Volume 2 – Arco 7
Capítulo 75: Deserdação
Enquanto os demais se ocupavam em patrulhar a região e procurar a vila, o restante do grupo permanecia no alto do vulcão, atentos a cada gesto de Makoto enquanto ele avançava em seu ritual. A atmosfera era pesada, o ar rarefeito e impregnado de cinzas. O som grave das batidas de seus pés contra o solo se misturava ao borbulhar distante da lava.
— Não acha que deveríamos partir? — perguntou Erina, cruzando os braços, a voz carregada de preocupação.
— Não acho que estejamos em perigo aqui — respondeu Fox, confiante, sem desgrudar os olhos do mago.
— Não foi isso que eu quis dizer — Erina suspirou, lançando-lhe um olhar de reprovação. — Já que a vila está segura, nossos deveres foram cumpridos. O que mais resta para nós?
Fox sorriu de canto, aquele sorriso calculado que tanto irritava os outros.
— É verdade... mas seria um infortúnio perder a chance de adquirir um novo aliado para nosso grupo.
Kenshiro ergueu a sobrancelha, desconfiado.
— Ele? — apontou com o queixo para Makoto. — Já temos dois magos. Por que precisaríamos de mais um?
— Pela experiência dele, pela força... — Fox deixou a frase no ar e virou-se em direção à dupla de magos, esperando que ao menos eles apoiassem sua ideia.
Vaelis, no entanto, cruzou os braços e inclinou a cabeça em sinal de negação.
— Desculpe-me, senhor — disse firme —, mas estou com eles.
— O quê? — Fox franziu o cenho, surpreso.
— É que... — murmurou Soren, hesitante, sentindo a obrigação de completar a fala da parceira. — Ainda que seja poderoso... o poder de Makoto depende exclusivamente das suas peças Arcanas. Sem elas...
— Sem elas, ele vira poeira — Vaelis concluiu sem hesitar.
Fox respirou fundo, cruzando os braços, desapontado. Nenhum dos seus havia tomado seu lado.
— É uma pena... — disse secamente —, que não estejamos em uma democracia.
— Mas Fox... — tentou Erina, dando um passo à frente.
— Se quer decidir o destino de seu grupo, assuma o comando! — disse ele, sem conter a dureza.
O tom ríspido a intimidou, e Erina, apesar da vontade de protestar, recuou para junto de Kenshiro, encontrando conforto na mão dele pousada discretamente em suas costas. Kenshiro, por sua vez, sentiu a raiva arder dentro do peito, mas conteve-se. Não queria que o ressentimento de Fox pesasse ainda mais sobre ela.
Vaelis e Soren trocaram olhares rápidos. Ambos estavam igualmente frustrados com a forma arrogante como Fox conduzia o grupo. Desejavam ver Erina novamente como líder, mas sabiam que isso só poderia acontecer em circunstâncias melhores.
O pequeno conflito roubara a atenção deles por tempo demais. Não perceberam que o ritual de Makoto havia chegado ao clímax.
KRRRUUUMMM!
Um estrondo ensurdecedor fez o solo tremer sob seus pés. O vulcão rugiu como uma fera acordando.
— Está tudo bem?! — Fox correu até Makoto, que se ajoelhava à beira da cratera, os braços erguidos, o suor escorrendo em rios pelo rosto.
— Sim! — respondeu Makoto, a voz embargada de esforço. — Só... preciso chegar... até o fundo... é lá... onde minha mãe está!
Fox arregalou os olhos. O nível da lava estava subindo. Mais um pouco e começaria a transbordar para fora da cratera. A esperança que havia depositado em Makoto começou a se transformar em pânico.
"E se ele falhar?"
O pensamento o paralisou. A imagem da calamidade — a lava descendo pela montanha, devorando tudo em seu caminho — deixou-o incapaz de agir.
— Eu... eu... eu não...
— Vaelis! — A voz de Erina cortou o ar como uma lâmina. — Congele as bordas do vulcão e erga paredes inclinadas para impedir a lava de cair!
Vaelis piscou, surpresa. Por um instante hesitou, mas algo dentro dela — talvez a urgência da situação, talvez o peso da liderança inesperada de Erina — a impulsionou.
Com um gesto rápido, lançou uma rajada de gelo sob os pés e, deslizando como se surfasse sobre sua própria magia, percorreu a borda da cratera. Onde passava, o gelo se espalhava, criando uma crosta espessa. Em seguida, ergueu paredes inclinadas, canalizando a força da natureza com o máximo de precisão possível.
A lava, no entanto, continuava a subir, impiedosa. O calor era sufocante, e o gelo evaporava quase tão rápido quanto surgia. Manter aquela barreira exigia de Vaelis uma drenagem constante de sua mana. Seu corpo já tremia pelo esforço.
Erina apertou os punhos. Ela não iria aguentar sozinha.
— Soren! — gritou. — Tente absorver o calor!
— Mas... é magma! Eu sou um mago de fogo, não...
— OBEDEÇA-ME!
A força na voz de Erina não deixou espaço para dúvidas. Soren engoliu seco, correu até a borda e ergueu as mãos. Virou o rosto de lado, já esperando a dor, e concentrou-se como se estivesse diante de uma fogueira imensa.
Para sua surpresa, funcionou.
O gelo evaporava mais devagar. O ar ao redor tornava-se menos sufocante. Soren estava conseguindo.
Mais ainda: percebeu fragmentos incandescentes de magma sendo atraídos para suas luvas, mesmo queimando o tecido. A energia era semelhante ao fogo que conhecia, mas muito mais bruta, selvagem. Controlá-la exigia um esforço quase sobre-humano.
Makoto ergueu as duas mãos aos céus.
— Consegui! — gritou, a voz ecoando pela cratera.
A lava recuou de repente, como se tivesse sido sugada para o fundo. No centro formou-se um vazio circular, revelando algo que até então permanecera oculto: um esqueleto humano, intacto, protegido pela magia que adormecera o vulcão por séculos.
A alma da mãe de Makoto estava presa ali, cristalizada na essência dos ossos.
Exaustos, Vaelis e Soren perderam as forças. Seus corpos desabaram, mas foram amparados por Kenshiro e Erina antes de atingirem o chão.
— Vocês foram incríveis — disse Erina, com um sorriso cansado e sincero, enquanto deitava Soren ao lado de Vaelis.
Eles não chegaram a desmaiar, mas fecharam os olhos para acelerar a recuperação. Vaelis precisava restaurar sua mana. Já Soren, ainda impregnado pela energia grosseira do magma, teria de esperar até que seu corpo expurgasse aquela força estranha e a substituísse pela sua própria.
No fundo da cratera, o esqueleto começou a flutuar lentamente, até alcançar a superfície. Diante dele, Makoto tremia de emoção.
— Mãe...? — murmurou, a voz embargada. — Você pode me ouvir, mamãe?
O ar brilhou. Uma forma translúcida se ergueu no lugar do esqueleto. Era uma mulher de longos cabelos escuros que caíam até os pés. Sua pele possuía a mesma tonalidade profunda de Makoto.
— Makoto... — Sua voz soou como um sussurro carregado pelo vento. — É você? Minha criança?
— Kenshiro! Erina!
Naquele instante, Zhen surgiu correndo, trazendo poeira e urgência consigo.
— Zhen? Quem é essa com você? — perguntou Kenshiro, franzindo o cenho.
O jovem deixou que Xin e a moça descessem de seu colo. Para surpresa das mesmas, nenhuma delas parecia ter sofrido solavancos durante a corrida; era como se o deslocamento a tamanha velocidade tivesse sido suave como o vento.
— Essa é Anastasia — anunciou ele, a voz grave e carregada de pesar. — A única sobrevivente de Yollan.
O silêncio que se seguiu foi pesado.
— O quê?! — exclamou Erina, incrédula.
— Isso é impossível — completou Kenshiro, olhando de imediato para Makoto. — Ele é um morador de lá...
— Nunca vimos ele por lá... — disse Anastasia, com a voz embargada. Segurava o punho fechado junto ao peito, enquanto lágrimas deslizavam de seus olhos. — Ele chegou sem aviso. Disse que iria vingar sua mãe pelo mal que fizemos a ela. Depois... depois ele reuniu todos. Pegou cada um, homens, mulheres, crianças... e os mergulhou dentro do vulcão!
A revelação caiu como um trovão entre o grupo. O chão pareceu estremecer junto ao coração de cada um.
Enquanto isso, Makoto ainda dialogava com o espírito de sua mãe.
— Eu consegui, mamãe! — disse, os olhos úmidos de emoção. — Eu te libertei!
O espectro, porém, o encarava com tristeza infinita. Sua voz soou quebradiça, como um eco que atravessava eras.
— Meu filho... o que você fez? O Teyocan irá despertar!
— Não se preocupe com isso! Você está livre agora. Pode descansar...
Ela piscou, como se percebesse algo que a própria morte lhe ocultara. Olhou em volta, sentindo as energias ao seu redor.
— Que estranho... eu não estou sozinha aqui. Há... tantas outras presenças. Quantas vidas foram sacrificadas neste vulcão?
O silêncio de Makoto foi resposta suficiente.
— Não — disse, a voz da mãe se transformando em lamento. — Não me diga que foi você.
Makoto desviou o olhar, mas ela avançou, forçando-o a encará-la.
— Responda-me! Você fez isso?
Ele explodiu em desespero.
— Eu apenas os fiz sofrer o mesmo destino que o seu!
A dor da mãe tornou-se visível, como se sua própria forma espectral se partisse em pedaços.
— Como... como pôde? — Sua voz oscilava entre raiva e pranto. — Eu me ofereci de livre vontade. Eu aceitei o sacrifício em troca de uma vida para você. Em troca de que pudesse ser conduzido à AMA, de que tivesse um futuro!
— Qualquer outra pessoa poderia ter ido em seu lugar! — gritou Makoto, lágrimas fervendo em seus olhos. — Não precisava ser você! Eu estudei, eu aprendi, eu me fortaleci... tudo para finalmente libertá-la! Seu filho voltou por você!
O espírito aproximou-se, repousando a mão translúcida sobre o rosto do homem. Nesse instante, sua imagem ganhou nitidez, e sua voz soou clara, firme e irrefutável.
— Você não é meu filho.
Makoto estremeceu como se tivesse sido atravessado por uma lâmina.
— O garoto que criei... o menino por quem sacrifiquei minha vida... está morto há muito tempo. No lugar dele, existe apenas um assassino. Um louco que matou inocentes em busca de uma vingança sem sentido.
— Mas eles... eles mereciam! — Tentou protestar.
— Mereciam? — Interrompeu. — Algum deles tinha vivido mil anos? Algum era culpado pelo que aconteceu comigo? Eram simples aldeões, Makoto. Pessoas que apenas carregavam o fardo de nascer onde nascemos.
As palavras ecoaram dentro dele como marteladas, despedaçando cada justificativa que havia construído ao longo de séculos. Em desespero, Makoto segurou a própria cabeça, e, num ímpeto insano, agarrou o crânio do esqueleto físico que restava da mãe.
Com um grito que misturava ódio e agonia, aqueceu os ossos até que se dissolvessem em magma.
KRRRRUUUUUMMMMM!!!
O vulcão despertou em fúria. Tremores sacudiram a montanha, pedras rolaram, e colunas de fumaça negra subiram aos céus como prenúncio de destruição.
Fox correu até ele, espada em mãos.
— Não pense que...
Não terminou a frase. Uma mão colossal de magma surgiu do interior do vulcão, agarrou-o e o arrastou para dentro da cratera.
— FOX!!! — gritaram em uníssono.
O grupo estremeceu ao ver seu líder desaparecer. Não havia tempo para luto. O vulcão rugia como uma fera prestes a despedaçar o mundo.
Vaelis e Soren despertaram do breve descanso pelo instinto de sobrevivência. Ainda enfraquecidos, levantaram-se ao lado de Kenshiro e Erina, que imediatamente protegeram Anastasia, a única indefesa.
— Malditos... — disse, sua voz reverberando como trovões no interior da montanha. — Pensei que havia acabado com todos vocês. Deem-me a garota, e talvez eu poupe suas vidas miseráveis!
— Ainda que acreditássemos em sua palavra — respondeu Erina, posicionando o escudo à frente de Anastasia —, não deixaremos que mais inocentes morram hoje.
— Hahahaha! — O riso distorcido de Makoto ecoou, espalhando terror. — O líder de vocês já está morto! Vocês acham que têm alguma chance?!
Um brilho cortante riscou o ar.
SHINK!
Kenshiro avançara com velocidade imperceptível, a espada cravada no peito incandescente de Makoto.
O mago olhou para baixo, incrédulo.
— Quando o combate começa — disse Kenshiro, retirando a lâmina e a guardando em seguida —, a menor distração pode ser fatal.
Makoto tombou para trás, arrastado pelo magma que o engolia. Por um instante, parecia que tudo havia terminado.
Mas o vulcão continuava a rugir.
KRRRUUUUMMMMM!!!
De repente, duas enormes mãos de lava irromperam da cratera, e Makoto reapareceu. Mas não era mais homem. Seu corpo havia se transformado em uma fusão grotesca de carne e magma, os antigos adornos Arcanos derretidos agora fundidos à sua pele, formando runas incandescentes que brilhavam como maldições. Seus olhos ardiam como crateras em erupção, refletindo o poder que o consumira, enquanto fragmentos incandescentes reluziam em sua pele ígnea, como brasas vivas prestes a devorar tudo ao redor.
— Seria fácil demais — disse Kenshiro, preparando-se novamente.
Erina avançou ao lado dele, erguendo o escudo, enquanto Zhen, Vaelis, Soren e Xin também se uniam à linha de frente.
Somente Anastasia permaneceu recuada, trêmula, testemunhando o horror que a tragédia de sua vila havia despertado.
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