Volume 2 – Arco 13
Capítulo 135: Reencontro
Todos se prepararam em silêncio para a partida. O bar, que antes ecoava risadas e o tilintar de canecas, agora parecia quase sagrado, envolto em uma quietude respeitosa.
Cada um dos viajantes, à sua maneira, carregava a sensação de estar deixando algo importante para trás — um refúgio breve, um alívio momentâneo no meio do caos que os esperava lá fora.
Por um instante, ninguém teve coragem de cruzar a porta. Ren, como sempre, foi o primeiro a se mover, erguendo a caneca que restara sobre o balcão.
— Uma última — disse, com um meio sorriso.
A ideia pareceu contagiar o grupo. Um a um, todos ergueram suas próprias canecas — algumas já quase vazias, outras ainda cheias —, brindando em silêncio àqueles que permaneceriam. Mesmo sabendo que era apenas uma bebida comum, havia algo de mágico naquele gesto, algo que parecia selar uma promessa não dita entre anfitriões e viajantes.
Os quatro responsáveis pela Maçã Encantada vieram até eles. A despedida, embora breve, carregava a densidade de quem sabia que talvez nunca mais se vissem.
Baldric foi o primeiro a se aproximar. Seu aperto de mão era firme, caloroso, cheio de vida. Ele os olhava nos olhos, um por um, como se quisesse guardar o rosto de cada um deles na memória.
— Cuidem-se — disse ele, com um sorriso triste. — O mundo pode ser cruel, mas ele ainda merece ser salvo.
Kael veio em seguida, quase tropeçando em si mesmo, com um misto de nervosismo e empolgação. Seu abraço em Xin foi inesperado, desajeitado, mas sincero.
— Se... se voltarem algum dia — gaguejou —, tragam histórias novas! Eu adoro histórias!
Morpheos levantou-se lentamente, o corpo se esticando com o ranger de uma árvore antiga. Apoiou a mão pesada no ombro de Gurok, que quase cedeu sob o peso.
— Boa sorte... — disse, bocejando logo em seguida. — ...a todos vocês. — E, antes que pudessem responder, já voltava a sentar, encostando-se novamente no balcão.
Por fim, veio Venus. E, para surpresa de todos, sua voz soou calma, limpa, quase serena. Nenhum traço da provocação habitual. Apenas uma elegância melancólica.
— Acho que até a próxima — disse Erina, com um sorriso contido.
— Peço desculpas, minha jovem — respondeu Baldric, entrelaçando as mãos sobre o balcão. —, mas temo que não haverá próxima. Pelo menos... não aqui.
Erina ficou confusa, preocupada.
— O que quer dizer com isso?
Antes que Baldric pudesse responder, Venus deu um passo à frente. Seu olhar, antes lascivo e zombeteiro, agora era profundo, quase maternal. A voz que se seguiu era aveludada, mas carregava uma sabedoria antiga, e um tom que parecia vir de alguém que sabia demais sobre destinos.
— Não se preocupe com o futuro, meu amor — disse ela, pousando a ponta dos dedos sobre a mão de Erina. — Concentre-se no presente. Acredite, o futuro é apenas uma sombra moldada pelas escolhas que você faz agora.
Erina hesitou, surpresa pela mudança de tom.
— Uma dica? — completou Venus, sorrindo de leve. — Siga sua intuição, até o fim, e estará exatamente onde precisa estar.
A capitã a encarou em silêncio por alguns segundos. Não sabia se deveria confiar naquelas palavras, mas algo nelas, talvez o olhar firme, talvez o tom de voz, fez com que ela apenas assentisse, em respeito.
— Obrigada — murmurou.
E virou-se, liderando o grupo em direção à saída.
Antes de atravessarem a porta, deram tempo para que Kaji e Nami se despedissem. As duas pequenas esferas elementares — uma de fogo, outra de água — giravam em volta uma da outra em espirais coloridas, deixando rastros luminosos no ar. A luz azul e vermelha se misturava em breves momentos, criando um tom lilás mágico.
— Eles estão... brincando? — perguntou Xin, sorrindo, fascinada pela dança etérea.
— Digamos que é a maneira deles de dizer adeus — respondeu Baldric, observando o brilho que emanava de Kaji.
Enfim, os dois elementais voltaram para suas respectivas armaduras, fazendo-as voltar a terem vida.
Para os mais atentos, foi impossível não notar o brilho avermelhado mais intenso nas bordas de suas formas.
Quando enfim saíram do estabelecimento, a luz do lado de fora os cegou por um instante. O contraste entre o interior cálido e acolhedor da Maçã Encantada e o mundo externo era brutal.
Haviam sido levados diretamente para o mundo que conheciam, o mundo físico. Não puderam vislumbrar pela última vez o mundo mágico.
O céu parecia cinza, pesado. O vento cortava a pele com uma frieza que não era apenas física, o toque do mundo real, sem os encantos e ilusões que haviam acabado de deixar para trás.
Kenshiro respirou fundo, sentindo o ar frio preencher seus pulmões. O silêncio entre eles durou o suficiente para que as memórias do bar começassem a parecer um sonho distante.
— Nami era uma amiga de infância? — perguntou ele, rompendo o silêncio, com um meio sorriso provocador.
Kaji, ainda com as chamas tremeluzindo em tons quase rosados, respondeu:
— Quase isso.
E, se um elemental pudesse corar, o brilho que percorreu sua armadura denunciava perfeitamente o que sentia.
Ren, que observava a estrada à frente, se virou para o grupo. Seu olhar era sério, mas determinado.
— Por aqui — disse, apontando para o caminho que se estendia além das colinas. — Essa saída nos colocará de volta na estrada. O caminho certo para o Norte.
***
O mundo fora da Maçã Encantada parecia ter perdido as cores. O ar era denso, a paisagem árida e desbotada.
Talvez o lugar mágico que deixaram para trás tivesse, de alguma forma, contaminado seus sentidos, fazendo com que o mundo físico agora parecesse mais cruel do que realmente era.
Ou talvez, finalmente compreendessem a tristeza da realidade que se tornara, ao terem um breve vislumbre do que fora no passado.
As árvores, outrora vibrantes, agora eram apenas silhuetas retorcidas. O solo seco estalava sob as botas. Havia um silêncio incômodo, o tipo que fazia os pensamentos ecoarem dentro da própria cabeça.
“Quantas espécies de flora e fauna já foram apagadas pela ganância humana?”, pensaram, observando o horizonte. “E quantas mais ainda serão?”
Então, um som metálico quebrou o devaneio — um estalo, como o som de algo materializando-se no ar.
Diante deles, a carruagem voltou a se formar, surgindo das partículas mágicas que flutuavam no espaço. Logo atrás, as armas de cada um retornaram, repousando sobre o solo com suavidade quase cerimonial.
Tudo exatamente como Baldric havia dito.
Sem trocarem muitas palavras, o grupo começou a subir na carruagem, retomando suas posições habituais. O silêncio agora não era de tristeza, mas de expectativa. O peso do destino parecia mais real do que nunca.
E quando as rodas começaram a girar, levantando poeira sobre a estrada cinzenta, todos sabiam — mesmo que não dissessem em voz alta — que deixavam para trás o último lugar seguro antes do confronto.
(...)
O silêncio que se seguiu era estranho.
Não era o tipo do silêncio desconfortável, mas aquele que surge quando todos estão presos nos próprios pensamentos, tentando decifrar o que sentem e o que deveria ser dito.
O som ritmado das rodas da carruagem batendo contra o solo seco foi o único a preencher o ar. O vento frio atravessava o tecido das roupas e fazia as rédeas da montaria vibrarem, como se até a natureza estivesse em um estado de espera.
Tinham muitos assuntos para comentar — bons e ruins.
Alguns tentavam disfarçar o peso que sentiam, outros apenas deixavam o olhar se perder pela estrada, observando sua extensão até o horizonte. A lembrança da Maçã Encantada ainda pulsava viva na mente de todos, como um sonho recente demais para ser esquecido.
As palavras de Baldric, o olhar misterioso de Venus, a paz daquele refúgio fora do tempo... Tudo parecia um contraste cruel com a aridez cinzenta que agora os cercava.
Mal puderam perceber que Kael e Morpheos já foram esquecidos pela sua pouca participação.
E foi Fox quem quebrou o silêncio primeiro.
Sua voz soou calma, firme, mas havia um leve traço de melancolia escondido entre as palavras.
— Na nossa próxima parada — disse ele, sem olhar para ninguém —, irei deixá-los.
— O quê? — exclamaram quase em uníssono, todos exceto Ren, que manteve os olhos fixos na estrada, como se já soubesse o que viria.
Fox respirou fundo antes de continuar. Seu olhar estava voltado para o horizonte, onde o sol ainda se levantava.
— Já fiquei mais do que o suficiente com vocês — Sorriu de leve, um sorriso que não alcançava os olhos. — Além do mais... Erina já voltou a ser a líder que era. Não há razões para eu ficar.
As palavras pairaram no ar, pesadas e irreversíveis.
Erina baixou o olhar por um instante, como se buscasse dentro de si algo a dizer. Sabia que ele estava certo e, no entanto, a sensação de perda se formava como um nó no peito.
Ainda que todos gostassem da companhia do Herói do Povo, sabiam que não poderiam impedi-lo, nem convencê-lo do contrário. Ele era livre por natureza, assim como sempre fora.
Sebastian foi o primeiro a desviar o olhar, preferindo encarar o chão do que admitir a tristeza que sentia. Xin apertou as mãos, inquieta, com vontade de dizer algo, mas sem encontrar palavras. Soren apenas observou, calado, com um respeito que se manifestava na quietude. Até Kaji, em sua forma de corcel incandescente, tremeluzia em tons mais baixos, quase apagados.
Fox, por outro lado, parecia em paz.
O vento balançava seus cabelos, e a luz do sol refletia em sua armadura, fazendo-o brilhar como uma centelha viva — um sol.
— Nosso Guerreiro do Sol tem um destino para seguir, não é? — disse Erina, com um sorriso no rosto, embora seus olhos traíssem um toque de saudade. — Foi uma honra, Fox.
Ele se virou lentamente para encará-la, e pela primeira vez, deixou o sorriso abrir-se por completo — sincero, luminoso, cheio da energia que o tornara uma lenda entre o povo.
— A honra foi toda minha, capitã.
A carruagem seguiu, mas o momento ficou suspenso no tempo.
Nenhum deles disse mais nada.
Não havia o que dizer.
(...)
Pouco tempo depois, a estrada parecia se estender infinitamente sob o sol pálido da tarde. O horizonte tremeluzia com o calor, e o ar seco trazia o cheiro de poeira e folhas queimadas pelo tempo.
A carruagem seguia num ritmo estável até que Kenshiro ergueu o braço, pedindo para que parassem. À frente, três figuras encapadas estavam imóveis sob a sombra de uma grande árvore solitária — um dos poucos abrigos que restavam naquele caminho. A copa retorcida balançava suavemente, lançando sombras tortas sobre o solo rachado.
As três figuras não se moveram, mas uma delas deu um passo à frente, bloqueando o caminho.
Mãos foram às empunhaduras das armas, olhares se cruzaram em silêncio.
Erina desceu da carruagem, sua voz soando firme, embora cautelosa.
— Podemos ajudá-lo, senhor?
A resposta veio num sussurro baixo, quase um murmúrio.
— Há quanto tempo...
Um arrepio percorreu o corpo de Sebastian.
Aquela voz.
Ele conhecia aquela voz.
— Essa voz... — murmurou, descrente.
Antes que alguém pudesse reagir, a figura que falara, uma que estava ainda estava sobre a sombra da árvore, retirou o capuz, revelando um rosto familiar.
— Anastasia?! — exclamaram em uníssono.
— Pensaram mesmo que iriam ficar longe de mim por tanto tempo? — disse Anastasia, com um sorriso doce e malicioso em seus lábios.
A surpresa foi geral. Para muitos ali, era impossível associar aquela mulher — de expressão serena, quase nostálgica — aos eventos sombrios do passado.
Ren, por outro lado, cruzou os braços, sem entender.
— Quem seria essa?
Enquanto Kenshiro e Erina se apressavam para explicar a história que haviam compartilhado com Anastasia nos meses anteriores, Sebastian desceu da carruagem de um salto, aproximando-se com alegria genuína.
— Há quanto tempo! — exclamou, abraçando-a com força, a ponto de erguê-la do chão. — O que faz aqui?
— Eu disse que iria encontrá-los. Mais cedo ou mais tarde... — Riu levemente, uma risada sincera.
— Sim, eu lembro — respondeu Sebastian, soltando-a com um sorriso caloroso. — Mas qual a razão? Você teria uma vida boa em Cenara.
— Talvez tivesse... — disse ela, ajeitando o cabelo. — Mas eu tinha algumas obrigações a cumprir, sabe?
— Que obrigações? — insistiu Sebastian, curioso.
Foi então que Ren sentiu.
Não foi algo que viu — foi um pressentimento. Um estremecer invisível no ar, uma quebra quase imperceptível no ritmo da respiração.
Ela estava apenas levantando a mão. Um gesto pequeno, banal. Mas Ren soube.
Seu corpo reagiu antes mesmo que sua mente compreendesse.
Shing!
Sua espada deixou a bainha.
Um lampejo prateado riscou o ar.
Quando todos perceberam o que acontecera, já era tarde demais.
O braço de Anastasia estava no ar, separado do corpo. O sangue escorria em um jato irregular, manchando a poeira da estrada.
Ren estava ajoelhado no chão, a lâmina ainda vibrando pelo golpe, o olhar firme e assassino.
— AAAGHHHH! — o grito rasgou o silêncio, ecoando como o lamento.
A figura que bloqueava a estrada reagiu no mesmo instante, desembainhando a espada e avançando contra Ren com uma velocidade similar.
O choque das lâminas ressoou alto, metal contra metal, faiscando no ar. O impacto foi tão violento que levantou uma pequena nuvem de poeira.
Por um breve segundo, ninguém entendeu como Ren conseguira defender-se a tempo — nem ele próprio. Sua expressão misturava surpresa e esforço, os dentes cerrados.
— Ren! O que está fazendo?! — gritou Kenshiro, saindo da carruagem com a espada em punho.
— É a Varelith! — respondeu ele entre os dentes, empurrando o inimigo para trás. — São os três que atacaram Shenxi!
O sangue gelou nas veias de todos.
Ren disparou novamente, mirando o pescoço de Anastasia. Seu instinto gritava que precisava matá-la ali, naquele exato instante.
Kenshiro, Erina, Fox e Sebastian estavam prestes a correr para contê-lo, mas algo os deteve, deteve a todos.
Um assobio fino cortou o ar.
Uma adaga caiu dos céus e cravou-se violentamente no ombro de Ren, derrubando-o no chão com força. O impacto levantou poeira e fez sua espada escapar-lhe das mãos.
Quando todos olharam, reconheceram o brilho da lâmina cravada nele.
Todos ficaram paralisados.
— Seu desgraçado... — murmurou Anastasia, erguendo-se. O sangue que antes jorrava agora recuava, e a carne regenerava-se diante dos olhos de todos. — Como chegou a essa conclusão tão depressa? Você nem estava lá...
A voz dela estava diferente, parecia duplicada.
Fria, cortante, como se outra pessoa falasse através dela.
E foi então que viram seus olhos.
Agora completamente vermelhos — ardendo com uma intensidade anormal.
— Não foi nem essa marionete que eu usei... — murmurei.
Erina ofegou. Kenshiro cerrou os punhos.
— VARELITH! — gritaram em uníssono.
Num piscar de olhos, adagas surgiram ao redor deles — flutuando no ar, afiadas e imóveis, cada uma apontada para suas testas.
Uma única respiração errada, e todos morreriam.
Ren tentou se mover, mas Varelith, falando ainda através de Anastasia, ergueu um dedo aos lábios.
— Se tentar algo... — disse suavemente, a voz gotejando veneno e poder — ...eu mato todos. Agora mesmo. Entendeu?
Ren debruçou-se no chão, o ombro latejando, o sangue pingando sobre a terra.
Vitoriosa, Varelith se voltou para o grupo.
Seus lábios se curvaram em um sorriso quase terno — e ainda assim, absolutamente cruel.
— Desgraçada... — rosnou Sebastian. — Você transformou Anastasia em uma ferramenta!
Varelith suspirou, fechando os olhos por um instante.
— Anastasia, assuma daqui.
A mudança foi imediata.
Os olhos da mulher perderam o vermelho e voltaram à cor original, embora as adagas continuassem pairando.
— Sim, mãe — disse Anastasia, sua voz agora trêmula e mais humana.
O grupo sentiu um calafrio.
— Me desculpem, pessoal... — disse ela com pesar. — Eu realmente sinto muito.
Levantou a mão novamente. E dessa vez, o gesto foi completo.
Centenas de adagas se materializaram no ar, como um enxame metálico. Cada lâmina cintilava com uma aura etérea, e a pressão mágica era tamanha que a carruagem começou a vibrar.
Kenshiro e Erina se entreolharam — não havia dúvida.
Aquela Anastasia era mais poderosa do que Anna, a marionete que havia assassinado Reiji Torison.
A diferença era colossal.
Dando pequenos passos à frente, mantendo a distância, Anastasia ergueu o rosto e falou com calma que soou assustadora para o grupo:
— Vamos conversar...
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios