Volume 2 – Arco 8
Capítulo 83: Músicas e Confissões
— Com licença...
A voz suave de Anastasia anunciou sua entrada. Pouco depois de Fox adentrar, a jovem surgiu carregando uma bandeja generosa, repleta de comidas fumegantes e bebidas variadas. O aroma de ervas, temperos e pão recém-saído do forno espalhou-se imediatamente pelo quarto.
Fox e seus subordinados se entreolharam, sobressaltados. Era como se alguém tivesse invadido um santuário secreto. Nenhum deles queria que uma pessoa de fora descobrisse o quanto haviam modificado o espaço da hospedaria, mas ao mesmo tempo seria descortês — quase ofensivo — fechar a porta na cara de Anastasia.
Ela percebeu os olhares tensos e a rigidez nos corpos.
— O que foi? — perguntou, arqueando a sobrancelha. — Por que me encaram desse jeito?
— Por favor, não conte nada para a proprietária... — pediu Fox, erguendo a mão, quase pronto a implorar.
— O quê? — Anastasia piscou, surpresa. — Mas é claro que não vou contar. Que medo todo é esse de mim?
Com firmeza, repousou a bandeja no criado-mudo mais próximo. Depois apoiou as mãos na cintura, esperando explicações. Seu olhar avaliava cada um no quarto.
Zhen, Gurok e Erina dormiam profundamente em suas camas, corpos exaustos pelos combates e pelo ritmo da viagem — guerreiros que drenavam energia diariamente, mas que ainda possuíam reservas imensas.
Kenshiro, Takashi e Sebastian não desviavam os olhos dela; atentos, estudavam-na como se quisessem adivinhar suas intenções. Não era desconfiança cega, e sim a precaução natural de quem vive em constante risco.
Fox e Nolan, por sua vez, eram livros abertos para quem soubesse ler: o primeiro sempre pronto para se impor, o segundo ocultando mais do que mostrava.
Quanto aos demais, Anastasia notou que carregavam normalidade aparente. Talvez, apenas em campo de batalha, revelassem a verdadeira estranheza que os diferenciava de pessoas comuns.
— E então? — insistiu, esperando uma resposta.
— Perdoe nossos modos, senhorita Anastasia — disse Sebastian, com a diplomacia de um confidente nato. Sua voz era calma, quase conciliadora. — Ainda estamos nos acostumando com esta nova rotina.
— Sei... — Anastasia estreitou os olhos. Não parecia convencida. — Olhem, eu entendo que não vão me contar nada sobre essa jornada de vocês. Nem quero saber. Mas seria muito mais fácil para todos se confiassem em mim pelo menos um pouco.
— O que quer dizer com isso? — perguntou Xin, curioso.
Com um gesto lento, Anastasia retirou de sua roupa um pequeno sininho prateado e o colocou ao lado da bandeja. O objeto tilintou levemente, enchendo o ar de uma nota suave.
— Não adianta ficarem entrando e saindo toda hora, fechando a porta rápido como se estivessem escondendo algo — explicou, paciente. — Quando precisarem de qualquer coisa da recepção, basta me chamar com esse sino. Eu trago para vocês. E se todos precisarem sair, apenas tranquem o quarto. A proprietária é rígida quanto às regras de privacidade; não vai forçar a entrada nem descobrir que vocês... expandiram a hospedaria.
Um silêncio pesado seguiu-se, agora aliviado. Aos poucos, a tensão no ar se dissolveu. Anastasia havia demonstrado cumplicidade, sem a menor intenção de intrometer-se.
— Agora... — acrescentou com um sorriso tímido —, por favor, comam e bebam o que trouxe. É minha maneira de agradecer pelo que fizeram por mim em Yollan.
Ela se curvou em reverência e deixou o quarto, fechando a porta com discrição.
Fox foi o primeiro a se mover. Pegou a bandeja, dividindo os pratos entre os companheiros, e guardou o sininho consigo.
— Muito bem, muito bem... — disse em tom quase paternal, após servir todos. — Agora, prestem atenção. Sei que muitos estão tensos, imaginando que o próximo combate está próximo. Sei também que outros estão exaustos da viagem. Por isso, quero que aproveitem a hospedaria. Relaxem. Recuperem forças.
Alguns se entreolharam, confusos.
— Como assim? — questionaram.
— Eu tenho um contato na cidade — explicou Nolan, tranquilo. — Alguém de confiança que está investigando o paradeiro da minha família. Pode levar alguns dias até termos resposta.
— Então por que a pressa toda para vir até aqui? — perguntou Xin, franzindo o cenho.
— Porque só depois da minha chegada ele iniciaria a busca. Eu precisava dar um sinal de que era eu, e não o metamorfo.
Takashi arregalou os olhos.
— O quê? Eu tive certeza de que ninguém estava nos observando! Fui meticuloso com a segurança!
Nolan sorriu com orgulho contido.
— Meu contato é extremamente habilidoso. Já deve ter estudado cada um de nós, reconhecido pontos fortes e fraquezas. Se não tivesse essa competência... não teria sobrevivido tanto tempo.
A curiosidade foi imediata. Todos queriam saber mais sobre aquele misterioso aliado. Mas Nolan se manteve em silêncio. Orgulho? Precaução? Ou prazer em criar suspense? Não se podia saber.
— Então, façam como seus companheiros e descansem — concluiu Fox.
Num piscar de olhos, a armadura sumiu. Ele guardou no suporte sua espada, e surgiu já vestido com um pijama simples. Atirou-se na cama com a despreocupação de uma criança.
— Boa noite! — disse, antes de capotar imediatamente no sono.
Os demais ficaram apenas a observá-lo, incrédulos. Depois, cada um começou a arrumar seu canto, aceitando a sugestão implícita: não havia fôlego para festas nem discussões. A noite pertencia ao descanso.
(...)
Assim que todos já dormiam, a porta do quarto se abriu lentamente. O movimento foi quase sobrenatural: nenhum ranger da madeira, nenhum clique metálico da maçaneta. Apenas um silêncio absoluto, como se a própria noite tivesse concedido passagem ao intruso.
Os passos que se seguiram também não soaram. A madeira do piso, que gemia sob o peso de todos os outros, parecia ignorar a presença daquele ser. Ele se moveu até o centro do aposento e ali permaneceu, parado, à beira da cama onde o casal repousava.
Kenshiro e Erina dormiam abraçados, os corpos entrelaçados em busca de calor e segurança, como se um só fosse o refúgio do outro. Na serenidade de seus rostos, havia um raro instante de paz — algo tão frágil que parecia poder se desfazer com o menor sopro do vento.
Até que...
— Quem está aí? — A voz de Kaji soou de repente, grave e firme, ao mesmo tempo em que sua chama aumentava para iluminar a escuridão. O fogo tremeluzente projetou sombras vivas pelas paredes. — Senhorita Anastasia? O que faz aqui a essa hora?
A jovem, de pé diante do casal, demorou a responder. O olhar dela permanecia fixo nos dois, como se procurasse decifrar um enigma que apenas eles conheciam.
— Perdão... — murmurou, a voz hesitante. — Eu só... acho que não consigo dormir.
Kaji arqueou uma sobrancelha incandescente.
— Está tudo bem? Yollan ainda a assombra?
Anastasia balançou a cabeça, negando, não afastou os olhos do casal.
— Não é isso... Estou apenas... confusa. Talvez eu esteja enganada, mas... — respirou fundo, tentando organizar o turbilhão de pensamentos — Kenshiro e Erina não parecem querer estar nessa jornada.
Kaji respondeu sem rodeios: — E não querem.
A jovem franziu o cenho, surpresa pela franqueza.
— Então, por quê?
— Por que isso lhe tira o sono, menina? — devolveu o elemental, observando com atenção o modo inquieto como ela se movia.
— Porque... não faz sentido... — murmurou Anastasia, abraçando os próprios braços como se buscasse proteger-se do vazio de sua dúvida.
O fogo de Kaji oscilou, refletindo em seus olhos de brasas. Ele percebeu que aquela pergunta a perturbava de verdade, tão intensamente quanto um pesadelo.
— Eles não tiveram escolha — respondeu, e sua voz adquiriu uma tonalidade mais grave, quase solene. Isso fez Anastasia finalmente desviar o olhar do casal e fixá-lo nele. — Ambos carregam cicatrizes que ninguém aqui conseguiria suportar. Passaram por tragédias indescritíveis. E no meio desse deserto de perdas, só encontraram consolo um no outro. Por um instante, a simples presença mútua foi suficiente para esquecerem do resto do mundo.
O elemental fez uma pausa. As chamas em seu corpo vacilaram, como se refletissem a lembrança do peso daquelas dores.
— Até que aquele homem apareceu — A voz de Kaji se endureceu. — Trouxe verdades cruéis, notícias tão pesadas que os forçaram a abandonar todo o conforto que tinham. Foi isso que os lançou nesse inferno de incerteza. Agora, eles vivem agarrados a um fio de esperança. Acreditam que, no fim, talvez possam voltar para esse conforto... nem que seja apenas em outra vida.
Anastasia engoliu em seco, o coração acelerado.
— Quais foram essas notícias?
Kaji hesitou por um instante. Quando falou, suas palavras caíram como ferro em brasa:
— De que o “para sempre” tinha prazo de validade.
A jovem arregalou os olhos. O impacto foi tão forte que precisou levar a mão ao peito, como se pudesse controlar o próprio coração que disparava. O chão pareceu fugir debaixo de seus pés, e ela teve de se apoiar para não desmoronar por completo.
— O que quer dizer...? — sussurrou, quase sem voz.
Kaji se calou. Notou que já havia dito mais do que deveria — exposto não apenas fragmentos da vida íntima de seus mestres, mas também um peso que nenhuma civil deveria carregar.
— Não deixe que essas palavras a assombrem — disse, suavizando o tom. — Respondi apenas à sua dúvida sobre Kenshiro e Erina.
O silêncio voltou a preencher o quarto. Anastasia respirou fundo, tentando recuperar o controle do corpo e do espírito. Aos poucos, conseguiu se erguer novamente. Antes de se afastar, lançou mais um olhar ao casal adormecido.
— Sim... agora faz sentido. Obrigada — A voz saiu baixa, quase quebrada.
E, da mesma forma silenciosa com que havia chegado, Anastasia se retirou. Nenhum barulho acompanhou sua saída.
Kaji observou a porta fechar-se e deixou escapar um suspiro de brasas.
— Estamos mesmo exaustos... — murmurou, voltando a se recolher nas chamas da lareira, que pouco a pouco diminuíram até restar apenas um brilho tênue no quarto.
(...)
Na manhã seguinte, o grande salão já pulsava com o burburinho habitual. O aroma de pão recém-assado misturava-se ao de carnes temperadas e frutas frescas, enchendo o ar de uma fragrância acolhedora. As mesas estavam repletas de viajantes e mercadores, mas o grupo de Fox desfrutava de um espaço reservado, onde podiam comer em relativa tranquilidade. O tilintar de talheres e conversas paralelas formava uma melodia de fundo, quebrada de tempos em tempos por gargalhadas espalhadas pelo salão.
Kaji permanecia calado em sua lamparina. Não comentara com ninguém sobre o que acontecera durante a madrugada, guardando para si o peso daquele episódio. Apesar do silêncio, seu olhar denunciava um cansaço contido, como se parte de sua atenção estivesse sempre em outro lugar.
Como haviam se recolhido cedo na noite anterior, puderam despertar ainda antes da aurora, recebendo o privilégio de um banquete recém-preparado. Frutas dispostas em cestos de prata, queijos maturados, pães dourados e um café forte enchiam a mesa. Anastasia, a única encarregada de servi-los, circulava com passos ágeis entre as mesas. Seu semblante era sereno, seus movimentos rápidos e precisos revelavam a destreza de alguém que havia transformado o trabalho em uma forma de arte. Equilibrava pratos, copos e jarras com tamanha naturalidade que parecia ameaçar os colegas de perderem a utilidade diante de sua eficiência.
— Quanto tempo até seu contato dar as caras? — perguntou Kenshiro, levando um pedaço de pão à boca. Sua voz soou desconfiada, sem pressa.
— Temos que ter paciência — respondeu Nolan, limpando a espuma escura de seu café da borda dos lábios antes de terminar o gole. — Em troca de seus trabalhos impecáveis, ele exige tempo para executá-los.
— É claro que nenhum de nós está com pressa, não é? — comentou Fox, com a boca ainda cheia, atraindo olhares repreensivos de alguns.
O assunto se esvaiu rapidamente, como se todos preferissem deixar aquele tópico em suspenso. Logo, a atenção dos presentes foi tomada pelo palco no centro do salão, onde algumas bandas se organizavam para suas apresentações. A madeira polida refletia a luz das lamparinas, e uma cortina vermelha pendia como moldura para o espetáculo.
O primeiro artista a subir foi um bardo solitário. Sem instrumentos, apenas com a voz, recitou um longo poema. Sua dicção era impecável, e as palavras tinham peso e cadência, ainda assim, parecia que o público não estava preparado para tamanha sobriedade. Muitos trocaram olhares discretos, e alguns cochicharam entre si, entediados. A arte, por mais refinada, soava antiquada diante de tantos estímulos modernos.
Em seguida, surgiu uma dupla de gêmeos trajados como palhaços. Seus rostos pintados de branco, com traços exagerados de vermelho e preto, se retorciam em expressões caricatas. Brincavam com ilusões visuais, fazendo facas falsas atravessarem os próprios corpos, cuspindo chamas coloridas e tropeçando em movimentos coreografados. As crianças gargalhavam e batiam palmas em êxtase, fascinadas pelos truques, mas entre os adultos o espetáculo não causou o mesmo impacto. Era visto mais como distração pueril do que verdadeira arte.
Então, anunciaram o terceiro grupo. Antes mesmo de os músicos pisarem no palco, a reação foi imediata: aplausos, assovios e gritos ecoaram por todo o salão.
— “Corte das Máscaras”! — anunciou o apresentador.
— Quem são esses? — perguntou Erina à dona da estalagem, inclinando-se sobre o balcão.
— Nunca ouviram sobre? Talvez estejam fora há tempo demais — murmurou, franzindo o cenho.
— Não — retrucou Kenshiro, arqueando a sobrancelha. — Apenas somos pessoas sem cultura. Pelo visto...
A dona suspirou, enquanto polia um copo com um pano branco.
— Não sei exatamente quando ou onde surgiram, mas conquistaram destaque na Capital após uma peça chamada “O Imperador está morto”.
O grupo inteiro virou-se para ela, olhos arregalados pela ousadia do título.
— Era uma crítica — Continuou ela — mostrando como o Imperador havia perdido poder e influência para o Bispo, seus generais e as famílias nobres. O vilão, na peça, era claramente o Bispo. Todos pensavam que no dia seguinte seriam dissolvidos... mas, para nossa surpresa, reapareceram com “O Servo de suas Ambições”. Não era apenas crítica: era um insulto direto ao Bispo.
— Imagino a forma como o retrataram... — comentou Fox, deixando escapar uma risada seca.
— Os jornais nem ousaram transcrever o conteúdo por completo, para não chocar as crianças. Mas a verdade é que esse humor ácido, ousado e cruel contra os intocáveis caiu nas graças da população.
No palco, os músicos já tocavam. Violinos, flautas e tambores se uniam numa harmonia envolvente. As notas dançavam pelo ar, como se carregassem consigo tanto melancolia quanto esperança, e o público acompanhava com palmas ritmadas.
— Não me parece que estejam criticando nada agora — observou Erina, intrigada, ao notar que apenas músicas eram apresentadas, ainda que com impecável habilidade.
— Isso porque as peças principais ficam a cargo de Aurora, a maestra do grupo — explicou a dona. — Os grupos menores usam o nome da Corte, mas seguem regras rígidas.
— Quais? — perguntou Kenshiro.
Ela encolheu os ombros.
— Segredo absoluto. Mas já repararam? Não há um único homem entre eles. Aposto que ser mulher é um dos requisitos.
Kenshiro assentiu lentamente, seus olhos brilhando de fascínio.
Quando a apresentação terminou, o salão foi tomado por aplausos estrondosos. O grupo de Fox, mesmo sem compreender inteiramente a fama da Corte das Máscaras, sentiu-se obrigado a aplaudir junto, reconhecendo a força e emoção que haviam brotado de meras notas musicais.
Com o término da apresentação principal, o salão foi lentamente esvaziando. As vozes animadas que antes preenchiam o espaço agora se dissipavam em murmúrios distantes, misturados ao arrastar de cadeiras e ao tilintar de copos recolhidos. Restava apenas a promessa de um último número: um solo, simples, de voz e cordas.
Os poucos clientes que permaneceram voltaram-se curiosos para o pequeno palco, esperando ver algum artista secundário ou aprendiz em busca de experiência. Contudo, um silêncio de surpresa percorreu a sala quando perceberam quem se aproximava: a própria Anastasia.
Sem qualquer apresentação ou palavra introdutória, ela apenas caminhou com calma até o banco de madeira.
A jovem parecia envolta em uma aura serena, carregada de algo íntimo, quase melancólico. Sentou-se, ajeitou a saia e repousou o instrumento em seu colo. Com delicadeza, girou as cravelhas, ajustando cada corda até encontrar o tom certo. O som metálico e suave da afinação ecoou pelo espaço vazio, como se estivesse preparando não apenas o instrumento, mas também o coração de todos para o que viria.
Então começou.
De maneira lenta, com um dedilhar suave e uma voz baixa, quase sussurrada, ela deixou as primeiras palavras escaparem:
— Então você acha que sou um monstro? Pois está enganado.
Não fui eu quem mentiu, não fui eu quem enganou.
Você é culpado.
Você é falso, cretino, o mestre do disfarce.
E eu, tão tola, não quis acreditar
Que você, cretino, pudesse me machucar.
O salão, antes disperso, mergulhou em completo silêncio. O público se inclinava para frente, absorvendo cada verso. A voz de Anastasia, firme e cristalina, vibrava com dor e desabafo.
Ela prosseguiu, o dedilhar das cordas acompanhando o ritmo de sua confissão poética:
— Não sei mais o que faço, para evitá-lo.
Atendi a todos os desejos, só para ajudá-lo.
E ainda assim não foi suficiente —
Meus atos, minha vida, minha própria gente.
Quando enjoou, me feriu, me descartou.
Mas só então pude aprender:
Jamais voltar a confiar... em você.
Alguns fregueses apertaram os copos entre os dedos, outros desviaram o olhar, tocados por lembranças próprias. A cada palavra, parecia que Anastasia arrancava um fragmento de si mesma para expor diante de todos.
— Ainda posso lembrar, de como veio até mim.
Sem medo, sem espanto, sem nenhum pressentir.
Você estava tão belo, seu sorriso me enfeitiçou.
E eu, tão ingênua, me permiti acreditar
Que você, querido, pudesse me amar.
Nesse ponto, ela respirou fundo, como se tomasse coragem para avançar a uma parte mais dolorosa. Os dedos deslizaram mais rápidos pelas cordas, e sua voz ganhou intensidade.
— Mas então tudo mudou.
Acordei cercada pelo meu sangue.
Foi você quem me matou.
O dedilhar se tornou quase um lamento em fúria.
— Era apenas um brinquedo.
Você, um monstro.
Esse era seu segredo.
— Machucada e ferida,
Vaguei sozinha,
Abandonada, esquecida.
— Jurei que jamais permitiria
Que com outra mulher
Seu crime repetiria.
Sua respiração se tornava pesada. Ela suspirou novamente, e dessa vez retomou o tom mais baixo, quase um lamento resignado.
— Mas ninguém me escutou.
Não... não...
Ao saber do meu retorno,
Você me maculou.
— Ninguém queria acreditar
Que alguém tão belo, formoso, pudesse matar.
Ao contrário de mim —
Ferida, perdida, com lágrimas carmesins.
E por fim, repetindo o refrão inicial, Anastasia devolveu ao público o peso de sua dor:
— Então você acha que sou um monstro? Pois está enganado.
Não fui eu quem mentiu, não fui eu quem enganou.
Você é culpado.
Você é falso, cretino, o mestre do disfarce.
E eu, tão tola, não quis acreditar
Que você, cretino, pudesse me matar.
Quando as últimas notas se dissiparam, um silêncio pesado dominou o ambiente por alguns segundos. Então, como uma onda súbita, os aplausos explodiram. Funcionários e clientes batiam palmas, alguns emocionados, outros incrédulos com a força daquela apresentação inesperada.
Anastasia sorriu com suavidade, o rosto iluminado por um brilho tímido. Inclinou-se em reverência, graciosamente, e desceu do palco. Voltou ao trabalho como se nada tivesse acontecido — a partir daquele instante, todos os clientes pareciam querer ser atendidos apenas por ela.
— Agora sim eu perco meu emprego — murmurou, em tom brincalhão, uma das jovens garçonetes, conhecida por sua falta de jeito.
O ambiente se suavizou com risos contidos, a atmosfera da canção ainda permanecia no ar, como uma sombra suave que demoraria a se dispersar.
(...)
Com o fim do café e da movimentação, todos retornaram ao quarto.
Ao abrirem a porta, encontraram uma cena curiosa: sentado na janela aberta por Nolan, repousava um pequeno gato preto, com os olhos brilhando como duas esferas de âmbar. O felino não parecia surpreso com a chegada do grupo. Pelo contrário, aguardava-os pacientemente, a cauda oscilando de um lado para o outro.
— Finalmente — disse Nolan, com um meio sorriso. — Quais são as novidades, Lynar?
Todos arregalaram os olhos ao mesmo tempo.
— O gato era o seu contato?! — exclamaram em uníssono, incapazes de esconder a surpresa.
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