Volume 2 – Arco 12
Capítulo 127: Névoa Interminável
De volta ao palco, Xin não perdeu um segundo sequer.
— Estou com meu parceiro — disse, com a voz firme e um olhar determinado. — Me deixem passar.
A segurança com que falou fez os casais abrirem espaço. Ninguém ousou questionar, apenas se entreolharam, desconfortáveis.
Zhen a acompanhava, meio confuso, tentando compreender o que se passava.
— Que música eles estão tocando? — perguntou, olhando em volta.
A jovem sequer o ouviu. Seus olhos varriam o salão, vasculhando cada rosto, cada silhueta em busca de Kenshiro e Erina.
— Ei! Se estão aqui, pelo menos não atrapalhem — disse um homem, abraçado à parceira.
Xin respirou fundo. Se agisse de modo brusco, chamaria atenção. Se revelasse sua aflição, seria tomada como louca. Então se obrigou a dançar.
A música era lenta, um compasso suave de cordas e tambores distantes, o peso em seu peito tornava cada passo uma luta.
O toque das mãos de Zhen em sua cintura a fez hesitar por medo.
O mundo inteiro já parecia falso. Tudo podia ser uma ilusão de Ren. Até o toque de Zhen podia não ser real.
— Xin, está tudo bem? — perguntou o monge, inclinando o rosto para vê-la melhor. — O que está acontecendo, de verdade? Não precisa esconder nada de mim.
Ela o olhou nos olhos, havia ternura e confiança ali. Coisas que pareciam fora de lugar naquele mundo falso.
— É complicado demais para explicar com tão poucas palavras — disse, num tom baixo, tenso. — Eu só preciso chegar o quanto antes no Kenshiro e na Erina.
— É urgente?
— Muito! — respondeu ela, sem hesitar. — Por favor, confie em mim.
Zhen permaneceu em silêncio por um instante. Via nos olhos dela algo que nunca tinha visto antes: pânico real, puro, quase infantil.
Suspirou e assentiu.
— Então me deixe conduzir essa dança — disse ele, forçando um sorriso confiante.
— O quê?
Zhen assumira o controle.
Suas passadas se tornaram longas e fluidas, um movimento quase hipnótico. A lentidão da música servia de disfarce; seus corpos deslizavam entre os casais, abrindo caminho pouco a pouco, enquanto ele a girava e a puxava, como se seguissem uma coreografia perfeita.
Era uma dança, sim, e também uma fuga.
Xin aproveitava cada rotação para espiar o palco. A mistura de cores, perfumes e rostos confundia sua mente. As risadas pareciam ecos de um sonho. E por mais que tentasse, não conseguia distinguir quem era real e quem era parte daquela armadilha de Ren.
Até que, enfim, avistou-os.
— Ali!
Zhen, no impulso, improvisou um movimento ousado, girando-a no ar.
Por um segundo, Xin sentiu o mundo parar — o toque das mãos dele em sua cintura, o calor da pele, o coração acelerado. Corou violentamente, mas não teve tempo de pensar.
— Me põe no chão! — sussurrou, constrangida.
Assim que voltaram a tocar o piso, já estavam diante do casal.
— Ah, voltaram? — perguntou Kenshiro, ainda no compasso da música.
Xin, ofegante, não perdeu tempo.
— Me escutem com atenção! — Sua voz rompeu o ritmo sereno do salão. — O Ren é uma pessoa muito perigosa. Precisamos partir. Agora!
O som cessou ao redor.
Três pares de olhos se voltaram para ela — Kenshiro, Erina e Zhen — todos incrédulos.
— O quê? — perguntou o espadachim.
— Do que está falando? — completou Erina, sem disfarçar a desconfiança.
— Você tem alguma prova disso? — perguntou Zhen, preocupado.
Xin hesitou. Suas mãos tremiam. Ela sabia que, ao dizer o que vira, soaria insana, não podia mais guardar aquilo.
— Eu... — respirou fundo, o olhar perdido. — Eu quebrei o pescoço de uma criança.
— VOCÊ O QUÊ?! — gritaram quase em uníssono.
— Mas ela não era real! — completou, a voz embargada. — Era uma versão minha... uma cópia do meu passado. Quando a matei, ela se desfez! Eu juro! Depois disso, tudo começou a distorcer... as ruas, o chão, o ar... o caminho até o Zhen parecia infinito! Eu tive que gritar, tive que...
— Foi por isso que você gritou... — murmurou Zhen, finalmente entendendo.
Kenshiro e Erina trocaram um olhar silencioso.
O silêncio deles era mais pesado que qualquer palavra.
A música parara completamente. O povo observava, como se tivesse escutado perfeitamente. A maneira como estavam parados lembravam manequins.
Erina encarou a multidão, demonstrando seu desconforto. Todos voltaram a dançar, ainda que música demorasse alguns segundos a retornar.
Tiveram certeza de que aquilo não era uma reação natural.
Por fim, Kenshiro suspirou.
— Vamos ver do que se trata — disse, sério, dando um passo à frente.
— Obrigada... — respondeu Xin, aliviada.
O coração dela desacelerou por um instante. Estava aliviada pelo casal demonstrar ter confiança nela.
(...)
Saindo do palco, Kenshiro deu um discreto sinal com a cabeça.
— Ajam com naturalidade — murmurou. — Não chamem atenção.
Xin e Zhen assentiram. Tentavam controlar o nervosismo, seus passos ainda vacilavam sob a pressão invisível que pairava sobre o lugar. A música continuava alegre, mas algo nela parecia... errado. As notas se repetiam em um ciclo perfeito demais, como se alguém tivesse esquecido de virar o disco.
Mal haviam cruzado metade da praça quando uma voz familiar os deteve.
— Ora, ora... o casal estrela da noite e seus amigos — O Ancião surgiu entre dois pilares de pedra, sorrindo como um anfitrião dedicado. — Alguma música deixou-os entediados? Ou... quem sabe desejam algo mais forte para beber?
Kenshiro e Erina trocaram um olhar rápido.
O espadachim deu um passo à frente. Seu sorriso era cortês, seu tom soava como uma lâmina afiada.
— Apenas queremos falar com o Ren.
O Ancião piscou várias vezes, tentando disfarçar o incômodo.
— O... o juiz? Ora, claro, claro. Logo ele virá. Deve estar apenas... resolvendo alguns assuntos pessoais.
— "Assuntos pessoais" — repetiu Kenshiro, observando o velho com olhos semicerrados. — E qual é, exatamente, o motivo desta comemoração?
Erina manteve-se calada, estudando cada tremor no rosto do homem. As rugas que antes pareciam expressar alegria, agora tremiam como pequenas rachaduras em uma estátua prestes a ruir.
O Ancião pigarreou, tentando manter o sorriso.
— O motivo? Ora, que pergunta... é o casamento de Ren com a senhorita Kalila Phareos, é claro! Uma ocasião maravilhosa!
— Uma comemoração sem os cônjuges, nem os sogros presentes? — questionou Kenshiro, com frieza.
O velho forçou uma risada, um som seco, quase metálico.
— Veja... nós somos um povo muito festivo. Quando há amor no ar, não precisamos da presença de todos para... celebrar.
Kenshiro inclinou a cabeça ligeiramente, como quem aprecia um detalhe antes de dar o golpe final.
— Tenho certeza de que são — Sua voz abaixou, transformando-se em um sussurro ameaçador. — E há quanto tempo essa festa está acontecendo?
O sorriso do Ancião se congelou.
Olhou ao redor, buscando alguma fuga, alguma desculpa convincente. O olhar de Kenshiro o prendia como uma lâmina encostada à garganta.
— D-dez... — gaguejou — dez meses.
Erina deu um passo para trás, como se tivesse levado um soco no estômago.
— Kenshiro, foi exatamente na época que Valerith nos atacou!
— Merda! — rosnou ele, virando-se abruptamente.
O chão pareceu vibrar sob seus pés.
O riso das pessoas ao redor ecoava como um coro distorcido — e, por um instante, os olhos de algumas pareciam... vazios. Sem brilho. Sem alma.
Sem perder mais tempo, o casal disparou em direção ao Farol do Saber. O vento que Kenshiro invocava os impulsionava, abrindo caminho entre as mesas e as bandeirolas coloridas que agora pareciam se desfazer em cinzas no ar.
Atrás deles, o som das danças continuava. o ritmo se tornara grotesco, distorcido, como se a própria festa estivesse se desmanchando junto com o mundo.
(...)
Quando chegaram aos limites da vila, uma névoa espessa, densa e viva tomou conta de tudo.
Era como se o mundo tivesse se fechado em volta deles — o chão, o ar, até o som dos próprios passos pareciam ser engolidos pela bruma.
Deram as mãos instintivamente, temendo perder um ao outro.
O toque era a única certeza que restava.
— Agora faz falta um farol, hein... — murmurou Kenshiro, tentando aliviar o clima. — Hehe...
— Amor...
— Desculpa — disse, forçando um sorriso que se desfez antes de terminar a palavra.
O silêncio da névoa os abraçou.
Caminharam alguns minutos, talvez horas — o tempo havia se tornado tão turvo quanto o caminho.
Mesmo não conhecendo bem a geografia do local, sabiam que a torre ficava a poucos metros dali, o que tornava aquele demora impossível.
— Isso não é natural — murmurou Erina.
Kenshiro assentiu, sentindo o frio subindo pelas botas, como se o chão estivesse drenando o calor de seu corpo.
Decididos a testar, viraram-se e voltaram na direção da vila.
Apenas alguns passos foram suficientes para que ela se materializasse novamente diante deles — intacta, iluminada, festiva.
A névoa recuava, como se zombasse de suas tentativas.
Mas quando voltaram a se virar para o lado oposto, o branco tomou o mundo outra vez. O horizonte sumira. A torre, o caminho, o céu — nada mais existia.
— Droga... — disse Kenshiro, fechando os punhos.
— Estamos presos — disse Erina, com a voz trêmula.
— Deve haver uma saída. Sempre existe uma — respondeu o espadachim, tentando se convencer daquilo tanto quanto a esposa.
— Talvez se nós tocássemos aquele sino... — sugeriu ela, com esperança.
Kenshiro olhou para ela, o olhar distante, relembrando as palavras de Xin:
“O caminho se estendeu... Eu tive que gritar por ajuda.”
— Estamos presos aqui... — murmurou ele, compreendendo, enfim.
— Como assim? — perguntou Erina.
— O Ancião já deve ter contado ao Ren que descobrimos. Essa névoa... é o mesmo truque. Um caminho infinito. Talvez o sino tenha mudado de lugar, talvez a própria vila seja um labirinto. Podemos passar dias andando sem sair do lugar.
Erina olhou ao redor.
Kenshiro estendeu a mão, tentando tocar o vazio à frente, mas o ar se contraiu sob seus dedos, como se o mundo fosse feito de um tecido invisível que se deformava.
Ele fechou os olhos, sentindo a energia ao redor — o vento não corria mais. Estava preso também.
— A menos que... — começou Erina.
— A menos que chamemos alguém de fora — completou Kenshiro.
Ele inspirou fundo, e o ar pareceu resistir antes de entrar em seus pulmões.
— KAJI! ATENDA AO MEU...
— Olá!
A voz veio de trás deles, descontraída, quase casual.
Kaji e a carruagem estavam parados logo adiante — como se sempre tivessem estado ali. A névoa desapareceu ao redor, dissolvendo-se como fumaça exposta ao vento.
— Vocês demoraram — disse Servo, em sua forma de corcel. — Ainda bem que eu e Fox resolvemos tudo.
— Resolveram? — Kenshiro estreitou os olhos. — Como assim?
— Acho melhor verem por conta própria.
Ele apontou com a cabeça para o alto: a porta do Farol do Saber estava arrombada, pendendo de uma dobradiça. A madeira partida deixava escapar um ar frio e pesado.
O casal trocou um olhar apreensivo.
Caminharam em silêncio até a torre.
As vozes da vila sumiram. O mundo, agora, parecia mudo.
À medida que se aproximavam, o som de passos ecoou do interior — um som arrastado, metálico.
Então Fox surgiu, emergindo das sombras da entrada.
Seu rosto estava marcado por hematomas, e pequenas fissuras se espalhavam na armadura, como cicatrizes de batalha recente.
Ele segurava a katana embainhada, sua mão tremia levemente.
— Fox! — chamou Erina. — O que aconteceu?
O guerreiro ergueu o olhar. Seus olhos estavam fundos, cansados.
— Apenas fiz o que era necessário... — respondeu, em um tom rouco, quase desprovido de emoção.
E passou por eles sem mais nada dizer.
Kenshiro e Erina o observaram andar até Kaji.
— “O que era necessário”... — repetiu Kenshiro, com o coração apertado.
Então voltaram-se para a entrada do farol.
O ar ali era pesado, imóvel.
O interior estava tomado por sombras que se moviam devagar, como se observassem.
E, à medida que cruzaram o limiar, o frio os atingiu.
A luz que vinha de fora se recusava a entrar.
Tudo o que restava era um silêncio que soava como um lamento distante.
Eles estavam entrando em um túmulo.
Um túmulo que ainda respirava.
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