Volume 2 – Arco 12
Capítulo 125: Revelações do Evidente
O caminho de volta era curto, mas parecia longo.
As luzes das tochas lançavam sombras dançantes nas paredes, e o som distante da música voltava a preencher o ar.
Xin mantinha os olhos baixos, tentando recompor o semblante, ainda secando o rosto com as mangas.
— Ren...? — chamou baixinho.
— Sim?
— ...Obrigada.
Ele olhou de canto, não respondeu. Um leve sorriso, quase imperceptível, cruzou-lhe o rosto, sumiu logo em seguida.
Quando chegaram novamente ao centro da vila, as risadas e o som das flautas tomaram conta deles, como se nada tivesse acontecido.
Com um suspiro cansado, seguiu para o outro lado da praça.
— Venha aqui — disse Ren, com um gesto discreto, apontando para o simples banco de madeira.
Era um ponto afastado o bastante para que ninguém os ouvisse, mas ainda próximo o suficiente para que a luz dourada das tochas alcançasse o chão. O som distante da festa, risos, música e copos se chocando, parecia vir de outro mundo.
Xin hesitou por um instante antes de se aproximar. Ainda segurava a capa que Takashi lhe dera, enrolando o tecido entre os dedos como se ele pudesse protegê-la de tudo que estava sentindo.
— Essa é minha entrevista? — perguntou, com um riso nervoso que logo morreu nos lábios.
— O quê? — Ren balançou a cabeça, sentado de modo relaxado, com o olhar fixo nela. — Não. Já entrevistei aqueles de quem eu tinha dúvidas. O restante de vocês... está tranquilo.
— Então por que...?
— Seguir você? — completou ele, antecipando a pergunta. — Apenas quis garantir que não fizesse nada estúpido ou... você sabe.
Xin ergueu o rosto, surpresa com a franqueza.
— Você quer dizer: garantir que eu não me matasse?
— Isso.
Ela engoliu em seco.
— Entendi.
Se sentou. Seu corpo inclinado na direção oposta de Ren.
O silêncio que se instalou parecia denso, aumentando ainda mais o som emitido pela música, uma trilha sonora inconsistente com o momento que estavam tendo.
Xin observava a praça iluminada. As pessoas riam, dançavam, se abraçavam. Tudo aquilo parecia falso, como um retrato antigo de tempos que não existiam mais.
— Eu sei o que aconteceu em Shenxi... — disse Ren, sem tirar os olhos da luz.
— Você não sabe de nada — A voz de Xin soou cortante.
— ...sei que ainda está culpando Zhen por ter te salvado.
Ela virou-se para ele, raiva e vergonha se misturando em seu olhar.
— Você não sabe de nada!
Ren continuou, impassível:
— E sei o motivo de você não se permitir ser feliz.
Dessa vez, Xin não respondeu. Seu silêncio era uma confissão.
Ren virou-se lentamente para encará-la. Havia algo quase triste em seus olhos — uma compaixão cansada, antiga.
— Sei também que todos eles sabem — disse, em voz baixa. — Apenas você que não quer aceitar.
Xin abaixou a cabeça.
— Você se culpa pelo que aconteceu em Shenxi — A voz dele era calma, firme como uma lâmina que corta com precisão. — Acredita que seu propósito foi reduzido à vingança. Que não é mais digna da felicidade, da empatia, do amor...
Ela respirou fundo, os lábios tremendos.
— ...
— Você o ama, não ama?
As palavras atingiram como um golpe. Xin piscou, e as lágrimas vieram, silenciosas. Mas dessa vez, seu rosto estava sereno — como se finalmente tivesse permissão para admitir o que negava há tanto.
— Nós éramos amigos de infância — começou ela, a voz rouca. — Desde aquela época, eu já... sentia algo. É difícil explicar, mas era como se o destino tivesse nos costurado juntos. Eu gostava dessa ideia, de que estaríamos lado a lado até o fim.
Ela sorriu, um sorriso quebrado.
— Até que fui feita de escrava — Suas palavras saíram pesadas. — Perdi meus pais. Minha liberdade. Tudo o que eu era. Durante anos, tentei me lembrar do rosto dele, da voz... mas as memórias foram se desfazendo, como fumaça.
Ela olhou para a praça, procurando o monge. Zhen não estava mais no palco. Agora ria ao lado de Takashi e Soren, fingindo que nada havia acontecido.
— Minhas lembranças ainda voltavam quando Shenxi foi atacada — continuou. — Eu estava confusa, machucada, com raiva de tudo. Disse a ele coisas horríveis. Disse que eu não o queria por perto. Nem pensei na dor que ele sentia. Só pensei em mim.
Ren assentiu levemente.
— E por tê-lo magoado, acredita que vocês não deveriam ficar juntos?
— Eu simplesmente... — A voz falhou. — Eu não consigo deixá-lo se aproximar! Mesmo querendo. É como se meu corpo rejeitasse o que meu coração implora. Eu não sei se é medo, nojo ou... ou culpa.
Ela levou as mãos ao rosto. As lágrimas voltaram, pesadas, queimando sua pele.
Ren observava em silêncio. Seu olhar, por um instante, foi o de um homem que entendia profundamente o que era perder algo que se amava.
— Você se odeia? — perguntou ele, enfim.
Xin desviou o olhar. Não respondeu.
Ela sabia perfeitamente qual era a resposta. Apenas não podia responder. Era cruel demais... até para si mesma.
— Eu sei que nenhum deles odeia você — disse Ren, suavizando o tom. — Muito pelo contrário. Todos te amam, e querem te ver bem. Só têm medo de cruzar um limite, de te forçar a reviver algo que você ainda não superou. Por isso deixaram que Zhen fosse o único a se aproximar. Mesmo quando você o afasta, ele continua ali...
Mesmo com as palavras gentis, Xin só conseguiu olhar para frente, como se um grande abismo estivesse diante dela, esperando recebê-la. Era um lugar familiar. O único merecia estar.
— Eu não sei o que ele vê em mim — disse, finalmente. — Eu sou tão estúpida com ele... e ainda assim... ele sempre quer o meu bem.
— Ele te ama — respondeu Ren, simples.
As palavras ecoaram.
Uma lágrima solitária desceu pelo rosto de Xin.
Ela tocou a gota, observando-a brilhar sob a luz das tochas — a primeira lágrima de felicidade que deixava escapar em muito tempo.
Aquela simples afirmação, parecia ter lavado seu mal. Toda a agonia de seu peito fora transformada em um alívio calmo e reconfortante. Até mesmo respirar se tornara algo prazeroso.
— É estranho — disse ela, limpando o rosto, ainda sorrindo. — Mal te conheço, e parece que você sabe exatamente o que eu sinto. Por acaso...
Ela se interrompeu, encarando-o. Algo na expressão de Ren mudara.
Uma dúvida simples de Xin tornou-se um mistério sem solução:
“Como alguém tão doce e gentil, com um sorriso tão encantador, poderia ser conhecedor, e um conselheiro, de assuntos tão delicados envoltos em sofrimento e infortúnios?”
— Ren... — sussurrou ela. — Pelo que você passou? Sei que seu pai morreu, mas... Todos sofreram perdas. Por que... você é assim?
Ren ficou imóvel por um momento. O ar pareceu esfriar.
Então, levantou-se. A sombra cobriu parte do rosto, e seu olhar, antes compassivo, tornara-se opaco, insondável.
Assustada, Xin percebera estar se aprofundando em algo mais sombrio. Não era mais sua natureza curiosa que exigia respostas. Sua intuição aclamava por esclarecimento; como se sua vida, e de seus companheiros, dependessem disso.
— Acho que nossa conversa acabou — disse Ren, num tom neutro, quase sem vida.
— Espera! — Xin se levantou rápido. — E quanto sua esposa? A vila? Você não está feliz? Veja o quanto você ainda tem!
Ren virou-se para ela.
E por um instante, Xin viu, não o homem carismático que encantava o grupo, mas algo terrível, denso, algo que o mundo não deveria testemunhar.
Seu olhar era vazio.
Tão frio que pareceu arrancar o ar do lugar.
— Xin... — disse ele, e a voz, mesmo sem se mover os lábios, ressoou direto em sua mente. — Essa conversa. Acabou.
E antes que ela pudesse reagir, o corpo de Ren dissolveu-se na penumbra. O ar ondulou, e ele simplesmente não estava mais lá.
Xin ficou sozinha.
As tochas tremularam com o vento, e o som distante da música voltou, como se zombasse dela.
Por um momento, ela pensou ter visto uma sombra se afastar entre as árvores. Talvez fosse apenas sua imaginação.
— Ren... — sussurrou, apertando a capa contra o peito. — O que você é, afinal?
***
TUNG! TUNG! TUNG!
As batidas ecoavam como trovões no vazio.
TUNG! TUNG!
Cada golpe contra a porta maciça do Farol do Saber fazia o eco reverberar por toda a extensão da clareira.
BAAAM!
Com um estrondo ensurdecedor, a porta se partiu. Fragmentos do trinco voaram e caíram sobre o chão coberto por poeira e cinzas.
— Finalmente... — murmurou Fox, limpando o suor da testa. — Obrigado, Kaji.
Atrás dele, o guerreiro elemental baixou o braço ainda incandescente, a fumaça saindo de sua armadura de combate. Mesmo sem ver seu rosto, Fox sentiu o cansaço em seu tom.
— Tome cuidado — disse Kaji, ajustando seu fogo, tentando iluminar o breu à frente. — Sinto que, se eu entrar aí, acabarei adormecendo.
— Está tudo bem — respondeu Fox, sorrindo de canto.
Desembainhou sua katana e fez um movimento circular sobre a cabeça. A lâmina reagiu ao gesto, cobrindo-se de chamas dançantes, iluminando a entrada.
— As sombras nunca foram um problema para mim.
Mas conforme deu o primeiro passo, percebeu que a luz não avançava.
O fogo ardia, mas não projetava sombra nem reflexo. A claridade morria a poucos passos dele, como se o ar absorvesse qualquer brilho.
O Farol do Saber era um cemitério de conhecimento.
As estantes caídas, os livros queimados, o mármore negro rachado. Mesmo as janelas escancaradas deixavam ver apenas um céu cinza, imóvel — sem sol, sem vento, sem vida.
Fox caminhou com a lâmina erguida, estudando cada detalhe.
A arquitetura era claramente do Império, mas corrompida. As colunas pareciam derreter, os tapetes estavam duros de fuligem e cera seca. O cheiro era o de algo que havia morrido há muito tempo — que se recusava a ser esquecido.
No fim do corredor, uma brasa apagada e uma figura imóvel.
Um homem sentado ao lado de uma lareira fria.
— Você é mesmo perigoso, Ren — disse Fox, mantendo a lâmina erguida.
Ren não respondeu.
Permanecia sentado, uma perna dobrada sobre a outra, o cotovelo apoiado no braço da cadeira, os olhos fixos na lareira morta.
Quando finalmente falou, sua voz ecoou com uma serenidade inquietante:
— Parece que sua insistência tola finalmente deu frutos... Fox, Herói do Povo, pupilo de Reiji Torison, o Guerreiro do Sol.
— Vejo que fez questão de me conhecer.
— No momento em que todos saíram daquele túnel — respondeu Ren, ainda sem se virar —, soube de cada um de vocês. De suas histórias. De seus medos. De suas falhas.
Fox sorriu de canto.
— Então deve saber — Ergueu a katana, posicionando-a de lado —, que não sairei daqui até libertá-los.
Ren finalmente se moveu.
Virou levemente o rosto, deixando a luz da lâmina tocar seus olhos — dois abismos, fundos e sem reflexo.
— Deixe-os — A voz de Ren era baixa, mas firme. — Estão melhores aqui. O continente já possui seu protetor.
— Está enganado — Fox deu um passo à frente, a chama de sua espada crepitando. — Muitas pessoas dependem deles. Do retorno dessa jornada. Eu dependo deles.
Ren suspirou, fechando os olhos.
— Então é mais fraco do que parece.
As palavras foram frias como aço.
Fox respirou fundo, os músculos tensos.
— Tente dizer isso outra vez.
— Você é fraco, Fox — Ren abriu os olhos, e por um instante, algo brilhou em seu olhar. Um reflexo de dor, ou talvez desprezo. — Fraco por acreditar que há algo para salvar.
Fox rosnou.
Com um movimento rápido, girou a katana para trás.
— Impulso!
O golpe foi fulminante — o fogo explodiu em um arco perfeito, traçando uma linha incandescente no ar.
Ren não se moveu. Nem mesmo piscou.
O som da espada atravessando o ar ecoou.
A lâmina passou perfeitamente em seu pescoço, um corte limpo e preciso.
Contudo sem qualquer som da carne sendo cortada, sem qualquer vestígio de sangue.
Como se ele não estivesse ali.
Fox recuou dois passos, os olhos arregalados.
— Muito lento... — disse Ren, finalmente se levantando, sem sequer olhar para o rastro de fogo deixado ar. — Como espera derrotar as Sombras e os Ratos desse jeito?
— Então você sabe deles — respondeu Fox, com a lâmina à frente. — Sabe o que está por vir.
Ren pousou a mão no cabo de sua espada, sem pressa.
— Aprendi muito — disse ele, em tom sereno —, enquanto lia tudo que havia aqui.
Fox cerrou os dentes.
— Posso ver que teve uma leitura muito proveitosa.
Ren levantou o olhar, e pela primeira vez, um traço de irritação surgiu em seu rosto.
As chamas da katana vacilaram.
— Você é cansativo, Herói do Povo. — Seus dedos tocaram a empunhadura.
O ar tremeu.
Fox deu um passo atrás. Sentiu a pressão mudar, o calor evaporar.
Ren ergueu a cabeça, e por um instante, tudo ao redor pareceu se distorcer. As sombras das estantes começaram a se mover, como se respirassem.
O ambiente deveria ser mágico, talvez até vivo, pois sem nenhuma causa aparente, a chama da katana se apagou.
Ainda que estivesse em um bréu absoluto, a figura de Ren ainda podia se destacar. Sua forma era tão escura quanto do ambiente sem luz. Algo que fez Fox duvidar se estava enfrentando de fato outro ser humano.
Independentemente do que fosse, o Herói do Povo não recuou mais nenhum passo.
O confronto entre os dois era inevitável.
De um lado, o Guerreiro do Sol. E do outro, aquele que fora abandonado pela luz, negando sua existência e propósito.
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