Volume 2 – Arco 8
Capítulo 81: Hospedagem
De volta ao estábulo, logo se percebia que aquele lugar não era tão comum quanto aparentava do lado de fora.
À primeira vista, havia a rusticidade habitual: os pequenos cercados de madeira que separavam cada cavalo, os montes de feno espalhados para alimentação, o cheiro agridoce da palha misturado ao odor forte de couro e suor animal impregnado no ar. Mas bastava olhar com mais atenção para notar o insólito: runas, símbolos e selos arcanos espalhados por cada pilar, viga e parede. Alguns brilhavam fracamente em tons azulados ou dourados, outros eram apenas marcas secas de tinta ou giz, como cicatrizes gravadas às pressas na estrutura.
Não era um sistema profissional, nem elegante. Mas a improvisação tinha sua lógica: muito mais barato do que usar os caríssimos materiais construtivos anti-magia, reservados pelo Império apenas para forjar correntes e algemas especiais, nunca para erguer muralhas ou prisões inteiras. O resultado era um espaço amador, suficiente para manter criaturas elementais sob certo controle.
O estábulo estava vazio, exceto por Kaji.
As montarias de Vaelis, Soren, Kenshiro e Erina haviam sido desfeitas, dissolvidas em faíscas mágicas quando Nolan se desentendera com o proprietário sobre os preços. O mago negociara esperando desconto pela quantidade, mas o homem se mantivera irredutível. No fim, pagaram o preço cheio como se fosse por apenas uma montaria — e só Kaji permaneceria.
O grupo se reuniu diante do corcel flamejante. Todos aguardavam, curiosos para entender o que Fox havia tramado com tanto mistério em torno da lamparina.
— Kaji — chamou Fox, em tom firme, quase como um comando. Ele ergueu o objeto rudimentar, exibindo a nota de posse que lhe fora entregue pelo comerciante. — Eu comprei esta lamparina de forma legítima, reconhecida pelo Império. Agora, quero que abandone seu corpo por um momento e se transfira para dentro dela.
Kaji baixou a cabeça devagar, os olhos incandescentes se fechando como se adormecesse em pé. Primeiro, o corpo etéreo começou a se desfazer em fumaça, depois o brilho interno — aquela chama viva que parecia ser sua própria essência — foi se apagando. Em instantes, o majestoso corcel flamejante não passava de uma casca oca, como uma armadura vazia, imóvel e sem calor.
Do interior daquele invólucro apagado, surgiu então uma esfera avermelhada, reluzente, que flutuou lentamente pelo ar. Ela deslizou até a lamparina e, assim que entrou, uma chama mágica se acendeu dentro do vidro.
— Perfeito! — exclamou Fox com orgulho, prendendo um sorriso de satisfação.
Kenshiro, ansioso, aproximou-se e inclinou o rosto.
— Kaji? Você está aí?
A voz do elemental ecoou de dentro da lamparina, com seu tom característico, brincalhão, como quando se fazia de lareira para animar o grupo.
— Sim, eu estou. É estranho aqui dentro... sinto-me apertado, comprimido.
— Mas você está bem? — perguntou Erina, com preocupação suave.
— Ah, sim, estou bem — respondeu Kaji. — Só que vocês parecem gigantes para mim agora. E eu... sinto-me tão fraco, quase indefeso.
Kenshiro estendeu a mão, hesitante, como se quisesse tomar o objeto delicado em suas próprias mãos.
— Eu poderia carregá-lo?
Antes que seus dedos encostassem, Fox puxou a lamparina e a prendeu firmemente ao próprio cinto.
— Não. Kaji ficará apenas com o líder do grupo. Estamos entendidos?
O espadachim recuou de imediato, desconforto estampado em seu rosto.
— Sim, senhor... — murmurou, a voz pesada.
Dentro da lamparina, Kaji, pela primeira vez em muito tempo, sentiu a tristeza de Kenshiro como se fosse sua própria. Não havia mais o corpo robusto e flamejante para esconder emoções. Em sua forma pura, despido de proteções, seus sentimentos transbordavam e tornavam-se visíveis até para ele mesmo.
"O que diabos está acontecendo comigo?", pensou, incapaz de encontrar explicação para a estranha ligação que parecia voltar a ser forte.
Fox percebeu também. Viu a forma como o olhar de Kenshiro se demorava sobre a chama e notou o peso emocional naquela ligação. Ainda assim, não era seu papel comentar ou plantar ideias na mente dos subordinados. Deixaria que eles próprios percebessem — no tempo deles.
— Agora, vamos para nossa hospedaria — anunciou o herói, encerrando o assunto com um gesto resoluto.
— Tem alguma em mente? — perguntou Nolan.
— Você concorda? — indagou Sebastian, surpreso. — Pensei que estivesse com pressa.
— E estou — respondeu Nolan. — Mas teremos que esperar até meu contato aparecer.
A palavra chamou atenção imediata.
— “Contato”? — repetiu Anastasia.
— “Contato”? — ecoaram os demais, confusos, sem terem sido incluídos no plano.
Nolan levantou a mão, tentando encerrar a curiosidade do grupo.
— Deixem isso de lado por enquanto. Podemos nos separar em diferentes hospedarias ou ficarmos juntos. Eu recomendo a segunda opção, de preferência próximos à praça principal, perto da prefeitura.
Enquanto todos discutiam, Kenshiro manteve o olhar fixo na pequena lamparina. Dentro dela, a chama de Kaji parecia realmente frágil, quase como a de um bichinho assustado preso em um frasco de vidro.
— Que tal escolhermos um lugar com lareira? — sugeriu ele, em voz baixa.
— Não é muito conveniente — retrucou Nolan. — Uma hospedaria com lareira exigiria um quarto grande, e próximo da praça só existe uma desse porte. Além do mais...
— É isso o que faremos! — interrompeu Fox, sem deixar espaço para discussão. — Por favor, Nolan, guie-nos.
O mago soltou um suspiro resignado, sabendo que seria inútil contrariar o herói.
— Muito bem — respondeu, conformado.
(...)
Conforme caminhavam pela cidade, deixavam-se envolver pelo movimento incessante das ruas e pelos letreiros que disputavam espaço sobre portas e janelas. Placas de madeira pintadas à mão, algumas já desbotadas pelo tempo, rangiam sob o vento, indicando nomes de hospedarias, lojas de especiarias, alfaiatarias improvisadas e até mesmo pequenos templos particulares.
Pelas janelas abertas, era possível espiar o interior de muitas dessas casas transformadas em comércio: salas que antes pareciam aconchegantes agora haviam sido adaptadas com prateleiras bem alinhadas, mesas limpas e corredores amplos para facilitar a circulação dos clientes.
Havia no ar uma mistura de cheiros — pão recém-assado, ervas secas, couro tratado e até fumaça de forja — que se mesclavam com o burburinho dos transeuntes. Cada esquina oferecia uma nova tentação, e embora uma parte do grupo sentisse a vontade de se perder por aqueles becos e explorar cada canto obscuro e vibrante da cidade, a prudência lhes pesava nos ombros. Se se dispersassem demais, talvez não conseguissem reencontrar os demais companheiros.
Entre um passo e outro, soltavam comentários aleatórios, observando detalhes curiosos das fachadas, rindo baixo de alguma cena cotidiana ou apenas trocando frases soltas para quebrar o silêncio da marcha.
Foi nesse clima que Erina, caminhando ao lado de Anastasia, inclinou-se levemente para a moça. Seu tom era gentil, carregada por uma curiosidade discreta:
— Senhorita Anastasia — começou ela —, por que ainda está conosco? Está livre agora.
Anastasia piscou algumas vezes, como se tivesse sido pega de surpresa. Seus olhos vagaram pelas ruas ao redor antes de voltar-se a Erina, e um pequeno rubor coloriu suas faces.
— Mil perdões — respondeu, quase encolhendo os ombros. — É que... esta cidade é tão grande para mim. Não sei nem por onde começar. Imaginei que... talvez, nesta hospedaria que vocês escolherem, eu possa trabalhar como garçonete, como eu costumava fazer em Yollan.
Erina sorriu, o olhar se suavizando.
— Não é uma má ideia.
Anastasia baixou os olhos para as próprias mãos, que remexiam os dedos em um gesto nervoso, quase infantil. Sua voz vacilou, mas não perdeu a sinceridade:
— Sinceramente... vocês são o mais próximo que eu tenho de uma família agora.
A confissão caiu entre elas como uma pedra num lago calmo. Kenshiro e Erina, pegos de surpresa, coraram levemente, trocando um olhar rápido que não sabiam decifrar bem.
Anastasia percebeu a reação e se apressou em explicar, tropeçando nas palavras:
— Sei que é estranho, e que acabei de conhecê-los, mas... eu perdi tudo que tinha. Então, mesmo que soe precipitado, estar com vocês me traz um certo alívio.
— Não! — interrompeu Erina, apertando a mão da jovem com firmeza, o sorriso agora aberto e caloroso. — De forma alguma isso soa estranho.
Anastasia devolveu o gesto, os olhos brilhando com um misto de timidez e esperança. Respirou fundo, como se tivesse tirado um peso do peito.
— E você, Kenshiro? — Seus olhos buscaram o espadachim. — Soa estranho para você?
Kenshiro, que vinha caminhando com expressão distante, parou por um instante. Seus dedos tocaram inconscientemente a bainha da espada, um gesto automático sempre que se sentia desconfortável. Ele evitou encarar diretamente Anastasia, desviando o olhar para a frente.
— Não importa o que eu acho — respondeu secamente, acelerando o passo e posicionando-se alguns metros à frente. Sua forma de cortar a conversa era clara, mergulhando-se de imediato em outra discussão qualquer para escapar do peso da pergunta.
Erina suspirou e, voltando-se para Anastasia, ofereceu-lhe um sorriso tranquilizador.
— Não dê bola para ele. “Família” é uma questão muito pessoal para meu marido. Mas se ele discordasse de você, pode ter certeza de que faria questão de deixar claro.
Anastasia riu baixinho, meio aliviada, e apertou novamente a mão de Erina. Caminharam assim, lado a lado, quase como duas irmãs que se apoiavam mutuamente.
Um pouco mais atrás, Xin observava tudo em silêncio. Seu olhar, quase sempre sereno, agora trazia uma sombra de incômodo. Vira como Anastasia se aproximara de Zhen com facilidade, e agora a via se entrelaçar às mãos de Erina e arrancar reações, ainda que involuntárias, de Kenshiro. Para Xin, havia algo desconfortável naquele entrosamento tão repentino, quase natural demais.
Enquanto acompanhava os passos do grupo, uma pergunta se formava em sua mente: estaria tudo acontecendo assim apenas porque Kenshiro e Erina não eram os líderes do grupo?
(...)
As conversas se dissiparam quando chegaram à hospedaria.
Erguia-se diante deles como um verdadeiro monumento, destacando-se em meio às ruas ordenadas de Cenara. Sua fachada, feita de pedra clara talhada em blocos maciços e simétricos, exalava a solidez de algo feito para resistir ao tempo e às intempéries, como se tivesse sido erguida para permanecer ali por séculos. Colunas lisas sustentavam varandas largas, onde pequenas lanternas de vidro colorido já começavam a se acender com a aproximação da noite. Os frontões triangulares acima das entradas eram adornados com relevos detalhados: caravanas cruzando desertos, rodas de carroça em movimento, cavalos em marcha, montanhas ao longe. Toda a iconografia era uma celebração da terra e das estradas que alimentavam a cidade, reforçada nas portas duplas de madeira escura, reforçadas com ferragens de bronze, cujo entalhe de rodas interligadas sugeria um eterno movimento.
Ao atravessarem as portas, o átrio de entrada os envolveu com sua amplitude e luz. O piso de mosaico exibia estradas sinuosas que convergiam para um ponto central, dando a impressão de que os viajantes caminhavam sobre o mapa estilizado de todo o continente. Colunatas de pedra calcária se alinhavam em perfeita ordem, guiando o olhar até o salão principal. As paredes, cobertas por painéis de estuque em tons quentes — ocre, terracota, dourado —, eram interrompidas por tapeçarias de grande riqueza cromática: passagens estreitas entre montanhas, planícies abertas, caravanas intermináveis puxadas por bois e cavalos.
O salão principal era grandioso. As colunatas não só sustentavam o espaço, o dividiam em proporções harmoniosas, como se cada pilar fosse uma nota musical de uma melodia arquitetônica. No centro, diante de uma ampla parede em arco, erguia-se um palco de pedra polida, acessível por três degraus largos. Ao fundo, um painel em mosaico retratava estradas que se ramificavam em todas as direções, transformando o palco numa metáfora viva: a encruzilhada do mundo. Cortinas de tecido carmesim, grossas e pesadas, molduravam a cena, prontas para ocultar ou revelar espetáculos.
O piso do palco era de tábuas de madeira escura, enceradas até refletirem como um espelho a luz das lanternas de bronze suspensas no teto. Acima, uma galeria semicircular sustentada por colunas delicadas permitia que a música e as vozes ecoassem com clareza, preenchendo cada canto do salão. O teto, em caixotões de madeira, trazia entalhes de liras, flautas, rodas de carroça e máscaras teatrais, unindo a arte ao espírito de viagem em um mesmo idioma visual.
À frente do palco, o mosaico se abria em um espaço amplo, preparado tanto para dispor mesas quanto para deixar livre as apresentações mais grandiosas. Lanternas adicionais, presas a suportes de ferro nas paredes, lançavam uma luz dourada e suave, criando um ambiente ao mesmo tempo acolhedor e solene.
Era claro que aquela hospedaria não era apenas um abrigo para mercadores cansados. Era um templo da cultura em movimento. O palco não era apenas madeira e pedra — era um ponto de encontro de vozes, histórias e músicas vindas de todos os cantos, como se Cenara desejasse reter, em sua memória, não só as riquezas das estradas, mas também as narrativas de cada povo que por ali passava.
Próximo ao anoitecer, o espaço começava a ganhar vida. Atendentes corriam de um lado a outro, carregando bandejas, arrumando mesas, trazendo pratos e barris de bebida, cada um mais atarefado do que podia suportar. Ainda assim, todos exibiam sorrisos treinados, como se o trabalho exaustivo fosse apenas um detalhe invisível diante dos clientes.
— Aguardem apenas um momento, já irei atendê-los — disse uma mulher madura, com o rosto corado pelo esforço, enquanto equilibrava nos braços um grande barril de cerveja que parecia pesar mais que o próprio corpo.
O grupo aguardou diante da bancada, observando o vai e vem caótico, até que a mulher retornou, enxugando o suor da testa com a manga. Sua voz era firme, segura de quem já lidara com incontáveis viajantes.
— Do que gostariam, viajantes?
Não havia a mínima necessidade de propaganda. A própria construção já falava por si; qualquer um que tivesse cruzado aquelas portas sabia exatamente o que queria.
— Um quarto, por gentileza — disse Fox, inclinando-se levemente, com aquela formalidade que nunca parecia abandonar sua postura.
A mulher consultou um livro de registros, mordendo os lábios por um instante antes de responder:
— Sinto muito, senhor. Nossos maiores quartos já estão ocupados. Mas tenho certeza de que posso acomodar a todos em quartos separados. Posso ver que os casais devem estar cansados e precisam de um pouco de privacidade...
Fox ergueu a mão, cortando a sugestão com elegância, sem deixar espaço para discussão:
— Apenas um quarto servirá. Gostamos de compartilhar nossos próprios calores corporais, se é que me entende...
Um silêncio desconfortável pairou no ar. A mulher arqueou as sobrancelhas, claramente surpresa com a resposta, não ousou insistir. Apenas baixou os olhos, puxou o contrato de aluguel e o empurrou pela bancada.
Sem provocações, sem sorrisos adicionais, o contrato foi assinado e oficializado.
O grupo seguiu até a escadaria. Os degraus largos ecoaram sob suas botas, e os olhares curiosos dos presentes acompanharam cada passo. No salão, as conversas rarearam, transformando-os em centro de atenção, como se fossem personagens de uma história peculiar que todos queriam decifrar.
Anastasia, no entanto, ficou para trás. O coração acelerava, sua determinação a mantinha firme: queria conseguir um emprego ali.
O restante do grupo desapareceu na escadaria, rumo ao quarto reservado.
No salão, cochichos se espalhavam. Um dos atendentes, sem conseguir conter a curiosidade, inclinou-se até a dona.
— O que foi isso? — perguntou em voz baixa.
A mulher, ainda segurando o livro de registros, respondeu com naturalidade, quase divertida:
— Poligamia, meu caro.
Enquanto isso, Anastasia batia levemente na bancada, tentando chamar atenção novamente. Sua voz, suave, ainda assim carregava firmeza:
— Aham! Por favor?
A dona piscou, voltando-se para a jovem como se a tivesse esquecido por um instante.
— Ah, perdão, minha jovem. Do que precisa?
***
Dentro do quarto, o ar parecia pesado, como se cada respiração fosse roubada pela estreiteza do espaço. O teto baixo dava a sensação de opressão, e, em especial, Gurok mal conseguia se manter ereto sem que sua cabeça roçasse o reboco áspero acima dele. O gigante se inclinava de lado, desconfortável, resmungando baixinho por não encontrar posição.
O aposento que lhes fora cedido era de tamanho mediano, pequeno demais para comportar tanta gente. Era um quarto banal, sem qualquer charme ou cuidado: paredes caiadas de branco, gastas pelo tempo, exalando aquele cheiro levemente úmido que toda pedra antiga carrega. O piso de tábuas, já gasto pelo ir e vir de viajantes, rangia a cada passo, denunciando qualquer movimento.
Uma única janela, estreita e mal encaixada, deixava entrar um feixe de luz pálida que mal afastava a penumbra. No canto, duas camas estreitas ocupavam espaço demais, como se disputassem território com o armário baixo e a mesa pequena que mal comportava dois bancos. Não havia tapetes, cortinas ou enfeites: apenas o mínimo, frio e impessoal, destinado a hóspedes de passagem. E ainda assim, com tantas pessoas espremidas ali dentro, o ambiente parecia um caixote sufocante. O ar carregava o odor da madeira envelhecida e o leve toque de fumaça que subia da cozinha da hospedaria.
— Não pensei que você fosse ser mão de vaca, Fox — comentou Nolan, cruzando os braços e olhando em volta com desdém. — Gastou tudo com suborno e lamparina?
Fox não se deu ao trabalho de responder à provocação. Endireitou o corpo e ergueu a mão, pedindo silêncio.
— Por favor, deem espaço — disse apenas, com firmeza.
Os demais se comprimiram ainda mais junto à porta, afastando-se do centro do quarto. Fox, com passos seguros, caminhou até o meio do espaço e retirou a lamparina que trazia presa à cintura. Abaixou-se devagar e a repousou no chão, como quem coloca algo precioso em seu devido altar.
— Kaji — chamou, a voz carregada de solenidade. — Este é o abrigo que temos. Transforme-o em um lar.
Por um instante, o silêncio pesou. Então, o ar ao redor da lamparina se agitou, tremendo como a visão ondulante sobre pedras escaldadas no verão. As paredes tremeram, não com violência, com uma estranha maleabilidade, como se a realidade tivesse se tornado flexível. O teto se ergueu sem ruído, dobrando-se em silêncio, e o quarto começou a se expandir sem se romper, revelando uma dimensão escondida que sempre estivera ali, dobrada sobre si mesma.
O ranger antigo das tábuas foi substituído por um estalo firme, como madeira fresca sendo assentada. O chão recompôs-se em pranchas largas de pinheiro recém-cortado, que exalavam um perfume resinoso, limpo e revigorante. As paredes antes lisas se tornaram troncos robustos, encaixados com perfeição, trazendo tons de mel e dourado que aqueciam a vista.
O teto, antes opressor, elevou-se alto, sustentado por grossas vigas de madeira clara que cruzavam o espaço em harmonia. À lateral, materializou-se uma lareira de pedra bem talhada, larga e acolhedora, com espaço para abrigar o fogo vivo de Kaji. E quando as chamas surgiram, não eram apenas calor e luz: emanavam uma presença quase humana, reconfortante, que parecia abraçar cada canto do cômodo.
A sensação de sufoco desapareceu. O que antes era um cubículo de hospedaria agora se abria vasto, amplo como um salão, ainda preservando o aconchego de um quarto. Não havia luxo, havia espaço: espaço para respirar, sentar, caminhar sem se esbarrar a cada passo.
A atmosfera que se formou era de calor e acolhimento. As madeiras claras refletiam a luz suave da lareira, que dançava sobre os rostos cansados, enquanto o aroma fresco de pinheiro criava a ilusão de que haviam sido transportados para um refúgio secreto nas montanhas.
Não era apenas um quarto. Era memória e magia misturadas: o chalé de Kenshiro e Erina, refeito em miniatura, recriado em uma lembrança viva. Um lar dentro de quatro paredes que já não pertenciam ao mundo comum.
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