Volume 2 – Arco 6

Capítulo 60: Era da Magia

O planeta cresceu de forma natural, como deveria ser. Montanhas ergueram-se sob pressões invisíveis, mares se formaram nos vazios deixados pela erosão dos séculos, e os ventos esculpiram as paisagens como mãos pacientes e eternas. A vida floresceu. Inúmeras espécies seguiram seus próprios caminhos na dança da evolução, mas nenhuma alcançou a complexidade, a inteligência e a ambição dos humanos. 

Eles foram os primeiros a edificar sociedades, a dividir a terra, a nomear rios, estrelas e ideias. Espalharam-se por todo o continente, movidos por curiosidade, necessidade e instinto. E, por um breve momento na história do mundo, viveram em equilíbrio — entre si e com a própria natureza. Não havia guerras. Não havia muralhas. Apenas o fluxo contínuo da vida, como se assim estivesse destinado a ser. 

Mas a harmonia raramente dura. 

Não há registros claros. Nenhuma escritura confiável, nenhum relato unânime. Apenas rumores antigos, canções esquecidas e pedras gravadas com símbolos perdidos. Ainda assim, todos os povos concordam em um ponto: a magia chegou ao mundo de forma repentina. 

Não se sabe de onde veio, nem a razão para sua chegada. Mas seus efeitos foram visíveis — e inevitáveis. 

As plantas foram as primeiras a mudar. Cresciam mais rápido, mais fortes, algumas até com luz própria ou espinhos que entoavam sons quando tocados pelo vento. Em seguida, vieram os herbívoros, transformados por forças invisíveis que os dotaram de resistência, inteligência e, em alguns casos, dons estranhos. Logo depois, os carnívoros evoluíram, e a cadeia da vida foi reescrita com tinta mágica. 

Essas criaturas, diferentes de tudo que os humanos conheciam, passaram a ser chamadas de Feras Místicas. Unicórnios, serpentes colossais, dragões, felinos feitos de chamas, pássaros que cantavam em línguas esquecidas — seres cuja simples existência evocava tanto temor quanto maravilhamento. 

A humanidade, diante desse novo mundo, sentiu-se pequena. E então... invejou. 

Maravilhamento cedeu espaço à cobiça. Homens deixaram de contemplar as Feras como maravilhas e passaram a persegui-las como troféus. Não as caçavam mais por necessidade, mas por desejo. Queriam suas peles, suas presas, seus chifres — e, sobretudo, queriam o poder que imaginavam estar escondido dentro de seus corpos. 

Tribo após tribo, sociedade após sociedade, caçadores tornaram-se guerreiros. Vestiam as escamas dos dragões como armaduras. Forjavam lanças com os ossos das serpentes. Erguiam totens com as asas dos grifos. E pela primeira vez, voltaram suas armas uns contra os outros. 

Esses conflitos vieram antes mesmo da descoberta do ferro ou do cobre. Não foi o metal que levou o homem à guerra — a guerra levou o homem ao metal. 

O conflito se tornou o novo motor da civilização. O desejo de destruir superou o de compreender. Cada povo criou seu próprio dialeto, isolou-se em tradições, alimentou rivalidades. E na busca por supremacia, desenvolveram armas mais afiadas, fortificações mais altas, estratégias mais cruéis. 

A guerra moldou o espírito humano. 

A humanidade aprendeu a comer com ferramentas — não por refinamento, por necessidade de ferir. As lanças, antes usadas na caça, tornaram-se garfos. As lâminas, forjadas para guerra, tornaram-se facas. O gesto de cortar carne à mesa era o eco de milênios de cortes feitos em carne viva, em campos manchados de sangue. 

Assim, abandonaram as cavernas e deixaram para trás as frágeis cabanas de palha e barro. Ergueram construções imponentes de pedra e madeira, muralhas gigantescas, torres que desafiavam os céus. Atingiram, enfim, o ápice de sua era — não pelo conhecimento, pela dominação. 

E ali permaneceram. 

Estagnados. 

Castelos de pedra tornaram-se túmulos de ideias. A humanidade alcançou sua glória e, sem perceber, parou de crescer. A guerra os fez subir... e também os impediu de seguir adiante. 

Quando os homens compreenderam que não poderiam superar as Feras Místicas pela força bruta, voltaram seu olhar para o invisível. Se não podiam competir com a natureza mágica... tentariam manipulá-la. 

Assim começou uma nova era de obsessão e descoberta. Reis, estudiosos e mercenários lançaram-se em uma corrida silenciosa pelo domínio do que chamavam de energia primordial. Centenas de experimentos foram realizados — alguns com rigor e método, muitos conduzidos com pressa, ignorância e crueldade. 

Foi nesse período turbulento, guiado pela ambição e pelo caos, que a humanidade obteve seu maior avanço: a compreensão de que a magia tinha uma origem comum — uma fonte primária. Um eco das antigas teorias ressurgiu: a energia que dava forma à magia emanava da Matriz. 

Ainda assim, como sempre, a Matriz permanecia inalcançável. Intocável. Nenhuma amostra foi coletada, nenhuma réplica produzida. Era como tentar capturar o vento com as mãos ou conter a luz em um frasco. 

Pior: descobriu-se que o corpo humano não era receptivo à magia. Ao contrário das Feras Místicas, que pareciam absorver magia através da alimentação e do instinto, os homens não a assimilavam por vias naturais. A energia os rejeitava — ou os destruía por dentro. 

E havia mais. Quando uma Fera Mística morria, toda sua essência mágica se dissipava no instante da morte. Chifres, peles, garras — tudo perdia seu poder assim que o coração cessava. O que tornava toda a carnificina passada não apenas bárbara, mas inútil. 

Para contornar essa limitação, uma nova força foi criada: os Caçadores. 

Mercenários treinados não apenas para matar, mas para subjugar. Sua missão era capturar Feras Místicas vivas — ou, ao menos, arrancar sua magia antes que a morte a levasse. Utilizavam métodos cruéis, artefatos experimentais e técnicas sombrias. E foram bem-sucedidos. Pela primeira vez, humanos puderam observar a magia em seu estado mais puro — ainda viva, ainda pulsante. 

Mas entre todos os nomes surgidos nesse período, nenhum brilhou tanto quanto o de Isael Newman. 

Isael não era um rei, nem um general. Era um erudito. Um andarilho silencioso, de mente inquieta e olhos que pareciam enxergar além do visível. Onde outros viam fracasso, ele via padrão. Onde outros viam impossibilidade, ele via brechas. 

Foi ele o primeiro a compreender a estrutura da magia. E mais do que isso — foi o primeiro a absorvê-la. Seu corpo, de alguma forma, aceitou o poder que destruía outros. Ninguém sabe como ou por quê. Alguns dizem que havia sangue de Fera em suas veias. Outros, que a própria Matriz o escolheu. 

Isael tornou-se o primeiro verdadeiro mago da história. E com seu despertar, surgiram maravilhas que pareciam pertencer aos contos antigos: chamas que não queimavam, vozes que atravessavam quilômetros, construções erigidas com um gesto. Ele detinha conhecimento, longevidade e poder que desafiavam a compreensão humana. 

Mas não era um conquistador. 

Isael temia o que a humanidade faria caso obtivesse acesso irrestrito à magia. Sabia que os homens ainda estavam imersos em ganância, conflito e ignorância. E por isso, guardou seus segredos. 

Nenhum reino ousou enfrentá-lo. Nenhuma ordem tentou capturá-lo. Isael se tornou uma figura intocável, quase mítica. Um guardião involuntário de um poder que poucos podiam sequer conceber. 

Ainda assim, ele tinha esperança. 

Acreditava que, em meio ao caos, poderia encontrar indivíduos dignos de compreender e usar a magia com sabedoria. Assim, iniciou uma peregrinação silenciosa. Viajou por desertos e florestas, cruzou montanhas e reinos em ruínas, sempre à procura de mentes abertas, espíritos fortes e corações justos. 

Em poucos anos, reuniu cerca de duas centenas de discípulos. A esses, ensinou tudo o que sabia — com cautela, com paciência, com fé. E junto deles, fundou a AMA: Academia de Magia de Arboris. 

Localizada em um vale escondido por névoas eternas e protegido por encantamentos ancestrais, a AMA tornou-se o primeiro bastião do saber mágico. Um local onde o poder não era cultuado pela força, mas estudado com reverência. 

Com sua fundação, a história registrou um novo marco: a Era da Magia havia começado. 

A AMA, a Academia de Magia de Arboris, não era um lugar de acesso fácil — e nem deveria ser. 

Para alcançá-la, era necessário atravessar a imensa e mais perigosa floresta de todo o continente. Suas árvores colossais formavam muralhas naturais, seus ventos confundiam os sentidos, e os que ousavam entrar sem propósito firme dificilmente encontravam a saída. Monstros antigos, espíritos vegetais e armadilhas mágicas transformavam a jornada em um teste de fé, coragem e obsessão. 

Aqueles que conseguiam chegar à AMA, exaustos e mudados, eram apenas dois tipos: os que ansiavam pelo conhecimento com toda a alma, e os que desejavam poder a qualquer custo. Ambos, de certa forma, eram considerados dignos. Pois só quem estava disposto a se perder, merecia se encontrar. 

Com o passar das décadas, os magos formados pela Academia passaram a ocupar papéis diversos no continente. Eram vistos como sábios, visionários, conselheiros, milagreiros. Alguns tornaram-se braços-direitos de reis e senhores, outros viajantes solitários, mestres de pequenas escolas, ou figuras isoladas e enigmáticas, veneradas ou temidas pelas vilas onde se instalavam. 

Diversos nomes se destacaram nessa nova ordem. Cada um deixou sua marca ao fundar, dominar ou inovar um ramo da magia. 

Entre eles, estava Tesla, o mago que aprendeu a manipular e conduzir a eletricidade. 

Mas à medida que a magia se tornava acessível, novas fronteiras foram forçadas além do aceitável. 

Povos que não conseguiam acessar os dons naturais da magia buscaram alternativas artificiais. Entre inúmeras tentativas fracassadas e experimentos cruéis, uma única linhagem humana pareceu obter sucesso ao fundir magia diretamente ao corpo. Dessa mutação emergiu uma nova raça: os Elfos. 

Apesar de sua origem humana, os Elfos logo passaram a se considerar uma espécie superior. 

Suas características mágicas os tornavam imunes a doenças, resistentes ao tempo, e dotados de uma habilidade impressionante: excelência quase inata em tudo que se propunham a fazer. Sua beleza era etérea, suas formas simétricas, sua presença imponente. E, para diferenciar-se ainda mais da humanidade que os gerara, adotaram novos modos, vestimentas, linguagens e tradições. No entanto, o único traço físico que realmente os separava eram suas orelhas pontiagudas. 

Apesar da arrogância, os Elfos e os humanos conviveram em relativa harmonia. Não havia guerras. Não havia massacres. Não como antes. Talvez, pela primeira vez desde os tempos primordiais, o sonho de Isael Newman estivesse ao alcance da realidade.

Mas nenhum período, ainda que repleto de avanços, é constante do começo ao fim.

Essa brusca mudança veio na forma de um homem comum. Um ferreiro fracassado, consumido por inveja, desprezado pelos magos e humilhado pelos senhores para quem trabalhou. Seu nome era Arcanus — e sua descoberta alteraria para sempre o equilíbrio do mundo. 

Arcanus encontrou uma forma de manipular a magia sem a necessidade de canalizá-la pelo corpo. Criou métodos para imbuir ferramentas e armas com características mágicas, forjando o que mais tarde seriam as armas e armaduras Arcanas. 

Os magos tentaram contê-lo. Tentaram convencê-lo a dividir seu conhecimento, a integrá-lo à AMA, a seguir o caminho de Newman. Mas Arcanus recusou todos os diálogos. Talvez por orgulho. Talvez por não saber o que causaria; ou por desejar exatamente isso. 

Com seu desaparecimento seus segredos se espalharam como pragas douradas. Não caíram nas mãos dos estudiosos, mas sim dos Reis e Senhores, que esconderam esse conhecimento de seus próprios magos. 

E então, como em todo ciclo antigo, a guerra retornou. 

Com armas encantadas, espadas flamejantes, armaduras que repeliam feitiços e lanças que absorviam mana, as nações voltaram a se enfrentar em campos de batalha incendiados. A destruição superava a de qualquer era anterior. 

Os próprios magos, obrigados por seus Votos de Servidão a servirem a seus reis e senhores, foram arrastados para a guerra. Tornaram-se peças em jogos brutais — torres vivas de destruição. 

A ilusão de invencibilidade não durou. Por mais poderosos que fossem, os magos não eram deuses. Suas reservas de mana eram finitas. E quando se esgotavam, caíam — vulneráveis como qualquer outro. Muitos foram abatidos logo após exaurirem sua força, outros foram derrotados pelo simples número de adversários, e alguns pereceram ao enfrentar outros magos mais fortes. 

Foi no auge do caos, quando o continente sangrava pelas feridas de guerras intermináveis e magias devastadoras, que uma nova ameaça emergiu — os Orcs. 

Diferente dos Elfos, cuja origem humana ainda era visível sob sua perfeição mágica, os Orcs não carregavam traços de humanidade. Eram criaturas brutais, de pele esverdeada, músculos descomunais e rostos deformados. Tinham pouca ou nenhuma capacidade de raciocínio complexo. Pareciam existir apenas para dois propósitos: procriar e destruir. 

E o faziam com eficiência aterradora. 

Enquanto humanos levavam nove meses para gerar uma vida, e Elfos demoravam entre dois e cinco anos para conceber um descendente, os Orcs levavam apenas duas semanas. Em questão de meses, haviam formado legiões inteiras, avançando como uma praga sobre vilas, fortalezas e reinos, deixando atrás de si um rastro de ruínas e cinzas. 

O mais aterrador era que, apesar da devastação, nenhum Orc parecia morrer. As forças conjuntas de humanos e elfos tombavam em milhares, mas os monstros continuavam marchando, intactos, como se fossem feitos de pedra viva. 

Então, um homem se ergueu sozinho. 

Ninguém sabia seu nome. Ninguém conhecia sua origem. Mas sozinho, ele enfrentou os Orcs... e os derrotou. Não com magia, nem com armas Arcanas, mas com um poder que jamais havia sido visto: a Essência. 

A Essência era uma energia primitiva, pura, anterior à própria magia. Não vinha da Matriz, nem das Feras Místicas. Vinha de dentro — da alma, da vontade, da convicção. E com ela, o homem afugentou os Orcs, poupando apenas os que conseguiram fugir. Tornou-se, assim, o Primeiro Herói. 

Para humanos e elfos, ele foi mais do que um salvador — foi um símbolo. Sua presença uniu o continente, dissolvendo rivalidades milenares. Povos antes inimigos agora marchavam lado a lado, guiados pelo Herói e por um propósito comum: salvar o mundo. 

Empunhando armas Arcanas, flanqueados por todos os magos da AMA e liderados pela força da Essência, marcharam contra os Orcs. A guerra que se seguiu foi feroz e lendária. O continente tremeu. Cidades foram arrasadas, rios tingidos de sangue. Mas pouco a pouco, os exércitos dos orcs foram sendo empurrados até o Lamaçal, um pântano estéril e amaldiçoado. 

Ali, quando a vitória parecia certa, os comandantes clamavam pelo extermínio final da espécie. Mas o Herói, movido por compaixão ou visão, ordenou que parassem. 

Em vez de matá-los, mandou construir uma grande muralha, selando os orcs dentro do Lamaçal. Acreditava que, com o tempo, até mesmo eles poderiam evoluir. Que talvez, um dia, encontrassem razão e equilíbrio, como os homens um dia haviam feito. 

E assim, a guerra acabou. 

A paz começou. 

A humanidade entrou em uma nova era de prosperidade. As antigas práticas de caça foram abandonadas. A natureza, antes ferida e temerosa, voltou a confiar. Até as Feras Místicas, outrora perseguidas, passaram a caminhar entre os homens com respeito mútuo. 

Com o tempo, selou-se a reconciliação definitiva. Os antigos Caçadores foram dissolvidos, e um novo elo nasceu entre homem e besta: os Híbridos. 

Frutos de um pacto ancestral entre Feras Místicas e humanos, os Híbridos eram seres de formas mutáveis, capazes de adotar diferentes aparências, gêneros e habilidades, conforme a necessidade ou desejo. Sua reprodução era mágica, não exigindo ato físico, embora o prazer carnal ainda fosse possível. Eram símbolos vivos da harmonia recém alcançada entre espécies. 

As cidades foram reconstruídas com sabedoria. 

Os Elfos, mais humildes, deixaram de se considerar superiores. 

Humanos e Elfos, Híbridos e Feras, viviam lado a lado, em paz. 

Nenhum conflito surgiu. 

Por algum tempo... 

Até que, numa noite silenciosa, a escuridão voltou — não em forma de exércitos, mas de um único gesto covarde. 

Sem aviso, sem motivação aparente, a casa que abrigava os descendentes do Herói foi invadida. Cada membro da família foi morto, seus pertences saqueados, seus corpos abandonados. 

A investigação oficial nada descobriu. Nenhum culpado, nenhum rastro. Apenas silêncio. 

O mundo entrou em choque. 

Como era possível um crime tão vil, contra uma linhagem a quem o continente devia sua existência? 

Foi ganância? 

Inveja? 

Ou apenas a face verdadeira da natureza humana, espreitando pacientemente nas sombras? 

Seja qual for a resposta, o efeito foi devastador. Em poucos meses, o nome do Herói foi apagado da história. Suas páginas foram arrancadas, suas estátuas destruídas. 

Como se ele nunca tivesse existido. 

E com o fim de sua memória, a luz também se apagou. 

As nações se fecharam novamente em si. A desconfiança voltou. A ganância, o medo, a vaidade — tudo ressurgiu. 

Começava, ali, o fim da Era da Magia. 

E nascia a Era das Trevas. 

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