O Mundo de Sombras e Ratos Brasileira

Autor(a): E. H. Antunes


Volume 2 – Arco 13

Capítulo 140.1: Fogo Primordial

BAAANNNGGG!!! 

A explosão ecoou como o rugido de um trovão, reverberando por todo o campo devastado. O chão tremeu, o ar se distorceu com o calor, e uma nuvem de fumaça subiu aos céus, tingindo o horizonte de cinza e vermelho. 

Por alguns instantes, tudo que se via era o fogo dançando sobre as cinzas — até que o vento soprou, dissipando lentamente a fumaça e revelando o resultado da ofensiva de Sorun. 

E o que se mostrou diante dele foi o retrato da diferença entre forças do mago de fogo e o elemental de fogo. 

Kaji continuava onde estava, imóvel, inabalável, com o braço estendido para frente. Entre seus dedos, como se fosse um brinquedo quebrado, Sorun estava preso pelo rosto, completamente contido. O elemental não demonstrava esforço algum; parecia apenas segurar um inseto. 

O mago se debatia, as chamas ao redor dele oscilando como um coração em desespero. 

— Grrr...! Não era desta forma que eu imaginava nossa luta... — rosnou Sorun, o rosto distorcido pela fúria e pela humilhação. 

Kaji inclinou a cabeça levemente, um olhar frio e inexpressivo o fitando de cima. 

— Você... 

Num único movimento, rápido, pesado, brutal, Kaji o arremessou contra o chão com uma força tão devastadora que o impacto ecoou como uma segunda explosão. O chão cedeu, formando uma cratera em volta. 

— ...quer calar essa boca?! 

— Aaaaahhhh!!! 

O grito de Sorun foi sufocado por um jorro de sangue. A dor o atravessou por inteiro, a visão se embaralhando, o corpo recusando-se a obedecer. O impacto havia quebrado ossos, esmagado músculos, e ainda assim, ele resistiu. Quase desmaiou, mas sua própria raiva o manteve consciente. 

Kaji o fitava, sério, observando-o cuspir sangue e cinzas. 

E então, num breve instante em que seus dedos se abriram, Sorun aproveitou a mínima brecha. 

Escapou. 

Com um salto desajeitado, rolou para longe, criando distância entre os dois. Seu corpo tremia, a respiração descompassada, o nariz escorrendo sangue como uma fonte viva. 

— Eu entendo aqueles dois... — ofegou, limpando o sangue com o antebraço. — Mas você, hein? Qual é a sua pira comigo? Parece até que me odeia! 

Kaji permaneceu em silêncio por um momento, apenas observando-o. O fogo refletia em seus olhos flamejantes, não havia fúria ali, apenas uma calma pesada, como o silêncio antes da tempestade. 

O fato de Sorun ainda estar vivo depois daquele golpe já dizia muito. 

Não era humano comum. Era algo diferente, algo que desafiava os conceitos e quebrava as leis estabelecidas. 

Uma Sombra. Um Rato. 

Kaji compreendia o tipo de inimigo que enfrentava — e isso o deixava mais decidido. Afinal, alguém que não morria seria o oponente ideal para extravasar toda a frustração acumulada. 

— Você foi responsável por muita dor e sofrimento em Shenxi — disse Kaji, enfim, dando um passo adiante. — Fez aqueles que jurei servir e proteger passarem por momentos terríveis. Isso é algo que eu não posso perdoar. 

Sorun arqueou uma sobrancelha, e um sorriso distorcido surgiu em seu rosto ensanguentado. 

— Ah, Shenxi... — disse com falsa nostalgia. — Aquela era uma boa cidade. Inteiramente feita de madeira... a maior fogueira que eu já criei! 

A risada dele ecoou, mas foi interrompida. 

Sem gestos. Sem palavras. 

Kaji apenas pensou, e uma pedra flamejante — densa como magma, reluzente como um sol comprimido — surgiu diante dele e voou na direção de Sorun. 

O mago de fogo, confiante, ergueu as mãos para detê-la. O sorriso ainda não havia saído de seu rosto. 

Mas em vez de desaparecer, a pedra cresceu. 

Inflou como uma estrela prestes a explodir. 

— O quê...?! 

BOOOOMMMM!!! 

A explosão engoliu tudo. O impacto jogou Sorun a dezenas de metros, seu corpo despedaçado no ar. Quando caiu, não restavam mais braços, nem pernas — apenas o torso e uma cabeça parcialmente intacta. 

A terra em volta foi escavada, e o fogo ainda ardia nas bordas da cratera. 

Sorun, agora reduzido a uma massa carbonizada, tossiu, cuspindo fumaça. Sua regeneração começou de imediato, o corpo rearranjando-se num processo grotesco: primeiro a cabeça, depois os braços, depois as pernas. 

— Esse truque... foi impressionante — murmurou, com um meio sorriso. — Eu admito... 

O som de passos pesados o fez congelar. 

Quando ergueu o olhar, Kaji já estava diante dele, a sombra colossal projetando-se sobre seu corpo. 

Sorun mal teve tempo de reagir. O pé do elemental desceu com força. 

O mago rolou para trás no último instante, sentindo o impacto estremecer o chão. O golpe abriu uma fenda, e o calor que emanou de dentro fez o ar vibrar. 

Em reflexo, Sorun recuou, abrindo uma cortina de chamas para se proteger. 

Kaji o observou sem pressa, endireitando-se novamente.  

A voz dele soou grave, provocativa: 

— Não é tão confiante quando está em desvantagem, não é? 

O olhar de Sorun cintilou em vermelho. 

— Já que você falou sobre Shenxi... — disse Sorun, um sorriso sinistro se abrindo em seu rosto queimado. 

Ergueu as mãos, estalou uma palma — o som seco ecoou pelo campo devastado — e abriu os braços como se estivesse invocando os próprios deuses da destruição. 

— Permita-me mostrar-lhe o feitiço que eu utilizei: Inferno Celestial! 

O ar vibrou. 

Em um instante, o céu começou a mudar de cor, tingindo-se de vermelho-sangue, depois de escarlate, e por fim de um alaranjado doentio, como se o próprio firmamento estivesse sendo consumido pelas chamas. 

Aquele brilho infernal se refletia nas poças de lama e nas cascas das árvores queimadas, criando a ilusão de que o mundo inteiro estava derretendo. 

O calor subiu de forma abrupta — o tipo de calor que não apenas queimava a pele, mas secava os pulmões por dentro, transformando o ar em algo áspero, letal. 

Kaji ergueu o rosto e contemplou aquilo em silêncio. 

As nuvens haviam desaparecido. Em seu lugar, um mar de fogo começava a se formar, fervilhando, pulsando como se estivesse um coração maligno. 

Ele não precisava respirar para saber: o ar havia se tornado venenoso, seco e abrasador. 

Um humano morreria ali em segundos. Um elemental... não. 

Ainda assim, Kaji não desviou o olhar. 

Ele assistiu ao feitiço — o mesmo que havia destruído Shenxi — se revelar diante de si, e pela primeira vez, compreendeu com clareza o que aquelas pessoas haviam sentido. 

O desespero, o calor que rasga a garganta, o som dos gritos se misturando ao rugido das chamas. 

“Então, foi isso... foi por isso que todos passaram. Sentiram. Sofreram.” 

O céu se abriu. 

Dezenas, quase uma centena de esferas flamejantes começaram a despencar das alturas. 

Cada uma delas era uma estrela em miniatura — ardente, viva, faminta. 

O som era ensurdecedor: trovões, explosões, o rugido do fogo arranhando os céus. 

As bolas de fogo ganhavam velocidade conforme desciam, aumentando de tamanho, a gravidade puxando-as como se o próprio mundo quisesse ser destruído junto delas. 

E então, o inferno caiu sobre Kaji. 

BOOOMMM! BOOOMMM! BOOOMMM! 

O chão se partiu, crateras se abriram, pedaços de rochas foram lançados ao ar. A poeira se misturou ao fogo, transformando tudo em uma tempestade de cinzas. 

Por longos minutos, o som das explosões dominou tudo. 

Não havia pausa, nem respiro, nem um segundo de trégua. 

A cada impacto, o solo tremia, e mesmo a quilômetros dali seria possível ver o clarão das chamas subindo ao céu. 

Por sorte — ou ironia — não havia mais árvores para queimar. Tudo ao redor já era morte, herança dos combates anteriores. 

Quando a última esfera finalmente colidiu, o campo de batalha ficou em silêncio. 

O ar tremia com o calor residual. 

O céu permanecia vermelho, como uma ferida aberta.  

Demoraria para curar-se. 

Sorun tossiu e abanou a fumaça com as mãos, um sorriso vitorioso deformando seu rosto. 

— Vamos lá, vamos lá... — murmurava, animado, seus olhos percorrendo o campo destruído. — Onde está o seu núcleo, Servo de fogo? Se eu o encontrar, terei finalmente uma energia infinita! 

O som que veio a seguir foi frio e sereno, carregado de desprezo. 

— Essa é sua motivação? Poder? 

Sorun se virou, o coração acelerando. 

Entre a fumaça, uma silhueta se erguia. 

A poeira se afastava ao redor dela, e o brilho alaranjado do fogo refletia em sua superfície metálica. 

Kaji estava de pé. Intacto. 

Nem uma única marca, nem um arranhão. 

Suas placas de armadura ainda reluziam com o mesmo brilho dourado de antes. 

A voz dele ecoou, grave e implacável: 

— Você é mais patético do que parece ser. 

O silêncio que se seguiu foi sufocante. 

Sorun deu um passo para trás, trêmulo, e então mais um. 

Seu olhar vacilava entre incredulidade e terror. 

O feitiço que havia destruído uma cidade inteira, que reduzira Shenxi a cinzas, não havia causado um único arranhão no elemental à sua frente. 

Kaji, por sua vez, não demonstrava glória ou soberba. 

Seu semblante era de pura raiva contida, o tipo de fúria que nasce da culpa — não da vingança. 

“Então era isso... Foi isso que eles sentiram. E eu... não estava lá.” 

A lembrança veio como uma lâmina, ferindo-o profundamente. 

“Se eu tivesse ficado... eu o teria derrotado. Eu teria salvado todos eles. O sofrimento de mestre Kenshiro e madame Erina jamais teria acontecido.” 

WOOOOOOOOOO!!! 

O som metálico soou, grave e vibrante, ecoando por todo o campo. 

Era o apito da armadura de Kaji, ativando-se como se respondesse à sua fúria. 

Um único impulso, e uma onda de energia varreu o local. Toda a fumaça foi dissipada instantaneamente, revelando o cenário inteiro. 

O ar ao redor dele se distorcia. 

Cada passo que dava fazia o chão estremecer, o calor e a pressão emanando de seu corpo o suficiente para desintegrar qualquer magia menor que o tocasse. 

Sorun cambaleou para trás, tropeçando em seus próprios pés. 

O medo tomou conta de seus músculos. 

Kaji avançava lentamente, o olhar fixo nele. 

O peso de sua presença era sufocante, como uma montanha viva. 

— Você queimou uma cidade inteira... — murmurou Kaji, cada palavra ecoando como o som de um martelo. — E agora, vai sentir o peso de tudo o que destruiu. 

O mago recuou mais um passo, a mente girando em desespero. O fogo em suas mãos vacilava, a confiança se esvaindo. 

O inferno que Sorun criara começava, lentamente, a ser engolido pela presença daquele que encarnava a própria força do fogo. 

E ele vinha para esmagá-lo. 

Sorun tentava, covardemente, se arrastar para longe. 

Cada movimento era desengonçado, desesperado, e o som dos ossos queimados raspando contra o solo úmido ecoava de maneira grotesca. 

Ainda assim, ele continuava tentando — um predador transformado em presa, lançando pequenos feitiços como quem atira pedras em um urso faminto, esperando ingenuamente que aquilo bastasse para detê-lo. 

Não bastava. 

O ar ainda vibrava com o calor de seus próprios feitiços, mas nada parecia sequer arranhar a presença de Kaji. 

O elemental caminhava em silêncio, seu passo pesado e compassado, fazendo o chão estremecer a cada investida. 

Nenhuma pressa. Nenhuma piedade. 

Sorun conjurou outra esfera de fogo, e mais uma, e outra — todas dissipadas antes mesmo de o tocarem. Era como se o próprio ar ao redor de Kaji rejeitasse o fogo do mago. 

O desespero tomou conta. 

O mago se virou, cambaleando, tentando correr — mas então ouviu o som. 

TCHRÁC! 

Um estalo seco, seguido de um grito rasgado. 

Kaji havia descido o pé sobre os de Sorun, esmagando-os sem esforço algum. 

Sorun se contorcia no chão, os olhos marejados pela mistura de dor e raiva. 

— M-maldito...! 

Kaji o observava de cima, a sombra de seu corpo cobrindo o mago por inteiro. 

— Chega de fugir? 

Sem alternativa, restava a Sorun lutar. Ou morrer. 

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