Volume 2 – Arco 12

Capítulo 120: Hipnagogia

Ainda estavam encarando a gigantesca porta fechada. 

Todos tinham esperanças de verem dentro do Farol do Saber. Perguntavam-se como seria sua estrutura interna; como os Phareos teriam organizado os livros e estantes; quais outras magias haveria dentro. 

Porém, essa esperança fora cortada abruptamente pelo próprio Ren, outra figura enigmática a qual gostariam de conhecer e decifrar. 

Sua primeira impressão fora bem marcante, mas não perfeita. 

— Isso foi... grosseiro — disse Xin, bufando de insatisfação. 

Zhen cruzou os braços. 

— Não acho que possamos culpá-lo. A morte de um pai é devastadora, mesmo quando o tempo já passou. 

— Você não parece ter sentido o mesmo quando Budai se foi...  

— A morte dele ainda me abala — respondeu desviando o olhar, seu rosto tornando-se mais sério —, eu apenas não demonstro. E termos o vingado acabou trazendo-me certo reconforto, embora, mais do que eu gostaria de admitir... 

Erina deu um passo à frente, assumindo o controle. 

— Seja como for... — disse ela, o tom decidido. — Vamos fazer o que ele disse. Vamos conhecer essa vila. 

O grupo começou a caminhar. 

Mas conforme avançavam, algo sutil os envolveu — uma sensação de leve estranheza que nenhum deles soube definir. 

Então, ao longe, uma melodia começou a ecoar. 

Era suave, quase imperceptível. 

Uma música delicada, semelhante à de uma caixinha antiga. 

As notas flutuavam pelo ar como poeira dourada: leves, lentas... melancólicas. 

E mesmo sem saber o porquê, todos sentiram um arrepio. 

Como se aquela música não estivesse apenas sendo tocada, mas chorando. 

(...) 

Não precisaram andar muito para perceber que a vila, embora pequena, pulsava com uma energia quase ensaiada. 

As casas de madeira simples estavam decoradas com fitas coloridas e bandeirinhas que balançavam ao vento. Homens e mulheres trabalhavam lado a lado, erguendo barracas e preparando mesas, os gestos repetitivos em um ritmo tão sincronizado que pareciam seguir uma mesma canção silenciosa. 

Era uma comunidade viva. 

Quando o grupo surgiu na estrada, os aldeões pararam por um instante, e então voltaram a sorrir — todos, ao mesmo tempo. 

Do meio da multidão, um senhor de longa barba branca e roupas simples caminhou até eles, apoiando-se em um cajado entalhado com símbolos em espiral. Seu sorriso era largo e acolhedor, mas o brilho em seus olhos era de um cansaço antigo. 

— Olá, olá! — disse ele, a voz trêmula, cheia de entusiasmo. — Sejam muito bem-vindos! Eu me chamo Amosek, o ancião desta humilde vila. 

— Não está sendo receptivo demais com estranhos, senhor? — perguntou Xin, desconfiada. 

O velho soltou uma risada leve, quase infantil. 

Oh, meus caros, se nosso juiz lhes concedeu passagem, não há nada a temer! 

— “Juiz”?  — perguntou Gurok, arqueando uma sobrancelha. 

— Sim, sim! — exclamou o ancião, animando-se — O jovem Ren, é claro! — disse, apertando as próprias mãos como se evocasse um nome sagrado. — Há tempos pedíamos auxílio ao Império para proteger nossas fronteiras. Mas eles... — Fez uma careta divertida —, só mandavam mais e mais livros para que os senhores Phareos registrassem. 

— E qual seria a razão de o Império querer registrar tudo? — perguntou Takashi, genuinamente intrigado. 

— Ah, isso não cabe a mim saber, jovem — O velho deu de ombros, sorrindo com humildade. — Sou apenas o ancião de uma vila esquecida pelo tempo. 

— Então qual é a função de vocês aqui? Vocês servem aos Phareos? — perguntou Zhen. 

— Servimos, sim, senhor — respondeu Amosek com serenidade. — Mas não ao Império. 

— Mas... os Phareos não servem ao Império? — perguntou Fox, cruzando os braços. 

O ancião riu de novo, como se tivesse ouvido uma pergunta de criança. 

Ah, que confusão comum! É melhor eu mostrar a vocês. Sigam-me, por favor. 

E, sem esperar resposta, começou a caminhar pelas vielas de terra batida, seu cajado marcando o compasso das passadas. 

O grupo o seguiu, observando a movimentação harmônica dos aldeões — todos pareciam sorrir da mesma maneira, os olhos sempre voltados para a preparação do festival. 

Enquanto andavam, Amosek falava com empolgação contagiante: 

— Entendam, os Phareos são de uma antiga linhagem de magos da ilusão. Diferente das magias elementais, destrutivas ou invocativas, as ilusões exigem... — Levou o dedo à têmpora e deu dois pequenos toques —, criatividade. Uma mente afiada, imaginativa! 

Fez uma pausa dramática e sorriu. 

— É natural, portanto, que os magos de ilusão tenham cérebros mais... brilhantes que os demais. 

— Cuidado, velho — disse Vaelis, fechando os punhos, criando pequenos cristais de gelo entre os dedos. — Posso entender isso como um insulto à minha pessoa. 

O ancião apenas sorriu, como se nem tivesse ouvido. 

Soren, que caminhava logo atrás, baixou o olhar, as mãos cerradas. Aquela fala o atingira mais do que gostaria de admitir. 

Amosek prosseguiu, impassível: 

— A beleza da ilusão está em enganar não apenas os olhos, mas o coração. Fazer alguém acreditar... mesmo sabendo que o que vê não é real. 

O grupo trocou olhares rápidos. 

Havia algo perturbador na leveza com que ele dissera aquilo.

Ao redor, os aldeões continuavam seus preparativos. 

Um grupo pendurava lanternas coloridas, outro decorava pães e frutas. Mas o que mais chamava atenção era o som ritmado das marteladas, os gestos sincronizados, os risos perfeitamente cronometrados. 

— Pois bem... — Pigarreou. — Os Phareos, sendo os melhores magos de ilusão de sua era, foram convidados pelo próprio Imperador a registrar e preservar todo o conhecimento do mundo. Houve muitas tentativas e fracassos na construção do Farol do Saber, mas, no fim, apenas os Phareos possuíam a mente e a visão necessárias para concretizá-lo. 

Suspirou frustrado. 

— Entretanto, muitos nobres consideraram a ideia um desperdício. Diziam que gastar recursos com livros e registros da nossa história era...  “supérfluo”. 

Erina manteve o olhar atento. 

— E ainda assim, o Farol foi erguido. 

— Sim! — respondeu Amosek, animando-se. — Mas saibam que nada chegava até nós além de caixas e caixas de pergaminhos e grimórios. Nenhum ouro. Nenhum reforço. Apenas... papel. 

— Então como construíram a torre? — perguntou Erina, curiosa. 

— Talvez seja mágica... — murmurou Vaelis, logo revirando os olhos e balançando a cabeça. — Esquece. Mesmo a AMA precisou de dezenas de magos para ser levantada, e estamos falando dos magos de antigamente! 

O ancião soltou uma risada que soou longa demais para ser natural. 

Ora, meus jovens! — exclamou. — Nada de magias grandiosas! A torre foi erguida com nossos próprios músculos e o suor de nossas testas! 

O grupo encarou-o incrédulo, esperando que ele terminasse com um riso ou uma piada. Entretanto, sua boca apenas esboçou um grande sorriso orgulhoso. 

— E, em troca desse esforço, o Imperador nos concedeu um privilégio: jamais pagaríamos impostos ou taxas. 

— E o senhor acha que valeu a pena? — perguntou Kenshiro, supondo que fosse verdade. — Talvez tenham gastado mais recursos e suor do que se simplesmente pagassem seus tributos. 

— Talvez, talvez... — Inclinou a cabeça, pensativo. — Mas ainda acredito que valheu a pena, pois a notícia se espalhou. E o que antes era uma vila de dezenas, transformou-se em um refúgio para milhares. 

O grupo o acompanhou até o centro da vila, onde uma grande praça se abria. No alto de um pedestal de pedra havia um sino ornamentado, antigo, coberto por inscrições arcanas que cintilavam levemente sob a luz do sol. 

O ancião segurou uma fina corda presa ao sino e sorriu de canto. 

Ah, vejo que estão curiosos. Permitam-me demonstrar o que o esforço de um povo pode criar quando há fé e esforço de sobra. 

Ele puxou a corda. 

TONG! 

O som do sino reverberou com um timbre cristalino e profundo, e pequenas ondas azuladas começaram a se expandir a partir do ponto de impacto, vibrando no ar como respingos de água luminosa. 

O chão tremeu suavemente.  

As casas ao redor começaram a se alongar, as paredes se esticando como se fossem de argila maleável. As ruas se alargaram, janelas brotaram onde antes não havia nada, e o número de pessoas duplicou diante dos olhos do grupo — cada novo rosto sorrindo, cada novo corpo movendo-se em harmonia. 

O vilarejo se transformava, ali mesmo, em uma pequena cidade viva. 

— O quê... o que está acontecendo?! — gritou Xin, recuando um passo. 

O ancião gargalhou, satisfeito com o espanto deles. A plateia que se formara ao redor também riu, todos ao mesmo tempo, um coro de vozes perfeitamente sincronizado. 

— Como podem ver! — disse Amosek, abrindo os braços. — Não somos tão simples quanto gostamos de parecer. 

Vaelis olhava ao redor, incrédula. 

— Isso tudo que víamos... era outra ilusão? 

— Quem sabe? — disse Amosek, soltando uma risada calorosa. 

Mas, enquanto o riso ecoava pela praça, a música distante — a mesma da caixinha melancólica de antes — parecia mais nítida, como se tivesse sido puxada para perto. 

E, por um breve instante, as ondas azuis do sino tremularam novamente, antes de desaparecer completamente. 

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