Volume 2 – Arco 12
Capítulo 126: Paralisia
O palco a céu aberto era um oceano de luzes amareladas, emanadas de tochas e luzes artificiais. O som do alaúde e dos tambores distantes formava um compasso suave, uma melodia que envolvia a todos em um feitiço de tranquilidade.
Entre dezenas de casais que ainda giravam lentamente sob o luar, Kenshiro e Erina se destacavam. Dançavam como se o tempo tivesse parado apenas para eles.
Os corpos próximos, o ritmo de seus passos tão sincronizado que pareciam partilhar um único coração. As mãos se tocavam com firmeza e delicadeza ao mesmo tempo — como quem sabe que segura algo precioso demais para ser deixado escapar.
Erina pousou o rosto contra o peito do marido, sentindo o bater compassado de seu coração e o calor que atravessava a sua roupa casual. Kenshiro, por sua vez, mantinha os olhos fechados, apenas se permitindo sentir: o perfume doce que sempre vinha dos cabelos de sua esposa.
Por um momento, nada existia além disso.
Um leve distúrbio na harmonia do ambiente o fez abrir os olhos.
Do outro lado do palco, Xin se afastava apressada, e Zhen ficava parado, sem reação.
— Xin acabou de abandonar o Zhen — murmurou Kenshiro, aproximando-se do ouvido de sua esposa.
Erina ergueu o rosto, os olhos cintilando com a luz das tochas.
— Já estou impressionada por eles terem dançado tanto tempo juntos — respondeu com um sorriso suave, quase maternal.
— Acha que foi por nossa culpa? — perguntou ele, meio rindo, meio preocupado.
— Só se ficaram com inveja dos nossos passos — Riu, sincera, inclinando-se mais ainda contra o corpo dele.
Ambos riram juntos. E no ritmo lento da música, riram como dois jovens que ainda acreditavam em finais felizes. A risada se perdeu em um beijo longo, demorado — um beijo que dizia mais do que qualquer palavra.
Quando se separaram, a música parecia ter diminuído o volume por vontade própria, respeitando o instante.
Uma voz rouca, familiar e cheia de serenidade ecoou atrás deles:
— Posso ver que estão aproveitando bem da nossa hospitalidade.
Era o Ancião.
Kenshiro e Erina não se assustaram.
— Não temos do que reclamar — disse Kenshiro, ainda com um sorriso contido.
— Na verdade — acrescentou Erina, voltando a postura ereta e elegante —, parece quase como um pequeno paraíso.
O Ancião soltou uma gargalhada leve, que ecoou de modo estranho — parecia duplicada.
— E é mesmo! — respondeu ele, abrindo os braços como quem apresentava um reino. — Se quiserem, podem ficar.
A expressão do casal mudou da alegria serena para uma melancolia discreta.
Kenshiro olhou ao redor — as luzes, as pessoas dançando, as crianças rindo ao fundo.
— Não podemos — disse Erina, baixando os olhos. — Temos uma jornada importante pela frente. Nos próximos anos...
— Eu imagino, eu imagino — Interrompeu o velho, com um gesto brando. — Mas podem ficar por aqui o tempo que desejarem! Não é como se um ou dois dias fossem fazer o mundo acabar, não é?
Kenshiro trocou um olhar com Erina.
— Ele não está errado — murmurou, com um sorriso cansado.
— Kenshiro! — Ela o repreendeu, sem raiva. Sua voz carregava um temor. Sabia o que aquela tentação representava.
O Ancião percebeu a tensão entre os dois e se inclinou levemente.
— Senhorita — disse ele, com um tom paternal —, longe de mim dar conselhos a quem carrega tanto fardo. Mas às vezes... às vezes é bom deixar o futuro descansar por um momento.
Erina o fitou, desconfiada.
— Acha que eu deveria deixar tudo para lá?
— Não foi isso que eu quis dizer — respondeu com um sorriso brando. — Apenas não deixe que os problemas do amanhã roubem a felicidade que você pode sentir hoje. O futuro sempre espera. A felicidade... nem sempre.
Erina inspirou fundo e, pela primeira vez em muito tempo, relaxou os ombros.
Voltou o olhar para o marido, que a observava em silêncio, esperando o sinal dela.
Ela sorriu.
Sem dizer nada, pousou a cabeça no peito dele novamente.
A música mudou para outra melodia lenta: notas suaves, quase etéreas, que pareciam não vir de nenhum instrumento visível.
Eles voltaram a dançar.
O Ancião, satisfeito com o resultado, apenas acenou o com a cabeça e começou a se afastar.
Enquanto caminhava entre os convidados, sua figura se diluía pouco a pouco na multidão, como névoa se dispersando sob o sol.
E quando desapareceu completamente, as tochas ao redor cintilaram, por um breve instante.
Erina não percebeu. Kenshiro também não.
Mas se alguém olhasse com atenção, veria que, por um breve segundo, as sombras deles não se moviam junto com seus corpos.
***
Xin ainda tentava entender o que havia acabado de acontecer.
Ren simplesmente desaparecera diante de seus olhos, como se tivesse se dissolvido no ar, levado por um sopro invisível.
Por alguns segundos, ficou paralisada, o corpo tremendo, a respiração presa entre o susto e a incredulidade. O lugar onde ele estivera ainda parecia vibrar, como se o espaço tivesse sido rasgado e mal costurado de volta.
Quando recuperou o fôlego, percebeu que algo havia mudado.
A música da festa, antes alegre e vibrante, agora soava desafinada, lenta demais, como se as notas tivessem envelhecido em questão de segundos. As risadas das pessoas soavam forçadas. As vozes, ocas.
É claro, tudo estava exatamente como antes. A deturpação acontecia por finalmente perceber a farsa.
Um arrepio subiu por sua espinha.
O salão antes acolhedor, repleto de luzes douradas, taças tilintando e perfumes doces, agora parecia um cemitério iluminado. As tochas vacilavam, projetando sombras longas e distorcidas nas paredes.
“Preciso falar com Kenshiro e Erina. Agora!”
Sem hesitar, correu na direção do palco, o único lugar onde imaginava que o casal pudesse estar.
— Moça bonita, não tenha pressa! — chamou um homem, erguendo uma taça com um sorriso largo demais.
— Venha jogar alguns jogos! — disse outro, estendendo a mão ossuda, que tremia levemente.
— Bebidas à vontade! — gritou uma mulher, o rosto iluminado de um jeito antinatural, o sorriso congelado como o de uma estátua viva.
Xin ignorou todos.
Quanto mais corria, mais pessoas surgiam, como se o caminho se alongasse sob seus pés. A cada passo, a multidão parecia se multiplicar; sorrisos falsos, olhos vazios, gestos repetidos. O som dos risos se transformou num zumbido constante, abafando até seus próprios pensamentos.
Era como se todo aquele povo estivesse ali apenas para impedir que ela chegasse até o palco.
— Saiam da minha frente! — gritou, tentando empurrar as pessoas com os ombros.
Mas os corpos não cederam. Eram leves como névoa, e ainda assim, impenetráveis. Quando tentou atravessar um deles, sentiu um frio glacial percorrer-lhe o corpo — como se tivesse atravessado um cadáver.
A música mudou novamente.
Os casais que dançavam começaram a se mover com rapidez, girando, rodopiando, aumentando o ritmo até se tornarem borrões coloridos. Xin tentou forçar passagem entre eles, mas era como tentar cruzar um redemoinho.
— Com licença! — gritou. — Por favor, preciso passar!
— Precisa de um parceiro se quiser dançar — respondeu uma mulher, sem parar de girar. A voz era doce, mas sem emoção alguma, e o sorriso continuava fixo, inabalável.
Xin recuou um passo. Seu coração batia como um tambor dentro da cabeça.
“Eles estão me cercando.”
Tentou se esgueirar por um espaço entre dois casais, mas foi empurrada para trás, sempre gentilmente, com força suficiente para impedi-la.
Se tivesse seu chicote, abriria caminho em segundos — suas armas estavam longe, guardadas junto dos equipamentos do grupo.
— GRRRR!!!
Sabia que continuar ali seria inútil.
— Maldição... — murmurou, apertando os punhos.
Sem olhar para trás, correu na direção oposta do palco. Zhen, ele era sua única esperança agora.
O monge estava nas barracas de gincana, ao lado de Soren e Takashi, cercado por algumas crianças que brincavam junto deles.
Para Xin, bastaria atravessar aquela simples reta para alcançá-lo. Uma distância curta. Simples.
— Senhorita! — gritou um dos pequenos, segurando um estilingue nas mãos. — Quer brincar com a gente?
Ela respirou fundo, tentando manter a paciência.
— Desculpe-me, hoje não. Preciso falar com meu amigo.
— Podemos ser seus amigos também! — disse outro, com um sorriso travesso.
— É um assunto sério — respondeu, tentando desviar.
— Sério tipo... coisa de adultos? — perguntou o garoto, com um brilho curioso nos olhos.
— Isso mesmo.
— É sobre ter filhos?
— NÃO! — respondeu, em um grito instintivo.
As crianças se entreolharam, e então começaram a rir. Uma risada estranha, dissonante, sem o calor que uma risada infantil deveria ter.
Xin virou-se para encará-las, furiosa e constrangida ao mesmo tempo. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, uma menina deu um passo à frente.
Ela tinha uma aparência comum, mas em seu rosto, algo dava a impressão de Xin ter a visto anteriormente. Foi quando focou em seus olhos.
Os olhos eram exatamente como os dela quando criança — vivos, curiosos, cheios de uma luz que há muito se apagara.
— A senhorita é muito linda, sabia? — disse a menina com voz suave.
Xin congelou.
Aquela voz, leve, doce e pura, atingiu um ponto que ela julgava morto dentro de si.
— É muito triste vê-la desta forma — continuou a pequena. — Você deveria sorrir mais vezes! Encante o mundo com o seu sorriso!
O coração de Xin se partiu.
De repente, estava diante da versão de si mesma.
Aquela que ainda acreditava em bondade, em amor, em finais felizes.
Aquela que ainda tinha pai e mãe.
Imagens fragmentadas começaram a brotar em sua mente, mãos quentes segurando as suas, risadas ao redor de uma mesa de madeira, o cheiro de pão recém-assado, o som dos peixes sendo pescados no lago.
Memórias que ela achava completamente perdidas.
As pernas fraquejaram. Caiu de joelhos no chão, as mãos tremendo. Uma pousou sobre o peito, a outra subiu até a cabeça, como se quisesse arrancar de lá as lembranças que voltavam a doer.
A menina se aproximou, inclinando a cabeça com inocência.
— Você deveria ficar — disse ela, sorrindo. — Você será muito feliz aqui. Eu lhe prometo.
Xin ergueu o rosto, o olhar borrado pelas lágrimas.
Durante um instante, quis acreditar. Quis aceitar aquele convite e esquecer tudo.
— Você... — murmurou Xin.
A mão dela tocou o rosto da menina, delicadamente. Os dedos traçaram o contorno da bochecha, o queixo, o pescoço.
E, num único movimento, fechou a mão.
— ...não tinha o direito de fazer isso, Ren — disse Xin, a voz oscilando entre dor e raiva.
Crak!
A criança parou de se mover.
O corpo dela se dissolveu em fragmentos de luz, como areia sendo levada pelo vento.
Quando Xin se deu conta, estava sozinha. As crianças ao redor haviam sumido.
Virou-se e começou a correr na direção de Zhen.
Mas o caminho… parecia se alongar diante de seus olhos. Cada passo que dava fazia a vila se distorcer, as barracas se afastarem, as vozes ecoarem como se viessem de outro mundo.
Zhen, antes tão próximo, agora parecia uma miragem no horizonte.
“Desgraçado! É assim que quer me impedir, Ren?!”, pensou, cerrando os dentes.
Correu mais rápido. O vento cortava-lhe o rosto, o peito queimava, os músculos imploravam por descanso. Mas quanto mais corria, mais distante ele ficava — uma figura imóvel, inalcançável.
A exaustão começou a pesar sobre suas pálpebras. O ar se tornava denso, quase líquido. Seu corpo balançava de um lado para o outro, prestes a ceder.
Sabia, se desmaiasse ali, talvez nunca acordasse.
Então, sem forças, fez a única coisa que lhe restava.
Abriu a boca e gritou com toda a dor, toda a raiva, todo o amor que ainda resistia dentro dela:
— ZHEN!!!
Ela fechou os olhos, esperando o silêncio. Esperando que ninguém respondesse.
Uma parte dela queria que ninguém respondesse, pois isso provaria que ele nunca a ouviria, que o destino não os uniria, que ela estava certa em desistir.
Mas a resposta veio. E veio na voz que ela mais temia e desejava ouvir.
— Xin? Está tudo bem? — perguntou Zhen, diante dela, a poucos passos de distância.
Seus olhos eram confusos, preocupados... e um pouco envergonhados.
— Você gritou o meu nome... Aconteceu alguma coisa?
— A gente disse que essa moça era louca, tio! — zombou um garoto, rindo junto com os outros ao redor.
A vergonha atingiu Xin como uma lâmina. Sentiu o rosto queimar. Imaginou como aquela cena pareceria de fora: ela parada no meio da praça, o olhar perdido, o grito desesperado ecoando no meio da música e das risadas.
Respirou fundo. Precisava se controlar.
Não podia simplesmente contar a verdade, ninguém acreditaria. E se dissesse qualquer coisa errada, Ren poderia inverter a situação, fazê-la parecer realmente insana... ou pior.
Então, entre mil pensamentos, escolheu o único caminho que ainda parecia seguro.
— Zhen... — começou, a voz trêmula. — Eu preciso... dançar mais uma música com você.
— O quê? — perguntou o monge, surpreso. — Está falando sério? Depois de tudo o que aconteceu, eu pensei que...
— Vamos logo! — interrompeu Xin, agarrando-o pelo braço.
Zhen nem teve tempo de reagir. Ela o puxou com força, arrastando-o em direção ao centro da praça, onde a música recomeçava.
O povo aplaudia, as luzes giravam, as melodias se misturavam ao som dos passos. Para todos, era só mais um casal voltando à dança. Mas para Xin… aquilo era uma tentativa desesperada de escapar do pesadelo e libertar seus amigos.
No canto, Takashi e Soren observavam a cena com um misto de espanto e divertimento.
Soren deu uma cotovelada no companheiro.
— Aposto que ela vai se declarar dessa vez.
— Aposto que vai socar ele antes disso — respondeu Takashi, rindo.
Ambos balançaram a cabeça, torcendo para que, dessa vez, tudo terminasse bem entre o casal.
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