Volume 2 – Arco 13

Capítulo 137: Prelúdio da Verdade

Assim como sua mãe adotiva, Anastasia nutria desejos quase ritualísticos para quaisquer conflitos. 

Para ela, cada combate devia ser uma cerimônia perfeita: nada poderia parecer casual, e ninguém deveria jamais alegar que sua queda fora injusta ou que lhe haviam sido negadas explicações.  

A vitória, para Anastasia, devia ser limpa — não apenas física, mas moral: que o perdedor pudesse encarar a própria derrota sem remorso, sem nichos de vingança, sem desculpas que manchassem o ato final.  

Era uma perversidade de perfeccionismo que transformava lutas em espetáculos severos de justiça. 

Ela mesma, ao lado dos dois acompanhantes que a seguiam, mantinha essa regra implícita. Nem Anastasia nem os dois aliados faziam exigências especiais naquele momento, não fizeram pedidos de honra, nem escolheram arenas brandas.  

A responsabilidade de organizar e regular as condições do duelo passou, portanto, para Erina e seu grupo, que aceitaram o fardo com a disciplina de quem sabe que o planejamento poderia salvar suas vidas. 

A divisão foi feita de forma pragmática: três frentes, três figuras a serem enfrentadas. 

Cada grupo escolheria um oponente para confrontar.  

A lógica da estratégia era simples e racional: dispersar os confrontos em distâncias longas, criando campos separados de batalha para reduzir interferências e permitir que cada combate fluísse com clareza.  

Contudo, havia uma cláusula tática inteligente — se um confronto terminasse cedo, os vencedores poderiam correr para ajudar outro grupo; e, caso as batalhas migrassem para áreas próximas, os agrupamentos se fundiriam para enfrentar o inimigo conjunto. Assim, a batalha se moldaria como água, adaptando-se ao ritmo dos eventos. 

Ninguém levantou objeção. O acordo foi aceito com a severidade de quem assina um tratado. 

Por causa de Anastasia, Erina decidiu não correr riscos. Entre os três adversários, ela era, de longe, a mais perigosa — uma força cuja verdadeira extensão ninguém podia medir. Justamente por isso, Erina escolheu enfrentá-la pessoalmente, reunindo a maior parte de seus subordinados para o combate. 

Era uma decisão tanto estratégica quanto simbólica: derrotar Anastasia significaria eliminar a ameaça mais imprevisível e poderosa de todas. 

O cenário escolhido era uma borda de floresta, onde o terreno alternava-se entre clareiras e pequenas elevações. Árvores espalhavam-se de maneira irregular, restando troncos solitários e sombras alongadas que criavam bolsões de escuro entre o brilho difuso do entardecer.  

Era um espaço suficientemente amplo para que os combates se desenvolvessem sem colisões indesejadas, mas íntimo o bastante para que os som e as faíscas não se perdessem na imensidão.  

Se lutassem na estrada, perto da carruagem, o caos — e a confusão de aliados e civis — tomaria conta, diminuindo as chances de vitórias limpas. Ali, contudo, poderiam manter certo controle: distâncias definidas, linhas claras, rotas de avanço e recuo. 

Também pesou a preocupação prática: a presença de estranhos que pudessem interferir. Em situações assim, qualquer intruso — mercenário, curioso ou apenas um viajante perdido — tornaria a luta imprevisível, contaminando resultados e armas. Melhor, pensaram, era isolar os combates em locais onde a probabilidade de interrupção fosse mínima. 

Erina não sabia ao certo até que ponto Varelith interferiria na luta. Ainda assim, ao recordar a maestria com que ele controlara até mesmo um cadáver fraco e inerte, concluiu que seu poder seria muito maior diante de um ser vivo — e, pior, totalmente submisso à sua vontade. 

Para derrotá-la, Erina compreendeu, precisaria não apenas de força, mas da entrega total de sua habilidade, de seu raciocínio e da confiança de seus companheiros escolhidos.  

A mera ideia de perder alguém naquele campo fazia sua garganta apertar e sua visão encher de pontos negros. Erina concentrou-se, lutando contra os pensamentos intrusivos. Não podia permitir que o medo lhe roubasse a lucidez. 

“Ainda que só eu sobreviva... se eu conseguir derrotá-la, um grande mal terá sido finalmente erradicado”, pensou, como quem recita um juramento íntimo.  

Mas a lembrança do comentário de Anastasia sobre Shenxi trouxe outra corrente de angústia: a “irmã mais forte” fora quem estivera lá. Isso aumentou a carga — talvez o mal que erradicaria não fosse tão grande assim.  

Valeria a vida de seus companheiros? 

O suor tornou-se mais insistente; suas mãos tremeram sob o punho do escudo; a respiração, irregular, lutava por um compasso. O medo, antes apenas um aviso distante, agora fazia parte do corpo. 

Zhen, percebendo a tensão, aproximou-se e colocou a mão no ombro de Erina. O gesto foi simples, carregava uma ancoragem. 

— Não permita que suas dúvidas e questionamentos atormentem a sua mente — disse ele, voz firme como um sino. — As escolhas de todos nós foram o que nos trouxe até aqui. Nós não vamos perder. 

Erina conhecia Zhen bem; sabia que ele era profundamente influenciável pelas pessoas e pelas circunstâncias.  

Por isso, ao ver seus olhos arderem em um dourado intenso sentiu um alívio e um choque. Zhen havia forjado, dentro de si, uma certeza que não era irracional: confiança em sua força, na dos companheiros e na liderança de sua Capitã. 

Eles haviam sobrevivido a outras provações, escapado de encruzilhadas que pareciam sem saída, e sempre emergiram renovados. E, por mais ameaçador que fosse o presente, Erina não permitiu que a memória dos fracassos, se existissem, dominassem àquela hora. 

Com renovada decisão, Erina deixou o escudo um pouco à frente do corpo como uma barreira simbólica e prática.  

Seus subordinados alinharam-se ao seu redor, a formação adequada para resistir a um ataque pesado e concentrado. Cada palavra, cada gesto, cada posicionamento mostrava disciplina militar: ninguém se adiantaria sem sinal, mas todos estavam prontos a avançar na ordem. 

Anastasia observou aquilo e sorriu. Havia algo de genuíno em sua satisfação — alegria estranha e cortante por ver a confiança dos outros refletida de volta. Era um sorriso que misturava ternura e cálculo: ela apreciava aquelas alianças, mesmo sabendo que, no campo, seu objetivo podia exigir ferir ou pôr fim neles.  

O sorriso era, em si, um paradoxo: encantador e cruel. 

— Deem o seu melhor! 

Com um sorriso, quase angelical, ela abriu os braços, começando a invocar centenas de adagas ao seu redor. 

***

Enquanto isso, a muitos quilômetros dali, em uma planície tão vasta que o horizonte se perdia em névoa, outro campo de batalha se formava.  

Não havia ali árvores, montanhas ou sequer pequenas elevações que pudessem servir de abrigo ou esconderijo. O chão era firme, seco e levemente rachado pelo vento, estendendo-se como uma tela em branco onde o som de cada passo ecoava limpo.  

Era o palco ideal para um duelo de espadachins — um terreno sem distrações, onde apenas a técnica e a vontade determinariam o vencedor. 

Kenshiro, Ren e Fox encaravam Viktor à distância, o vento frio batendo contra os mantos e levantando grãos de areia que riscaram o ar como pequenas brasas pálidas.  

A decisão de que os três enfrentariam o mesmo inimigo não fora tomada por impulso, mas por consenso.  

Ninguém ali subestimava o adversário. Viktor, apesar de jovem, carregava uma presença estranhamente sólida, uma serenidade que destoava da impetuosidade comum dos guerreiros da sua idade. Era como se tivesse vivido muitas vidas antes daquela batalha. 

Ainda assim, a diferença numérica era gritante. Três contra um. E, mesmo diante dessa desvantagem aparente, Viktor não deu um único passo para trás. 

Com o corpo relaxado, os olhos semicerrados e o semblante que misturava tranquilidade e desafio, manteve a mão pousada sobre o punho da espada embainhada — imóvel, paciente. O sorriso que se formava em seus lábios não era de arrogância, mas de quem compreendia o peso do momento e o saboreava. 

O vento fez sua capa ondular, e por um instante ele pareceu mais uma sombra viva do que um homem. 

A falta de movimento o tornava ainda mais ameaçador. 

Ren mantinha sua espada apontada para seu inimigo. 

Fox trocou um olhar rápido com Kenshiro, que permanecia firme, analisando cada mínimo detalhe: o posicionamento dos pés de Viktor, o ritmo de sua respiração, o leve pulsar da veia em seu pescoço. Tudo parecia calculado. 

Nenhum deles ousava atacar primeiro. 

Aquela postura passiva, com a lâmina ainda guardada, começou a gerar desconforto nos três. O silêncio crescia entre eles, denso, pesado, como se o próprio ar estivesse à espera do primeiro som metálico. Era impossível saber se Viktor estava se contendo por pura confiança ou se aquilo fazia parte de um plano meticuloso — o de quebrar o foco dos adversários pela dúvida. 

“Ele está esperando algo”, pensou Kenshiro, apertando o cabo de sua espada. 

Ren, impaciente, deu um passo à frente. Seu olhar cintilava de nervosismo e curiosidade — queria testar aquele garoto, descobrir se o sorriso calmo escondia um espadachim mortal ou apenas um jovem insolente demais para perceber o perigo em que se metera. 

Fox, ao contrário, preferia aguardar. O mais velho e cauteloso dos três, mantinha sua espada baixa, mas a postura denunciava prontidão total. 

O triângulo estava formado. Três pontas fixas em torno de um centro imóvel. 

E Viktor, no coração daquele desenho mortal, continuava sorrindo, como se aquele fosse um jogo simples, ou talvez uma dança que ele já conhecesse o ritmo. 

O silêncio seguinte era quase sagrado. Nenhum pássaro, nenhum som do vento — apenas a tensão que se acumulava, ameaçando explodir a qualquer instante. 

Os três se entreolharam, conscientes de que alguém precisaria testar primeiro aquele oponente enigmático. 

Seja como for, sabiam que o primeiro movimento definiria o tom de toda a luta. 

***

Contra Sorun, ficou evidente desde o primeiro instante que apenas aqueles que dominavam verdadeiramente a arte da magia teriam alguma chance de enfrentá-lo e sobreviver.  

Nenhum golpe físico, nenhuma lâmina ou força bruta seria capaz de suplantar o poder distorcido que emanava daquele homem. A energia mágica que o envolvia parecia pulsar em ondas, distorcendo o ar ao redor, como se a própria floresta se curvasse à sua presença. 

A batalha deles seria travada ali — entre troncos antigos e raízes que serpenteavam o solo como veias expostas da terra. A floresta, silenciosa até então, parecia pressentir o que estava prestes a acontecer.  

As folhas farfalhavam num lamento contido, e o ar pesado trazia o cheiro de umidade misturado com o presságio da queima. As árvores seriam sacrificadas naquele combate, inevitavelmente.  

A dupla de magos, Soren e Vaelis, sentia o coração apertar enquanto observava Sorun. 

Aquela revelação — o rosto idêntico, a voz semelhante, o passado compartilhado — pesava mais do que qualquer feitiço que conhecessem. O medo que os envolvia não era apenas do inimigo à frente, mas das memórias que ele despertava. A história de Shenxi ardendo, o fogo consumindo tudo, o eco dos gritos. E, entre as chamas, a risada de Sorun — sabiam que ele teria rido —, distorcida e humana demais para ser esquecida. 

Kaji, o Servo, era o mais poderoso entre eles.  

Seu corpo, revestido de uma armadura viva e antiga, pulsava com runas brilhantes que reagiam à energia ao seu redor. Suas afinidades mágicas pareciam infinitas, como se cada elemento se curvasse a ele com naturalidade. Nenhum feitiço conhecido havia conseguido penetrar suas defesas. Ele era, para todos os efeitos, a fortaleza do grupo. 

Mas até mesmo fortalezas podem ruir. 

Enquanto se preparavam, um pensamento insidioso percorreu a mente de Soren: 

“E se Erina apenas estiver adiando o inevitável? E se estivermos condenados, não importa o resultado desta luta?” 

A resposta jamais veio. Sorun não lhes deu tempo para refletir. 

De repente, o solo tremeu — um rugido profundo percorreu o chão e fez as folhas se erguerem em um turbilhão. 

KABUUUUM! 

O estrondo partiu o ar antes mesmo que pudessem reagir. 

“?!” 

Num piscar de olhos, Sorun já estava diante deles, ajoelhado, as mãos espalmadas contra a terra rachada. A energia ao redor dele era sufocante, vibrava como se o mundo inteiro respirasse através dele. 

Então, ele gritou. 

— AAAHHHHHHHHHHH!!! 

O urro reverberou pela floresta, carregando dor, raiva e insanidade. Foi um grito que parecia arrancar o próprio som da realidade. Vaelis tapou os ouvidos, sentindo o coração falhar. Soren cambaleou para trás, o estômago revirando, e Kaji sentiu a magia fluir pelo corpo do mago grosseiramente. 

O chão começou a se abrir. 

— Protejam-se! — gritou Kaji, sua voz ecoando com urgência. 

Vaelis, reagindo por instinto, ergueu as mãos e conjurou um muro de gelo diante de si — espesso, azulado e reluzente. O feitiço ergueu-se rápido, mas não o suficiente para cobrir Soren, que estava mais adiante. 

Soren tentou revidar, invocando o fogo em suas próprias mãos. Mas, ao ver a pequena faísca dançar no ar, percebeu o horror que se formava: o fogo de Sorun não era natural. Ele crescia como se estivesse sendo alimentado por ódio, um clarão descontrolado que expandia mais rápido do que o olhar podia acompanhar. 

BOOOOMMMMM!!! 

A explosão engoliu tudo. O som rasgou o céu, e a onda de calor se espalhou como um mar em fúria, derrubando árvores e reduzindo centenas delas a cinzas em questão de segundos. O impacto criou uma cratera colossal, uma ferida no coração da floresta. A fumaça ergueu-se densa, escura, encobrindo o sol. 

Vaelis e Kaji ainda estavam dentro daquela devastação, ofegantes, tentando entender se ainda estavam vivos. 

— Quanta... destruição sem sentido... — murmurou Kaji, erguendo o olhar e observando as ruínas em volta.  

Sua mente, metódica como sempre, começou a contar o número de árvores mortas, como se o cálculo pudesse aplacar sua culpa. 

“Duzentas e sessenta e sete...” lamentou em silêncio. 

Vaelis, ajoelhada, olhou para os próprios braços. O gelo que a protegera derretia, e sob ele, a pele estava marcada, queimada em vários pontos. A dor era aguda, mas o medo era maior. 

— Onde... onde está Soren? — perguntou, a voz trêmula. 

O silêncio respondeu por alguns segundos. 

A poeira ainda se erguia, as brasas ainda caíam do céu. 

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