Volume 2 – Arco 7

Capítulo 72: Rivais

A floresta que se estendia diante do grupo parecia interminável. As árvores, de troncos retorcidos e copas densas, abafavam a luz do sol, mergulhando-os em uma penumbra inquietante. O silêncio era tão absoluto que chegava a incomodar; apenas o estalar ocasional de um galho sob os pés rompia aquela quietude opressiva. O ar estava pesado, carregado pelo cheiro acre da terra úmida e por uma névoa leve que se esgueirava entre as raízes. 

Todos sabiam que em algum lugar à frente havia uma vila, mas a cada passo que davam a tarefa parecia mais incerta. 

— Tem certeza de que existe uma vila por aqui? — resmungou Gurok, o cenho franzido enquanto empurrava um galho que lhe bloqueava o caminho. 

— Se eu quisesse enganá-los, teria inventado algo que não nos fizesse perder tempo! — retrucou Nolan, já cansado da desconfiança que pairava sobre ele. 

— Não conseguiremos nada se ficarmos tateando no escuro sem ao menos uma pista — disse Sebastian, a voz grave ecoando entre as árvores. 

Kenshiro ergueu a cabeça, fechando os olhos por um instante. O silêncio lhe parecia quase agressivo.

— Eu não escuto nada... nem mesmo os animais. É como se a floresta tivesse sido esvaziada. 

— Viu só? — disse Nolan, aproveitando a deixa. — A vila já deve ter sido evacuada. 

Takashi, porém, cruzou os braços, desconfiado.

— Ou talvez os estrondos do vulcão estejam atrapalhando a audição de Kenshiro. O som corre pela terra e confunde os sentidos. 

Fox, que até então caminhava à frente, parou de repente. Levou a mão à testa, os olhos semicerrados em um gesto de concentração. O grupo aguardou em silêncio, esperando a decisão do líder improvisado. 

— Está certo... — disse ele, por fim, com voz firme. — Vamos ser mais objetivos. Seguiremos até o vulcão e, de lá, nos afastaremos aos poucos, cobrindo o terreno em círculos. Quem encontrar a vila, grite pelo Kaji. 

— Estarei atento a qualquer chamado — confirmou o elemental, sua forma cintilando em brasas até assumir o modo de combate. O calor que emanava dele fez a névoa recuar. 

Um murmúrio de insegurança atravessou o grupo quando Soren ergueu a voz, um pouco mais alto do que o normal, como se o próprio vulcão abafasse sua fala.

— Esperem... é mesmo seguro ficarmos tão próximos de um vulcão prestes a entrar em erupção? 

Fox riu, descontraído, como se o perigo não o intimidasse.

— Claro que não! Mas, por sorte, temos um especialista em fogo ao nosso lado. — Piscou um olho para Soren. 

O comentário arrancou um riso discreto de alguns, mas deixou Soren corado, preso entre o orgulho e a vergonha. Ficou paralisado por um instante, até sentir o tapa amistoso de Vaelis em suas costas. Ela sorria de orelha a orelha. 

— Vamos lá, especialista — brincou ela, arrastando-o de volta ao ritmo do grupo. 

Seguiram em frente, e o silêncio deu lugar a um novo som: o rosnado surdo do vulcão adiante. Quanto mais se aproximavam, mais o chão tremia sob seus pés, como se o próprio coração da montanha pulsasse. 

Quando chegaram ao sopé do colosso, ficaram surpresos ao encontrar uma escadaria de pedra, incrivelmente preservada, que subia em linha reta até a cratera. Os degraus eram largos, gastos pelo tempo, mas ainda sólidos. 

— Yollan é uma vila antiga, muito antiga... — explicou Nolan, observando as marcas entalhadas nas laterais da escada. — Uma das poucas civilizações que sobreviveram desde antes da Era da Magia. 

Ele fez uma pausa, como se hesitasse antes de continuar.

— Infelizmente, essas civilizações acreditavam em deuses e espíritos famintos, que precisavam ser acalmados com sacrifícios. 

Xin estreitou os olhos, desconfortável.

— Está dizendo que...? 

— Sim. — Nolan suspirou. — Muitos eram afogados nos rios, outros atirados de precipícios... alguns até lançados vivos a feras. Aqui, o destino era ser jogado dentro do vulcão. 

O grupo trocou olhares pesados. 

— A escadaria continua em ótimo estado — observou Sebastian, passando a mão pela pedra. — Como se tivesse sido mantida. 

Fox ergueu a voz em tom leve, tentando quebrar a tensão.

— Relaxem! É apenas uma maneira de preservar a história. Essas tradições, por mais cruéis que sejam, fazem parte do passado de Yollan. É um sinal de respeito. 

Erina, porém, não compartilhou do alívio forçado.

— Respeito? Chamar de tradição o assassinato de inocentes em nome de crenças vazias... — sua voz carregava desprezo. — Esse não é um passado do qual eu gostaria de me orgulhar. 

Nolan fitou-a por um instante, antes de responder, sério: — Talvez não seja para se orgulhar, e sim para nunca esquecer. A memória dos erros serve para que não os repitamos. 

O silêncio recaiu novamente. Apenas o vulcão, com seu ronco profundo, se fazia ouvir. 

Fox respirou fundo, impaciente.

— Chega de conversa. É hora de nos separar. Ainda quero ver de perto o estado dessa montanha antes que seja tarde. Não quero ficar aqui mais do que o necessário.   

— Idem — concordaram os demais, quase em uníssono. 

A divisão foi rápida. Fox, Kenshiro, Erina, Vaelis e Soren subiriam o Teyocan, avaliando o risco de erupção e, se fosse possível, tentando retardar sua fúria. 

Enquanto isso, Sebastian e Nolan; Takashi e Gurok; Zhen e Xin se espalhariam pela floresta em busca da vila perdida de Yollan. A separação não foi ao acaso — Fox uniu aqueles que melhor trabalhavam juntos; ao menos, era o que acreditava.

No sopé da montanha, Kaji permaneceria imóvel, na base da escadaria. Seus olhos de fogo brilhavam em silêncio, atento a qualquer chamado. 

O grupo, enfim, partiu para cumprir o que poderia ser sua missão mais perigosa até agora. 

***

Sebastian e Nolan seguiam lado a lado pela floresta densa. O tempo parecia estagnado ali dentro, e o ar, impregnado pelo cheiro de folhas secas e resina, dava a sensação de que o mundo respirava lentamente. Ambos eram homens experientes, carregando não apenas o peso dos anos, mas também o das batalhas e das escolhas que moldaram suas vidas. 

Conheciam muito. Haviam visto demais. E justamente por isso, o silêncio entre eles não era desconfortável, mas quase natural. Cada um mergulhava em suas próprias reflexões, enquanto os olhos atentos vasculhavam os arredores. Para eles, qualquer migalha de informação poderia ser valiosa, mas não eram do tipo que implorava por respostas nem que desperdiçava fôlego em conversa vazia. 

E assim, sem pressa, caminharam em silêncio absoluto, como duas sombras veteranas, deixando que o próprio farfalhar da floresta fosse a única voz naquele espaço. 

***

Mais ao sul, Gurok e Takashi se distanciaram do ponto de encontro. Só quando acreditaram estar longe o suficiente dos demais é que o orc quebrou o silêncio, resmungando: 

Agh... Por que deixaram a gente junto? 

Takashi apenas inclinou a cabeça, com sua calma costumeira.

— Fox deve acreditar que nós nos damos bem. 

— Eu sei que esse é o motivo! — retrucou Gurok, irritado. — Só não sei por que ele pensa isso. 

— Também não faço ideia... Mas espera. Quer dizer que nós nos damos mal? 

Gurok parou por um instante, franzindo o cenho.

— Não foi isso que eu quis dizer. 

— Mas foi o que pareceu. 

— Eu sei! — resmungou novamente, esfregando a nuca. — O que eu quis dizer é que trabalharíamos melhor com qualquer outra pessoa do grupo. Só estamos juntos quando é para fazer aquelas disputas entre nossas raças. 

Takashi cruzou os braços, olhando-o com seriedade.

— Você sabe que eu só entro nessas disputas para te agradar, não é? Ainda que eu seja um elfo, e todos apontem isso como minha principal característica, eu me enxergo apenas como um ser humano comum. 

Gurok o encarou, surpreso.

— E acha que eu não me vejo como um ser humano? Eu nunca vi outro orc além do meu reflexo no espelho. Nem sei como eles vivem, como se vestem, ou se as histórias que contam sobre eles são verdadeiras. 

Takashi arqueou uma sobrancelha.

— Então qual é o propósito dessas disputas, afinal? 

Ora, descobrir meus limites! — exclamou Gurok, inflando o peito. — E não há muitos no grupo que eu poderia usar como parâmetro. 

Takashi refletiu, levando a mão ao queixo.

— Faz sentido. Kenshiro e Erina são quase sobre-humanos. Xin teve seu desenvolvimento comprometido pela escravidão... 

— Exato! — interrompeu Gurok, retomando a caminhada. — Só restava você. Zhen apareceu depois que entrei para o grupo. 

Takashi riu baixo.

— Mesmo assim, nem eu sei dizer ao certo a diferença entre elfos e humanos. Talvez tenha escolhido mal. 

— Seja como for, não vou voltar atrás. — O orc lançou-lhe um olhar desafiador. — E é claro que você não está tão interessado. Eu também não estaria, se estivesse na desvantagem... 

Ei! — protestou Takashi. — Não foi isso que eu quis dizer. 

— ...Estar três pontos atrás desanima qualquer um. 

— “Três pontos”? — Takashi piscou, incrédulo. — Quando foi que eu perdi? 

— Ontem à noite! Bebeu menos, comeu menos e ainda dormiu antes de mim! 

— Eu... estava cansado! Shenxi foi exaustivo! 

— Não venha com desculpas! — rosnou Gurok. — Assim você nunca vai se recuperar. 

Takashi bufou, indignado.

Ah, é? Pois eu vou encontrar essa vila antes de você, gorducho! 

Num salto ágil, escalou uma árvore e disparou pelos galhos como uma flecha. 

— Não conte com isso! — rugiu Gurok, acelerando atrás dele. 

E assim, em meio a provocações e risadas abafadas, entraram em mais uma disputa. Talvez fosse apenas uma rivalidade infantil, mas com sorte, aquela pressa os levaria até a vila antes do esperado. 

***

Para Xin e Zhen, a situação não era surpresa. Ambos sabiam que Fox os colocaria juntos, talvez justamente para testar se eram capazes de suportar a presença um do outro. 

O problema não era falta de palavras — havia muitas coisas a dizer, talvez até demais. O problema era que, sempre que um tentava começar, o outro cortava ou encerrava o assunto. O silêncio que pairava entre eles era carregado, pesado, diferente do silêncio natural de Sebastian e Nolan. 

O passado estava ali, atravessado entre os dois. Xin, apesar de se esforçar em manter o foco, ainda carregava feridas recentes demais. Zhen, por sua vez, queria curar, mas não sabia como. 

— Como está se sentindo? — perguntou ele, em tom cauteloso. 

Xin não diminuiu o passo.

— Já disse, Zhen. Estou bem. 

— Não falo de saúde — insistiu ele. — Pergunto da escolha de Fox. 

— Era óbvia. Não estou surpresa. 

— Mas se tivesse sido diferente... se tivesse sido com outra pessoa, ainda estaria bem? 

Xin apertou os lábios, irritada.

— Sim! Agora podemos continuar? Há uma vila inteira para salvar. 

Ela acelerou, Zhen não desistiu.

— Só quero dizer que não estou tentando me forçar nossa aproximação. Só quero que tudo volte ao normal... da forma mais natural possível. 

Xin parou e o encarou de lado, os olhos faiscando.

— Se é essa a sua forma de tentar, não está funcionando. Não pode voltar ao seu modo sábio e silencioso? Ao menos assim me irritava menos. 

Zhen respirou fundo, tentando manter a calma.

— É difícil manter o espírito elevado estando tão próximo de você. 

Isso fez Xin parar por completo, virando-se de frente.

— E por quê? 

Zhen hesitou. Mas aqueles olhos exigiam uma resposta verdadeira.

— Porque entre nós há muita coisa. Muitos sentimentos... bons e ruins. 

Xin cruzou os braços, desafiadora.

— “Bons”? Você realmente acredita que há algo positivo de mim em relação a você? 

— Sim. — Ele sustentou o olhar dela. — Existe algo, e você sabe disso. O problema é que... quando uma fazenda sobrevive a uma tempestade, os sobreviventes tendem a lamentar a colheita perdida em vez de agradecer pela vida preservada. 

Ela suspirou, pensativa.

— Então os sentimentos negativos sempre vão ser mais fortes... 

— Nem sempre. — Zhen se aproximou, tomando a mão dela com delicadeza. — Não há nada de errado em sentir dor, frustração, raiva... desde que não se fique preso a isso. Desde que se tenha coragem de seguir até os momentos bons que ainda virão. 

Xin sentiu o toque, hesitou por um instante... mas logo puxou a mão de volta.

— Então não seja apressado, Zhen. Eu estou bem... ao menos, da forma como consigo estar. 

Sem esperar resposta, ela retomou o passo em direção à floresta. Zhen a observou por alguns segundos, com uma mistura de tristeza e esperança, antes de segui-la em silêncio. 

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