Volume 2 – Arco 13
Capítulo 143: Marionete
— Deem o seu melhor!
O tom de voz de Anastasia ecoou pelo campo aberto como um desafio e, ao mesmo tempo, uma súplica disfarçada.
O sorriso que carregava nos lábios era quase angelical, belo demais para a guerra. Mas havia algo triste em seu olhar — uma sombra de melancolia que contrastava com o brilho mortal das centenas de adagas que começaram a surgir ao seu redor.
As lâminas flutuavam no ar como pétalas prateadas ao vento, refletindo fragmentos da luz do sol. Um espetáculo de beleza e ameaça. Cada uma delas girava lentamente, aguardando apenas um gesto para se transformar em chuva cortante.
Do outro lado, o grupo de Erina manteve-se firme. Ninguém recuou. A Capitã inspirou fundo, a mão apertando seu escudo com força, e Gurok soltou um grunhido pesado, a respiração condensando o ar.
E então, os dois avançaram.
As primeiras adagas partiram — uma enxurrada metálica, zunindo como enxames de insetos famintos. Elas ricochetearam nas armaduras de Erina e Gurok, faiscando, emitindo pequenos sons de impacto que pareciam aplausos irônicos.
Mesmo ao ver o fracasso inicial, Anastasia não demonstrou frustração.
— Suas armaduras são boas — disse ela, sorrindo de leve —, mas não serão o suficiente.
Sua voz era suave, quase carinhosa, como se estivesse ensinando uma lição.
E de fato, as adagas começaram a mudar de comportamento. Agora não buscavam apenas perfurar, mas explorar. Moviam-se com inteligência, como serpentes metálicas que sondavam as fissuras, as brechas nas juntas das armaduras, procurando o ponto certo para se infiltrar. O som das lâminas batendo contra o metal se tornou mais irregular — indício de que, aos poucos, estavam conseguindo incomodar.
Enquanto isso, nos flancos, Zhen, Xin e Sebastian se moviam.
O trio deslizou em sincronia, como sombras coordenadas, silenciosas, formando um triângulo perfeito ao redor da Sombra. Anastasia só percebeu o cerco quando sentiu o ar mudar — uma leve pressão, uma vibração no campo de sua Essência.
Ela girou lentamente sobre os calcanhares, e seu olhar encontrou o de cada um.
Sabia o que estava prestes a acontecer.
Zhen vinha à frente, as mãos unidas em postura de ataque, envoltas por um brilho dourado intenso. A energia que emanava dele era pura, sua própria Essência. Seus olhos cintilavam no mesmo tom, dourado.
Xin, à esquerda, girava o chicote, a ponta cortando o ar com um assobio quase musical. Era impossível prever seu movimento; a trajetória da arma mudava a cada giro, lembrando o comportamento de uma serpente em fúria. Anastasia acompanhava o rastro da corda com o olhar, sem saber se o golpe viria para prender, cortar ou distrair.
Sebastian, à direita, era o contraste silencioso. Seu rosto estava sombrio, o olhar melancólico, as garras tremiam de tensão. Era o mais dividido entre todos — e Anastasia sabia. Via em seus olhos o conflito, a relutância em ferir alguém que já considerara uma amiga.
O ataque veio. Três direções, três intenções distintas, e um só propósito.
Xin lançou o chicote, que cortou o ar com um estalo violento. Zhen avançou ao mesmo tempo, seu golpe de Essência mirando o centro do peito da Sombra, uma investida capaz de obliterar qualquer Sombra ou Rato. Sebastian seguiu por último, mirando o pescoço — rápido, direto, mortal.
Mas Anastasia não era uma adversária comum.
Seu corpo se moveu com uma naturalidade assustadora, como se dançasse entre as intenções inimigas. Permitiu que o chicote de Xin se enrolasse em seu braço — uma armadilha proposital. No mesmo instante, puxou a jovem para si com brutalidade, girando o corpo de forma que Sebastian fosse obrigado a interromper o ataque. Ele recuou num reflexo de sobrevivência; um golpe errado e teria atravessado o peito da própria companheira.
Zhen ainda executou seu ataque, mas com o plano fracassado, acabou atingindo o ombro ao invés do centro do corpo de Anastasia.
— Hhh! — ela arfou, cerrando os dentes.
A Essência queimava como ácido. A pele começou a escurecer, necrosando em poucos segundos, o tecido morto se esfarelando antes que a regeneração pudesse agir. Ela cambaleou um passo para trás, os cabelos chicoteando o ar, a respiração pesada.
“Então essa é a sensação... o calor ardente do Sol, da Essência humana”, pensou, olhando o ferimento lentamente se recuperar. “A fraqueza das Sombras.”.
O trio se reposicionou, pronto para outro ataque.
Anastasia ergueu a cabeça e, apesar da dor, sorriu de novo. Havia algo quase humano naquele sorriso — uma mistura de orgulho e tristeza.
— Vocês melhoraram... muito — disse ela, estalando os dedos.
Atrás dela, o ar se distorceu. Novas adagas começaram a surgir, centenas delas, tilintando como sinos metálicos.
— Mas isso não vai ser o bastante.
Quando os encarou para ver qual seria o próximo movimento, ouviu um som agudo — um sussurro etéreo que apenas ela e mais um entre todos ali poderia perceber.
TWHOOOM!
A vibração atravessou o campo como um trovão comprimido em uma única nota. Anastasia reagiu instintivamente, girando sobre os calcanhares, o corpo se movendo antes mesmo que o raciocínio a alcançasse.
Com a mão direita, interceptou o disparo.
A flecha parou a poucos centímetros de seu coração, presa entre os dedos. O impacto reverberou por seu braço, empurrando-a meio passo para trás.
Não muito distante, Takashi observava a cena, a expressão petrificada, como se tivesse acabado de ver um fantasma — ou, pior, um reflexo de si mesmo.
— Ela... ela sentiu a Flecha Fantasma?! — murmurou, incrédulo.
Anastasia girou a flecha entre os dedos e sorriu.
— Escutei e vi — respondeu com serenidade. — O rastro que ela deixa é mesmo lindo, não é?
Takashi arregalou os olhos.
— Vo... você...?
Ela ergueu o olhar para ele, os fios de cabelos caindo diante do rosto.
— Não se preocupe, — disse com leveza. — Eu não sou sua sucessora, Flecha Fantasma.
As palavras mal haviam deixado seus lábios quando uma sombra colossal cobriu seu corpo. O ar pareceu ficar mais denso.
Gurok.
O paladino orc avançava com o peso de uma avalanche. Mesmo Anastasia — que nunca fora pequena — sentiu-se diminuída diante de sua presença.
O chão tremeu quando ele ergueu os punhos acima da cabeça, unindo-os como um martelo de guerra.
Sebastian desviou o olhar no último instante, incapaz de assistir ao impacto.
DOOOOM! RRRRSHHHK!
O solo cedeu, rachando-se em torno do impacto; pedras e poeira foram lançadas para o alto, e uma cratera abriu-se aos pés do paladino.
Mas não havia sangue. Nenhum corpo.
A voz de Anastasia soou atrás dele, arfante, ainda calma:
— Essa foi por pouco — Passou os dedos sobre a testa, confirmando que havia suado ao escapar naquela velocidade. — Vocês querem mesmo acabar comigo, não é? Terei de levá-los a sério, então?
Ela recuou um passo, observando o grupo com mais atenção.
Seu olhar parou em Gurok.
A armadura do orc reluzia sob a luz, sem o menor arranhão. Mesmo a armadura da própria Erina não era tão sólida.
O grupo começou a se dispersar, abrindo espaço para cercá-la. Anastasia acompanhou cada movimento, os olhos percorrendo cada linha de ataque, cada inclinação de ombro, cada intenção... até que algo rompeu seu foco.
Um soco atingiu sua nuca.
O golpe fora rápido e preciso. O ar sequer ousara mudar, sendo um cumplice da Cavaleira.
Uma linha de sangue fino cortou o ar.
Anastasia girou o corpo, irritada com o ataque furtivo, e viu Erina avançando, o escudo à frente.
— Erina...!
O segundo golpe veio com força suficiente para destruir uma muralha. A Sombra tentou erguer o braço para conter o impacto, protegendo o peito.
THRRAAACK!
O estalo foi seco. Os ossos se partiram em dezenas de fragmentos. Anastasia gritou. Ainda assim, manteve-se de pé. Sabia que poderia regenerar.
A Capitã, por sua vez, mal recuou. Mesmo envolta em uma armadura pesada, movia-se com velocidade surpreendente, igualando-se à Sombra em reflexos.
E foi então que Erina percebeu.
Durante os momentos em que Anastasia se via forçada a agir fisicamente, a invocação das adagas cessava.
Não era descuido. Era limitação.
Um brilho quase imperceptível de triunfo passou em seu olhar.
Impressionada com as habilidades de dedução da Cavaleira, assim como com a persistência obstinada diante do impossível, Varelith finalmente decidiu se manifestar.
O rosto de Anastasia começou a se distorcer como vidro trincado, rachando em duas metades desiguais. De um lado, havia a expressão humana e aflita da marionete, ofegante, tentando acompanhar o ritmo feroz da batalha. Do outro, um meio sorriso frio e sereno, pertencente àquela que controlava os fios: Varelith.
— Essa armadura está te atrasando, querida — A voz ecoou em várias direções, não apenas da boca de Anastasia.
Erina cerrou os dentes.
— Cale a boca e concentre-se na luta!
Varelith riu, um som doce e cruel.
— E por que eu deveria encerrar esse combate tão cedo? — Minha voz era calma, quase maternal. — Ainda quero ver até onde vocês, humanos, conseguem ir. Vocês são... encantadores.
As palavras, cheias de malícia, acenderam algo em Erina. Sentindo-se provocada, como se fosse apenas mais um brinquedo aos olhos daquela criatura, a cavaleira jurou a si mesma que faria Varelith — e sua marionete — se arrependerem de subestimá-la.
Deu um passo à frente, firme. O solo rangeu sob o peso de sua armadura.
“Ela acha que isso me atrapalha... vou provar o contrário.”
Com um pequeno impulso, aumentou a velocidade de seus movimentos. Não foi um salto imenso, nem uma explosão súbita de energia — apenas um ajuste preciso, o suficiente para ultrapassar a percepção da Sombra.
THUNK!
Seu punho atravessou o ar, e o impacto atingiu em cheio o abdômen de Anastasia. O som do golpe reverberou como o estalar de uma bigorna. O corpo da Sombra curvou-se em resposta, os olhos arregalados pela dor.
A respiração de Anastasia se perdeu. A marionete cambaleou, desorientada, os reflexos confusos.
Erina não hesitou. Avançou, girando o corpo e aplicando outro golpe, desta vez com o escudo.
O rebote metálico ecoou, atingindo as costas da Sombra com força o suficiente para fazê-la perder o restante do ar. Anastasia arqueou o pescoço para trás, tentando desesperadamente respirar.
— Agora! — gritou Erina.
Foi nesse exato instante que um som serpenteante cortou o campo.
Vsst—TCHÁÁ!
O chicote de Xin estalou e enrolou-se firmemente ao redor do pescoço de Anastasia.
Anastasia tentou reagir, preparando-se para puxar a jovempara perto, repetindo o truque que usara antes. Mas, para sua surpresa, o chicote não se moveu.
Virou os olhos, e viu.
Gurok estava segurando o cabo com ambas as mãos, forçando-a para baixo como se estivesse puxando uma fera indomável.
— Hrrrraahhh! — rugiu o paladino, cravando os pés no chão e tensionando o corpo.
Anastasia tentou libertar-se, mas a força do orc era grande demais.
Antes que pudesse criar uma adaga para cortar o chicote, Erina avançou de novo, abaixando-se e agarrando-lhe as pernas. Em um movimento coordenado e brutal, a cavaleira ergueu a Sombra do chão, deixando-a suspensa entre as duas forças — um cabo de guerra entre Gurok e Erina.
O corpo de Anastasia se arqueou, a coluna estalando em protesto. Sentia o pescoço sendo puxado para trás enquanto sua cintura era tracionada em sentido oposto.
Por um instante, o mundo pareceu se dissolver em dor.
Acima, o céu se abria — e através da luz intensa do sol, ela avistou Zhen.
O monge descia dos céus como uma lança dourada. Sua silhueta se confundia com a claridade, a Essência irradiando-se em torno do corpo.
Anastasia entendeu: ele tentaria novamente o ataque de antes — o golpe carregado de Essência, aquele que necrosava a carne das Sombras.
Mas o perigo não vinha só de cima.
Pelo canto dos olhos, percebeu um movimento rápido. Sebastian aproximava-se em silêncio, o rosto endurecido, as garras estendidas.
“Ele não quer me matar... mas o fará mesmo assim.”
Ainda que estivesse em desvantagem, Anastasia não se rendeu. Por estar imóvel, seu controle sobre as adagas voltou.
Elas surgiram em volta de si, dezenas, flutuando como pétalas afiadas — cada uma pronta para interceptar os ataques que se aproximavam.
Mas antes que pudessem formar a barreira completa, um novo som rasgou o ar.
FWHT! FWHT! FWHT!
Cada adaga conjurada foi perfurada por uma flecha, dissipando-se no mesmo instante.
De longe, Takashi se mantinha ajoelhado, atirando flechas sem a necessidade de uma aljava. Seus olhos estavam semicerrados, o arco ainda vibrava em suas mãos.
As flechas fantasmas desapareciam tão rápido quanto surgiam, mas o resultado era evidente: Anastasia estava completamente exposta.
“Como isso é possível?!”, pensou Anastasia em desespero. Sua respiração estava trêmula, as mãos agitadas. “Eles sequer conversaram sobre um plano de ataque. Conversaram?”
“Não...”, respondeu Varelith, sua voz arrastada, suave, ecoando dentro de sua mente como um sussurro que se estendia por todas as direções. “Erina montou um grupo singular. Parece até que todos compartilham da mesma mente. Um instinto coletivo... um vínculo que só guerreiros experientes possuem.”
Houve uma breve pausa. Anastasia sentiu o sangue frio percorrer-lhe o corpo.
“Infelizmente, minha filha, parece que você perdeu.”
“Mãe... eu não quero morrer!”
Por um instante, o campo de batalha pareceu congelar. O vento cessou, as partículas de poeira suspensas no ar, imóveis. E então, Varelith suspirou.
“Pois bem...
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios