O Mundo de Sombras e Ratos Brasileira

Autor(a): E. H. Antunes


Volume 2 – Arco 13

Capítulo 140.2: Fogo Primordial

Reunindo o que lhe restava de energia, ele juntou as mãos diante do peito. 

Um brilho rubro começou a pulsar entre os dedos, crescendo, moldando-se até tomar forma. 

Em seguida, um jato intenso de fogo foi disparado, atingindo o peito de Kaji em cheio. 

O impacto fez o chão tremer, e o clarão foi tão forte que o horizonte pareceu se apagar por um instante. 

Mas... nada. 

O fogo batia na armadura dourada do Servo como uma corrente de vento quente contra uma muralha. 

O metal nem sequer tingiu. 

Sorun cerrou os dentes, a frustração crescendo. Aumentou o fluxo de mana. Mais calor. Mais energia. 

Lembrava-se do que aprendera ao lutar contra Soren — o fogo puramente mágico era mais forte que o físico, mais letal, mais refinado. Assim, concentrou toda a força de sua alma, até que as chamas mudassem de cor, adquirindo tons amarelados e quase brancos. 

O chão sob ele se derretia, a temperatura subindo tanto que o ar ondulava como um espelho líquido. 

Kaji foi empurrado para trás — apenas alguns centímetros, mas o suficiente para que Sorun acreditasse. 

Kaji manteve-se firme. 

Deu um único passo à frente, fazendo o solo rachar sob seu peso. 

Sua manopla começou a se erguer, vagarosamente, em direção ao rosto do mago. 

Se aquele golpe o acertasse, não restaria nada dele. Então, decidiu dar tudo o que tinha. 

— AAAAAAAHHHHHHHHHHH!!! 

O jato de fogo mudou de forma. De uma torrente descontrolada, transformou-se em uma linha fina, compacta e precisa— uma agulha flamejante que brilhava em tons sobrepostos de vermelho, laranja e amarelo. 

O feixe atravessou o ar com um zumbido agudo e furioso. E, para surpresa de ambos, a armadura de Kaji cedeu. 

Um som metálico ecoou, seco e definitivo. 

O fogo perfurou a couraça dourada, atravessando-a como se fosse papel, abrindo um pequeno orifício incandescente. 

Sorun arregalou os olhos — de choque e êxtase. 

Não esperou. 

Levantou as mãos aos céus, e, num gesto teatral, desceu-as com toda a força, lançando um corte de energia flamejante que percorreu o ar e rasgou o corpo do elemental ao meio. 

O som do impacto foi profundo, pesado, como o ruir de uma montanha. 

Por um instante, Kaji permaneceu imóvel. 

Sua mão ainda estendida, os dedos quase tocando o inimigo. 

Nenhum som, nenhum movimento. 

Então, lentamente, as rachaduras começaram a surgir. A couraça dourada se fragmentou. E, num sussurro quase melancólico, toda a armadura se desfez, caindo em pedaços ao chão — placas quebradas, estilhaços metálicos, e fragmentos brilhantes como vidro derretido. 

O corpo do elemental se partiu, desfazendo-se como areia sob o vento. 

Sorun, arfando, ajoelhou-se, exausto. 

O suor escorria de sua testa, o cheiro de metal e sangue misturava-se ao de fumaça. 
Mas quando olhou ao redor e viu apenas o campo vazio — sem o inimigo diante dele —, começou a rir. 

Primeiro um riso contido. Depois, alto. 

Por fim, histérico. 

— HAHAHAHA! Você não devia ter me subestimado, Servo! 

A risada ecoava por entre as pedras e as cinzas, um som que parecia zombar do próprio campo de batalha. 

Tão tomado por sua própria euforia, Sorun esqueceu por um momento quem era.

Esqueceu que havia passado toda a luta acuado, em desvantagem, lutando como uma presa encurralada. 

Agora, embriagado pela vitória, ele se via como um ser divino. 

Foi então que algo chamou sua atenção. 

Ali, entre os fragmentos da armadura partida, uma pequena pedra pulsava em um tom avermelhado. 

Sua luz era suave, constante, como um coração que ainda batia. 

Sorun se aproximou, quase em transe. 

Abaixou-se, estendeu os dedos e pegou-a. 

Era quente — vivo. 

núcleo de Kaji. 

O coração do Servo elemental.  

Sua Essência. 

Sorun a ergueu diante dos olhos, admirando seu brilho. Um sorriso torto e triunfante se abriu em seu rosto queimado. 

— Finalmente... — murmurou. — Finalmente estou em posse daquilo que tanto desejei. 

O reflexo do núcleo dançava em suas pupilas, transformando-o em um espelho de insanidade. E, naquele instante, Sorun acreditou que poderia se tornar o próprio fogo. 

Porém, quando tentou absorvê-la, nada aconteceu. 

O brilho rubro da pedra pulsava em suas mãos, mas não havia fluxo de energia, não havia calor, nem sequer um tremor. Era como segurar uma simples pedra. 

Sorun franziu o cenho. Apertou-a com mais força. 

— Vamos... — murmurou. — Me dê seu poder! 

Mas a pedra permanecia inerte, como se zombasse dele. 

Tentou concentrar mana. Nada. 

Tentou gritar o nome de feitiços. Nada. 

E, em um ato de frustração, bateu a pedra contra o chão, repetidas vezes. O som metálico ecoava vazio, enquanto ele ofegava, suando e rindo de nervoso. 

— Vamos! FUNCIONE! 

O som de uma risada profunda e distante preencheu o ar. 

Não era humana. 

Não vinha de nenhum lugar físico. 

— Como é ingênuo. 

Sorun congelou. 

Seus olhos percorreram o horizonte em pânico. 

— O que...?! 

A voz ecoava de dentro do coração que ele ainda segurava. 

O ar começou a se distorcer. 

O chão tremia sob seus pés. 

As cinzas se erguiam, girando ao redor dele, e as peças da armadura de Kaji — as mesmas que haviam se despedaçado minutos antes — começaram a flutuar novamente, cada uma movendo-se com precisão, como atraídas por uma força invisível. 

Elas giravam lentamente em um círculo perfeito. E Sorun estava no centro. 

— Não... não, isso não é possível... 

Tentou correr. 

Mas quando olhou para baixo, viu que as botas de Kaji já estavam presas em seus pés, fundindo-se à sua carne. 

O ferro fervia sobre sua pele, queimando-a até o osso, e a cada tentativa de se soltar, os metais apenas se apertavam mais. 

— Achou mesmo que seria fácil me derrotar? — disse a voz, agora firme, grave, ecoando ao seu redor. — Foi você quem me subestimou. 

— Eu cortei você! — rugiu Sorun, o rosto contorcido em fúria e desespero. — Não fale besteiras! 

Um som profundo reverberou, como um trovão contido em uma montanha. 

— Eu permiti — respondeu Kaji, e a própria terra pareceu estremecer com suas palavras. — Torci para que você pudesse me ferir em algum nível... mas parece que seu fogo... não era quente o suficiente. 

— NÃ...! 

Mas antes que pudesse terminar, a armadura se fechou. 

As peças metálicas voaram de todas as direções, colidindo entre si com estalos poderosos, formando novamente o corpo colossal de Kaji. 

No instante em que o elmo, o som de algo sendo selado ecoou. 

Dentro da couraça, Sorun estava preso. 

O núcleo de Kaji acendeu, queimando todo o interior, fazendo o elemental voltar a ser como deveria, para infelicidade do mago. 

A dor veio em ondas. 

Primeiro os dedos, derretendo.  Depois os braços, os músculos, os ossos, o sangue — tudo sendo reduzido a energia pura e forçada a se regenerar em seguida. 

E de novo. 

E de novo. 

— AAAAAAAHHHHHHHHHHHHH!!! 

Os gritos de Sorun ecoavam dentro da armadura como o som de um metal sendo martelado em uma forja divina. 

Era uma sinfonia de agonia interminável. 

E cada vez que Sorun tentava se regenerar, o calor apenas se intensificava, multiplicando a dor. 

A cada segundo, ele queimava mais profundamente, mas nunca morria. A cada segundo, ele renascia dentro do mesmo inferno. 

Até que sua voz começou a se distorcer, tornando-se um lamento gutural, rouco, sem forma. 

Seu corpo não passava de energia viva, um fogo que implorava por extinção. 

— O que foi? É quente demais para você? — zombou, devolvendo as palavras do próprio inimigo. 

O som metálico do riso ecoou pelo campo vazio, misturado aos gritos abafados dentro da armadura. 

E, então, o Servo deu um passo à frente. Voltaria para ver como estavam Vaelis e Soren. 

(...) 

Poderia ajudar nos demais combates — sabia disso — mas se Sorun tivesse algum poder de retorno, alguma habilidade de regeneração oculta, mais avançada, toda a guerra voltaria ao ponto de início. 

Era melhor garantir que ele continuasse selado, e longe de Varelith. 

Enquanto caminhava, o vento soprou de forma diferente. 

Não era o vento frio da floresta, nem o calor das brasas — era apenas… vazio. 

E foi então que Kaji sentiu algo que jamais havia experimentado antes. 

Cansaço. 

Uma estranha dormência percorreu sua estrutura, começando nas pernas metálicas e subindo lentamente até o peito, onde o coração flamejante pulsava cada vez mais fraco. 

Cada passo tornava-se um esforço colossal. 

— O que... é isso...? — murmurou, a voz metálica ecoando baixa, quase humana. 

Tentou continuar andando, mas suas pernas cederam. 

O corpo pesado tombou de joelhos, o som ecoando como um trovão distante. 

“Por que... isso está acontecendo? Eu não sinto dor, não sinto... sono... Então o que é isso?” 

Foi tomado por algo semelhante ao medo. 

Um sentimento que ele não entendia, mas que o fazia desejar continuar desperto, continuar lutando. 

Arrastou-se pelo chão, as mãos de metal afundando nas cinzas, cada movimento deixando um rastro de brasas apagadas. 

À frente, podia ver a carruagem. Estava tão perto… apenas mais alguns metros. 

Mas então, a chama em seu peito vacilou. 

Uma… duas vezes… 

E, por fim, apagou-se. 

Kaji caiu para frente, o som oco de seu corpo metálico reverberando pelo campo morto. 

Sua armadura, antes brilhante e imponente, agora parecia uma carcaça vazia — apenas aço frio, sem luz, sem alma. 

— Kaji! 

A voz veio de longe, ofegante. 

Vaelis corria o mais rápido que podia, o manto rasgado balançando com o vento. Soren, apoiando-se em seu ombro, ainda fraco, arrastava-se atrás dela. 

— O que houve? — perguntou o mago de fogo, olhando incrédulo para o corpo imóvel do Servo. 

Ambos se aproximaram. 

Vaelis tocou a armadura — fria como metal esquecido. 

Soren tentou invocar uma pequena chama sobre o coração do Servo, mas ela simplesmente se apagou, sem reação alguma. 

— Ele… ele não está se movendo... — murmurou Vaelis, a voz trêmula. 

Por um momento, o silêncio os envolveu. 

Nada além do som do vento passando pelas árvores mortas. 

O Servo que havia os salvado — que enfrentara o demônio em forma humana, Sorun — agora jazia imóvel, sem brilho, sem som. 

Soren apertou os punhos, o olhar firme apesar da dor. 

— Ele não morreu... — disse, como se tentasse convencer a si mesmo. — Ele é Servo... ele não pode morrer... 

Vaelis abaixou a cabeça, o coração apertado. 

— Então vamos esperar — sussurrou. — Kenshiro e Erina devem saber o que fazer. 

Os dois permaneceram ali, em silêncio, sentados ao lado do corpo adormecido do Servo. 

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