Volume 2 – Arco 13
Capítulo 146: Essências Despertas
“Onde foi parar o vampiro?”
Mesmo para Varelith, vampiros eram criaturas traiçoeiras de se detectar.Podiam estar diante dos olhos e ainda assim escapar da percepção, dissolvidos entre sombras e respirações contidas.
Mas ela acreditava ter todos os inimigos rendidos.
E por isso, baixou a guarda.
SHHRIK!
Um corte rasgou-lhe a parte de trás de seu pescoço. Rápido, limpo, letal. A lâmina abriu-lhe a carne até quase o meio do pescoço, buscando a decapitação.
Varelith congelou.
Se girasse o corpo sem saber a direção, o golpe se completaria.
Instintivamente, liberou dezenas de adagas, lançando-as em todas as direções.
CLANG! CLANG!
O ar se encheu de aço, um enxame cintilante girando em fúria desordenada.
O corte cessou de se expandir.
A regeneração iniciou, suturando o ferimento numa ferida negra e fumegante.
Somente então ela se atreveu a virar.
E lá estava ele.
Sebastian.
Sentado no chão, o corpo cravejado com pelo menos duas dezenas de adagas. As lâminas o haviam empalado e o lançado metros para trás — caso contrário, teria conseguido arrancar-lhe a cabeça.
— Não sei se te parabenizo pela ousadia, ou se me culpo por abaixar a minha guarda, Sebastian — disse Varelith.
Mesmo assim, ele sorria.
Um sorriso feral, tenso, mostrando os dentes manchados de sangue.
Levantou uma das mãos, o líquido escorrendo por entre os dedos.
— Ainda está com a guarda baixa... — murmurou, antes de levar o sangue à boca.
O gosto metálico e quente desceu pela sua garganta.
Varelith estremeceu.
A conexão com sua marionete foi rompida pela própria Anastasia.
“Anastasia, não!”
A voz da mãe ecoou em desespero mental.
Mas já era tarde.
— Sebastian, não faça isso! — gritou Anastasia, apavorada.
O vampiro levantou o rosto, e suas pupilas se dilataram até tomarem todo o vermelho dos olhos.
O brilho que surgiu era idêntico ao de Varelith — um vermelho pulsante, vivo e maligno, que vibrava como se tivesse vida própria.
O sangue que ingerira não era um simples líquido, mas uma essência carregada de poder ancestral. Agora, aquilo fervilhava dentro dele, queimando suas entranhas, corrompendo e fortalecendo ao mesmo tempo.
Pouco se importava.
Pouco se lembrava de si mesmo.
Arriscaria tudo.
Por uma única chance de vitória.
As adagas que o perfuravam começaram a se desprender sozinhas, uma a uma, caindo ao chão. E, em seu lugar, novas adagas nasciam, flutuando ao seu redor, enferrujadas, quebradiças, dançando sob uma luz invisível.
Um rugido brutal escapou de sua garganta.
— Aaaaaahhhhhhh!
Era impossível saber se era um grito de dor, fúria ou libertação.
E então, ele atacou.
A chuva de lâminas explodiu no ar, movendo-se com precisão insana.
Cada adaga parecia guiada por um instinto predatório, não mais pela mente de Sebastian — mas por algo maior, algo que não era inteiramente dele.
Anastasia recuou, desesperada.
Ainda sob o controle parcial de Varelith, ergueu as mãos, e as suas próprias adagas surgiram em resposta, um reflexo automático de preservação.
Ela não queria lutar.
Não queria feri-lo.
Mas não tinha escolha.
Um duelo de forças semelhantes começara.
Adagas contra adagas.
Cada impacto ressoava como uma verdadeira batalha de exércitos, ausente apenas os gritos e choros dos milhares.
O chão se cobria de cortes, armas e pedaços de energias mágicas.
O olhar de Anastasia suplicava em silêncio:
“Por favor, pare.”
Mas Sebastian já não estava ali.
Restava apenas a fome. O sangue.
E a determinação de um monstro que escolheu se perder para proteger o que amava.
Os outros ainda não conseguiam acreditar no que viam.
O vampiro — Sebastian — estava de pé, mas em seus olhos, nariz, boca e ouvidos jorrava sangue, escorrendo em filetes densos e escuros. A cena era grotesca e hipnótica.
O horror os manteve imóveis.
Mas a voz do Confidente quebrou o transe:
— Vamos, pessoal! — gritou com força, mesmo ferido. — Essa luta ainda não acabou! Até que nossos corpos estejam sem vida, ou até vencermos, não parem!
As palavras acenderam algo neles.
Dor, medo, adrenalina — tudo se misturou num mesmo impulso.
Anastasia, porém, estava completamente focada em Sebastian. E foi por isso que não viu a flecha.
THWIP!
O projétil atravessou-lhe o ombro esquerdo, fazendo-a cambalear.
Virando-se bruscamente, viu Takashi, já com outra flecha encaixada e pronta.
Zhen e Xin não hesitaram.
Mesmo sem mana, sem armas, sem fôlego, avançaram juntos.
Zhen e Xin tentaram golpeá-la somente com suas mãos. O monge não conseguia emanar sua Essência, movia-se apenas com uma coragem duvidosa e força de vontade contraditória. A jovem por perder sua única arma, seu chicote, tentaria o melhor com seu estilo de luta desleixado.
Ela girou, tentando acertar o rosto de Anastasia com um chute, mas suas pernas mal ergueram-se o suficiente. Mesmo assim, o golpe forçou Anastasia a se esquivar, abrindo brecha para o ataque de Zhen.
O punho do monge acertou-lhe o rosto com força surpreendente, arrancando-lhe sangue e foco.
Por um instante, as adagas de Sebastian cessaram.
Talvez por fraqueza, talvez por vontade.
E isso deu à marionete um respiro — tempo suficiente para reagir ao perigo.
— Eu só estou tentando ajudá-lo! — gritou Anastasia, ofegante, mais para si mesma do que para os outros.
Mas sua distração custou caro.
THOOM!
O chão tremeu atrás dela.
Gurok vinha correndo, brandindo um martelo com ambas as mãos, o olhar tomado por pura fúria. A pancada desceu como um trovão, o ar se dobrou ao redor do golpe.
Anastasia reagiu no último segundo.
Dezenas de adagas materializaram-se ao seu redor, formando um anel metálico de defesa.
As adagas estalaram, mas resistiram, prendendo o martelo, impedindo o esmagamento.
Sem perceber, outras adagas já haviam prendido Gurok em sua própria armadura. Algo que Anastasia tentara fazer anteriormente, agora que estava mais forte, conseguira sem muitos problemas.
Anastasia recuou um passo, o olhar vazio.
Os olhos dela brilhavam em vermelho puro — a influência de Varelith ainda viva dentro dela.
Ela ergueu as mãos.
Em um segundo, dezenas de adagas flutuaram ao redor do corpo, cada uma apontada para um alvo diferente.
Takashi. Zhen. Xin. Gurok.
— Eu não queria fazer isso... — sussurrou.
Mas as adagas começaram a vibrar. A luz nelas se intensificou. Um só movimento seria o bastante para aniquilar todos de uma vez.
— Agh!
SHHHHRAAAAM!
O som veio depois. O impacto, antes.
Um pequeno buraco se abriu bem no centro de seu peito, onde o coração deveria pulsar.
O estrondo lembrou um trovão cortante, que pareceu rasgar o ar de uma só vez. A força semelhante a uma flecha impossível, tão veloz e pesada que o som deixou um rastro vibrante no campo inteiro antes de desaparecer no horizonte.
Por um instante, Anastasia não entendeu o que havia acontecido.
Apenas sentiu o calor escapar, a pressão do sangue cedendo para o vazio.
Olhou para baixo.
O ar atravessava o orifício com um assobio fraco, quase cômico, e mesmo assim não havia dor. Apenas a certeza — gélida e absurda — de que fora atingida.
Girou-se com desespero, procurando a origem.
Não havia ninguém à frente, nem nas laterais — só o silêncio distorcido do campo de batalha.
SHHHHRAAAAM!
Dessa vez, o golpe foi no rosto.
O olho esquerdo explodiu em fragmentos de luz e sangue, o mundo perdendo a profundidade.
Um segundo disparo. Um segundo acerto perfeito.
Agora, ela o viu.
A quilômetros dali.
Erina Waltz.
A Capitã não estava mais como antes.
O escudo, outrora símbolo de proteção, jazia esquecido.
Em suas mãos, uma espada longa e fina, uma rapieira — Aphrodite —, uma lâmina de linha esguia, brilhando como vidro líquido.
Suas roupas estavam rasgadas, mas seu corpo se mantinha firme, ereto, inquebrável. Seu cabelo, antes escuro, agora prateava-se como o luar sobre metal polido E sua aura, antes verde e branda, ardia em ouro translúcido, constante, intenso, sereno como o sol em zênite.
Anastasia hesitou.
Mesmo sem sentir dor, percebeu o peso daquilo que via.
Aquilo não era apenas magia, era a manifestação pura da vontade de Erina — sua Essência.
Ainda assim, tentou raciocinar. Dois ataques. Nenhum terceiro. Deduziu que a energia de Erina havia enfim se esgotado.
Um erro.
— Uma pena não estar mais com sua armadura — zombou Anastasia, movendo as mãos — Desta forma, não será necessário o uso da minha Essência.
As adagas começaram a vibrar ao redor dela, dezenas, talvez centenas, um enxame de aço vivo. Cada uma pulsava com sua própria luz, pronta para perfurar qualquer defesa, qualquer carne.
Mas antes que pudesse comandá-las...
— IMPULSO!
TCHRRANG-KRAAANG-SHINNN!
O som reverberou como vidro se partindo.
Um clarão dourado varreu o campo.
As adagas foram refletidas todas de uma só vez, ricocheteando no ar como fagulhas incandescentes. Elas se desfizeram, desintegrando-se antes de tocar o chão, como poeira levada pelo vento.
Anastasia arregalou os olhos — o esquerdo já perdido — e viu quem havia aparecido diante dela.
Um homem.
Ajoelhado.
Respirando com dificuldade.
As espadas ainda tremiam em suas mãos.
A armadura era simples, antiga, rachada. O centro da armadura, aberto por um buraco que expunha um rompimento. E, mesmo assim, a carne estava intacta.
Ele ergueu o rosto.
Os cabelos escuros. O olhar modesto.
Mas os olhos...
Os olhos ardiam como sóis.
E então o ar se partiu com a força de sua aura.
Uma explosão dourada, irregular, viva, fervilhante.
Kenshiro Torison.
O Vice-líder. Ressurgido.
— Ah... ah...
Um gemido vacilante, frágil, que fez Anastasia virar-se. Lembrava-lhe algo. Alguém. Um eco de dor e de culpa.
— Por favor... acalmem-se... — tentou dizer. — Nós...
Mas o reflexo de Varelith dentro dela reagiu primeiro.
A Marionete desviou, o corpo movendo-se sozinho, o instinto gritando perigo.
O golpe de Kenshiro passou a centímetros de seu rosto, cortando o ar como um raio dourado.
O som reverberou nas colinas, despedaçando o silêncio.
O olhar dele não tinha hesitação. Não havia piedade. Apenas a fúria sagrada da alma desperta.
O medo percorreu a espinha de Anastasia. Seu corpo inteiro tremia. Ela conhecia esse olhar. Aquele brilho não era humano.
E, sabendo que não poderia vencê-lo naquele estado, fez a única coisa que lhe restava.
Correu.
Um passo. Depois outro. E em um instante, Erina e Kenshiro desapareceram da vista de todos.
A perseguição havia começado.
Seus subordinados apenas observaram — incapaz de compreender o que estava acontecendo. O ar ainda tremia, como se a realidade hesitasse em voltar ao normal.
E entre os gemidos que ainda ecoavam ao longe, uma única voz se repetia, rouca, quase sem fôlego:
— Ah... ah...
Os gemidos continuavam.
***
Correndo o máximo que podia, Anastasia não fazia ideia de para onde estava indo.
O chão sob seus pés parecia dissolver-se, cada passo ecoando como se o mundo inteiro fosse feito de vidro prestes a se estilhaçar. Ela respirava rápido demais, e o medo apertava-lhe o peito.
“Anastasia, acalme-se...” — a voz de Varelith sussurrou, longínqua, fraca. — “Deixe-me assumir aq...”
Kenshiro apareceu à sua frente.
Simplesmente estava ali, como se o espaço entre eles tivesse sido devorado. Sua presença era uma muralha dourada. Um farol inevitável.
Anastasia tropeçou nos próprios pés, o desespero turvando seus movimentos. Tentou girar, correr para o lado oposto, escapar daquela força que não podia enfrentar.
SHHHHRAAAAM!
A perna direita se abriu em carne e luz.
O sangue evaporava antes mesmo de cair.
A dor veio atrasada, violenta, quebrando-lhe o fôlego.
Atrás dela, Erina permanecia imóvel — um monumento em meio ao caos.
A cada respiração, vapores dourados escapavam de seus lábios, como névoas de fogo divino.
Seu corpo parecia distante, mas sua presença era opressora, firme, inevitável.
Os ataques que lançava eram lentos, ritmados com as batidas do próprio coração.
Cada disparo de energia exigia um fôlego, uma vida.
Anastasia entendeu que não havia fuga possível.
Não havia horizonte.
Fechou os olhos, e invocou tudo o que restava.
Chamou cada fragmento de energia, cada resquício da vontade de Varelith.
E, pela primeira vez, o silêncio dentro de sua mente se fez absoluto.
A voz de sua mãe cessou.
As adagas começaram a surgir em torno dela — milhares, talvez dezenas de milhares.
Um enxame metálico e vivo.
Kenshiro continuava imóvel, observando.
As duas espadas, uma em cada mão, brilhavam sob a mesma luz dourada que emanava de sua pele.
Seus olhos, fixos nela, não mostravam ódio. Apenas decisão. O tipo de decisão que o universo corroborava.
As adagas voaram.
O ar cortou em ondas, a energia colidiu, e o som se tornou um rugido contínuo.
Ela tentava tudo: ataques pela frente, pela retaguarda, lados e por cima.
Os ataques vindos pela retaguarda e por cima erma dissipados antes de alcançá-lo. A aura dourada de sua Essência servindo como uma barreira. Os que vinham pelas laterais eram desviados pela pressão do vento que o espadachim criava inconsientemente.
Anastasia entendeu que sua única chance era uma ataque frontal, direto, carregado.
As adagas voaram como um rio invertido, gritando no ar.
E Kenshiro, enfim, se moveu.
— AAHHH! — o grito dele foi a fagulha.
O chão se abriu sob seus pés.
A energia o envolveu, e cada golpe que desferia era uma sentença. As espadas cortavam o ar numa velocidade impossível, refletindo e desfazendo dezenas de lâminas por vez.
A cada movimento, o ouro se tornava mais intenso, mais quente, mais vivo.
Anastasia gritou de volta, a garganta rasgando-se com o esforço.
Tentava reforçar suas adagas, torná-las mais densas, mais rápidas.
Mas era inútil.
O vendaval dourado a consumia.
A maré se invertia.
Metade de suas armas já havia sido aniquilada.
E o medo voltou.
Voltou o olhar para Erina ao longe.
Não havia salvação naquele rosto sereno e distante.
Nenhuma adaga alcançaria aquela mulher.
Nenhuma fuga era possível.
Por um instante, seu coração — o mesmo que se regenerava sem descanso — pareceu querer parar.
Talvez fugir ainda fosse...
SHHHHRAAAAM!
Outro buraco.
Novamente, onde o coração insistia em se refazer.
O corpo de Anastasia se curvou, os joelhos tremendo.
Ela lutou contra o instinto de cair, contra o vazio que já começava a puxá-la.
Tentou procurar Erina. Ela havia desaparecido no horizonte.
Quando se deu conta, Kenshiro já estava a poucos passos.
As últimas adagas se desfaziam como cinzas flutuando no vento.
A luz dourada dele banhava tudo, inclusive o medo dela.
— Como pode ainda estar vivo? — sussurrou Anastasia, trêmula. — Viktor... não havia te matado?
Kenshiro ergueu a cabeça.
Sua voz saiu calma, fria, carregada de uma serenidade aterradora.
— Vocês subestimaram a insistência da minha alma... assim como a compaixão de Erina — Ele deu um passo. Depois outro. Cada um fazia o chão estremecer. —E é por isso que você vai perder. É por isso que você vai morrer.
Anastasia começou a chorar.
— Não... eu... eu não quero morrer!
Todas as adagas desapareceram de uma vez, dissolvendo-se em pura luz.
A energia recolhida em seu corpo, pronta para uma última tentativa de fuga.
Mas não teve tempo.
— IMPULSO!
Dessa vez, ela ouviu o som antes do impacto.
Um instante. Um único instante.
E a ponta de Aphrodite atravessou-lhe o peito.
O metal perfurou o coração impedindo-o de se regenerar.
O corpo de Anastasia foi lançado diretamente contra Kenshiro.
Ele não hesitou.
Girou a espada num movimento único.
SHINKS!
A lâmina traçou uma linha perfeita.
O corpo parou.
E a cabeça da Sombra se desprendeu, rolando lentamente pelo chão, os olhos ainda abertos.
A marionete finalmente tombou.
Imóvel.
...
O campo de batalha se aquietou.
As auras douradas começaram a se dissipar, como se o sol tivesse cumprido sua promessa.
As batidas dos corações de ambos — Kenshiro e Erina — voltaram ao ritmo humano.
Ela respirou fundo, o cabelo retornando à cor original.
Ele baixou as espadas, o olhar limpo mais uma vez.
E, juntos, sem ensaio, sem precisar combinar, disseram:
— Nós vencemos.
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