Volume 2 – Arco 6
Capítulo 64: Desfechos
— É O QUÊ?!!! — exclamaram todos em uníssono, atônitos com a revelação da nova liderança.
— Vocês não podem estar falando sério — disse Sebastian, os olhos arregalados de incredulidade.
— Eu escolhi seguir vocês! Não ele! — protestou Takashi, apontando para Fox com um gesto duro.
— Como podem fazer isso? — perguntou Xin, com a voz baixa, carregada de pesar.
Bastou que Erina levantasse um único dedo, e o grupo se calou instantaneamente.
— Sei o que parece — começou, firme, serena. — E sei que essa decisão pode soar abrupta. Mas não é definitiva.
Ela lançou um olhar breve a Kenshiro, que continuava imóvel, como se estivesse em outro mundo. Seus olhos, antes cheios de energia e propósito, agora estavam baixos, opacos, fixos no chão como se buscassem respostas na pedra.
— Depois do que aconteceu em Shenxi... Kenshiro e eu simplesmente não confiamos mais em nosso julgamento.
Um silêncio desconfortável percorreu o grupo como uma brisa fria.
— Se começarmos a duvidar de nossas decisões, por menores que sejam, levaremos todos vocês direto à morte — disse Erina, voz trêmula no final. — E isso é algo que não posso permitir. Se for preciso abdicar da liderança para protegê-los, então eu o farei.
Apesar do desconforto evidente, ninguém ousou contestá-la abertamente. A liderança de Kenshiro os haviam ensinado a guardar a insatisfação para momentos mais seguros. A disciplina era a base de sua sobrevivência — e isso, eles ainda respeitavam.
Com a aceitação silenciosa, Kenshiro e Erina deram alguns passos para trás.
Era vez de Fox.
— Hahaha! — riu, entusiasmado. — Vocês são mais organizados do que eu esperava! Que bom, isso facilita meu trabalho. Agora... onde está Kaji?
Kaji não demorou a chegar. Podia sentir a presença de seus Mestres como quem escuta um chamado antigo, mesmo em meio aos labirintos da AMA.
Quando viu o novo integrante, lançou um olhar direto a Kenshiro e Erina, cheio de dúvida.
O casal o encarou de volta. E ali, num breve cruzar de olhares, travaram uma conversa silenciosa e intensa — três segundos repletos de argumentos, protestos e resignações.
No fim, Kaji teve de aceitar a mundaça.
— Estou aqui, meu senhor — disse, engolindo a dor.
Aquelas palavras foram uma confirmação para o grupo. Erina e Kenshiro não lideravam mais. A presença de Fox agora reinava sobre eles.
— Kenshiro e Erina me doaram você — disse Fox, sem cerimônias —, junto com todas as propriedades e bens da família Torison.
Abriu um contrato diante deles, com as assinaturas devidamente marcadas.
— Está tudo aqui. Desta forma, eu tenho controle sobre tudo o que eles possuíam. E você — disse, encarando Fox—, está sob meu comando.
Kaji fechou os olhos por um instante. Uma sensação incômoda cresceu em seu peito ao perceber que agora podia sentir a localização exata do quarto de Fox — um vínculo mágico recém-formado. Ainda havia laços com o casal, mas estavam... fracos. Distantes. Como lembranças de uma vida passada.
— Quero ver a Crônica — ordenou Fox. — Use o armário do meu quarto para trazê-la.
Em segundos, o objeto surgiu em suas mãos, vindo pelo mesmo corredor por onde haviam chegado. A Crônica, um pergaminho grosso e pesado, exalava uma aura de importância.
Fox se agachou e o desenrolou no chão, chamando todos com um gesto.
— Pois bem — disse. — Vamos ver do que se trata.
Um a um, os membros se sentaram ao redor. O ar estava denso, como se todos segurassem a respiração. O papel se alisou sob seus olhos.
E, enfim, o verdadeiro motivo daquela jornada começou a se revelar.
Como de costume, a Crônica revelou-se tímida em compartilhar seus segredos.
No centro do pergaminho, fios dourados começaram a se desprender lentamente, flutuando como poeira encantada, manipulados por mãos invisíveis. Dançavam em espirais leves, desenhando formas no ar com uma delicadeza hipnótica.
À medida que os traços se tornavam mais definidos, o ambiente ao redor começou a escurecer. As paredes sumiram em sombras, e a luz foi engolida, como se o próprio mundo silenciasse para assistir à revelação.
Do alto de uma das salas da AMA, onde janelas quebradas davam vista para o jardim devastado, Silas observava em silêncio. Ao seu lado, Mana e Estamina acompanhavam com atenção reverente. Não era a primeira vez que viam uma Crônica — mas cada uma delas era única, sempre mais enigmática que a anterior.
Como era de se esperar, a Crônica seguiu um caminho abstrato.
Um símbolo nasceu no centro: um grande Sol.
Seus raios se projetavam em três camadas concêntricas, como muralhas de luz. Seu brilho era tão intenso que ofuscava, forçando os olhos a piscar. Mas não durou. Pouco a pouco, a luz enfraqueceu. Os raios começaram a se apagar, como se consumidos por um tempo que nada perdoava.
Nas bordas onde a luz já não tocava, surgiu a escuridão.
E, dela, vieram os Ratos.
Eram incontáveis. Moviam-se em enxames que se arrastavam e subiam como ondas vivas. Seus olhos verdes ardiam no escuro, iluminando a destruição enquanto ocupavam os espaços abandonados pela luz. Quando a última camada de raios caiu, os Ratos avançaram com ferocidade, rompendo as defesas invisíveis do Sol.
Até que ele próprio, o símbolo do dia, ficou cercado.
O desenho tremeu. O Sol aumentou de tamanho... e então desapareceu.
Do vazio que se formou, novas figuras surgiram.
Duas silhuetas masculinas. Uma era clara, com o símbolo do Sol estampado no peito — resplandecente, ainda que pálido. A outra era escura, de contornos quase invisíveis, mas com olhos verdes que brilhavam como os dos Ratos.
Eles correram um contra o outro, e quando se chocaram, uma luz intensa os envolveu. A claridade foi tão forte que por um instante tudo sumiu.
E quando reapareceu, ambos jaziam no chão. Imóveis. Como se derrotados.
O grupo observava em silêncio, imaginando que aquele era o fim da visão.
Mas então, uma nova presença surgiu.
Uma figura alta e esbelta emergiu das sombras. Sua pele era tão escura quanto a noite sem estrelas, e os olhos... vermelhos. Brilhavam com a intensidade do próprio Sol, como se este tivesse encontrado um novo hospedeiro.
A figura sombria ergueu o rosto.
E encarou diretamente cada um deles.
Foi como se a Crônica atravessasse o véu entre o visível e o real. O ser avançou com brutal rapidez, correndo em direção ao grupo como se fosse arrancá-los do mundo físico.
Instintivamente, cada um ergueu os braços para se proteger, um reflexo puro de medo e surpresa.
Mas nada os tocou.
Era apenas a ilusão da Crônica — seus desenhos nunca podiam ultrapassar o limite da visão.
O silêncio caiu, denso como a escuridão ao redor. Só então perceberam que algo havia mudado.
Não conseguiam mais ver uns aos outros.
O espaço ao redor tornara-se ainda mais escuro, como se a Crônica tivesse apagado o mundo real.
E a história, claramente, ainda não havia terminado.
***
Kenshiro e Erina sabiam exatamente o que estava por vir.
De mãos dadas, tentavam, ainda que por breves instantes, manter o outro por perto. Como se o calor das palmas unidas pudesse retardar o horror inevitável.
Mas não havia misericórdia no destino que os aguardava.
Foram agarrados à força por mãos invisíveis, arrastados e lançados ao chão. Um de frente para o outro. De joelhos. O corpo imobilizado. O terror, inevitável.
Mais uma vez, seriam submetidos a uma sessão de tortura — e, como sempre, ela pareceria não ter fim. Um pesadelo com gosto de eternidade.
Trocaram um último olhar.
— Eu sei que está com medo... — disse Erina, sua voz trêmula, mas firme. — Apenas feche os olhos... e ignore tudo o que acontecer comigo.
Kenshiro obedeceu. Não havia escolha. Nem força suficiente para questionar. Cerrou os dentes com força, tentando preparar a mente para o pior.
Seus olhos se fecharam — seus ouvidos se mantinham vivos. E, por eles, ele seria obrigado a testemunhar cada detalhe do que viria.
Um silêncio pesado caiu sobre a sala, espesso como breu. Silêncio que não era paz, um prenúncio.
Ploc.
Uma única gota caiu sobre o chão, úmido e invisível. Kenshiro abriu os olhos, instintivamente.
E ali estava ele.
O ser sombrio.
Diferente de como o vira da última vez. Não mais uma simples sombra ou vulto indistinto — agora, ele tomava forma. Um simples semblante, a forma de um homem alto, de músculos largos e corpo imponente. O contorno do rosto podia ser visto com nitidez cruel.
Não havia dúvida. Era o mesmo.
A coroa de espinhos permanecia cravada em sua testa, e dela escorriam finos fios de sangue que lhe desciam pela face, como lágrimas grotescas.
O sangue gotejava, pingando lentamente no chão.
— Ah... — disse a criatura, com a mesma voz etérea de sempre, um sussurro entre os ventos. — O espadachim... Você me causou muita dor da última vez que nos cruzamos...
Kenshiro permaneceu imóvel.
— Agora... — continuou — farei com que ela sinta o mesmo...
O espadachim virou o rosto contra o chão e fechou os olhos com força. Como se assim pudesse se proteger do que viria. Como se a escuridão pudesse poupá-lo de presenciar.
Então, veio o som.
— AAAAAAAAAAHHHHHHHRRGGG!!!
O grito dilacerou o silêncio como um raio cortando a noite.
Kenshiro não sofreu nenhuma dor física. Nenhuma lâmina o tocou. Nenhuma gota de sangue lhe foi tirada. Isso não era alívio. Era a verdadeira punição.
Erina sofria em seu lugar. Era ela quem pagava, corpo e alma, pela dor que ele infligira àquela criatura. Seja lá como o fizera...
E não havia nada que ele pudesse fazer.
Quando, enfim, os gritos cessaram, Kenshiro abriu os olhos.
Erina estava diante dele.
Seu rosto pálido e imóvel.
Seus olhos vazios, presos em uma expressão de dor tão profunda que parecia transcender a morte. Um instante congelado no tempo, o último eco de seu sofrimento.
Kenshiro se aproximou devagar, sem acreditar — esquecendo-se, mesmo que por um segundo, de que tudo era ilusão. Encostou sua testa à dela. A pele estava fria. Sem vida.
E ali, naquele contato mudo e desesperado, chorou.
Chorou por amor, por culpa, por impotência.
Era a maior dor que o ser sombrio poderia infligir ao espadachim. A ferida mais profunda. Aquela que jamais cicatrizaria.
E, satisfeito com isso, o ser deixou Kenshiro para trás.
Sozinho.
Condenado a sofrer eternamente; pelo tempo que aquela ilusão duraria.
***
Erina e Kenshiro sabiam exatamente o que era aquele lugar. Sentiam-no nos ossos, nas memórias, nas cicatrizes que ainda ardiam sob a pele.
Estavam de mãos dadas, tentando espremer os últimos grãos de tempo que restavam na ampulheta da eternidade.
Então, Kenshiro soltou.
Deliberadamente.
Erina arregalou os olhos, surpresa — como se o calor de sua mão tivesse sido arrancado à força, como se um fio invisível que os ligava tivesse sido cortado com violência.
Ela deu um passo hesitante à frente, estendendo a mão para tocá-lo novamente.
Mas Kenshiro recuou, como se o simples toque dela queimasse.
— Não... — disse ele. — Não chegue perto de mim.
Erina parou, confusa. O ar ficou mais pesado.
— O que houve, amor?
— Não... — sua voz falhou, trincada. — Não me chame assim.
Algo em seu tom... algo no olhar que ele desviava... fez o coração de Erina afundar.
— P-por que está dizendo isso?
Kenshiro permaneceu em silêncio por um instante, os olhos perdidos no vazio, antes de murmurar: — Estou cansado, Erina.
Foi quase um sussurro. Quase uma confissão.
— Cansado de lutar, de sentir dor... de seguir uma jornada que já não faz mais sentido pra mim.
— Eu sei, eu sei... — Ela se aproximou lentamente, como se qualquer movimento brusco pudesse quebrá-lo. — Mas nós conversamos sobre isso, podíamos...
— Não! — cortou ele, com a voz erguida pela primeira vez. — Você conversou sobre isso. Eu só fiquei calado. Segui você como um soldado obediente... como um subordinado.
Ele desviou o olhar, a raiva misturada ao arrependimento.
— Eu devia ter me imposto. Eu devia ter dito que não.
— Podemos conversar agora, se quiser...
— Agora, né? — disse ele, irônico. — Depois que uma cidade inteira foi destruída por causa de uma escolha que você tomou. Agora é a hora perfeita pra conversar!
— O que quer que eu diga, Kenshiro?! — rebateu Erina, ferida. — Que me arrependo de termos continuado a jornada? Que ignorei você só pra satisfazer um capricho egoísta?
Ela respirou fundo.
— Pois então se surpreenda: não me arrependo! E não foi só minha decisão, você se esqueceu? “Mais tempo.” Foi isso que nos guiou. Foi isso que nós dois buscamos!
O silêncio caiu como um manto entre eles.
Kenshiro não respondeu de imediato.
Apenas deixou as palavras ecoarem dentro de si.
— “Mais tempo.”
Repetiu-as em voz baixa. Como se as estivesse saboreando... ou amaldiçoando.
— Eu vou conseguir mais tempo para nós dois.
Algo estava errado.
Muito errado.
A escuridão ao redor começou a se agitar, convergindo para o corpo de Kenshiro como fumaça viva. A luz rarefeita parecia fugir dele. Sua armadura de couro desfez-se como papel queimado, dando lugar a placas de metal negro, de um brilho opaco, sombrio.
As espadas outrora platinadas — Bóreas e Notus — tornaram-se lâminas de ébano, sugando o pouco brilho ao redor. Seus olhos, antes profundos e humanos, agora ardiam em vermelho.
Erina recuou um passo, o coração acelerado.
— Nunca conseguiríamos vencê-los... — disse Kenshiro, com voz vazia. — Mas talvez, ao lado deles, possamos ficar juntos. Para sempre. Na eternidade do vazio.
Erina estremeceu.
Kenshiro... agora era um inimigo.
Sabia o que precisava fazer.
Mesmo sem sua armadura, empunhava Aphrodite, sua rapieira ágil. Uma única estocada seria suficiente.
Kenshiro avançou lentamente. Sem pressa. Sem hesitação.
Erina ergueu a lâmina, a ponta da rapieira apontada direto para o peito dele.
Ele não tentou desviar.
Pelo contrário — aproximou-se mais, pegou a ponta da lâmina e a levou até seu pescoço.
Estava se oferecendo.
— Faça — disse ele.
Ela só precisava avançar um passo. Um pequeno impulso. E tudo acabaria.
Mas seus olhos encontraram os dele.
CLANG!
Aphrodite caiu de sua mão, tocando o chão com um som seco e final.
Foi quando Kenshiro passou por ela, silencioso. Como um vulto de luto.
Ergueu suas duas espadas, agora negras como a noite, e cruzou as lâminas rente ao pescoço da esposa.
Erina fechou os olhos.
As lágrimas escorriam por suas bochechas.
Ela não resistiu.
Não porque estivesse indefesa. Porque matar Kenshiro seria uma dor ainda mais insuportável que morrer por ele.
SHINK!
O corte foi limpo. Silencioso. Preciso.
O beijo de uma despedida.
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