Volume 2 – Arco 11
Capítulo 116: Imperador
— Meu senhor, eu não entendo — disse Arturo, a voz tomada pela incerteza.
— O que o senhor está pedindo... é loucura! — acrescentou Drake, incapaz de conter o espanto.
— Abdicarmos do título de Heróis do Povo... o que as pessoas irão pensar? — perguntou Aline, o olhar oscilando entre confusão e medo.
— Ainda que suas intenções sejam nobres, acredito que esteja se precipitando, majestade — disse Morgan, com a calma analítica de quem media as palavras como lâminas.
Lance e Gwen permaneceram em silêncio. Havia algo em suas expressões — um entendimento velado, uma aceitação resignada — que fazia parecer que já sabiam o que estava por vir.
Diante deles, o Imperador permanecia de pé, junto à grande janela de seu quarto.
De lá, podia-se ver todo o reino — uma imensidão de torres, pontes e muralhas que brilhavam sob o céu crepuscular.
Sua figura era quase tão imponente quanto a de Arturo, mas sua presença — essa, sim — fazia o próprio Cavaleiro parecer pequeno.
Seu corpo, ereto e vigoroso, não denunciava a idade.
Diziam que o Imperador já vivia há séculos, mas seus cabelos, negros e lustrosos, desmentiam o tempo.
E, ainda assim, em seu olhar... o peso de eras.
Ele suspirou, apoiando uma das mãos na moldura da janela.
— Sabe, eu nunca gostei desta vista...
Os Cavaleiros se entreolharam.
— Faz parecer que estou acima de todos eles — continuou, o tom baixo, quase um sussurro. — Muitos me confundem com uma figura divina. Cultuam-me. Oram por mim. E, às vezes, até eu me deixo enganar por essa ilusão.
— Não é por falta de mérito, meu senhor — disse Lance, a voz firme, mas reverente.
O Imperador sorriu, um riso breve e cansado.
— Talvez, meu jovem... talvez.
Ele se afastou da janela, os passos lentos ecoando sobre o mármore.
— Alguns acreditam que sou onisciente, que posso ver o futuro... e ainda que não estejam completamente errados, nada disso muda o que sou: um homem que cometeu erros. Erros demais. E atrocidades que, por covardia ou conveniência, eu permiti.
Um silêncio pesado recaiu sobre o aposento. Apenas o som distante do vento preenchia o vazio entre eles.
Gwen, com uma serenidade que raramente demonstrava possuir, quebrou o silêncio:
— Foi por isso que o senhor criou os heróis imperiais, não foi? Para estarem onde o senhor não podia estar.
O Imperador virou-se para ela, e por um instante, seus olhos brilharam de melancolia.
— Sim. E acreditei nessa mentira por tempo demais.
Ele caminhou até a sacada, abrindo as portas. O vento noturno invadiu o quarto, agitando suas vestes reais.
Os Cavaleiros o seguiram em silêncio.
Lá fora, o Império se estendia como um oceano.
— Os heróis imperiais foram minha tentativa fracassada, e ingênua, de copiar os verdadeiros Heróis — Ele ergueu a mão, como se pudesse tocar o céu. — Hoje, eles não passam de peças num jogo político. Um do qual eu quis ignorar, e agora me vejo perdendo.
Arturo apertou os punhos.
— Meu senhor... o que tanto o atormenta?
O Imperador baixou lentamente a mão e voltou-se para eles.
— Estão planejando a minha morte — Fez uma pausa, apenas para aquelas palavras perfurarem a mente de seus Cavaleiros. — O Bispo e seus compatriotas... já se cansaram de mim.
Lance levou a mão ao cabo da espada. Seu instinto foi mais rápido que o raciocínio.
Em passos largos, aproximou-se da porta. Estava prestes a atravessá-la, o olhar tomado de fúria e lealdade cega.
Mas antes que sua mão alcançasse a maçaneta...
Não faça isso...
A voz do Imperador ecoou diretamente em sua mente.
Tão suave, tão gentil, que Lance estremeceu.
Ele parou, paralisado, a mão ainda suspensa no ar.
Um nó se formou em sua garganta, e quando se virou, lágrimas já corriam por seu rosto.
O Imperador aguardou até que Lance voltasse ao lado dos outros, ombros curvados, a espada repousando de volta na bainha.
Só então voltou a falar, com a serenidade de quem já aceitara seu destino.
— Não sei exatamente como planejam; veneno, adagas, um “acidente”, haha... — A risada saiu sem alegria alguma. — Mas sei que não irão conseguir. Ninguém pode, de fato, me matar.
Ele caminhou até o parapeito da sacada, o vento agitando suas vestes douradas, enquanto os Cavaleiros observavam em silêncio reverente.
— Ainda assim... darei a eles o que tanto desejam — Virou-se ligeiramente, e seu olhar cintilou como o reflexo de uma lâmina. — Mas não sem antes tirar algo deles também.
Os Cavaleiros trocaram olhares. Nenhum ousava interrompê-lo, mas a incerteza estava escrita em seus rostos.
— Eles querem que minha morte seja definitiva, pública, inquestionável. Um funeral, um corpo, uma história que encerre tudo — Ele ergueu o olhar para o céu, onde as nuvens se dissipavam lentamente. — Entretanto... não deixarei corpo algum para que encontrem.
Um silêncio pesado caiu sobre todos.
O Imperador continuou, a voz calma, quase etérea:
— Que anunciem minha morte, se desejam tanto. Que toquem os sinos e cubram as ruas de flores. No fim, a dúvida será minha herança... e o fanatismo deles, que tanto usaram para causar atrocidades em meu nome, será a ruína — Um breve sorriso cruzou seus lábios. — A incerteza é uma semente poderosa, e, plantada no coração do povo, pode florescer como revolução.
Drake deu um passo à frente, hesitante.
— E quanto a nós, meu senhor?
O Imperador voltou-se lentamente, seus olhos percorrendo o grupo como se os memorizasse.
— Sem mim, terão de responder ao Bispo e às serpentes que o cercam. E é por isso que peço, não como Imperador, mas como pai: abdiquem do título de Heróis do Povo. — Sua voz, agora grave e serena, ecoou como um sino distante. — Libertem-se da política e façam apenas o que sempre fizeram de melhor... protejam meu povo.
Morgan estreitou o olhar.
— Seremos considerados traidores.
O Imperador sorriu de canto.
— Nenhum exército imperial, nenhuma cidade, e certamente nenhum general... possui a coragem, ou a estupidez, de enfrentá-los.
Arturo baixou a cabeça, a voz carregada de pesar.
— E quanto às Sombras e aos Ratos?
O Imperador se voltou novamente para o horizonte, onde o sol estava começando a se esconder, a noite aproximando-se pelo outro lado.
— Ah... eles... — murmurou. — É uma pena que tenham nascido em tempos tão conturbados. Se fosse há duzentos anos... talvez houvesse esperança.
— Senhor...? — perguntou Arturo, sem entender.
— Não os procurem — O tom agora era quase um lamento. — Não os persigam, não os temam, e tampouco nutram desejo de destruí-los. Essa batalha não é de vocês — Respirou fundo. — Mas, se encontrarem alguém em desespero, tolo o suficiente, desejando incessantemente enfrentá-los, não neguem ajuda; seja com treinamento ou palavras de incentivo.
O vento soprou forte, carregando o eco de suas palavras para dentro do salão.
Os Cavaleiros não ousaram falar.
Era o tipo de silêncio que nascia do respeito... e do pressentimento da perda.
Então o Imperador virou-se pela última vez.
Seu rosto estava calmo.
— Isso é tudo, meus filhos. Estão liberados.
Um nó apertou o peito de todos.
Arturo foi o primeiro a se curvar; os outros o seguiram, um por um, sem dizer nada. Lance foi o último, ainda desconfortável.
Quando se viraram para partir, sabiam que aquela seria a última vez que o veriam.
O Imperador, de pé na sacada, os observou desaparecer pela porta.
O silêncio o envolveu completamente.
Amo vocês...
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