Volume 3 – Prólogo
Prólogo 3: Nêmesis
— Senhor Nolan, é uma honra receber você e sua família!
O soldado quase tropeçou em suas próprias palavras ao anunciar a chegada do mago.
Nolan surgira no salão através de um portal que ainda se desfazia no ar como fragmentos de luz azulada. O cheiro de magia recém-ativada pairava no ambiente, misturado ao ar frio do palácio.
A julgar por sua expressão cansada, mas vitoriosa, sua missão em Cenara havia sido concluída com sucesso. Ao seu lado, estavam sua esposa e filha — ambas antes aprisionadas por Ajax, agora finalmente livres.
Nolan mal olhou para o soldado. Seus olhos pareciam focados em algo muito além daquele corredor de pedra, como se a mente ainda estivesse travada em batalhas recentes ou em decisões perigosas que precisariam ser tomadas em breve.
— Preciso conversar com Astrid — disse secamente, a voz baixa, carregada de urgência. — Trate de levá-las até os meus aposentos.
— Sim, senhor! — respondeu o soldado, batendo continência com um gesto firme.
Antes de se afastar, Nolan voltou-se para sua família. Seu rosto, antes tenso, suavizou-se ao se aproximar delas.
Depositou um beijo delicado nos lábios da esposa, como quem implorava silenciosamente por perdão por todas as ausências que ainda precisaria ter. Em seguida, abaixou-se até ficar na altura da filha, envolvendo-a num abraço apertado, desesperado e cheio de saudade.
— Volte logo, papai!
A voz infantil, carregada de esperança, quase fez o coração de Nolan vacilar.
— Eu irei, minha flor — garantiu, tocando de leve o nariz dela com carinho. — Só tenho que acertar alguns detalhes com uma moça.
A menina o encarou com curiosidade genuína, olhos brilhantes.
— Ela é legal?
O sorriso de Nolan vinha acompanhado de uma sombra de preocupação que apenas adultos notavam.
— Muito legal! É uma velha amiga do papai. Nós fizemos um combinado e logo estaremos na nossa cabana de verão.
A menininha deu um gritinho de alegria, como se toda aquela situação pudesse se reduzir simplesmente a uma viagem em família.
Nolan a abraçou uma última vez — um abraço longo, daqueles que revelam medo de que o futuro não permita outro igual.
Então permitiu que o guarda conduzisse sua esposa e filha pelo corredor, desaparecendo ao virar a primeira curva do palácio.
(...)
Respirando fundo, ele ajeitou a postura, alisando a túnica amarrotada e mentalizando firmeza. Tinha de parecer controlado — ou pelo menos mais controlado do que estava por dentro.
Seus passos começaram a ecoar pelo corredor de pedra cinzenta do palácio imperial, iluminado por tochas presas em suportes dourados. Cada clarão laranja lançava imagens oscilantes nas paredes, como se o próprio castelo observasse silenciosamente seus segredos.
Ele sabia exatamente para onde ir.
Conhecia bem o hábito de Astrid — era raro encontrar um momento em que ela estivesse disponível para conversar, já que costumava passar semanas longe da Capital. Ainda assim, ela havia informado com antecedência os dias em que estaria presente; dias que Nolan precisaria escolher com sabedoria para resgatar sua família e trazê-la de volta à Capital.
Exatamente como haviam planejado.
Ainda assim, o simples pensamento de reencontrá-la fez seu coração acelerar. Não por medo de Astrid, mas pelo risco envolvido.
Era quase certo que ela já soubesse de sua chegada ou, no mínimo, estivesse preparada — como sempre acontecia.
Nolan tinha a impressão de que a General sabia muito mais do que deixava transparecer.
Tentava manter o rosto composto, mas o suor já começava a se formar em sua testa, traindo sua ansiedade. Levou a mão à face na tentativa de enxugá-la discretamente, e o gesto acabou por denunciar ainda mais seu estado.
Ele não podia permitir que Astrid percebesse seus planos. Não agora. Não antes da hora.
Cada passo em direção à sala onde ela o aguardava parecia mais pesado que o anterior — como se a própria pedra do castelo tentasse alertá-lo, lembrando-o de que aquela conversa talvez pudesse decidir destinos maiores do que ele próprio estava pronto para encarar.
(...)
Quando finalmente chegou até a sala, Nolan parou diante da porta como se ela fosse um obstáculo de outra natureza.
Ficou ali por alguns segundos, imóvel, encarando a madeira escura e robusta como se ela pudesse revelar o que o aguardava do outro lado. O corredor atrás dele estava silencioso, e o ar era tão pesado que parecia excluir qualquer possibilidade de recuo.
Respirou fundo uma, duas, três vezes, tentando manter o coração sob controle.
Quando reuniu coragem e estendeu a mão para girar a maçaneta, a porta se abriu antes mesmo que pudesse tocá-la.
Astrid surgiu, ereta, impassível como sempre, mas com um sorriso discreto e, de certa forma, acolhedor pintado no rosto.
— Senhor Nolan — cumprimentou, sua voz carregando um tom profissional, quase elegante. — Eu já estava indo buscá-lo. Pensei que havia se esquecido de como funciona esse... labirinto detestável.
O mago deixou escapar um sorriso envergonhado, movendo os dedos nervosamente ao longo de sua túnica, como se buscasse uma desculpa para sua demora.
— A despedida da minha família foi um pouco mais demorada do que eu queria. Lamento.
Astrid ergueu uma das sobrancelhas, seu sorriso permaneceu intacto.
— Não por isso! — respondeu com naturalidade, abrindo ainda mais a porta e fazendo sinal para que ele entrasse. — Eu entendo perfeitamente. Por favor, entre.
Nolan obedeceu, passando por ela e adentrando a sala de estratégia.
O ambiente era imenso, maior do que muitas sequer imaginavam, e projetado especificamente para discussões de guerra.
Era ali que decisões que mudavam o destino de nações eram tomadas.
O teto alto sustentava lustres pesados, e a iluminação dourada refletia nas centenas de peças militares expostas. Havia estantes abarrotadas de livros e pergaminhos, estatuetas de batalhas passadas, brasões de unidades extintas e instrumentos usados para cálculos que nenhum civil saberia interpretar.
Dominando o centro da sala havia uma enorme mesa de madeira escura, comprida o suficiente para comportar todos os generais de uma campanha militar.
Espalhados sobre sua superfície haviam dezenas de mapas menores, notas e relatórios, mas o que realmente chamava a atenção era o grande mapa do Continente — um modelo amplamente detalhado e sofisticado, mostrando cada rota, cada cidade, cada ponto de fronteira com precisão que nenhum outro teria.
Este mapa, repetia-se algumas vezes em alguns intervalos sob a extensa mesa. Desta forma, cada um poderia permanecer em seu lugar para analisá-lo.
Astrid entrou logo atrás dele, movendo-se com o mesmo controle e postura que sempre exibia, como se a sala inteira lhe pertencesse por direito. Sem qualquer cerimônia ou formalidade exagerada, sentou-se na cadeira mais próxima da mesa — sua cadeira — e aguardou, silenciosa, que Nolan tomasse o lugar diante dela.
O mago acomodou-se lentamente, sentindo cada músculo de seu corpo protestar. A cadeira era firme e confortável, mas, apesar disso, ele não conseguia relaxar por completo. Tinha consciência absoluta de que aquele momento poderia ser decisivo.
Astrid cruzou as pernas e apoiou as mãos sobre a mesa, olhando-o fixamente. A expressão dela era serena, mas seus olhos revelavam uma vigilância constante, como se conseguisse analisar cada resquício de dúvida que ele tentava esconder.
O silêncio inicial não foi desconfortante — parte natural de encontros como aquele.
Mas Nolan sabia que cada segundo que passava ali o deixava mais perto da inevitável pergunta que Astrid faria. E, acima de tudo, sabia que precisava manter o controle para que ela não descobrisse nada antes da hora.
— E como andam as coisas? Nosso pequeno problema com o Metamorfo está nos conformes? — perguntou Astrid, cruzando lentamente os dedos à frente do rosto e apoiando o queixo sobre eles.
O gesto era simples, transmitia total domínio da situação. Seus olhos atentos, cor de mel em chamas, pareciam analisar cada mínimo movimento de Nolan.
— Mais ou menos — respondeu ele, a voz ligeiramente vacilante.
Astrid arqueou uma sobrancelha.
— Para mais ou para menos?
A pergunta soou calma, Nolan sentiu como se uma espada estivesse apoiada contra sua nuca. Coçou a cabeça, tentando ganhar tempo. O olhar dela não piscava, estudando-o como se pudesse abrir seu corpo e examinar seus pensamentos por dentro.
Ele sabia que precisava escolher as palavras com extremo cuidado. Qualquer deslize seria fatal para seus planos.
— Ajax — começou, corrigindo-se quase de imediato —, quero dizer, o Metamorfo, ainda está sob a forma do Herói de Aranost. E como você deduziu, isso foi o suficiente para convencer Silas Teslas a me enviar Fox e Soren Ignar. Entretanto, mais um mago acabou sendo enviado junto...
Astrid inclinou ligeiramente a cabeça, interessada.
— Excelente. E quanto ao outro mago, quem seria?
Nolan respirou fundo, sentindo o estômago contrair.
— Vaelis Froster.
Astrid franziu levemente os lábios, como se procurasse em sua memória.
— Uma maga de gelo, suponho.
— Correto.
Houve um breve silêncio.
Astrid fechou os olhos — não por desinteresse, mas porque estava absorvendo cada palavra, tecendo raciocínios rápidos demais para serem acompanhados.
Nolan aproveitou esse instante para fechar os punhos sob a mesa, tentando drenar parte da tensão que latejava em seus braços. Sua respiração estava presa no peito desde o momento em que entrara na sala, agora o aperto parecia maior.
A general falou ainda sem abrir os olhos:
— Ainda fico muito curiosa sobre a localização de AMA. Mesmo sendo convidada, Silas me colocou sob algum tipo de feitiço, impedindo que eu percebesse qualquer coisa ao redor da arquitetura da Academia.
Nolan fez um leve movimento com os ombros, quase um reflexo de defesa.
— É um procedimento padrão. Não podemos revelar a localização para nenhum estrangeiro, mesmo nossos aliados...
Astrid finalmente abriu os olhos, encarando-o com a mesma intensidade meticulosa de antes. Era como se aquele simples ato já denunciasse o que ela havia percebido.
— E mesmo assim, o senhor me contou sua localização. O fundo do mar, não é?
Nolan engoliu em seco.
— Sim, General Astrid.
Ela libertou as mãos lentamente, apoiando-as na grande mesa de estratégias.
Sem desviar o olhar, começou a analisar o enorme mapa do Continente estendido à sua frente. Era quase possível sentir a pressão psicológica que ela aplicava sobre Nolan apenas com a postura.
Ele engoliu seco novamente, sentindo o suor formar-se outra vez na testa.
— Poderia apontar no mapa, mais uma vez, onde era a localização?
— É c-claro... — respondeu Nolan, com a voz um pouco mais tensa do que gostaria.
Ele se inclinou na cadeira, estendendo o braço para frente.
A ponta do dedo indicador tocou o mapa em um ponto específico onde não havia nada além do imenso oceano. A pressão de seu toque deixou uma pequena mancha circular de suor no papel fino — e, como todas as superfícies estavam interligadas por magia, a mancha se replicou em cada mapa idêntico espalhado pela mesa.
Astrid abriu um leve sorriso de canto, controlado e insinuante.
— Impressionante — comentou, sem pressa. — Conseguiu me apontar no exato lugar da primeira vez. Devo presumir que está realmente me dizendo a verdade.
Nolan ergueu a cabeça rapidamente, alarmado.
— A-acha que eu a enganaria? Eu não seria tão louco...
Astrid respondeu antes que ele terminasse de respirar.
— Louco, não. Desesperado.
O silêncio que se seguiu pareceu engolir o ar da sala.
Astrid o fitou longamente, em silêncio absoluto, esperando qualquer microexpressão, qualquer tremor de lábios, qualquer olhar desviado que indicasse algo além da superfície.
Nolan permaneceu calado. Seu peito subia e descia de forma quase imperceptível, tentando manter a calma. Mas ele já não conseguia sustentar o olhar dela por muito tempo. Desviou os olhos, sentindo seu estômago se contorcer.
Os olhos de Astrid pareciam capazes de ler sua alma — e isso era justamente o que ele mais temia.
— Quanto àquele pergaminho de transporte, está realmente pré-ordenado para a AMA? — perguntou Astrid, a voz suave demais para não ser ameaçadora.
Nolan sentiu o coração bater mais depressa.
— S-sim, General Astrid.
Ela ergueu uma sobrancelha.
— Posso vê-lo?
— E-eu... deixei meus pertences junto com a minha família. Imaginei que não pudesse carregar nenhuma arma dentro do palácio...
Astrid soltou uma risada curta — quase musical, carregada de deboche.
— Fururu... Ora, senhor Nolan Scriptor, sabe muito bem que eu não me importo com tais formalidades. Além do mais...
Sua risada cessou abruptamente.
O sorriso gentil sumiu como se nunca tivesse existido.
Astrid inclinou a cabeça lentamente, de modo sutil e predatório, encarando-o com uma expressão tão fria e aterradora que Nolan sentiu a espinha formigar. Naquele instante, ela parecia não estar sentada à frente dele, mas dominando toda a sala de estratégia como a própria sombra da guerra.
— Quem conseguiria me ferir?
A pergunta não exigia resposta. Era uma constatação — e uma ameaça embutida.
Nolan sentiu o corpo se contrair. A mente disparou em frenesi.
Começou a calcular uma possível rota de fuga: o corredor principal, dois guardas na virada, mais três no patamar das escadarias. Se fosse rápido o suficiente, talvez chegasse aos seus aposentos, pegaria sua esposa e filha e usaria o pergaminho de transporte imediatamente.
E ali estava o problema.
O pergaminho não estava vinculado à AMA.
Ele havia mentido — e Astrid descobriria. Era inevitável. A única esperança era correr antes que isso acontecesse. Mas mesmo seu melhor cenário dependia de sorte e de Astrid não se mover. E ele sabia, de forma terrível e dolorosa, que ela se moveria antes dele.
— E é por isso que eu sei que você não está tramando nada — disse Astrid de repente, a voz voltando à mesma calma educada de antes, como se nada tivesse acontecido.
A alma de Nolan quase saiu pela boca quando ele soltou um suspiro comprido demais para parecer natural.
Astrid observou, satisfeita.
— Isso. Solte tudo para fora...
Ela sabia o efeito que causava. Sabia que magos, militares, criminosos, nobres e até outros generais tremiam diante dela — não por poder mágico ou títulos, mas pela simples tensão que sua presença conseguia transmitir.
E naquele instante, ela já havia percebido a mentira.
Astrid voltou à sua postura elegante, dedos cruzados, queixo apoiado sobre eles.
— Então, Fox, Soren e Vaelis — prosseguiu, como se estivessem conversando sobre algo completamente banal —, estarão em Cenara?
— Sim, e com mais alguns...
Ela inclinou a cabeça.
— Como?
Nolan respirou fundo e começou a explicar os acontecimentos das últimas semanas: a missão, os encontros inesperados, como Kenshiro e Erina acabaram envolvidos. As conexões, as mudanças de planos, e o aumento improvisado do grupo.
Mas contou tudo da forma mais resumida e superficial possível. Cada segundo que passava era um segundo em que ele não estava ao lado da esposa e filha, e isso pressionava seu raciocínio. Não podia perder tempo. Relatou apenas o essencial — ou o que julgou que Astrid aceitaria como essencial.
Astrid o ouviu em silêncio, e embora permanecesse impassível, estava satisfeita. Não porque acreditava nele, mas porque Nolan, mesmo tentando esconder outras coisas, não omitiu esse detalhe — e isso evitou que ela precisasse pressioná-lo mais.
Varelith já havia contado tudo através das experiências compartilhadas com Anastasia. Astrid já tinha um plano para lidar com Kenshiro, Erina e os demais viajantes.
Nolan, porém, era outro assunto.
Ela não gostava de enfrentar magos. Sempre os achou irritantes: confiantes demais, frágeis demais, perigosos quando acuados. E pior ainda quando desesperados.
Astrid estava prestes a fazer sua próxima pergunta quando...
BAM!
A porta foi escancarada com brutalidade. Ambos olharam ao mesmo tempo.
O soldado responsável por escoltar a família de Nolan surgiu no vão, completamente alarmado.
— General, nós temos um problema! — Ele olhou para Nolan como se algo não se encaixasse. — N-Nolan? O que faz aqui?
Nolan empalideceu.
— M-mas... o senhor não...?
Astrid e Nolan se encararam ao mesmo tempo.
O pressentimento de desastre caiu sobre os dois como uma lâmina.
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