Volume 2 – Arco 13
Capítulo 132: Maçã Encantada
Todo o grupo permaneceu imóvel diante da pequena porta de madeira. Ela balançava levemente nas dobradiças enferrujadas, rangendo a cada sopro da brisa mágica que atravessava o campo. Era tão simples, tão frágil, que custava acreditar que alguém — ou algo — de poder incalculável pudesse estar além dela.
Ren e Fox haviam desaparecido por ali. Talvez soubessem o que os esperava.
Talvez não.
Mas havia apenas uma maneira de descobrir.
Erina deu um passo à frente. Respirou fundo, tentando acalmar o coração. O grupo observava em silêncio — ninguém ousou detê-la. Seria ela a primeira a atravessar, a primeira a enfrentar o que quer que os aguardasse do outro lado.
Ela estendeu a mão.
— Prontos? — perguntou, sem olhar para trás.
O rangido da madeira respondeu por todos.
Nhéeeee...
A porta se abriu, revelando um brilho suave e, em seguida, algo que ninguém esperava.
Do outro lado não havia escuridão, nem salões dourados, nem câmaras de poder. O que os recebeu foi... um lugar aconchegante.
Um salão amplo e rústico, iluminado por luzes suspensas que lembravam pequenas estrelas flutuando no ar. O espaço era muito maior por dentro do que sua aparência externa sugeria — um truque de magia antiga e refinada. As paredes de madeira polida exalavam calor e serenidade, e o aroma de ervas e maresia preenchia o ambiente.
Logo perceberam que estavam em uma espécie de estalagem ou salão de recepção. Duas grandes portas de vai e vem se abriam para um mesmo ambiente após a recepção, e o som distante de passos e risadas suaves ecoava ao longe.
Antes que alguém pudesse formular qualquer pergunta, uma voz cristalina os saudou:
— Sejam muito bem-vindos!
A figura surgiu do lado de dentro, curvando-se com elegância. Um a um, os viajantes atravessaram a soleira, sendo recebidos por aquele novo ser que emanava serenidade e força em igual medida.
Por um breve momento, o grupo apenas observou, intrigado. A criatura diante deles era... bela de uma forma impossível de descrever.
Foi então que, quando Kaji passou por último, a tranquilidade se partiu em um grito simultâneo:
— Nami?!
— Kaji?!
O ar pareceu vibrar entre eles.
O silêncio que se seguiu foi carregado — um silêncio denso, de espanto e reconhecimento.
— Vocês se conhecem?! — questionou Xin, olhando de um para o outro com incredulidade.
A ideia parecia absurda e inevitável ao mesmo tempo. Como poderiam dois seres tão opostos — fogo e água, destruição e calma — conhecer-se?
E, no entanto, ali estavam eles.
Nami era a contraparte perfeita de Kaji: um ser de água viva, envolta por uma armadura dourada cujos contornos lembravam corais antigos e carapaças marinhas. Ondas líquidas se moviam em torno de seu corpo como se o próprio oceano respirasse dentro dela.
Enquanto as brasas de Kaji nunca cessavam, queimando em movimentos nervosos e pulsantes, a água de Nami fluía com graça constante, girando e cintilando à luz etérea da sala.
Mesmo sem rosto definido, havia expressão nela — um sorriso implícito na maneira como inclinava a cabeça, uma curiosidade viva em cada gesto. Sua voz ecoava sem boca, clara e suave, vibrando como o som de uma correnteza cristalina.
Kaji, por sua vez, permaneceu imóvel, a chama em seus olhos oscilando levemente. Por um instante, o fogo pareceu hesitar, como se fosse tragado por lembranças antigas — memórias de um passado que poucos poderiam compreender.
Erina e Kenshiro se entreolharam, sem saber se deviam interromper ou apenas observar.
— Olá? — chamou Kenshiro, rompendo o silêncio que pairava entre os dois elementais. — Respostas, por favor?
— Ah, perdão — respondeu Nami, dando um pequeno passo para trás. Sua voz soava como o murmúrio de uma fonte cristalina. — Por favor, entrem. Estão esperando vocês.
O grupo trocou olhares discretos. Havia ali um passado que ninguém ousaria questionar. Erina assentiu, e o grupo avançou para o interior do salão principal. Kaji permaneceu, tinha muito assuntos para conversar com Nami.
O espaço que se abriu diante deles era de tirar o fôlego.
Uma taverna e hospedaria, o maior que já haviam visto em toda a vida. Mesmo a prestigiada taverna de Cenara, onde tantas noites de descanso e planos foram passadas, parecia minúscula em comparação.
O mesmo tema rústico continuava, mas ali ganhava elegância e alma. A madeira dos móveis reluzia sob o brilho âmbar das luzes suspensas, e o ar tinha o perfume quente de especiarias e bebidas doces. Os estofados, cada um de cor condizente com a madeira que o sustentava, formavam um contraste harmonioso, quase artesanal. Tudo naquele lugar exalava vida — ainda que estivesse... vazio.
Havia dezenas de mesas, bancos, quartos no andar superior, e corredores que pareciam se estender infinitamente. Mas não havia uma única alma além deles. Nenhuma risada, nenhum passo, nem mesmo o ranger de uma cadeira sendo movida. O local parecia vivo e morto ao mesmo tempo — limpo, perfeito, mas sem sinais de uso recente.
Erina sentiu um arrepio percorrer-lhe a nuca.
Era como se o tempo ali dentro estivesse suspenso.
Ao fundo, porém, algo quebrava o silêncio: vozes.
Ren e Fox estavam sentados à bancada do bar principal, imersos em uma conversa já acalorada com o homem que atendia atrás do balcão.
— Baldric, eu estou falando sério — dizia Ren, visivelmente frustrado, os punhos cerrados sobre o balcão. — Eu lhe entreguei as Crônicas para você guardá-las, não para entregá-las a qualquer um!
O tal Baldric parecia saído de uma epopeia antiga. Um gigante de barba ruiva, trançada com tamanha precisão que mais lembrava uma obra de arte do que um emaranhado de fios. O cabelo, igualmente espesso, caía-lhe sobre os ombros em ondas volumosas, e seus braços nus, cobertos de cicatrizes, denunciavam um passado de batalhas e aventuras.
O mais curioso, porém, era o contraste entre sua aparência guerreira e o olhar bondoso. Havia doçura em cada movimento, em cada palavra. Mesmo quando falava, sua voz parecia vir da própria barba, abafada, grave e acolhedora.
— Sinto muito, Ren — disse ele, de costas, enquanto enchia uma fileira de canecas com um líquido dourado que espumava levemente. — Você sabe como funciona. Eu recebo ordens, e quando elas vêm... eu as sigo. Não importa as promessas que fiz antes.
Ren o observava com os olhos semicerrados, o rosto dividido entre raiva e decepção.
— Até mesmo as promessas que fez ao seu último cliente recorrente? — Retrucou, a voz mais baixa, quase ferida.
Baldric pousou uma das canecas à frente de Ren, o líquido balançando suavemente. Virou-se, apoiando os braços sobre o balcão, e encarou o rapaz com aquele olhar que parecia atravessar o orgulho e tocar o que estava por baixo.
— Sim, Ren — Sua voz agora era calma, firme, quase paternal. — Mas, para ser justo, permita-me corrigir uma coisa: eu não quebrei uma promessa a um cliente. Fiz o que precisei, mesmo que isso significasse decepcionar um amigo.
Ren desviou o olhar, encolhendo-se na cadeira, a expressão entre o constrangimento e a reflexão.
O resto do grupo se aproximou em silêncio, observando o estranho reencontro.
Havia algo em Baldric, talvez sua serenidade, talvez a familiaridade com Ren, que tornava impossível tratá-lo como um simples taverneiro.
— Sinto muito, Fox — disse Ren, a voz carregada de arrependimento. — Acho que eu o deixei na mão desta vez...
Fox, até então em silêncio, manteve os olhos baixos por alguns segundos. O brilho habitual de ironia e coragem parecia ter se apagado, substituído por uma melancolia contida. Ele inspirou fundo, o olhar vagando pelo salão vazio, observando as luzes amareladas refletirem nas canecas polidas e nas paredes de madeira antiga.
Então, algo metálico cintilou.
Uma caneca espumante deslizou pelo balcão e parou bem diante de sua mão.
— A primeira rodada é sempre por conta da casa! — anunciou Baldric, piscando-lhe o olho com um sorriso que parecia carregar séculos de histórias não contadas.
Fox hesitou por um breve instante, depois soltou um suspiro longo. Sem dizer uma palavra, ergueu a caneca e virou-a de uma vez só.
O grupo observou em silêncio. Era a primeira vez que viam Fox beber.
O som do líquido descendo pela garganta ecoou como um pequeno trovão no ambiente quieto.
Quando terminou, bateu a caneca na bancada com força — um gesto mais de libertação do que de satisfação — e soltou o ar com um estalo nos lábios.
— Está tudo bem — disse ele, recuperando o fôlego. — Acho que este lugar... é prova o bastante daquilo que você me disse mais cedo.
Erina, que se aproximava com o restante do grupo, cruzou os braços.
— Sobre o que estavam conversando?
Baldric, sem interromper o movimento rítmico com que enchia novas canecas, manteve um olhar atento por sobre o ombro. O tilintar dos copos se misturava ao murmúrio das conversas.
Ren respirou fundo antes de responder:
— Acontece que... nem tudo foi destruído no Farol do Saber. As Crônicas estavam bem escondidas. Depois do ataque, eu as trouxe para cá. — Fez uma pausa curta, amargando a lembrança. — É uma pena que... bem... elas tenham se perdido.
Kenshiro, já acomodado ao balcão, aceitou uma caneca das mãos do taverneiro.
— Elas eram importantes?
Antes que Ren pudesse responder, Zhen falou, com o olhar distante, como quem recorda algo estudado há muito tempo:
— Toda Crônica é importante. Mesmo as mais confusas. Cada linha é uma janela para uma era perdida. Qualquer detalhe nelas poderia mudar o curso de tudo o que sabemos.
— Eu só queria mostrar uma a vocês... — disse Ren. Seus olhos se voltaram para Erina e Kenshiro. — Algo que talvez tivesse relação com Varelith.
— Está falando sério? E o que havia nela? — perguntou Erina, endireitando-se em seu assento.
Antes que Ren respondesse, Baldric interrompeu, limpando o balcão com um pano grosso enquanto se aproximava com passos firmes.
— Ei! Histórias, profecias, aventuras... tudo isso é fascinante, eu sei — disse ele com uma risada leve —, mas agora é hora de relaxar. Um gole, uma boa conversa e um pouco de paz. O resto pode esperar.
Erina não sorriu.
— Com todo o respeito, senhor... se soubesse do que estamos falando, não diria isso tão facilmente.
Baldric arqueou uma sobrancelha, um sorriso provocador estava escondido por trás da barba trançada.
— O mundo está acabando, não é? — O silêncio repentino do grupo confirmou sua dedução antes mesmo de qualquer palavra. Ele ergueu uma das canecas, ainda sem olhar diretamente para eles. — O mundo está sempre acabando. Uma profecia sobre o apocalipse, um lorde das maligno retornando, uma arma poderosa demais para os mortais... — Deu de ombros. — É só escolher o motivo da vez.
— Ainda assim... isso não te preocupa? — perguntou Erina, inflexível.
Baldric virou-se por completo, apoiando as mãos largas sobre o balcão.
O sorriso que trazia era sereno — não de quem ignora o perigo, mas de quem já o enfrentou vezes demais para temê-lo.
— De maneira alguma — Sua voz era grave, quase um trovão abafado. — A destruição é apenas um fim que tentamos incansavelmente estendê-lo, mas que todos sabemos que é inevitável. Você pode escolher se desesperar com isso ou aceitá-lo. Se o fim chegar, tudo bem. Se não, tudo bem também.
Erina encarou Baldric e sua visão de mundo de maneira duvidosa. Era algo quase oposto aos valores da cavaleira, mas não se sentiu ofendida.
— Ei! Ei! Ei!
A voz feminina soou atrás deles, aveludada, provocante, carregando um timbre capaz de despertar arrepios até em um monge em voto de castidade. Era quente e próxima — próxima o bastante para que todos tivessem a certeza de sentir sua respiração roçar a nuca antes mesmo de se virarem.
Quando o fizeram, encontraram três novas figuras.
A primeira era um homem colossal, cuja simples presença fazia o chão ranger. Um verdadeiro gigante de carne e osso, com ombros tão largos que poderiam servir de muralha. Mas seu semblante quebrava a imponência: uma cabeça pequena demais para o corpo, olheiras profundas que pareciam manchas de tinta, e uma expressão permanentemente entediada, como se o próprio peso de existir o cansasse.
Ao lado dele, ou talvez escondido por trás de sua sombra, havia um homem diminuto, curvado e inquieto, envolto em roupas escuras que pareciam repelir a luz. Movia-se rápido, como uma sombra viva, tornando quase impossível distinguir-lhe o rosto.
E então, entre eles, caminhava a mulher da voz.
Seu andar era lento e calculado, os passos desenhando um ritmo próprio no silêncio do salão. O corpo esguio vestia trajes que mais insinuavam do que ocultavam, e cada movimento fazia a luz dançar sobre sua pele. Os olhos — de um roxo profundo, quase púrpura — hipnotizavam, roubando o ar de quem os fitasse por mais de um instante.
Quando os três se aproximaram o bastante, a voz aveludada voltou, agora com uma nota de ironia:
— Baldric, Baldric... como tem coragem de...
— POR QUE VOCÊ NÃO NOS CHAMOU?! — interrompeu o pequeno, gritando de forma tão aguda que o som pareceu rasgar o ar. — QUE INVEJA! Eu nem tive tempo de me arrumar apropriadamente como vocês!
A mulher suspirou, revirando os olhos.
— Você nunca está... huff... arrumado...
Enquanto os dois trocavam provocações, o gigante — que até então parecia um monólito — simplesmente se deixou cair na ponta do balcão. O banco gemeu sob seu peso. Ele apoiou os braços e, com um leve resmungo, adormeceu ali mesmo, como se o sono o tivesse agarrado pela gola.
O grupo de Erina observava a cena, atônito. Não sabiam se riam, se se armavam, ou se apenas tentavam entender o que exatamente estava acontecendo.
Ren, percebendo a confusão, levantou-se e tomou a frente.
— Deixem que eu os apresento — disse, fazendo um gesto amplo com a mão. — O bartender e dono deste lugar, Baldric Glutt — O ruivo acenou com a cabeça, exibindo um sorriso sereno, escondido pela barba. — Os atendentes, Venus Allura e Kael Vex — A mulher de olhos púrpura ergueu a mão num cumprimento lento, quase sensual, curvando freneticamente, a mão tremendo como se fosse independente de sua vontade. — E, por fim, o segurança, Morpheos Rest.
No canto, o gigante respondeu apenas com um ronco que fez vibrar os copos no balcão. Ninguém saberia dizer se fora de propósito ou apenas o eco do seu sono profundo.
Baldric então abriu os braços com o mesmo carisma de sempre, a voz grave preenchendo o ambiente:
— Sejam muito bem-vindos à Maçã Encantada.
As luzes amareladas refletiram nos copos, e por um instante, o bar pareceu respirar junto com eles, como se o próprio local tivesse alma.
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