Volume 2 – Arco 9

Capítulo 97: Conflito de Ideais

O céu começava a clarear, tingindo o horizonte de tons dourados. A primeira luz do sol estava prestes a romper a escuridão da noite. 

— Infelizmente — disse Ajax, caminhando até o centro do campo, cada passo vibrando como um tambor de guerra —, o tempo que eu tinha para brincar com vocês acabou. 

— Então vamos terminar isso agora. Nós dois contra você — declarou Erina, firme como aço. 

Ajax arqueou uma sobrancelha, um sorriso irônico se formando em seus lábios.

— Dois contra um? Cavaleira, vejo que nada entende sobre igualdade. 

— Pelo contrário — retrucou Kenshiro, a voz marcada pela exaustão, ainda carregada de convicção. — É você que não entende. Nós já estamos no limite, enquanto você se fortaleceu devorando a Essência dos seus próprios subordinados mortos. Nós não precisamos disso. Sempre confiamos apenas na nossa própria força. 

— Eles eram meus — Ajax ergueu o queixo, orgulhoso. — Entregaram seus corpos de bom grado. Que mal há em usar suas Essências contra aqueles que os mataram? 

Erina avançou um passo, lado a lado com Kenshiro.

— Não me importo com sua filosofia. Como você disse, o tempo acabou. 

Os olhos de Ajax brilharam em expectativa.

— Então vista sua armadura, cavaleira. E você, espadachim, saque suas lâminas. Enfrentem-me com o que restou de suas forças! 

O que veio a seguir, porém, abalou sua convicção. 

Com um único gesto, Erina empurrou sua armadura para o chão. O metal tombou com estrondo, ficando para trás como um fardo abandonado. Ela não a usaria naquele combate final. 

Kenshiro seguiu o exemplo: retirou o cinto, jogando-o de lado, e arrancou o que restava da armadura destruída. Ambos se ergueram lado a lado, desprotegidos, prontos para lutar apenas com seus corpos. 

Por um instante, Ajax apenas observou. Guerreiros tão exaustos, ainda honrados, tão dispostos a enfrentá-lo de igual para igual… não pôde evitar o impulso de retribuir. 

Baixou os olhos para o martelo — a cabeça manchada com o sangue do espadachim, o cabo lascado pelas incontáveis pancadas contra o escudo da cavaleira. Segurou-o firme e, com um rugido, cravou-o no solo, erguendo-o pela última vez diante do peito. 

Crak! Crak! Kwaaassh! 

Com suas próprias mãos, partiu a arma em pedaços. O som seco da destruição ecoou pelo campo até que as lascas de ferro e madeira caíram ao chão. 

Então, sem hesitar, despiu-se de sua armadura, deixando exposto um corpo marcado por músculos, hematomas e cicatrizes — cada uma, um testemunho de batalhas passadas. 

— Digam-me, guerreiros — bradou Ajax, a voz ressoando como trovão —, vossos nomes e vossos títulos! 

Kenshiro ergueu o queixo.

— Kenshiro Torison. Descendente da família Torison. O Carrasco de Valéria. 

Erina respirou fundo. 

— Erina Waltz. Apenas isso. 

Ajax riu, selvagem, o som reverberando como o romper de uma tempestade.

Ha! Permitam-me, então, acrescentar outros dois títulos! Tempestade e Valquíria Mãe! 

Mesmo após horas de combate ininterrupto contra Ajax, Kenshiro e Erina já não conseguiam nutrir raiva por aquele homem. O ódio inicial se diluíra em algo mais profundo: respeito.

A cada troca de golpes, percebiam nele não apenas o herói implacável do Império, mas um guerreiro que, assim como eles, lutava por um propósito. 

O confronto prolongado revelava mais sobre suas histórias e caráter do que anos de convivência em tempos de paz poderiam revelar. Nenhum dos três era maligno por natureza; apenas haviam trilhado caminhos distintos, guiados por escolhas, fardos e destinos que jamais pediram. O julgamento não cabia ali. Só restava a verdade nua: guerreiros, frente a frente, lutando até o limite. 

Para Ajax, a maior honra que poderia conceder ao casal era matá-los sendo ele mesmo, não como o General sem alma moldado pelo Império. Estava cansado de fingir ser apenas uma máquina de guerra. Dentro de si ainda restava aquela criança que um dia sonhara com algo maior, com um sentido verdadeiro para sua vida. E, pela primeira vez, sentia que esse momento estava diante dele. 

AAAAHHHHH! — rugiu, avançando como uma muralha viva, braços abertos para esmagá-los de uma só vez. 

Kenshiro esgueirou-se pelo impacto com a leveza de um vento cortante, desviando com precisão. Erina, por sua vez, não recuou. Firmou-se no solo e ergueu apenas um braço para aparar a investida, enquanto o outro socava o abdômen de Ajax com toda a força que seu corpo cansado ainda continha. 

?! 

Mas antes que pudesse ver o resultado, a figura colossal do imperial desapareceu diante dela. Em um piscar de olhos, já estava atrás, os dois punhos erguidos como martelos prestes a esmagá-la. 

Ele estava mais rápido. Muito mais rápido. 

TUNK! 

Um chute certeiro de Kenshiro explodiu contra a mandíbula de Ajax, desviando sua trajetória e desequilibrando-o. A brecha foi o suficiente: Erina ergueu os antebraços e segurou o impacto, embora sentisse o choque trincar seus ossos como vidro sob pressão. A dor era lancinante, não se permitiu curar de imediato — cada fração de força precisava ser guardada para o momento decisivo. 

Com um grito, respondeu com um soco ascendente no queixo de Ajax, fazendo o gigante recuar meio passo e flutuar por um instante acima do solo. 

Mesmo atordoado, Ajax não perdeu a consciência. Baixou a cabeça com brutalidade, tentando esmagar a cavaleira com a própria testa. Kenshiro, já estava atrás dele, golpeando em sequência suas costas com as lâminas de vento formadas pelo movimento de seus braços. 

Do outro lado do campo, os sobreviventes assistiam.

Estavam exaustos, alguns à beira do desmaio, outros com náusea e os corpos tremendo. Queriam dormir, chorar, ou simplesmente fugir. Não conseguiam desviar os olhos. Era impossível não olhar para aquele embate.

Deixando Erina por um momento, Ajax girou como uma fera e agarrou o braço de Kenshiro em pleno ataque. Os músculos saltaram, veias pulsando em esforço desumano. Segundos depois, prendeu também o segundo braço do espadachim. 

Com um rugido, ergueu Kenshiro do chão como se fosse uma presa capturada.

Estava prestes a rasgá-lo em dois. 

— Solta ele! — rugiu Erina, avançando contra Ajax e golpeando-o com um punho certeiro. 

O impacto atingiu-lhe a lateral do abdômen, quebrando uma costela com um estalo seco. 

O golpe da cavaleira fora tão profundo que o gigante não teve escolha. Soltou Kenshiro, levando o braço instintivamente até a ferida. 

O casal voltou a se posicionar lado a lado. Erina, ofegante, lançou um olhar rápido ao marido, os olhos brilhando de preocupação.

Ainda hesitava em gastar o restante de suas forças para curar a si mesma, mas não conseguia impedir-se de usar parte do que lhe restava para fechar os ferimentos de Kenshiro, até mesmo os menores hematomas. Para ela, protegê-lo era um reflexo, não uma escolha. 

Ajax os observava. Podia sentir o peso da desvantagem crescendo sobre seus ombros.

Kenshiro, com seus movimentos rápidos e precisos, causava impactos fortes o bastante para feri-lo. Enquanto Erina, em um único ataque bem direcionado, poderia matá-lo. Ela era mais perigosa no campo, a ameaça que Ajax não podia se dar ao luxo de ignorar. Enquanto Kenshiro era uma tempestade imparável.

E, mesmo assim, Ajax sorriu. 

Estava no fim. Não havia saída, não havia salvação. O horizonte já se tingia de dourado com os primeiros raios do sol, lembrando-lhe que o tempo havia acabado. Tudo terminaria ali, de uma forma ou de outra — com a morte de seus inimigos, ou com a sua própria. 

— Vamos lá! — gritou, a voz rasgando o silêncio do campo — Uma última vez! Mostrem-me o verdadeiro poder das suas Essências! 

Recuando um passo, esticou ambos os braços para trás, como se puxasse do próprio ar a força de um cataclismo. Em seguida, lançou uma sequência de ataques devastadores, um para cada adversário. 

A pressão que se espalhou não era apenas física — era sufocante, esmagadora.

O ar pareceu rachar diante da onda de poder que se expandia. Kenshiro e Erina sentiram a pele queimar apenas pelo contato indireto com aquela energia. Podiam, se quisessem, recuar e deixar o ataque passar, mas atrás deles estavam os subordinados exaustos, feridos, vulneráveis. Se recuassem, Ajax os atingiria em cheio. 

Não havia alternativa. 

Encararam o impossível. Ousaram desafiar a própria destruição. 

AAAAHHHHHHH! — o grito de Ajax carregava tudo que lhe restava, queimando sua vida até a última centelha. 

AAAAAHHHHHH! — respondeu Erina, concentrando toda sua fúria e esperança em um único soco. Não tentaria resistir; sobrepujaria. 

AAAAAHHHHHH! — rugiu Kenshiro, movendo seus braços como se fossem raios. Sua velocidade, sua vontade inflexível, toda a sua Essência explodiu em um última sequência de golpes. 

O choque foi inevitável. 

Em um grito uníssono, os três colidiram, entregando-se ao auge de suas forças, como se o próprio mundo fosse ceder sob o peso de seus destinos. 

O sol finalmente começava a nascer atrás do casal, pintando o horizonte com tons de laranja e dourado. 

Ajax piscou várias vezes, incerto se o que via era real ou apenas um delírio de sua mente exausta. Por um instante, pensou que fosse uma miragem. Mas não, estava lá, diante de si: os olhos de Kenshiro e Erina ardiam em ouro vivo, tão intensos que a própria luz do sol parecia perder a cor diante deles. 

A cada instante, o peso de seus próprios ataques diminuía. Era como tentar deter uma maré crescente apenas com as mãos. O casal avançava, e nada poderia detê-los. 

Se aquele era seu fim — o momento que esperara por toda a vida — Ajax não sentia arrependimento.

O peito queimava, não apenas de dor. Era orgulho, era alívio. E, antes que fosse tarde demais, ousou perguntar, com a voz entrecortada: 

— Qual a razão de vocês lutarem...? 

Houve um breve silêncio. As palavras brotaram como um só coração: 

— Nós...

— Só queremos...

— VIVER EM PAZ! — rugiram juntos, suas vozes se sobrepondo ao estrondo da batalha. 

Foi então que seus golpes começaram a atingi-lo em cheio. 

Cada soco de Erina parecia detonar dentro de seu corpo como explosões contidas, e só a resistência de sua Essência impedia que fosse dilacerado por completo. Cada ataque e investida de Kenshiro eram tão rápidos que Ajax já sentia o impacto antes mesmo de perceber o movimento, perguntando-se, confuso, se estava recebendo os golpes no presente ou apenas ecoando no atraso de seus sentidos. 

O mundo girava, o corpo já não respondia. E por fim, quando o último ataque foi desferido, o herói caiu. 

O silêncio que se seguiu pesava mais do que o rugido da batalha. 

Seu rosto jovem, moldado pela força da Essência que sustentava sua vida, desfez-se diante dos olhos de todos, revelando um homem antigo, enrugado e ressecado, como se séculos tivessem sido libertos de uma só vez. Uma figura quase mumificada, finalmente em descanso. 

Kenshiro e Erina se entreolharam. Os olhos ainda reluziam em dourado, como se o sol tivesse escolhido refletir apenas neles. 

— Conseguimos... — murmurou Kenshiro, a voz embargada. 

As forças já não os sustentavam.

O casal tombou lado a lado, vencidos pelo cansaço, entregando-se ao chão ao mesmo tempo em que o sol completava seu nascimento. 

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