Volume 2 – Arco 7

Capítulo 71: Indício

Na manhã seguinte, o acampamento já estava desmontado antes mesmo de Fox e Nolan despertarem — uma disciplina que os surpreendeu. 

Poucas palavras foram trocadas. O silêncio era quase um pacto: sabiam que a concentração seria essencial ao longo do dia. Bastaram alguns olhares para que todos entendessem o quanto precisavam estar em sintonia. Ainda que Fox não fosse o líder que desejavam, era necessário dar-lhe esse espaço, para que Kenshiro e Erina pudessem se recuperar. 

(...) 

O caminho seguia monótono até que Sebastian, após longos minutos de silêncio, achou inevitável puxar conversa: 

— Imagino que esse tal Reiji tenha sido quem ensinou vocês a darem festas à noite, não? — perguntou, olhando ora para Fox, ora para o casal. 

Fox coçou a nuca, sem jeito.

— É... mais ou menos. Se o tivessem conhecido, o achariam, no mínimo, estranho. Diria que era um homem de duas faces. 

— Como assim? — Erina arqueou a sobrancelha. 

— De dia, era quase mudo, sempre focado demais nos arredores. À noite, tornava-se ocupado demais com comida e bebida para conversar. 

— Está brincando? — Kenshiro franziu o cenho. 

— Estou falando sério! — Fox riu sem humor. — Pensando bem, nunca tivemos uma relação clara de mestre e discípulo. Eu fui mais o carregador de suas tralhas do que um aprendiz. Ele nunca me ensinou nada de maneira tradicional... mas sou o que sou por causa dele, tanto nas minhas habilidades com a espada quanto na forma como me porto. 

Kenshiro e Erina se entreolharam, intrigados. O homem que Fox descrevia não lembrava em nada o Reiji Torison que conheceram: divertido, espontâneo, próximo. 

Fox suspirou antes de prosseguir:

— Talvez por isso nossa despedida tenha sido tão estranha. Havíamos acabado de voltar à sua cabana quando ele recebeu uma série de cartas anônimas. Todas carregavam selos mágicos que as consumiam assim que ele terminava de lê-las... 

Fez uma breve pausa, como se as lembranças lhe pesassem.

— E então, sem dar explicações, partiu. Voltou pouco depois, trazendo consigo um bebê recém-nascido. Nunca me disse sua origem, nem por que o carregava. 

— Ren... — sussurraram Kenshiro e Erina ao mesmo tempo. 

— Três dias depois — continuou Fox, com o olhar distante —, o irmão dele, Kenzou Torison, foi morto em circunstâncias suspeitas. Aquilo pareceu quebrá-lo de vez. Reiji pediu que eu seguisse meu próprio caminho. E, na despedida, entregou-me minha espada e minha armadura. 

Sua voz caiu para quase um sussurro.

— Não houve abraços, nem palavras de conforto... nem mesmo um aperto de mãos. Apenas seguimos destinos diferentes. 

O silêncio que se seguiu foi pesado. As revelações de Fox mostravam um lado de Reiji que o casal jamais teria imaginado. 

Percebendo a surpresa em seus rostos, Fox forçou um sorriso.

— Sei que parece estranho, talvez até contraditório com o homem que conheceram. Mas fico feliz em saber que ele mudou... que não repetiu comigo o que foi com vocês. Podem me dizer... como ele era? 

— Sinceramente? — Kenshiro respondeu após alguns instantes. — Achávamos que você se comportava assim por influência dele. 

— Mas, na verdade, parece que foi o contrário — completou Erina. 

A revelação atingiu Fox de forma inesperada. Sempre acreditara que fora reconhecido como aprendiz pelo simples fato de ter recebido aqueles presentes na despedida. Mas descobrir que sua conduta havia inspirado seu mestre a mudar... isso lhe trouxe um peso diferente. Talvez sua vida tivesse sido mais significativa do que pensava. 

Um sorriso tímido, quase complacente, surgiu em seu rosto. 

— Se me permite perguntar — Kenshiro quebrou o silêncio —, como conheceu meu tio? Por que quis ser aprendiz de alguém que parecia não querer discípulos? 

Fox respirou fundo e desviou o olhar.

— Agora não, Kenshiro. Só... agora não. 

Respeitaram o espaço do líder. Ele precisava de tempo para se recompor. 

(...) 

Longas horas se passaram em completo silêncio, quebrado apenas pelo ranger das rodas da carruagem e o farfalhar das árvores que se debruçavam sobre a estrada. O vento carregava o cheiro úmido da terra e, ainda assim, nada acontecia. Nenhum viajante, nenhuma caravana, nem mesmo os sons típicos de animais maiores que, por instinto, costumavam se afastar ao notar a presença humana. 

— É estranho não cruzarmos com ninguém — comentou Takashi, finalmente. Sua voz carregava uma ponta de desconforto. — Não falo de bandidos ou arruaceiros, mas de viajantes comuns. Carregadores, mercadores... gente simples. 

— Essa não é uma rota oficial do Império — respondeu Nolan, paciente, indicando o chão com um gesto. — Veja a grama. Quase intacta, como se não fosse pisada há meses. As rodas de carruagens não passaram por aqui, tampouco cascos de cavalos. 

— Isso faz sentido — acrescentou Xin, ajustando o manto. — Essa estrada está ligada com Shenxi. Uma cidade que nunca esteve aberta ao comércio ou à visitação. Dificilmente alguém se arriscaria a chegar até lá. E agora... — sua voz se apagou, pesada — não há motivos para sequer tentar. 

O silêncio retornou por um instante. O nome de Shenxi carregava um peso que nenhum deles desejava suportar novamente. 

— Ainda assim... — retomou Takashi, inquieto. — É estranho que a estrada tenha sido aberta. Reparem ao redor. Árvores foram cortadas, bosques inteiros afastados para dar espaço a esse caminho. É muito esforço para algo tão... desperdiçado. 

— Esforço do Império — disse Nolan, com firmeza. — Do antigo Império. Criaram rotas entre todas as cidades e vilas, mesmo aquelas que não aceitavam se submeter ao regime. A lógica era simples: ainda que não quisessem fazer parte, era dever do Império manter rotas que garantissem acesso rápido e seguro... tanto para enviar ajuda quanto para intervir, caso fosse necessário. 

Kenshiro soltou uma risada seca.

— Isso não deu muito certo. Os Remanescentes atacaram as cidades da fronteira e o Império não chegou a tempo para salvar ninguém. 

— Perdão — replicou Nolan, franzindo o cenho. — Não me expressei bem. O objetivo era permitir que as vilas alcançassem a Capital em caso de necessidade. 

— Também não funcionou. — Kenshiro desviou o olhar, pensativo. — Valéria não teve essa chance. Mesmo estando tão próxima de Miravalle. 

A paciência de Nolan começava a se esgotar. Inspirou fundo, a voz grave soando mais severa.

— Não, Kenshiro. Essas estradas não foram feitas para deter bandidos ou afastar animais. Foram pensadas para algo muito maior. 

O tom do professor chamou a atenção de todos. Até mesmo Soren e Vaelis, que raramente se interessavam por discursos históricos, voltaram os olhos para ele. Conhecimento antigo, em tempos de caos, era uma arma valiosa. 

— A Capital do Império foi erguida com um propósito: abrigar e proteger toda a civilização humana. — Nolan falava como quem recitava uma lição milenar. — Por isso, todas as rotas até ela eram pavimentadas com pedra, ao contrário da terra batida usada em qualquer outra estrada. Além disso, eram constantemente vigiadas e reparadas. 

Fez uma pausa, deixando o peso das palavras pairar.

— Sempre se acreditou que fosse a cidade mais protegida de todo o Continente. Dizem que a primeira muralha foi projetada para resistir até mesmo a uma enchente capaz de cobrir o mundo. 

Gurok resmungou, cruzando os braços.

— Uma enchente? Se fosse o caso, teria sido mais prático construir uma arca. 

Alguns riram, mas Nolan manteve a seriedade.

— Talvez o exagero faça parte da propaganda. Mas, seja lá quem tenha planejado a Capital e essas rotas, tinha em mente algo colossal. Algo que ainda não enfrentamos. 

As palavras ecoaram na mente do grupo. Por um instante, a ameaça das Sombras e dos Ratos pareceu parte de um destino arquitetado muito antes de suas próprias vidas. A Crônica, talvez, fosse tão antiga quanto o próprio Império. 

E diante dessa possibilidade, a pergunta silenciosa cresceu no coração de todos:

Poderiam eles, apenas um punhado de guerreiros marcados por fracassos, suportar tamanha força? 

KRRRUUUMMM-BOOOOOM! 

A terra tremeu sob seus pés. O som de uma explosão ecoou pelos bosques, como se o próprio coração do mundo tivesse se rompido. O chão vibrou, assustando os cavalos, e folhas choveram dos galhos mais altos. 

— O que foi isso? — gritou Takashi, saltando da carruagem com o arco em punho, os olhos varrendo as sombras da floresta. 

— Pareceu um vulcão... — disse Erina, tentando se equilibrar. 

— Impossível! — Nolan retrucou, alarmado. — Teyocan está adormecido há milênios. Não havia sinal algum de que despertaria agora. 

Fox, por sua vez, manteve-se firme. Seu olhar estava cravado no horizonte, onde uma tênue fumaça se erguia por entre as copas distantes.

— O mundo vem mudando depressa demais — disse, grave. — Há alguma vila próxima? Se Teyocan explodir de fato, quais seriam os danos? 

Nolan hesitou.

— Poucos, eu diria. Há apenas Yollan, uma vila independente, mas que nos últimos anos tem negociado bastante com Cenara. 

Fox permaneceu em silêncio por um instante, avaliando a si mesmo e aos que o seguiam. Por fim, seus olhos encontraram os de Erina — e a decisão foi tomada. 

— Vamos verificar se a vila foi evacuada. 

— Não há necessidade! — protestou Nolan, aflito. — Yollan fica no meio da floresta, nem eu sei sua localização exata. Além disso, não podemos perder tempo. Minha família... 

Fox virou-se para ele, firme.

— Se sua família estivesse em perigo iminente, Nolan, eu não teria diminuído a velocidade. 

Então saltou da carruagem, sem hesitar.

— Como Herói do Povo, não posso ignorar inocentes ao alcance da minha mão. Se Yollan corre perigo, não virarei as costas. 

Um a um, seus subordinados o seguiram, desaparecendo sob a copa densa da floresta. Kaji arrastou a carruagem para os arbustos, escondendo-a da vista de possíveis invasores. Nolan, contrariado e temeroso, não teve escolha a não ser acompanhá-los. 

Sebastian apressou o passo até alcançar Fox.

— Agiu bem — murmurou o confidente. — Posso garantir que todos aqui queriam tomar a mesma decisão. 

Fox apenas sorriu de canto, sem desviar os olhos do caminho.

— Só tentei agir como ela agiria... — sua voz saiu baixa, quase um segredo. — Mesmo que fosse meu desejo, se não fosse o dela, eu teria seguido em frente. 

Sebastian não respondeu, mas o olhar orgulhoso dizia tudo. 

A liderança, afinal, nunca havia mudado. 

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