Volume 2 – Arco 13
Capítulo 145: Pela Última Vez
Kenshiro despertou.
Não havia som.
Nem calor, nem frio.
Nem chão, nem céu.
Apenas o vazio.
Um nada espesso e sombrio o engolia por todos os lados — sufocante em sua neutralidade, opressor em sua serenidade.
Não existia vento, nem vibração, nem mesmo o pulsar de um coração distante. Apenas um silêncio absoluto, tão denso que parecia ter peso.
Não havia horizonte, nem limites.
Era uma vastidão imóvel e sem vida.
A sensação, no entanto, não era nova. Pelo contrário, havia algo nela que lhe corroía com nostalgia — uma lembrança que não deveria existir, um eco de um lugar que jamais fora real.
Como poderia sentir saudade de um espaço que sequer existe?
A pergunta reverberou dentro dele, mas nenhuma resposta veio.
Nem mesmo o eco de sua própria voz.
A escuridão se estendia até onde o olhar alcançava — e mesmo o olhar parecia perder-se nela, como se o mundo o estivesse devorando aos poucos.
Ainda assim, Kenshiro percebeu-se de pé, embora não tivesse lembrança de ter se erguido.
O corpo parecia leve demais, quase translúcido, como se um simples sopro pudesse desfazê-lo.
Havia uma estranha ausência de dor, mas também de força.
Como se estivesse entre o último batimento e o esquecimento.
Ele sabia.
Dessa vez era diferente.
Então, a dor — aquela dor familiar e cruel — se manifestou.
Um golpe agudo em seu peito o fez cair de joelhos, arquejando, as mãos pressionando o local onde outrora estivera o coração.
E naquele instante, ele compreendeu o porquê de estar ali.
Estava morrendo.
E, como antes, ele apareceu.
Uma silhueta formou-se diante dele — uma figura idêntica. Os mesmos olhos, o mesmo semblante cansado. Mas o olhar... o olhar era diferente. Frio, resignado.
— Olá de novo, — disse o reflexo, a voz ecoando como se viesse de dentro da própria mente. — Acredito que pela última vez, no entanto.
Kenshiro ergueu o rosto, confuso.
— Última vez? — murmurou. — O que quer dizer?
O reflexo inclinou a cabeça, como quem observa um animal moribundo.
— Nós iremos morrer — disse calmamente. — Kenshiro irá morrer. Simples assim.
Ele deixou escapar um sorriso breve e melancólico.
— É... eu deduzi isso.
Ergueu-se com esforço, mesmo que o movimento não fizesse sentido em um lugar sem chão. E, ao olhar para o reflexo, não precisou ver o buraco no peito para saber o que estava acontecendo. Sentia o mesmo vazio pulsando dentro de si — como se parte dele tivesse sido arrancada à força.
— Se estamos morrendo, — disse, respirando com dificuldade, — qual a razão de ainda não ter acontecido? E por que está tudo tão escuro? — acrescentou, olhando ao redor. — Não era assim das outras vezes...
O reflexo o observou em silêncio por alguns segundos, o olhar distante.
— Você se lembra?
— Acredito que sim — murmurou Kenshiro. — Antes era completamente branco. Depois, cinza. E agora... apenas escuridão.
O outro assentiu lentamente.
— Houve mudanças, sim — disse o reflexo. — Mas o espaço permaneceu o mesmo.
Fez uma pausa longa, deixando que o silêncio os envolvesse de novo.
— Foi a gente que mudou... não o lugar.
Kenshiro franziu o cenho.
— Como assim?
Sem aviso, seu outro eu sentou-se.
O gesto foi simples, mas carregado de exaustão. Não havia arrogância, nem a altivez que costumava ver em seu reflexo. Ele parecia... abatido, cansado de existir.
— Não vejo mais razões para refletir... — disse o reflexo, com uma serenidade quase fria. — Respondendo algumas de suas perguntas: nós dois somos Kenshiro... e, ao mesmo tempo, não somos.
Kenshiro apenas o fitou, confuso, mas atento.
— Eu sou a inconsciência — continuou o reflexo. — A mente, a razão, a Mana. E você... é a consciência. O coração, a emoção, a Estamina.
— Não sei se entendo, mas deve estar falando a verdade. — murmurou Ken... Estamina, sentando-se no mesmo vazio. — E nesse caso... onde estaria a Essência?
Mana respirou fundo, um gesto que parecia mais lembrança do que necessidade.
— Quem sabe? — respondeu. — Teoricamente, a Essência é a alma. E por isso estamos sozinhos aqui. Ela deve ter partido. Nós ficamos... presos neste vazio até o corpo descansar por completo... ou até nos tornarmos Renascidos.
Estamina o encarou, surpreso.
— O quê?!
Mana sorriu levemente, mas o gesto carecia de vida.
— Já se perguntou qual é a verdadeira identidade de um indivíduo? — disse, olhando para o nada. — Se a reencarnação existe, quem renasce é realmente o mesmo ser da vida passada? Ou é apenas a energia sendo reciclada, moldando uma nova consciência, um novo “eu”?
— Não estou entendendo... — murmurou Estamina.
— É claro que não — respondeu Mana com uma calma cortante. — Estou falando com a parte emocional, enquanto eu sou a racional.
Estamina franziu o cenho.
— É por isso que está tão triste? — perguntou. — Acha que acabou? Que tudo está perdido?
— Esperança é uma emoção — retrucou. — Eu não tenho isso. Eu apenas enxergo os fatos e as probabilidades. E, acredite... as chances não estão do nosso lado.
Houve um breve silêncio.
Pensar e refletir não era algo forte de Estamina, na verdade, era pessimo nisso. Porém algo pareceu fazer-lhe algum sentindo.
— Você disse uma vez que aqui o tempo não passa. Isso ainda vale?
— Sim — respondeu Mana, com indiferença. — O tempo não flui aqui. Ficaremos presos até entrarmos em sintonia.
— Sintonia? — perguntou ele.
— Sim. Se eu me aproximar de você, criando “esperança”, talvez tenhamos uma chance. Se for o contrário, se você se render à minha quietude, morreremos definitivamente.
— E então? — perguntou Estamina.
— “Então”, o quê?
— Quando vamos nos sintonizar para voltarmos... e lutarmos?
Por um instante, Mana ficou em silêncio. Depois, deixou escapar um riso curto, cansado.
— Você é mesmo irracional...
(...)
Embora não tivesse se passado nem um único instante, pareciam ter transcorrido longos anos naquele limbo silencioso.
O tempo ali não fluía, mas o peso da imobilidade era sufocante. Nenhum dos dois queria ceder, nenhum queria abandonar seu lado.
O Silêncio se tornara uma parede invisível entre eles.
Estamina acreditou que, se ficasse quieto o suficiente, talvez Mana desistisse por tédio. Mas logo percebeu que estava em desvantagem: o silêncio era o domínio dele — a quietude, o raciocínio frio, o vazio entre um pensamento e outro.
E mesmo que perturbá-lo fosse tentador, divertido até, sabia que não seria daquela forma que o traria de volta.
Se queria convencê-lo, teria de entrar em seu território.
— Não acho que você tenha perdido fé na Erina — A voz de Estamina soou firme, quebrando o vazio como uma pedra na superfície de um lago.
Mana levantou o olhar, surpreso.
— Você perdeu fé em você mesmo! — concluiu.
Mana suspirou. Sua voz, normalmente tão equilibrada, agora carregava algo semelhante a um cansaço antigo.
— Depois de perder daquele jeito... tão facilmente... — murmurou. — Estou surpreso que o mesmo não tenha acontecido com você.
— Podemos tentar de novo! — insistiu Estamina, aproximando-se um passo. — Foi você que me animou das últimas vezes. Então por que agora está assim?
Mana desviou o olhar, observando o chão inexistente.
— Antes, eu não sabia o que nos esperava. Não conhecíamos o tamanho da força deles. Agora que sei... — ele ergueu o rosto, com um brilho amargo no olhar. — Não existe cenário em que possamos vencer.
Estamina fechou os punhos. Precisava escolher bem as palavras; qualquer descuido poderia empurrá-lo ainda mais fundo na rendição.
— Então quer deixar que Erina morra?
— Eu não disse isso.
— Mas é o que vai acontecer se não voltarmos.
— Você não sabe disso.
— E você também não! — retrucou, dando um passo à frente. — Mas eu sinto. Eu sei que ela está em perigo quando estamos longe dela. É por isso que precisamos voltar!
— Erina... sabe se virar sozinha — respondeu Mana, embora sua voz tremesse levemente ao dizer o nome dela.
Estamina sorriu, compreendendo o golpe.
Erina é o seu ponto fraco. Sempre foi.
Mana permaneceu em silêncio.
— O que será dela sem a gente? Sem o Kenshiro? — Insistiu Estamina.
Mana desviou o olhar novamente.
— Ah, não — Estamina avançou e o agarrou pela gola, forçando-o a encará-lo. — Se eu sei a resposta, você também sabe. Desembucha!
A razão respirou fundo, tentando manter a compostura.
Quando falou, sua voz saiu em sussurros, quase uma confissão.
— Erina vai... entrar em uma depressão profunda — Admitiu, sem encará-lo. — Os resultados não são positivos. Pode acabar se matando... ou tentando nos trazer de volta. Se o fizer, pode se tornar uma Sombra... ou até um Rato.
— É isso que você quer para ela?! — gritou Estamina.
— Apenas uma coisa é pior que a nossa morte — disse Mana, erguendo o olhar. — Nós virarmos Renascidos.
Estamina o fitou por longos segundos. Então estendeu a mão.
— Isso é um risco que eu estou disposto a correr. E você?
Mana olhou para a mão estendida, hesitante.
— Por que você insiste tanto? — perguntou. — O que ganhamos lutando contra o impossível? Isso é insanidade.
Estamina sorriu de leve, com um brilho nos olhos que contrastava com a escuridão ao redor.
— Talvez seja. Mas eu ainda não estou pronto para desistir. Eu ainda tenho muito para mostrar. E tenho certeza que você também.
Por alguns segundos, Mana apenas o observou.
Até chegar em sua conclusão
PAH!
Apertou sua mão com força.
O vazio vibrou ao redor deles, uma onda de energia silenciosa percorrendo o espaço.
— Mas na próxima vez... — disse Mana, com um leve sorriso. — Morreremos de fato. Combinado?
— Na próxima vez... — respondeu Estamina, sorrindo de volta — morreremos em nossa cama.
Houve uma breve pausa.
— ...no nosso paraíso. — disseram juntos. Disse a Essência.
Apenas um Kenshiro havia naquele espaço.
Aquele vazio frio e sem som se transformou em um infinito branco, pulsante, vivo.
Se a Essência era o fruto da união perfeita entre Mana e Estamina — razão e emoção, mente e corpo —, então talvez fosse isso que significava ter uma alma completa.
Não importava o conceito.
A única verdade era que a alma de Kenshiro ainda estava ali.
E quando abriu os olhos, um brilho dourado — quente e inquebrável — atravessou o nada, colorindo todo o espaço.
A luz o reivindicou.
A luta ainda não havia terminado.
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios