Volume 2 – Arco 8

Capítulo 82: Descanso

Todos ainda permaneciam diante do novo quarto, como se o simples ato de atravessar aquela porta tivesse os transportado para outro mundo. O silêncio inicial era preenchido apenas pelo estalar suave da madeira da lareira e pelo leve ranger do assoalho polido quando alguém mudava de posição. Olhavam em volta como viajantes fatigados que, de repente, se deparassem com o interior de um palácio — e, de certa forma, era exatamente essa a sensação. 

O piso, trabalhado com madeira clara e encerada, refletia a luz alaranjada das chamas; o ar carregava um perfume doce, uma mistura de resina aquecida e do cheiro adocicado do verniz. Até mesmo o som parecia diferente ali dentro, abafado e confortável, como se as paredes espessas quisessem impedir que o mundo exterior perturbasse a paz recém-encontrada. 

Ainda assim, nenhum dos presentes estava tão impressionado quanto Kenshiro e Erina. Para eles, cada detalhe era como um punhal invisível: a tapeçaria de desenhos dourados, a textura macia dos lençóis, até mesmo a posição da lareira. Tudo evocava lembranças de um tempo em que ainda acreditavam que possuíam um lar. Nostalgia e desespero os atravessavam como duas correntes contrárias, e a sensação de estarem revelando, diante de todos, algo íntimo e sagrado, os deixava vulneráveis de um jeito que palavras não poderiam descrever. 

— Bem, tomem seus devidos lugares — disse Fox, quebrando o silêncio ao apoiar a lamparina ao lado da lareira. A chama oscilou, e Kaji, agora livre para assumir sua forma costumeira, se ergueu entre as brasas com naturalidade, como se aquele fosse o seu trono. — Irei resolver aquela papelada com os oficiais antes que se torne um problema. 

Ele abriu a porta apenas o suficiente para passar e a fechou logo em seguida com firmeza, certificando-se de que nenhum dos curiosos lá fora tivesse a chance de espiar. O estalo seco da madeira soou como o sinal de que, finalmente, aquele quarto pertencia apenas a eles. 

Um a um, cada membro do grupo caminhou até uma cama e a reivindicou como se fosse território recém-conquistado. Havia uma hesitação no ar — uma estranha mistura de liberdade e desconfiança —, aos poucos o ambiente começou a se moldar à presença deles. 

***

Nolan foi o primeiro a agir. Sem dar tempo a ninguém, escolheu o leito encostado à janela que se abria para a sacada. A porta da sacada permanecia bloqueada, mas a visão bastava: dali, podia observar a praça central, onde a vida seguia em constante movimento, entre feirantes, viajantes e músicos que preenchiam a noite com sons indistintos. 

Com um gesto rápido, Nolan abriu a janela e murmurou um feitiço quase inaudível; o ar cintilou levemente, como se fosse atravessado por poeira de vidro. Estava selada — ninguém a fecharia contra sua vontade. Depois, retirou de sua pequena bolsa um punhado de ervas secas e posicionou-as cuidadosamente na esquadria. O vento se encarregaria de espalhar o aroma pelo lado de fora, um traço quase imperceptível, carregava a marca de sua presença. 

Ninguém o questionou. Não havia olhares de reprovação, apenas a aceitação silenciosa de que Nolan sempre tinha um propósito — ainda que não fosse revelado. 

**

Gurok, por sua vez, não precisou escolher. A cama mais larga e reforçada havia sido moldada por Kaji especialmente para suportar o peso de seu corpo maciço e garantir-lhe o descanso devido. Ao lado, um suporte de ferro robusto aguardava sua armadura, feito sob medida como se já soubesse o que carregar. 

Sem cerimônia, o orc deixou-se cair sobre o colchão e afundou até quase desaparecer, emitindo um suspiro profundo de satisfação. O contraste era tão grande com a dureza da estrada que até mesmo seus músculos tensos pareciam relaxar de imediato. 

— Pensava que você fosse gostar de camas mais duras — comentou Takashi, sentando-se no leito ao lado, como quem reivindicava o direito natural de ocupar aquele espaço. 

— Já basta ter de ficar sentado em uma carruagem o dia inteiro — respondeu Gurok, com a voz arrastada pela sonolência. — Uma cama macia que não despenque por causa do meu peso é tudo o que eu poderia pedir.

Um som seco de tosse o fez erguer apenas a cabeça, preguiçosamente, para encarar Kaji, que se divertia com sua própria encenação. Sobre o criado-mudo, repousava uma garrafa de hidromel, o vidro ainda úmido de frio. 

— Guardei para esta ocasião — anunciou Kaji. 

Os olhos do orc brilharam, e um sorriso largo tomou-lhe o rosto. 

Ha! E eu pensando que era impossível ficar melhor! 

Sem hesitar, Gurok levou a garrafa à boca e virou todo o conteúdo de uma só vez. O líquido dourado desceu queimando a garganta, trouxendo-lhe prazer imediato. Antes mesmo de repousar a garrafa vazia de volta à mesa, já ressonava em um sono profundo. 

Takashi inclinou-se sobre ele e murmurou, mal contendo a risada: 

— Hoje quem ganhou fui eu. 

Sabia que a provocação, embora sussurrada, ecoaria na mente do orc quando despertasse no dia seguinte. 

***

Zhen aguardou que Xin fosse a primeira a escolher sua cama, percebeu que ela parecia estar fazendo exatamente o mesmo — esperando que ele tomasse a iniciativa. 

— O que foi? — perguntou a jovem. 

Zhen abaixou o olhar, um pouco hesitante.

— Apenas quero garantir que não estou invadindo o seu espaço... 

Xin soltou um breve suspiro, quase bufando. 

— Deixe disso! Vamos dormir lado a lado desta vez. 

O monge hesitou, o olhar fixo em sua expressão séria. 

— Você tem certeza? Eu não quero que pense que... 

— Pare de falar um pouco! — interrompeu-o, pegando o travesseiro e lançando-o contra o rosto dele com precisão. — Mais irritante do que você me perseguindo é você me estudando para tomar distância. 

Zhen retirou o travesseiro do rosto, semicerrando os olhos para disfarçar o rubor que surgia em suas bochechas. 

— Tudo bem... — respondeu, quase num murmúrio. 

Ambos se viraram, cada um de costas para o outro, e começaram a arrumar suas camas. Os movimentos eram meticulosos, quase mecânicos: dobrar roupas, ajeitar mantas, organizar pequenos pertences. O silêncio que os envolveu não era pesado, carregava uma estranha tensão, como se cada respiração fosse medida. 

Por fim, foi Xin quem quebrou aquele vazio: 

— Você pode voltar a conversar comigo também... — disse, sem se virar. 

Zhen piscou, surpreso com a súplica velada em sua voz. 

— Tudo bem... — repetiu, com o mesmo tom simples de antes. 

Quando terminou, deitou-se lentamente em sua cama. Seu corpo finalmente cedeu ao descanso, e ele pôde sentir com clareza cada ponto de contato com o colchão, como se cada músculo registrasse alívio e dor ao mesmo tempo. Um suspiro longo escapou de seus lábios. O cansaço latejava em cada articulação, e as dores escondidas em sua disciplina agora se tornavam inegáveis. 

Xin, sentada na beira de sua própria cama, o observava com atenção. 

— Você está bem? — perguntou, a voz suave, preocupada. 

Zhen abriu os olhos apenas o suficiente para fitá-la. 

— Não estou acostumado completamente com aquele meu modo... — explicou, o tom carregado de exaustão. — O estado de espírito elevado fortalece meu corpo, mas assim que ele se dissipa, os ferimentos e hematomas retornam. 

Xin estreitou os olhos, intrigada. 

— Isso não é perigoso? 

— Na verdade, não. Minha vida não chega a correr risco real. Se alguém tentasse cortar minha cabeça com uma lâmina, poderia ser que a própria pele do meu pescoço se enrijecesse e quebrasse a arma. No entanto, assim que relaxo, toda a dor acumulada retorna. 

Ela se inclinou um pouco à frente, surpresa. 

— Você esteve guardando essa dor por todo esse tempo? 

— A dor não existia até eu relaxar — Seus olhos fecharam-se de novo. — Eu apenas a postergo, para algum momento em que estejamos seguros. 

As palavras soaram estranhas para Xin, ao mesmo tempo faziam sentido. Agora compreendia porque os monges suportavam tanto sofrimento sem esboçar sinais visíveis: não era apenas resistência, era a forma como encaravam a dor. 

Ainda assim, uma lembrança incômoda a fez insistir.

— Quando estávamos em Shenxi, enfrentando os exércitos de Zudao... quer dizer, de Yong... até quando você postergou sua dor? 

O silêncio de Zhen foi a resposta inicial. Ele desviou o olhar para o teto, como se as palavras fossem difíceis de arrancar de dentro de si. 

Xin se levantou, caminhou até a beira da cama dele e o encarou de cima. Havia uma tensão nos olhos dela — uma mistura de reprovação e preocupação. 

— Somente ontem eu permiti que a dor me consumisse — murmurou ele por fim, virando o rosto para o lado. 

Xin arregalou os olhos. 

— Por três... não... por quatro dias você esteve segurando todos aqueles danos? 

Zhen assentiu lentamente. 

— A dor não piora? 

— Piora sim. 

A jovem respirou fundo, incrédula. 

— E por que você não disse nada para Erina? Ela poderia curá-lo, aliviar seu sofrimento. 

Zhen então se endireitou um pouco, o olhar endurecido. 

— Não — A palavra saiu firme, quase cortante. — A dor é o único mestre que me restou. Eu a temo, e sofro com cada instante dela, mas preciso aprender a suportá-la. Só assim poderei me permitir fazer coisas ainda mais perigosas, se necessário. 

Ele fechou os punhos sobre o lençol, como se a simples lembrança fosse um treino. 

— Haverá um dia em que não precisarei mais postergar a dor. Conseguirei suportá-la em meio ao combate. E quando chegar esse momento, estarei tão acostumado que a dor não passará de um sinal... apenas a prova de um ferimento. Nada além disso. 

Xin o encarou longamente, sem encontrar consolo naquelas palavras. 

— E... como anda esse seu progresso? 

O silêncio caiu novamente. Zhen virou o rosto, envergonhado. Não tinha nada a mostrar, nada que pudesse provar. Ainda estava no início de um caminho cujo fim parecia inalcançável. 

Xin, percebendo a fraqueza escondida por trás daquela máscara de disciplina, aproximou-se um pouco mais. 

— Precisa de alguma coisa? Água, talvez? — perguntou, estendendo a mão para tocar a dele. 

Zhen olhou para o gesto, surpreso com a suavidade de sua iniciativa. 

— Água seria bom... — admitiu, quase sem acreditar. 

Xin sorriu de leve e se levantou. 

— Eu já volto. 

Ela abriu a porta com cuidado, deixando apenas uma fina abertura para que seu corpo esguio passasse. O gesto foi gracioso, quase furtivo, como se o mundo lá fora não devesse perceber sua saída. A porta se fechou logo em seguida, devolvendo o quarto ao silêncio. 

Assim que ficou sozinho, Zhen permitiu que o corpo relaxasse completamente. A dor retornou de imediato, esmagadora, como se cada golpe recebido nos últimos dias tivesse acabado de ser desferido novamente. Era um peso insuportável, mas necessário. 

Ele cerrou os olhos e fechou os punhos, lutando contra o instinto de gemer ou contorcer-se. Não permitiria a si mesmo o alívio de demonstrar fraqueza. 

Era só mais uma lição. Só mais uma noite em que a dor o lembrava de quem era. 

***

— Vocês têm uma bela cama — disse Vaelis, aproximando-se com passos silenciosos e deitando-se ao lado da ampla cama de casal, os dedos deslizando levemente pelo lençol como quem avalia um objeto precioso. 

— O quê? — perguntou Erina, piscando confusa, ainda perdida em seus próprios pensamentos. 

— A cama — repetiu Vaelis calmamente, como se falasse de algo óbvio. — É bem bonita. 

Erina, por instinto, deixou-se cair sobre a beira do colchão. A mão percorreu o acolchoado, afundando-se no tecido macio. Ela estudava os detalhes com uma atenção quase reverente. 

Ah, sim... — murmurou, respirando fundo. — É mesmo a minha cama... Tem até o mesmo cheiro da última vez que me deitei nela. 

Havia uma estranha ternura em sua voz, uma melancolia oculta. 

— Acha que Kaji transportou-a até aqui ou apenas criou uma cópia exata? — perguntou Vaelis, observando-a com interesse quase analítico. 

— Não sei... existe diferença? — Erina respondeu, pensativa, os olhos presos nos detalhes bordados da colcha. — Tecnicamente ainda seria a minha cama. Mas... eu esperava reencontrá-la apenas quando essa jornada estivesse terminada. Imaginava como seria voltar para casa, qual seria a minha reação ao vê-la de novo. — Um riso fraco escapou. — Nunca pensei que seria assim, em um lugar como este. 

— Nem sempre porque algo é igual significa que seja a mesma coisa — disse Vaelis com serenidade, apoiando-se de lado sobre um dos cotovelos. 

Havia algo em sua postura que indicava que a conversa estava apenas começando. Enquanto falava, as mãos de Vaelis deslizavam lentamente por seu próprio corpo — não num gesto sensual, como quem modela algo invisível.

Aos poucos, o tecido de sua roupa foi se transformando diante dos olhos de Erina. Sua roupa costumeira deu lugar a um vestido azulado, translúcido como cristal iluminado pela lua. Algumas partes do corpo ficavam à mostra, revelando sua beleza natural sem pudor; outras, porém, eram cobertas por camadas de tecido mais espesso, estrategicamente dispostas, quase como uma promessa de mistério. 

Vaelis sentou-se na cama com naturalidade, pegou um dos travesseiros e o abraçou contra o peito, como se fosse um objeto íntimo. 

Enquanto isso, Erina, cansada da batalha e da tensão, limitou-se a retirar sua armadura. Decidiu dormir apenas com as roupas simples que trazia por baixo, sem vaidades, apenas buscando algum alívio. 

Foi nesse silêncio compartilhado que Vaelis retomou a palavra: 

— Acha que algum de nossos cavalos era real? — perguntou, os olhos fixos no vazio, como se meditasse em voz alta. — Ainda que parecessem cavalos de verdade, mesmo elementais, relinchando, correndo e nos carregando, no fim nenhum deles era de fato um ser vivo. 

Erina inclinou a cabeça, refletindo. 

— Isso eu consigo entender... Não eram criaturas vivas. Mas e quanto a objetos inanimados? — indagou, tocando mais uma vez o lençol como se buscasse uma resposta nele. 

Vaelis sorriu de leve, como uma professora paciente. 

— Nesse caso, o que os torna reais são os sentimentos que depositamos sobre eles — Sua voz soava quase como um feitiço suave. — Me diga, Erina... ainda que seja a mesma cama, o sentimento que ela desperta em você é o mesmo, estando aqui, longe de casa, sem seu marido ao lado, sem a intimidade do lar? 

A cavaleira demorou alguns segundos para responder. Sua mão alisava lentamente o tecido, e o gesto parecia pesar mais que as palavras. 

— Não — admitiu por fim, com um sopro de melancolia. 

— Então não há motivo para se preocupar — concluiu Vaelis com doçura. — A sua cama verdadeira ainda está lá, esperando por você. 

Erina suspirou, deitando-se sobre o colchão. Virou o rosto para Vaelis e a encarou diretamente. 

— Não está sendo gentil comigo apenas para tentar me conquistar, está? — perguntou, semicerrando os olhos em desconfiança, com um leve brilho divertido. 

Vaelis arqueou as sobrancelhas, inclinando-se para mais perto, os lábios quase curvados em provocação. 

— Estou conseguindo? 

Erina riu, abafando a risada contra o travesseiro, e virou-se de lado, de costas para ela. 

— Terá que se esforçar mais! 

O silêncio caiu sobre elas, não era um silêncio pesado. Vaelis ajeitou-se sobre os travesseiros, abraçando-os com um leve sorriso. Sussurrou quase para si mesma, em tom baixo, como quem sela um segredo. 

— Descanse bem, minha Capitã. 

***

Kenshiro permanecia sentado diante da fogueira de Kaji, o brilho das chamas refletindo em seus olhos escuros. O elemental, inquieto, parecia querer encolher-se dentro de si mesmo; evitava o olhar do espadachim, desviando os olhos para qualquer direção — o teto, as sombras, as brasas — menos para o homem que o encarava. 

— Kaji — disse Kenshiro, a voz seca, firme como lâmina desembainhada. — Precisamos conversar sobre isso. 

O elemental tremeu como se as chamas que formavam seu corpo perdessem parte de sua força. Encurralado, ergueu seus olhos tímidos para o mestre. 

— Por que está mostrando nossa casa para eles? — Kenshiro perguntou, e sua voz, embora controlada, carregava preocupação. — Você sabe o que aquele chalé significa. Para mim. Para Erina. Até para você. 

Kaji hesitou, as labaredas vacilando. 

— Eu sei... — murmurou. — Justamente por isso me inspirei nele. 

Inspirou-se? — Kenshiro inclinou o corpo para frente, o olhar duro. — Kaji, é quase idêntico. 

A fogueira se retraiu, diminuindo a intensidade, como se o elemental quisesse desaparecer. 

Soren, incomodado com a tensão, deu um passo à frente.

— Está tudo bem, senhor? 

— Não me chame assim, Soren — retrucou Kenshiro, desviando a atenção para não arrastar o jovem para aquela briga. — Fox é o líder agora. 

— O senhor e a senhora Erina foram meus líderes em Teyocan — disse o rapaz com convicção. — E serão de novo. E certamente o serão quando Fox se for. 

Kenshiro prendeu a respiração. Não podia negar. A disciplina, porém, pesava mais do que o orgulho. 

— Até esse momento chegar... não me chame de senhor. 

— Sim, Kenshiro. 

Kaji, retomando sua forma maior, ergueu-se um pouco.

— O jovem Soren não está errado. Mestre Kenshiro e madame Erina voltarão a liderar. 

Oh, voltou a nos chamar assim? — Kenshiro ironizou, quase provocando. — Achei que seu novo mestre fosse Fox. 

As chamas vacilaram outra vez, baixando em tom ofendido. 

— Kenshiro... — interveio Soren, sentindo a dor do elemental. — Não seja tão duro com ele. Não vê que ele também está sofrendo? 

Kenshiro o fitou com mais atenção. O fogo de Kaji tremulava, e nos olhos incandescentes dele surgiam pequenas lágrimas flamejantes. A percepção o atingiu como um golpe: estava punindo Kaji por algo que ele não tinha escolha. E a dor do servo parecia ainda maior do que imaginava. 

O espadachim se inclinou, ajoelhando-se até ficar na altura da lareira. Estendeu a mão sobre as chamas mornas que não queimavam e deixou que o calor suave o envolvesse. Depois, passou a acariciar as labaredas como quem consola um amigo ferido. 

— Me perdoe, Kaji... — murmurou. — Se ainda tivéssemos nosso elo pleno, já teríamos resolvido isso com uma simples conversa, como fazíamos antes. Mas a ligação foi cortada. 

“Não completamente, mestre Kenshiro...” A voz soou fraca dentro de sua mente. 

Kenshiro piscou. “Como assim?” 

Mas o elemental desviou o olhar, incapaz de sustentar a comunicação telepática por muito tempo. 

— Nossa ligação enfraqueceu em Shenxi — explicou em voz baixa. — Antes mesmo de Fox aparecer, já estava por um fio. E continua assim, intacta, mas frágil. 

— Por quê? — Kenshiro se inclinou ainda mais, em busca de respostas. 

— Não sei ao certo. Nem Mana, nem Estamina souberam explicar. Só me encheram de dúvidas... dúvidas que antes me perturbavam e que agora... parecem estar se tornando realidade. 

— O que te perturba tanto, meu amigo? — Kenshiro perguntou com suavidade, dando-lhe atenção plena. — Isso começou por causa da nossa jornada? 

Kaji tremeu. A verdade estava dentro dele desde sempre, não ousava revelá-la. Tinha medo de ser o peso que despedaçaria ainda mais a mente de seu mestre. Como último herdeiro da família Torison, jurara proteger Kenshiro. Mesmo que para isso tivesse de mentir. 

— Não importa agora... — respondeu, forçando firmeza. — Só sei que, conforme você e madame Erina recuperam confiança, nosso laço também volta a se fortalecer. Mas... em Teyocan, não consegui ouvir sua voz. E isso me fez pensar... que o problema talvez não seja vocês. Talvez seja eu. 

— Kaji... — Kenshiro tocou as chamas outra vez, quase em súplica. — Fale comigo. Se abra. 

O elemental hesitou, palavras presas em seu fogo. 

— A verdade é que... nós... 

A porta se abriu bruscamente, interrompendo o momento. 

— Cheguei, pessoal! — anunciou Fox, entrando sem cerimônia. — Vejo que já transformaram este lugar em sua nova casa. Excelente! 

Kenshiro girou o rosto, irritado com a interrupção. Tentou olhar novamente para Kaji, mas o elemental já havia se retraído, escondendo a face flamejante. Agora, restava apenas uma fogueira comum, estática, sem voz. 

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