Volume 2 – Arco 9

Capítulo 92: Monstro Marinho

Zhen sentiu um breve alívio ao saber que Xin estava a salvo.  

Ela agora estava ao lado de Erina e Kenshiro, duas pessoas em quem ele confiava plenamente para protegê-la. Isso lhe deu forças. Se tivesse de lutar sozinho, que fosse. Não havia espaço para hesitação. 

— Quem está aí? — Sua voz ecoou abafada, carregada pela densidade da água, consumindo parte do ar precioso que ainda restava. — Apareça! 

A escuridão da noite misturava-se à penumbra turva da prefeitura inundada. Era como estar dentro de um oceano sem fim, onde formas indistintas se moviam nas sombras e o fundo era invisível. O silêncio pesado, quebrado apenas pelo leve borbulhar da água, fazia cada instante parecer eterno. 

Então, uma voz grave surgiu, reverberando como se viesse da própria água ao redor: 

— Peço desculpas. Meu alvo eram a cavaleira e o espadachim... não você, nem aquela moça. No entanto, seria vergonhoso da minha parte permitir que todos escapassem com vida.

A cortesia estranha daquele inimigo lhe causava repulsa. 

“Alguém educado? Pois bem...” 

Moveu-se, afastando-se da porta para que, se houvesse batalha, ela não fosse atingida. Nesse movimento, notou o que havia selado a passagem: um tridente de madeira, fincado com precisão. A arma não tinha nada de comum — carregava uma presença quase viva. 

— Teve sorte — disse Zhen, girando o corpo na água, pronto para o confronto. — Se aquele espadachim estivesse aqui, e sua esposa corresse risco, você nem veria o que o atingiu. 

Uma risada baixa reverberou ao redor, e a voz retornou: 

— Vejo que tens confiança naquele a quem serves. Apesar de ser um maldito bandido, teu grupo parece guiado por ideais fortes. É preocupante... Gente assim é sempre a mais difícil de enfrentar. 

Zhen não teve tempo de responder. O tridente, antes imóvel, vibrou sozinho. Desprendeu-se da porta e avançou contra ele em velocidade absurda, como um peixe predador. Ele reagiu no instinto, torcendo o corpo em um nado improvisado, desviando por pouco. 

O impacto levantou uma correnteza que o girou no próprio eixo. Ao recuperar o equilíbrio, seus olhos focaram a origem: uma figura humanoide emergindo das sombras, segurando o tridente agora em mãos. 

— Não pouparei esforços para derrotá-lo! — bradou o estranho. — Muitos morrem diante de inimigos como você, justamente por subestimá-los! 

Havia algo de errado nele. A princípio parecia um homem, mas logo o engano se desfez. Veias azuis começaram a se acender sob sua pele, linhas luminosas que percorriam os braços e subiam pelo corpo, como se o próprio sangue brilhasse. O tom era frio, quase espectral, iluminando o inimigo em meio à escuridão aquática. 

Zhen ficou fascinado por um instante, isso quase lhe custou a vida.  

O tridente foi arremessado outra vez, veloz como um raio, mirando diretamente sua cabeça. 

Ele conseguiu reagir por reflexo, girando para o lado. Escapou da morte, mas não ileso: uma das pontas de madeira rasgou sua boca de lado a lado, atravessando a bolha e expondo dentes e carne em uma ferida brutal. A dor foi lancinante, e a água imediatamente tentou invadir sua garganta. 

Ofegante, Zhen pressionou a língua contra o fundo da garganta, tentando impedir que a água invadisse-o. Era um improviso grotesco, mas necessário para não se afogar. 

O inimigo não havia mentido. Com um único golpe, desequilibrara a luta de forma quase fatal. Zhen estava ferido, com a respiração comprometida e sem margem de erro. 

Seu sangue tingia a água ao redor em fios escarlates, que se desfaziam em nuvens vermelhas. 

Ainda assim, manteve-se firme. Apertou os punhos, ignorando a dor. 

— Sangue... — murmurou o homem, aproximando-se. Agora revelava seu rosto.  

A semelhança com um tubarão era grotesca: a mandíbula larga, os dentes serrilhados, a ausência de nariz bem definido. E, apesar disso, pequenos sinais humanos ainda estavam ali — os olhos na posição certa, resquícios de pelos faciais. Uma fusão imperfeita, perturbadora. 

“Um híbrido? Não... não é como Lynar. O corpo dela era harmônico, as partes se uniam em equilíbrio. Este ser... este ser é uma aberração. Uma distorção da natureza.” 

Zhen sentiu o coração acelerar. A dor era grande, maior ainda era a certeza: ele teria que lutar até o último instante. 

O tubarão sorriu sem motivo aparente, um esgar predatório que revelava fileiras de dentes serrilhados. 

Zhen sentiu a pressão da água mudar, um aviso silencioso. Instintivamente girou o corpo para frente, escapando por um fio do tridente que retornava veloz, buscando perfurar sua cabeça. A arma voltou como se tivesse vontade própria, repousando firme nas mãos de seu mestre. 

O inimigo não desperdiçou palavras. Aquele sorriso bastava. A conversa havia acabado — dali em diante, só um dos dois sairia vivo. 

Zhen, por sua vez, precisava de mais do que força bruta. Seu corpo já estava ferido, seus pulmões em desespero. Se cedesse ao pânico, a luta terminaria antes mesmo de começar. 

Respirou fundo pela mente, não pelos pulmões. Reviu a imagem de seu pai e assumiu a postura que tantas vezes tentara imitar: um pé à frente, o outro atrás, o punho cerrado junto ao corpo, a mão aberta e estendida à frente. 

O tubarão reagiu sem demora. Não tinha intenção de se aproximar; lançava o tridente uma e outra vez, preferindo esmagar o inimigo à distância. 

Desta vez, Zhen desviou com maior facilidade. Sabia que não podia tirar os olhos da criatura, ou o próximo ataque viria implacável. O tridente voltaria, e ele teria de confiar em seus instintos. 

E assim foi. Quando sentiu o deslocamento da água atrás de si, não recuou. Não desviou. Agarrou o cabo da arma com ambas as mãos e, em um movimento explosivo, usou a força do próprio inimigo para se projetar na direção dele. 

O tubarão não esperava tal ousadia. Acostumado à velocidade devastadora de sua arma, viu o monge se aproximar de maneira semelhante. 

Zhen aproveitou a abertura. O primeiro soco atingiu o focinho do peixe, atordoando-o. O segundo golpe foi duplo, ambos os punhos colidindo contra as laterais da cabeça da criatura, que se retraiu com dor e instinto. 

Desorientado, o tubarão recuou alguns metros. 

Zhen não perdeu tempo. Avançou com a palma aberta, moldando a mão como uma lança, mirando o ponto vital. A força foi tamanha que a água ao redor pareceu tremer. 

Mas quando seus dedos tocaram as escamas do inimigo, apenas se quebraram. 

A dor percorreu seu braço.  

O tubarão engasgou-se com o impacto, mas logo se recompôs, aliviado e até confiante. Zhen encarou a própria mão, incrédulo. Tinha certeza de que havia colocado tudo naquele golpe, e mesmo assim fora em vão. 

Seu inimigo, já recuperado, retomou o tridente com destreza, girando-o no espaço como se fosse extensão de seus próprios músculos. A arma, agora em pleno domínio, parecia um predador dentro de outro predador. 

“Mesmo atordoado, ele se recupera rápido. Dor, tontura, nada o detém. A única chance é um golpe decisivo... mas como? Estou lutando com metade da minha força, sem ar, com o corpo pesado. Ele, ao contrário, está no auge, em casa.” 

O tubarão avançou. Desta vez, não lançou o tridente. Queria esmagar Zhen com a combinação de alcance e técnica. 

E a técnica dele era formidável. Um tridente era pior que uma lança — não uma ponta, mas três. O alcance era o mesmo, os ângulos de ataque triplicavam. Ele podia perfurar, cortar, girar, prender. Era uma tempestade de pontas, girando como uma hélice. 

E o tubarão dominava cada movimento com perfeição, como um guerreiro forjado em batalhas incontáveis. 

Zhen tentava resistir. Bloqueava quando não podia escapar, desviava a arma com movimentos precisos, desviava o corpo sempre que o instinto gritava. Mas cada defesa drenava sua energia, cada bloqueio queimava ainda mais o pouco ar em seus pulmões. 

A luta não era apenas física — era uma corrida contra o tempo. 

Zhen já sentia as pontas dos dedos falharem; o cansaço golpeava os músculos como martelos lentos. A água ao redor pesava-lhe mais a cada braçada, a sensação de um desmaio, aproximava-se rapidamente. 

Então — uma abertura. 

O tubarão avançou com tudo, esticando ao máximo o alcance do tridente, mirando o centro do peito de Zhen com intenção letal. Era o golpe que, acertando, não deixaria qualquer recuperação possível. 

Por instinto, Zhen deslocou o corpo para o lado na maior velocidade que conseguiu reunir. Usou o impulso do próprio desvio para agarrar o cabo do tridente e puxá-lo para si. O momento em que a arma passou pelas suas mãos foi como agarrar um raio — quente, pesado e mordente de má sorte. 

Ele tentou transformar a vantagem num ataque: girou o cabo, empurrou, projetou o peso do inimigo contra ele. Mas a arma não se deixou dominar tão facilmente. Um estalo mágico percorreu a madeira — tchk-tchk-tchk — e espinhos surgiram ao longo do tridente, como se a própria peça se recusasse a ser manejada por mãos alheias.  

A dor aguda queimou os punhos; Zhen teve de soltar, a arma arrancando-lhe os reflexos de posse sem que ele o quisesse. 

O prejuízo foi imediato: sangue se espalhou pela água, tingindo correntes turvas que logo chegaram ao focinho do tubarão. As pupilas do inimigo se abriram, a presença predatória tornou-se mais selvagem; o cheiro de sangue o hipnotizou, ativando reflexos ainda mais ferozes. Ele cresceu de força e ferocidade diante dos olhos de Zhen. 

O monge percebeu que havia alcançado o limite. Não havia mais fôlego suficiente para sustentar uma luta prolongada. Fugir passou a ser não apenas opção, sua única chance. 

Avistou a porta: um movimento irregular na barreira indicava que os companheiros lutavam para abri-la aberta. Agarrou essa imagem e lançou-se para ela com as últimas reservas. Nadou em linha reta, braços e pernas desferindo impulsos desesperados. 

— Não vai escapar! — O tubarão grunhiu, a voz mais animal que humana. 

No meio do nado, a lâmina de madeira roçou suas costas. O tridente acertara o dorso, rasgando tecido e músculo. Zhen sentiu o calor da dor, um choque que cortou sua cadência, ainda não o fez parar.  

Seguiu em frente, cada braçada uma conta em sua sentença. 

Algo estranho aconteceu quando a arma passou pela porta: o tridente não continuou. Ficou preso, como se tivesse encravado na madeira. Zhen, ofegante, olhou para trás e viu o inimigo muito próximo, a boca escancarada como um predador pronto a rasgar. 

Ele recuou o pé no reflexo, preservando o membro que ainda podia salvar. 

Outra investida, outra pressão de água contra seu corpo. O tridente veio. 

Estava cercado. O tubarão investindo em uma direção, o tridente se aproximando de outra.  

O tempo para reagir encurtou até quase desaparecer. Zhen não conseguiria desviar a tempo. 

Naquele instante, um lampejo atravessou a cabeça dele: o rosto de Xin, calmo e confiante, pouco antes de ele a conduzir para fora. A imagem era como um bálsamo — ternura inabalável em meio ao caos. Uma única faísca de paz brilhou nos seus olhos; por um momento, ficou dourado. 

Sem pensar, girou o corpo em arco. Foi um movimento não pensado, tão puro que nem sequer o percebeu. O tridente raspou brutalmente o músculo do braço e, numa violência objetiva, arrancou três dedos do pé. 

E, ainda assim, a ironia final: o tridente acabou por se encravar na criatura — não por misericórdia, mas por acidente —, o golpe foi suficiente para abrir uma ferida que selou o destino do predador. 

O tubarão convulsionou, uma última tentativa bestial de manter a vida. 

Zhen, porém, já tinha dado tudo. Ao chegar perto da porta, as forças o abandonaram. A perda de sangue, a dor que queimava, o ar que faltava — tudo conspirou. Seu corpo girou e o desfalecimento veio em seguida: os músculos relaxaram, os olhos cerraram, e a consciência despencou. 

Caiu desacordado, a água envolvendo-o como cobertor frio. Sentiu a entrada do líquido nos pulmões num último reflexo antes da inconsciência. A escuridão se aproximou, densa e inevitável. 

Por ora, a vida de Zhen pendia num fio muito fino. 

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