Volume 2 – Arco 13
Capítulo 133: Maioridade Corporal
Apesar de trabalharem juntos, os quatro companheiros pareciam tudo, menos uma equipe.
Não havia uniformes, nem sincronia, nem um mínimo de padrão entre eles. Cada um vestia-se e agia à própria maneira, e essa falta de harmonia só aumentava a confusão estampada nos rostos do grupo de Erina.
Xin foi a primeira a verbalizar o que todos pensavam:
— Como esse lugar foi erguido?
A pergunta pareceu inflar o ego de Baldric. Ele endireitou a postura, ajeitou a gola da camisa e abriu um sorriso que beirava o teatral, prestes a narrar uma epopeia sobre sua taverna mística.
— Não — Interrompeu Kenshiro, com sua calma e firmeza cotidiana. — Nos fale como conheceram o Ren.
Um murmúrio contido percorreu o balcão.
Gurok e Takashi entreolharam-se, compartilhando da frustração. Vaelis bufou baixinho. Até Xin e Soren mostraram um olhar frustrado pela quebra do momento. Só Erina, Sebastian e Zhen permaneceram serenos, sabiam que Kenshiro não buscava curiosidade, e sim respostas.
Queria saber se poderia confiar naqueles quatro.
Ren, que até então permanecia calado, desviou o olhar. O ar pareceu pesar sobre seus ombros. Com passos lentos e discretos, afastou-se do balcão e caminhou até a porta, saindo para o lado de fora.
Fox o seguiu sem dizer nada.
— Por que aqueles dois estão tão próximos? — perguntou Gurok, confuso, coçando a nuca.
Kenshiro não ignorou. Limitou-se a ajeitar-se na cadeira, mantendo os olhos fixos em Baldric.
— Pois bem... — começou o bartender, soltando um longo suspiro antes de continuar. — Recebemos uma dica do nosso chefe. Algo sobre uma urgência em Phareon. Como não tínhamos clientes há meses, e estávamos prestes a morrer de tédio, decidimos investigar.
Ele se virou parcialmente para o balcão, apoiando as mãos pesadas de calos sobre a madeira polida.
— Quando chegamos lá, encontramos uma cidade morta. Cinzas, ruínas e ecos. A única alma viva... era Ren.
O silêncio tomou conta do bar.
— Ele estava... péssimo — Baldric abaixou a cabeça por um instante. — Desolado de um jeito que nem palavras conseguem descrever. Mal falava, mal respirava. E mesmo assim, estava ali, em meio àquele vazio...
Kenshiro e Erina se entreolharam. O olhar que trocaram dizia o que as palavras não podiam: culpa, arrependimento, respeito.
— Nós o trouxemos conosco — continuou Baldric. — Cuidamos dele como pudemos. Demos água, comida, uma cama quente. Ele agradecia, mas sempre dizia que estávamos desperdiçando nosso tempo e recursos. Que não valia o esforço.
Venus, até então calada, sorriu e se aproximou da bancada. Sentou-se com um movimento fluido, cruzando as pernas com elegância provocante. A luz amarelada do bar realçava o brilho azulado em sua pele úmida.
— E olha que eu tentei de tudo... — disse ela, deslizando os dedos pelo próprio rosto, a voz pingando charme. — Um pouco do meu jeitinho, um toque de persuasão... mas nada o fazia mudar de ideia. Ele insistia em voltar para aquela torre.
Kael, atrás dela, mexia nervosamente nas mangas, concordando com a cabeça, mas sem coragem de falar.
— Então resolvemos nos revezar — completou Venus, com um leve suspiro. — Toda semana, um de nós levava comida e água para ele. Era o mínimo.
Kenshiro fechou os olhos por um instante, soltando um longo suspiro.
— Então vocês estavam cuidando dele todo esse tempo... — disse, com a voz mais branda. — De verdade... muito obrigado.
— Não há de quê — responderam os três em uníssono, cada um em seu tom.
Morpheos, no canto, murmurou algo ininteligível e soltou um ronco profundo logo em seguida — um cumprimento digno de seu perfil.
O som arrancou um pequeno riso de Gurok, quebrando a tensão no ar.
— Agora que ganhamos sua confiança... — Venus engatinhou pela bancada com a graça de um felino, o olhar fixo em Kenshiro. Os dedos dela, longos e frios como água corrente, deslizaram pelo braço do espadachim. — O que você nos dará em troca?
Kenshiro manteve-se imóvel, a tensão em seu maxilar denunciava o incômodo.
— Ele tem dona — disse Erina, em tom firme, a voz cortante o bastante para silenciar o bar inteiro.
Venus virou-se para ela, sorrindo de canto.
— Oh... não gosta de compartilhar? Eu prometo devolvê-lo intac...
PÁC!
O som do impacto reverberou como um trovão contido. Sangue espirrou pela bancada, pingando sobre o balcão de madeira polida. Venus voou para trás, seu corpo arqueando antes de cair sobre as mesas próximas. E parte de sua mandíbula se chocou contra a parede, partindo-se como porcelana quebrada.
O silêncio que se seguiu foi quase sagrado.
Todos permaneceram imóveis. Os olhares do grupo se voltaram para Erina — que, impassível, limpava sua manopla com um guardanapo. Nem mesmo o leve tremor de raiva desaparecera de seu olhar.
Venus jazia imóvel, o corpo desarticulado.
Vaelis, observando a cena, engoliu em seco. Pela primeira vez, pareceu realmente ponderar sobre suas brincadeiras com o casal.
Kenshiro apenas exalou um suspiro longo. Sabia que impedir Erina seria inútil.
Enquanto o restante do grupo tentava compreender o que acabara de acontecer, os três companheiros de Venus continuavam surpreendentemente calmos.
Baldric limpou o balcão, sem pressa.
— Hm. Sempre soube que um dia ela iria pisar no pé errado — comentou, como quem fala sobre o tempo.
Xin ergueu-se da cadeira, indignada.
— Como podem estar tão tranquilos?! Sua companheira acabou de morrer!
Antes que pudesse obter resposta, um som molhado, estranho, ecoou.
O corpo de Venus começou a se erguer lentamente. A mandíbula rachada se realinhou com um estalo seco; fragmentos de osso se refizeram, e o sangue escorrendo pelo queixo apenas acentuou sua beleza mórbida.
— Que amorzinho você é... — disse ela, sorrindo de novo, agora com a voz arrastada e ecoando um tom duplo, como se duas vozes falassem juntas.
O grupo voltou-se para Erina, que continuava bebendo calmamente de sua caneca. A Capitã não havia usado magia alguma. Aquilo não era parte da cura da caveleira, era pura regeneração da própria Venus.
Baldric, vendo a confusão estampada nos rostos dos recém-chegados, explicou com naturalidade:
— Regeneração é uma habilidade básica. Vocês não têm?
— Apenas ela — respondeu Soren, apontando para Erina.
— Que inveja... — murmurou Kael, aparecendo do fundo como uma sombra. — Uma armadura dessas... precisa de uma regeneração absurda pra aguentar o uso diário. Oh, não só isso... o peso, o calor, a dor... Você está inibindo tudo, não é?
Erina virou-se lentamente, o olhar gélido fixo nele.
— Oh, eu posso imaginar o quanto sua magia curativa deve ser poderosa! E sem essa armadura... ah, deve ser ainda mais bela!
— Xispa!
O comando de Baldric veio seco. Em um movimento tão rápido quanto preciso, ele pegou uma toalha molhada e torceu o pano no ar com força, acertando o rosto de Kael com um estalo úmido.
O pequeno gritou como um gato atingido por água fria.
— Parem de perturbar os clientes — disse Baldric, agora empunhando um borrifador de vidro com um líquido cintilante.
Kael recuou imediatamente, olhos arregalados.
— Para longe, vil criatura! — bradou o ruivo, apertando o borrifador.
Um jato fino saiu, espalhando pequenas partículas que cristalizaram no ar como flocos de neve mágica. Kael soltou um guincho e correu até o canto escuro mais próximo, encolhendo-se atrás de um barril.
Baldric suspirou, voltando tranquilamente ao balcão e pendurando a toalha no ombro.
— Peço desculpas pela confusão — disse ele com um sorriso sereno, como se nada tivesse acontecido. — Esses dois as vezes... perdem a linha.
Erina apenas ergueu a caneca, bebendo mais um gole.
— Desde que não tentem de novo, não haverá mais confusões.
No canto, Venus sorria, agora recomposta, passando o dedo pela própria mandíbula recém-curada.
— Ah, querida... — disse ela, num tom divertido. — Acho que já gostei de você.
— Uma nova rodada por minha conta! — disse Baldric, limpando a bancada com um pano e um sorriso sereno, como se nada tivesse acontecido.
Os canecos foram enchidos novamente, a espuma transbordando e escorrendo em filetes dourados. O som das bebidas sendo servidas preencheu o ar com um leve tilintar de metal e vidro, e um aroma doce de malte fresco se espalhou pelo ambiente.
Cada um recebeu seu copo, e logo perceberam que o líquido em seus recipientes era diferente.
Antes que pudessem questionar, Baldric ergueu a mão.
— É minha especialidade descobrir o gosto de cada cliente — explicou, orgulhoso. — Sei quando alguém precisa de algo forte... ou quando já está no limite. Nesse caso, só posso oferecer água.
— A minha especialidade é descobrir seus pontos fortes... — sussurrou Kael, alto o bastante para todos ouvirem, o sorriso malicioso denunciando sua intenção.
— Pontos fracos... — murmurou Morpheos, bocejando sem sequer abrir os olhos.
Uma fragrância densa começou a se espalhar. O perfume afrodisíaco de Venus era quase tangível, doce, quente, e ao mesmo tempo, perigoso.
Kenshiro desviou o olhar; sabia que encará-la por tempo demais poderia ser sua sentença.
Venus sorriu, cruzando as pernas sobre o balcão e deixando o salto de sua bota bater levemente na madeira.
— E a minha... — disse, num tom baixo e envolvente —, é descobrir o tipo de vocês.
Os olhos dela brilharam em roxo, e sua forma começou a mudar diante de todos.
Em um piscar de olhos, sua silhueta se alongou e se expandiu: tornou-se uma mulher alta, musculosa e imponente. Depois, o corpo se retraiu — baixa, de quadris largos e seios fartos. Em seguida, seus traços se refinaram, tornando-se os de uma elfa de orelhas longas e pele pálida. Então, a pele escureceu, os músculos se definiram — uma orc selvagem e sedutora tomou o lugar.
Por fim, ela voltou à forma original: alta, esguia e irresistivelmente humana.
Vaelis levantou-se num pulo, os olhos arregalados.
— Você é... uma Súcubus!
Venus sorriu, exibindo a ponta da língua bifurcada que serpenteava entre os lábios.
— Alguém fez o dever de casa... — provocou.
— Súcubus? — repetiram alguns, confusos.
— As mulheres vampiras? — perguntou Takashi.
— Ei! Isso é mentira! — rebateu Sebastian, ofendido.
Venus gargalhou, uma risada suave que parecia deslizar pela pele de quem a ouvia.
— Gostariam que eu explicasse? — perguntou, balançando a perna lentamente, num movimento quase hipnótico.
Ninguém respondeu, ninguém desviou o olhar.
Ela se inclinou sobre a bancada, o rosto iluminado pela luz dourada das lamparinas.
— As Súcubus, de fato, descendem dos vampiros. Surgiram logo depois que esses desenvolveram o gosto pelo sangue humano. Mas enquanto alguns se tornaram predadores das sombras, nós evoluímos em outra direção.
As chamas das velas próximas tremularam, como se o ar ao redor dela tivesse se tornado mais quente.
— Nossa fome deixou de ser pelo sangue — continuou. — E passou a ser por energia. Por vida. Nós aprendemos a extrair o que há de mais intenso nas pessoas: o desejo.
Ela ergueu um dedo e traçou o ar, desenhando símbolos invisíveis que se dissipavam como fumaça.
— Enquanto os vampiros precisam se esconder, nós fazemos as vítimas implorarem por nossas presas. E sim... — seu sorriso se alargou — o sexo também se tornou parte disso.
O grupo se remexeu nas cadeiras, desconfortável.
— Em pouco tempo, deixamos de precisar de sangue. Alimentamo-nos dos hormônios que exalamos na pele, e da energia que nossos parceiros liberam... durante o prazer. Tudo consensual, claro.
Baldric riu de leve.
— Essa parte é importante, viu?
— Infelizmente... — Venus suspirou. — Quando os vampiros foram caçados, fomos jogadas na mesma fogueira. Para os Caçadores, éramos apenas mais uma versão deles.
Ela parou por um momento. O olhar que antes era provocante se tornou distante, melancólico.
— Algumas de nós conseguiram escapar. Outras... barganharam pela própria vida.
Os músculos de seu rosto relaxaram. A máscara de sedução se desfez, revelando uma mulher cansada — antiga, sobrevivente.
— Nossa espécie nunca prosperou. Amamos uma única vez, e apenas com esse parceiro podemos gerar filhos. Se o perdemos... não há como continuar.
Aquelas palavras pesaram sobre todos.
Sebastian quebrou o silêncio.
— E como você... sobreviveu tanto tempo?
Venus desviou o olhar, o tom de sua voz mudando — suave, quase um sussurro.
— Não sobrevivi.
A resposta ficou suspensa no ar, fria e amarga como o fim de um brinde.
Pelos poucos segundos em que teve todos os holofotes voltados a si, Venus já tramava sua próxima investida — e Kenshiro, distraído com a bebida, parecia o alvo perfeito. Adorava provocar pessoas comprometidas.
— Com licença — disse Vaelis, levantando-se e apoiando as mãos na bancada. Sua voz soou doce, seu olhar trazia um desafio. — Você não gostaria de me mostrar um pouco mais desses seus... poderes?
Venus arqueou uma sobrancelha, encantada com o convite.
— Ora, ora... achei que teria de insistir.
— O quarto dos fundos está liberado, como sempre — comentou Baldric, sem sequer erguer o olhar enquanto limpava um copo. O tom era o de quem já vira aquilo muitas vezes.
— Mais alguém vem? — perguntou Venus, deslizando o olhar provocante pelo grupo.
Silêncio. Todos desviaram o rosto, alguns fingindo beber, outros olhando fixamente para o chão.
— Oh... pensei que você fosse querer vir também — disse ela, roçando os dedos no rosto de Xin. — Mas entendo... você já está acompanhada.
O olhar dela recaiu sobre o monge, e um leve sorriso curvou seus lábios antes que passasse o braço pela cintura de Vaelis.
As duas deixaram o salão lentamente, e a batida da porta que se fechou atrás delas ecoou pelo bar como um trovão no silêncio.
Logo depois, Baldric colocou sobre o balcão uma pequena jarra de vidro com uma inscrição simples: “5 moedas.”
— Pra que é isso? — perguntou Takashi, franzindo o cenho.
— Ahhhhh! Ahhhhhhh! — Os sons vieram do quarto dos fundos — gemidos, ou talvez gritos. Era impossível distinguir, e ninguém quis tentar.
Todos ficaram imóveis, as bochechas ruborizadas.
— É... pra isso — respondeu Baldric, divertido.
Um a um, sem dizer nada, todos colocaram suas moedas na jarra, tentando não se encarar.
No momento que as moedas foram depositadas, os gritos cessaram.
— É assim que ela ganha a vida — explicou o bartender, dando de ombros com um meio sorriso.
— Pelo jeito, ela gosta de todos os tipos, não é? — comentou Xin, girando lentamente sua caneca na bancada.
— Todos — confirmou Baldric, com naturalidade.
— Até menores de idade... — murmurou ela, incomodada.
Baldric franziu as sobrancelhas.
— Do que está falando?
— De mim, oras.
— Eh... não? — Ele a encarou de cima a baixo, analisando-a. — Você é uma mulher adulta!
O grupo se calou. Foi então que todos perceberam.
Xin realmente estava diferente.
Desde que haviam deixado Phareon, algo nela mudara — sutilmente, mas de forma inegável. Seu rosto perdera o traço infantil que ainda carregava; o olhar, antes sempre desconfiado, agora trazia serenidade. Seus gestos estavam mais firmes, o corpo mais confiante.
Era como se, depois de tanto tempo presa às correntes do passado, ela finalmente tivesse encontrado espaço para crescer — por dentro e por fora.
Baldric, percebendo o clima suave e os sorrisos discretos que se formavam, começou a encher uma nova rodada de canecas.
Nesse instante, duas pequenas esferas flutuantes atravessaram a porta — uma vermelha, outra azul — ziguezagueando pelo ar como crianças em brincadeira.
— Kaji e Nami... — murmurou Kenshiro, divertido.
As bolhas elementais riram em estalos e chiados enquanto rodopiavam uma ao redor da outra.
— Parece que até eles estão de bom humor — disse Baldric, servindo as bebidas e erguendo a sua própria caneca.
Ele levantou o braço com entusiasmo.
Xin foi a primeira a erguer o copo, o brilho do fogo e da luz refletindo em seus olhos agora cheios de confiança.
— Saúde!
— Saúde! — repetiram todos em coro.
As canecas se chocaram, o som metálico ecoando pelo salão como um selo de amizade renovada.
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