciadas, e, neste momento, as únicas coisas aqui dentro que podem causar algum dano... somos eu e você. Este quarto está seguro. Elas não serão atingidas.
Mesmo dilacerado, Nolan sentiu um lampejo de gratidão, preferindo sufocá-lo antes que saísse.
Ele se colocou em posição de combate. Ombros tensos. Olhar morto. Determinado a lutar, mesmo que o único objetivo fosse descarregar o inferno dentro do peito, e quem sabe, no final, ser levado com ele.
Astrid então expirou devagar, inclinando o queixo para o lado.
CRAC.
O estalo seco ecoou na sala como o anúncio de que a guerra estava prestes a recomeçar.
Ela virou o pescoço para o outro lado, mas desta vez usando a mão para empurrá-lo:
CRAC.
Então estalou os dedos, girou os ombros, e encarou Nolan com a tranquilidade de alguém que já matou monstros muito piores do que homens.
— Agora sim.
Estava pronta para lutar.
(...)
Os soldados permaneciam em absoluto silêncio, imóveis como estátuas, mas seus corpos tremiam de pura empolgação contida. Estavam assistindo — mesmo de costas — algo que jamais esqueceriam.
O impacto dos golpes reverberava pelos corredores como trovões subterrâneos.
Explosões mágicas abafadas estremeciam as paredes, iluminando fugazmente as frestas da barreira escura que envolvia o quarto. Era possível ouvir o ar sendo rasgado por projéteis de mana, ouvir o estalar de múltiplas defesas se desfazendo, e, principalmente, o som seco dos punhos de Astrid se chocando contra Nolan, vez após vez, como martelos destruindo pedra.
E cada vez que Nolan era atingido, um som gutural escapava — não um grito, mas um sopro desesperado, como se o ar estivesse sendo arrancado de seus pulmões à força:
— Hff…!
O tipo de som que um homem só faz quando já passou do limite do que é suportável.
Os soldados queriam gritar, urrar, vibrar como crianças assistindo uma peça heroica… mas tinham ordens. E nenhum deles ousaria contrariá-la.
Um último impacto ecoou, tão forte que os soldados, mesmo virados de costas, sentiram a espinha gelar e os joelhos tremerem. Depois disso…
Silêncio absoluto.
Um silêncio tão profundo que parecia antinatural, como se todo o palácio estivesse prendendo a respiração.
Então a voz de Astrid atravessou o silêncio como uma lâmina:
— Podem se virar agora.
Eles não hesitaram. Giraram imediatamente — e pararam, chocados com a cena.
Astrid estava de pé sobre Nolan, um pé firmemente apoiado em seu peito, como se esmagasse um inimigo derrotado em um campo de batalha. Nolan estava imóvel, caído de costas, sangrando, arfando de forma fraca, quase morto.
Era difícil decidir o que era mais inacreditável:
O fato de Astrid não ter um único arranhão, nem um fio de cabelo fora do lugar. Ou o fato de o quarto quase impecável, sem uma rachadura, sem um móvel quebrado — apenas a primeira bola de fogo parecia ter causado algum dano.
E Nolan parecia destruído.
Sua roupa estava rasgada em diversos pontos, perfurada por golpes precisos, que pareciam mais buracos de lâmina do que socos. Seu corpo tremia involuntariamente, sinal de que o pouco de magia que lhe restava estava tentando mantê-lo vivo.
Astrid ergueu o olhar, completamente serena, e deu ordens como se estivesse discutindo logística de cozinha:
— Chamem os melhores médicos do palácio. Quero ele vivo para cumprir sua sentença e…
Ela desviou o olhar, por um segundo, para as duas figuras sem vida no chão — mãe e filha — semelhantes a flores arrancadas antes de florescerem.
— ...quero que essas duas tenham um enterro digno. O melhor possível, considerando — Sua expressão endureceu —, que o pai seja um traidor.
Uma única lágrima escorreu pelo canto do olho direito de Nolan, como se sua alma estivesse chorando mesmo enquanto o corpo lhe negava movimento.
Astrid não voltou atrás.
Virando-se, deixou o quarto sem pressa, com passos decisivos.
Mas antes de desaparecer pelo corredor, continuou sua fala, adicionando a última ordem:
— E chamem meu destacamento pessoal!
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