Volume 2 – Arco 7

Capítulo 74: Encenação

O homem encapuzado executava seu ritual com uma concentração quase impenetrável, como um mestre ferreiro diante da bigorna, forjando o metal incandescente com golpes precisos, consciente de que um único deslize arruinaria toda a obra. Sua respiração compassada acompanhava o ritmo das chamas que dançavam na cratera do vulcão, como se estivesse em perfeita sintonia com aquela força bruta da natureza. 

Por essa razão, qualquer tentativa de aproximação exigia extremo cuidado. 

— Olá, meu bom homem!

A voz de Fox quebrou o ritmo do homem. 

O intrometido se aproximava com passos calculados, cada um lento o bastante para não soar como ameaça. 

O encapuzado virou apenas um pouco o rosto, o suficiente para indicar que havia notado a presença, sem revelar os traços que ocultava. Seus dedos não interromperam o movimento constante, como se o próprio ar estivesse sendo tecido em linhas invisíveis para manter o ritual. 

Fox estava sozinho. Ainda carregava a imponência de sua armadura e o peso de sua espada, diante daquele cenário, não era mais que um indivíduo isolado frente ao poder do vulcão e do misterioso ser.

Não parecia hostil. 

— Não consegue ver o perigo que ronda aqui? — A voz do encapuzado ecoou áspera. — Afaste-se imediatamente! 

Ele voltou a mirar a cratera como se o mundo ao redor fosse mera distração. 

Fox ergueu a mão num gesto discreto, sinalizando para os companheiros que observavam à distância. O gesto significava: “sem risco imediato”. Kenshiro estava próximo a Vaelis, em uma das beiradas que cercavam o espaço amplo; Erina e Soren, atentos, observavam do lado oposto, prontos para reagir a qualquer mudança. 

Chega de provocações, pensou Fox. Aquela situação exigia sobriedade. 

— Eu já vou — disse, num tom quase despreocupado. — Só preciso de algumas respostas, nada além disso. São perguntas para o meu relatório. 

— "Relatório"? — A palavra pareceu estranha ao encapuzado, que finalmente desviou os olhos do fogo para encarar o intruso. 

— Isso mesmo — Fox sorriu de canto, como quem deseja suavizar a tensão. — Estou em missão oficial do Império. Esse vulcão esteve adormecido por muito tempo... e, se despertar de repente, pode causar sérios problemas. 

— Isso não lhe diz respeito! — rosnou o homem, erguendo a mão em direção a Fox. 

A luz do magma refletiu em suas luvas negras, que faiscavam em tons alaranjados, como se pequenas brasas estivessem presas ao tecido. 

“Uma peça Arcana!”, perceberam de imediato os magos do grupo, reconhecendo a natureza perigosa daquele artefato. 

Fox ergueu as mãos no ar, sem esboçar reação hostil. 

Ei, calma! Não quero me intrometer. Entendo que deve ter seus motivos, apenas preciso garantir que os arredores estejam seguros. 

A tensão pareceu se dissolver um pouco. O homem respirou fundo, baixando a mão lentamente. 

— Explique-se. 

— Até onde sei, há uma vila próxima, chamada Yollan — Fox endireitou o corpo, ajustando o tom de voz como se fizesse um discurso. — Como herói imperial e representante oficial das forças de Sua Majestade, é minha obrigação garantir a segurança desses cidadãos. 

— Yollan não pertence ao Império — retrucou o homem. 

— Sim, sim, eu sei disso — Balançou as mãos, tão qual um orquestrador. — Mas está em território imperial. E, convenhamos, qualquer desastre que atinja os povos dentro de nossas fronteiras reflete em nós. Não apenas colocaria em risco aliados e futuros súditos, como envergonharia o nosso grandioso Imperador. 

Silêncio.

O encapuzado, pensativo, baixou ambas as mãos, encerrando os movimentos circulares. O ritual cessou; imediatamente, a lava do vulcão perdeu sua fúria. Não se apagou, mas deixou de dançar em colunas agitadas, mantendo apenas um brilho quente e estável. 

— Muito bem — Sua voz saiu mais calma. — Acabo de iniciar o ritual, então ainda tenho tempo para lhe responder... desde que vá embora assim que terminarmos. 

— Mas é claro! — Fox sorriu como se tudo estivesse conforme o planejado. 

Ambos sentaram-se no chão, de pernas cruzadas, diante da cratera adormecida. Fox tirou de dentro da armadura lápis e papel, encenando anotações rápidas em seu falso relatório, enquanto o homem permanecia com o capuz baixo e os braços cruzados, impassível. 

— Não gostaria de retirar o capuz? — perguntou Fox com falsa leveza, como quem lança uma pergunta banal. 

— Isso é realmente necessário? 

— Apenas precaução — Fox ajeitou o lápis entre os dedos. — Estamos caçando alguns bandidos. Eles têm certas marcas, tatuagens no rosto que os denunciam. Seria descuido da minha parte não verificar. 

Um longo suspiro escapou do homem. Sua relutância era clara, por fim, ergueu as mãos devagar e puxou o capuz para trás, revelando o rosto que mantinha oculto. 

O capuz deslizou lentamente até revelar a cabeça raspada. Ali, uma tatuagem negra se destacava como uma cicatriz simbólica: nascia no topo da cabeça e serpenteava até o pescoço, um traço de estilo tribal que lembrava a ondulação de marés ou a força constante de uma onda prestes a se quebrar. 

Fox arqueou as sobrancelhas, genuinamente surpreso.

— Isso é... inusitado. 

O homem franziu o cenho, a irritação marcada em seu olhar firme.

— Não vai me dizer que os bandidos que persegue possuem esse mesmo sinal. 

— Não, não. Nada disso — Fox abanou uma das mãos, afastando a ideia. — É que... sua pele. Nunca vi nada parecido. 

O homem inclinou levemente a cabeça.

— O que quer dizer com isso? 

Não era apenas a tatuagem. O homem inteiro chamava atenção. Sua pele possuía um tom de negro tão profundo que parecia absorver parte da luz em volta, contrastando com as chamas avermelhadas do vulcão. Não era o bronzeado queimado de Xin, nem o moreno dourado dos que passavam a vida sob o sol dos campos. Era uma cor sólida, como a noite sem lua, ou como a terra fértil ainda úmida após uma tempestade. 

Seus traços eram firmes, angulosos, carregando uma herança distinta, alheia às feições comuns no Império. E não havia submissão nele. Pelo contrário, havia orgulho. Em sua pele, via-se dignidade; em sua postura, a certeza de que cada linha contava não apenas a sua história, mas a de todos os seus semelhantes. 

O grupo, ainda escondido, observava em silêncio absoluto. Kenshiro, Erina, Vaelis e Soren nunca haviam presenciado alguém assim. Para eles, aquele homem era a prova viva de que o mundo era muito maior do que o que o Império lhes ensinara. Era a lembrança de que existiam civilizações, culturas e povos inteiros além das fronteiras que acreditavam conhecer. 

Fox não precisou se explicar. Seu olhar genuíno, quase infantil em sua surpresa, bastava. O homem compreendeu que o impacto não era de preconceito, mas de ignorância. 

Ele suspirou.

— Então eles realmente fizeram isso... 

— O quê? — Fox inclinou-se para a frente. 

— Nada — Desviou o olhar. — Apenas comece logo o seu relatório. 

— Como quiser — Fox anotou algumas linhas falsas, molhando o lápis na ponta da língua para reforçar a encenação. — Vamos começar do início. Qual é o seu nome? 

— Makoto — a resposta veio breve, havia um resquício de hesitação. 

— Certo... Makoto. Nome diferente. Estrangeiro, imagino? 

— Não — Sua voz endureceu. — Sou de Yollan. 

Fox sorriu, tentando aliviar a tensão.

— Melhor ainda! Isso facilita tudo. Afinal, não faria sentido alguém destruir a própria terra natal, não é mesmo? 

— Certamente não. 

— Então vamos direto ao ponto — Fox apoiou o lápis no joelho, como quem está prestes a anotar algo sério. — O que exatamente está tentando fazer com esse vulcão? 

Makoto respirou fundo, como quem precisava buscar em memórias antigas a resposta. Seu olhar se perdeu na cratera ardente antes de voltar-se ao imperial.

— Já deve ter notado as escadarias talhadas na rocha. E este espaço amplo, construído de forma quase ritualística. 

— Sim — Fox fez um gesto com o lápis. — Sacrifícios. 

— Exato — Makoto assentiu com um peso na voz. — Mas não foram em vão. Esses sacrifícios mantiveram este vulcão adormecido. 

Fox piscou, atônito.

— Está dizendo que isso... funcionou? 

— A alma humana carrega atributos poderosos e imprevisíveis — Makoto fechou os olhos por um instante, como quem revivia uma dor antiga. — Num ato de desespero, bastou o sacrifício de uma única mulher para silenciar a fúria de uma montanha inteira. 

Fox se inclinou, intrigado.

— E essa mulher era...? 

Makoto demorou a responder. Quando falou, sua voz saiu grave, quase arranhada.

— Minha mãe. 

Fox abriu um sorriso automático, logo seu rosto se contraiu em incredulidade.

Ah, entendi... — Então a ficha caiu. Seus olhos se arregalaram. — ESPERA AÍ! Se o que diz é verdade... você deveria ter milhares de anos! 

— E eu tenho — Makoto não desviou o olhar. 

O silêncio tomou conta da encosta. O som da lava fervente foi a única trilha da revelação. Fox ficou imóvel, com a boca entreaberta, descrente e fascinado ao mesmo tempo. 

— Bem... devo dizer que está muito bem conservado — comentou, tentando quebrar o gelo. 

Makoto não reagiu à piada. Apenas prosseguiu, com calma.

— Fui encontrado por um mago da AMA quando ainda era jovem. Ele percebeu meu potencial e me treinou. Não demorou até que eu me tornasse um mago. Hoje, meu nome completo é Makoto Vulkar, mago do elemento magma. 

— Impressionante... — Fox anotava, seus olhos brilhavam. — Os magos vivem tanto assim? 

— Alguns séculos, sim. Mas não tanto quanto eu. Ao menos, não de forma convencional. 

— Então... como sobreviveu? 

Makoto afastou a manta que o cobria, revelando o corpo marcado por uma profusão de adornos mágicos: braceletes, colares, correntes e anéis, todos gravados com runas que pulsavam fracamente em tons alaranjados, como corações de pedra ainda incandescentes. 

— Essas peças me deram o poder que prolongou minha vida. Não uma vida comum, uma existência alimentada por magia. 

Fox assobiou baixo, impressionado.

— Uma coleção de relíquias dessas faria qualquer Arcanista perder a cabeça. 

— E foi graças a elas que pude continuar tentando. 

— "Tentando"? 

— Todos os anos, desde que tenho memória, retorno a este vulcão — Makoto pousou a mão sobre a rocha quente. — Tento libertar a alma de minha mãe. Quando fracasso, parto em busca de mais itens que me fortaleçam. Hoje... hoje sinto que irei conseguir. 

Fox levantou-se, sacudindo a poeira da armadura. Estava aliviado.

— Bem... posso ver que você não representa perigo algum. 

Fez um gesto sutil com a mão. Kenshiro, Vaelis, Erina e Soren deixaram seus esconderijos, revelando-se pouco a pouco, até cercarem o espaço ritualístico. 

Makoto acompanhou o movimento, seus olhos se estreitando.

— Então não estava sozinho. 

— Nunca estou — Fox sorriu. 

Makoto suspirou, resignado.

— E agora? O que pretendem fazer? 

Fox ergueu as mãos, pacífico.

— Apenas observaremos. Não se importe conosco. Gostaríamos de permanecer até o fim do seu ritual. 

Makoto encarou-o em silêncio por alguns segundos que pareceram longos. Por fim, assentiu.

— Não sei se tenho muita escolha... 

***

— Você tem certeza disso, senhorita? — perguntou Zhen, inclinando-se um pouco para a frente, a voz carregada de calma, os olhos atentos a cada detalhe da expressão da jovem. 

— Sim... — respondeu ela, hesitante, mordendo o lábio inferior como se as palavras lhe pesassem demais. Sua respiração era trêmula, e mesmo tentando manter a postura, seus dedos se entrelaçavam nervosos. — Tudo começou com barulhos estranhos... assustadores... — A voz vacilou, e lágrimas brilharam em seus olhos antes que pudesse contê-las. — Meu pai pediu para eu me esconder, e... e de repente, todos desapareceram. Não havia mais nada, nem vozes, nem passos. Eu não sabia o que fazer... fiquei aqui, sozinha... 

— Você fez bem em esperar — disse Zhen, num tom firme e reconfortante, pousando a mão com cuidado sobre o ombro dela.

O gesto foi simples, mas a firmeza de seus dedos transmitia segurança, como se estivesse dizendo sem palavras que, a partir daquele momento, ela não precisaria mais enfrentar aquilo sozinha. 

Ao lado, Xin observava a cena em silêncio, a inquietação estava clara em seus olhos. Depois de alguns segundos, fez a pergunta que todos temiam: 

— O que devemos fazer? 

Zhen suspirou profundamente, o peito inflando como se tentasse carregar sozinho o peso da decisão. A resposta, no entanto, não veio de imediato. Ele deixou a taverna, empurrando a porta quebrada, com sua única dobradiça, em um movimento firme. As duas o acompanharam com passos hesitantes, ainda agarradas ao fio de esperança que ele representava. 

Do lado de fora, o ar estava mais pesado, quase sufocante. O céu, antes apenas enevoado, agora era riscado por colunas de fumaça escura que se erguiam do vulcão distante. Era impossível ignorar a ameaça que crescia a cada segundo, como um prenúncio de calamidade. 

Zhen apertou o maxilar. A fumaça não era apenas um sinal — era um aviso. E ele sabia que não podiam mais perder tempo. 

— Venham aqui! — disse de repente, a voz erguendo-se como uma ordem inquestionável. 

As duas jovens recuaram instintivamente, confusas, até que perceberam a intenção dele. Sem esperar que o medo paralisasse seus passos, Zhen as tomou nos braços de uma só vez, com a força de quem carregava não apenas dois corpos, mas duas vidas. 

— Segurem-se bem! — advertiu, olhando-as rapidamente para garantir que tinham entendido a gravidade. 

E então começou a correr. 

Seus pés batiam contra o chão com um ritmo constante, firme, como tambores de guerra. O vento chicoteava contra o rosto, mas não o suficiente para ofuscar sua determinação. Podia não alcançar a velocidade fulminante de seu pai, nem dominar técnicas que transformavam guerreiros em borrões de aço e sangue no campo de batalha, mas sua corrida era impressionante. 

O mundo passava ao redor como um borrão de casas e sombras. A cada passo, Zhen lembrava-se do treinamento de seu pai e a função que ele herdara. Era isso que o movia. Não era força, não era técnica — era a responsabilidade, e o medo de falhar. 

E naquele momento, mais veloz que qualquer cavalo de corrida, Zhen corria com tudo o que podia. 

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