Volume 2 – Arco 6

Capítulo 61: Era das Trevas

Ainda que de forma silenciosa, a humanidade revelou sua perversidade ao reunir novamente os Caçadores. O ressurgimento desse grupo não foi acompanhado de reflexão, apenas de conveniência. Após um massacre ocorrido numa vila remota — atribuído a Híbridos —, reacendeu-se o medo coletivo. O episódio, mal investigado e cercado de incertezas, bastou para reacender a velha chama do preconceito. 

Nesse ínterim, uma vertente dos Híbridos começou a se desviar dos demais, guiada por uma sede insaciável de sangue. Assim nasceram os vampiros — os primeiros mortos-vivos. Apesar de sua condição, eram criaturas racionais, cultas e disciplinadas. Sua dieta era composta de sangue, sim, mas não se restringia ao humano; todos os seres vivos de carne podiam servir-lhes de sustento. 

Contudo, à semelhança dos antigos humanos, os vampiros sabiam extrair seus recursos com harmonia. Mantinham seus números controlados, conscientes de que o equilíbrio era vital à sobrevivência de sua espécie. 

O vampirismo poderia ser considerado uma maldição, ou até mesmo uma doença. Ele não corrompia o corpo — este permanecia intacto —, mas matava a alma. E ainda que restassem as memórias, o intelecto e o caráter do indivíduo, não poderia mais ser mutável pela ação do tempo ou do aprendizado. 

Por essa razão, a transformação era realizada com extremo critério. Os vampiros escolhiam a dedo os que seriam agraciados — ou amaldiçoados — com sua dádiva. A pessoa deveria estar à beira da morte, envolta em sofrimento profundo; precisava ter razões legítimas para continuar existindo. E, por fim, seus familiares deveriam consentir com o ritual. 

Ainda assim, houve aqueles que abusaram do dom. Vampiros que mergulharam em atos de destruição e crueldade, deixando marcas eternas em sua espécie. Os Caçadores, sempre sedentos por justificar sua existência, usaram esses desvios como prova. Invadiram o único castelo onde os vampiros viviam em sociedade, espalhando o terror e dispersando os sobreviventes. 

A campanha contra os vampiros fortaleceu os Caçadores. Adquiriram prestígio, relíquias, poções raras e recursos mágicos de imenso valor. 

Com o declínio dos vampiros, voltaram-se então para novos alvos: as Feras Místicas e os demais Híbridos. 

Começaram eliminando aqueles que viviam nas cidades humanas ou em suas redondezas. O massacre foi brutal e rápido. Ainda que muitos cidadãos sentissem repulsa pelas ações dos Caçadores, bastou que os espólios fossem distribuídos para que a aceitação florescesse. O ouro falou mais alto que a ética. 

Os Híbridos tentaram resistir. Buscaram o diálogo, expuseram os horrores da perseguição, imploraram pelo desmantelamento dos Caçadores e pelo julgamento de seus crimes. 

A resposta foi uma armadilha. O diálogo morreu ali. 

Quando a chamada Grande Caçada foi oficializada, os elfos não hesitaram. Conhecendo o padrão da humanidade, sabiam que, uma vez extintos os alvos atuais, seriam os próximos na lista. Abandonaram todas as civilizações humanas e marcharam para Arboris, nas imediações da cidade mágica de AMA. Ali, fincaram raízes em Eldertree — uma floresta inteira que transformaram em sua nova pátria. 

Com a ajuda dos magos, criaram defesas colossais: árvores-fronteira tornaram-se muralhas vivas, impenetráveis. Nenhum exército humano conseguiria atravessar aqueles limites. A partir de então, elfos e magos tornaram-se inacessíveis. 

Os magos, por sua vez, passaram a depender de portais para se locomover. Sem contato com o mundo exterior, começaram a buscar novos aprendizes diretamente em suas casas, usando os portais para encontrá-los. 

A Grande Caçada chegou ao fim com o quase total extermínio das Feras Místicas. E, com ela, extinguiu-se também o propósito dos Caçadores. Sem monstros a matar, definharam até desaparecer. 

Os magos, atentos, esperavam que os humanos voltassem seu ódio contra os elfos. Mas foram surpreendidos ao ver que o novo alvo era a própria AMA. 

Um pedido de ajuda foi enviado aos elfos — uma simples retribuição de favores antigos —, mas os elfos recusaram, firmes em sua neutralidade. 

A situação piorou quando os próprios magos, antes mestres e aprendizes renomados, começaram a se dividir. Muitos passaram a almejar o domínio da AMA para si. 

Diante da ameaça, os últimos magos fiéis reuniram-se e, em um ato desesperado, lançaram um feitiço de proporções colossais. A academia inteira desapareceu em um único instante. Onde antes havia torres, bibliotecas e portais, restou apenas uma cratera profunda. 

Mal sabiam que haviam sido transportados para o espaço, onde se tornaram um segundo e minúsculo satélite do planeta.

A partir deste ponto, os registros tornam-se confusos. Os relatos são fragmentados, envoltos em especulação. 

Mas uma coisa é certa: com a magia cada vez mais escassa no mundo, os humanos voltaram-se uns contra os outros. 

Nem mesmo os períodos mais conturbados da antiguidade, nem a grande guerra contra os orcs, testemunharam tanto derramamento de sangue quanto essa nova era. Em determinado momento, tornou-se impossível discernir vítimas de algozes. Todos pareciam culpados — todos pareciam gananciosos, odiosos, consumidos pelo desespero. 

Filhos matavam pais para herdar fortunas prematuramente. Irmãos se matavam por ciúmes ou posse. Amigos, colegas e até desconhecidos morriam por carregar algo de valor. E houve casos terríveis em que pais devoraram os próprios filhos, seduzidos pela ilusão de absorver sua vitalidade. 

Alguns especulam que, sem os magos — sem um guia para compreender os princípios da magia —, a humanidade voltou a tratar o oculto com ignorância. Recorreram a métodos bárbaros, a rituais sem sentido, como nos tempos mais primitivos. 

Contudo, não foi apenas ignorância: foi uma escolha. A humanidade escolheu rejeitar seu legado, desprezar os ensinamentos antigos, queimar manuscritos, apagar a luz do conhecimento. 

Havia, sim, alguns poucos humanos sensatos. Mas eram tão raros, tão isolados, que sua existência mal alterava o rumo dos acontecimentos. 

E assim, se nenhuma ação fosse tomada... a humanidade pereceria pelas próprias mãos. 

Foi então que Ele veio. 

Surgindo nos céus como um farol de esperança, um cavaleiro resplandecente em dourado apresentou-se como um enviado dos divinos. Seu nome era Adam. E sua missão era clara: pôr fim à loucura, restaurar a paz e devolver à humanidade a sanidade que havia perdido. 

Declarou que, caso alguém ousasse se opor à sua vontade, traria a justiça com as próprias mãos. 

Mas Adam não estava sozinho. 

Ao seu lado marchavam onze cavaleiros de armaduras platinadas — homens comuns, mas que haviam sido agraciados por ele com bênçãos divinas. Haviam sido escolhidos por demonstrarem bondade, coragem e compaixão em meio ao caos. Tornaram-se conhecidos como os Onze Discípulos de Adam. 

Juntos, em um intervalo surpreendentemente curto, restabeleceram a ordem. Onde antes havia matança, ergueu-se a civilidade. Onde reinava o medo, floresceu a esperança. 

Contudo, Adam sabia que sua presença e a de seus Discípulos não seriam suficientes para manter a paz indefinidamente. O mundo precisava de uma estrutura, de uma força permanente. E assim, nasceu o Império. 

O Império não surgiu no coração do continente, embora ainda estivesse nas Grandes Planícies, sua ambição era clara desde o princípio: expandir-se. Tornar-se o lar de toda a humanidade. Ser tão vasto e poderoso que nenhum inimigo ousaria desafiá-lo. 

Seus pilares foram fincados sobre dois princípios inegociáveis de Adam: Ordem e Serventia. 

Com impressionante velocidade, o Império se espalhou pelo continente, absorvendo territórios, incorporando povos e esmagando resistências. Restaram apenas alguns refúgios isolados, inóspitos demais para justificar o esforço da conquista. 

Mesmo assim, nem todos aceitaram a nova ordem. Alguns resistiram por convicção, outros por ignorância. Havia bárbaros, criminosos e aqueles que simplesmente não se encaixavam na visão de Adam para o futuro. 

Para esses, a morte não seria a resposta. 

Adam não acreditava que a execução fosse uma solução justa — salvo em tempos de completa escuridão e caos. A punição deveria vir com consciência, não com sangue. Por isso, criou um segundo reino. Um lugar onde o mal pudesse ser contido, longe dos olhos da nova civilização.

Este reino foi chamado de Remanescentes. 

Mais prisão do que reino, os Remanescentes foram confinados ao extremo sul do continente — nas Geleiras, uma terra gelada, árida e hostil. Ali, os próprios condenados tornaram-se responsáveis por vigiar e punir uns aos outros. Se a justiça falhasse, o clima trataria de cumprir a sentença. 

Assim, quando o mundo enfim parecia respirar em paz novamente, Adam desapareceu. 

Sem deixar rastros, sem uma palavra. 

Para encontrá-lo, o Império formou uma nova ordem, única em seu propósito: localizar o salvador da humanidade. Chamaram essa formação de Zero. 

Zero se estabeleceu no extremo norte, nas colossais montanhas de Altos Titã, lar das maiores elevações do continente. Ali permaneceram, investigando sinais, escavando ruínas e vasculhando os céus — em busca de qualquer pista sobre Adam. 

Mas com o passar dos séculos, suas histórias foram se dissipando... até se tornarem meros contos, mitos e lendas. 

Mesmo assim, a importância dos Onze Discípulos jamais se apagou. Embora sua origem tenha se tornado nebulosa e, em alguns pontos, contraditória, o legado de seus feitos permaneceu — perpetuado pelos que vieram depois: os chamados Descendentes. 

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