Volume 2 – Arco 11

Capítulo 110: Cicatriz

— Responda, Kenshiro. 

A voz de Lance cortou o ar como um aço frio. Não era apenas uma ordem — era uma sentença. 

Estava claro que Arturo e Lance cuidariam pessoalmente do espadachim. Os demais sabiam que, se algo saísse do controle, teriam de enfrentar não apenas os outros quatro Cavaleiros, mas também todo o exército que os cercava. E naquele campo, banhado pela luz do sol refletidas nas armaduras e lâminas e pelo cheiro de ferro e fumaça, não havia qualquer chance de vitória. 

A cada segundo de silêncio que Kenshiro prolongava, um turbilhão de pensamentos se formava na mente de seu grupo.  

Fugir?  

Lutar?  

Importava realmente? Mesmo que escapassem, haveria baixas em ambos os lados. E para eles, perder um único companheiro era o mesmo que perder a própria alma. A morte de qualquer membro seria a pior derrota possível — algo inaceitável. 

Erina tentava raciocinar. O coração pulsava com força, como se tentasse romper-lhe o peito. Estava sem sua armadura, sem seu escudo, sem sua espada. Apenas o corpo frágil e o instinto.  

Mesmo assim, sentia-se pronta para morrer se isso significasse proteger Kenshiro.  

Sua mente trabalhava desesperadamente, tentando imaginar qualquer brecha, qualquer mínima chance de virar a situação. Mas contra os Cavaleiros de Camelot... não havia estratégia que bastasse. 

Fox, por outro lado, sentia a pressão esmagar seus ossos. A presença de Lance era como uma parede invisível, pesando sobre seus ombros. Por um instante, pensou em fugir, deixar tudo para trás — afinal, ele sempre sobrevivera de maneira solitária. Mas algo dentro dele o impediu. Olhou ao redor e viu os rostos de seus companheiros: o medo, a lealdade, a determinação. Fugir seria uma traição que jamais conseguiria carregar. 

Takashi, o arqueiro, mantinha os olhos atentos. Cada movimento ao redor, cada músculo tenso de Lance e Arturo, ele estudava com precisão. Sabia que, se a luta começasse, só teria uma única flecha antes de morrer. E mesmo assim, suas mãos não tremiam. 

Sebastian, porém, parecia calmo demais. O vampiro permanecia imóvel, o olhar distante, o rosto sereno. Talvez fosse a frieza natural de quem já vira a morte de perto inúmeras vezes. Ou talvez fosse confiança — uma fé cega em Kenshiro. 

Quanto aos demais, imersos em seus próprios pensamentos, não sabiam o que fazer; seguiram o exemplo de seus líderes, fosse lutar ou fugir. 

Então, o espadachim moveu-se. Devagar, como se cada passo fosse medido pelo peso da culpa. Aproximou-se de Arturo, e quando a sombra colossal do comandante o engoliu, Kenshiro ajoelhou-se diante dele. 

O som do joelho batendo no chão foi mais alto que o próprio silêncio. 

Ergueu os olhos, firmes, sem vacilar. 

— Eu sou o culpado. 

Aquelas palavras não ecoaram apenas no ar — atravessaram os corações de todos como uma lâmina invisível. 

Os olhos de Arturo se estreitaram. Lance permaneceu imóvel, seu semblante pareceu endurecer ainda mais. Ao redor, os soldados se inquietaram; esperavam por um comando ou o início da ação. 

Kenshiro continuou, sua voz serena, porém repleta de peso. 

— Um grupo de bandidos pilhou e matou todos em Valéria — Respirou fundo, como se engolisse um espinho. — E mesmo eu morando nas proximidades, permiti que meu luto ofuscasse meus sentidos. 

O ar se moveu. Os punhos relaxaram. As armas baixaram ligeiramente. Arturo manteve o olhar firme sobre ele, esperando mais. 

Kenshiro prosseguiu: 

— Não foi algo de um único dia. Eles permaneceram na vila por cinco dias inteiros — Sua voz falhou por um instante. — Não tenho palavras para descrever o que fizeram com aquelas pessoas. Apenas que... deram um fim às suas vidas no último dia. 

Um silêncio pesado recaiu sobre todos. Até o vento cessou. 

Arturo respirou fundo, e a expressão em seu rosto se tornou indecifrável. 

— Existe alguma prova do que você está dizendo? — perguntou ele, o tom firme, autoritário, sem pressa. A voz de um juiz que já antevia a sentença. 

Kenshiro baixou os olhos. 

— Apenas as minhas palavras... — murmurou, com amargura. — E a minha vergonha. 

— E sua revolta, — disse Morgan, a voz baixa, quase sussurrada. — Foi-nos relatado que a vila madeireira de Valéria fora incendiada até que restassem apenas cinzas e silêncio. 

Kenshiro não ergueu os olhos. As palavras de Morgan soaram como brasas caindo sobre uma ferida ainda aberta. 

— Você é um rapaz muito sentimental, Kenshiro Torison — completou Aline, cuja armadura negra se desfez em partículas de luz até restarem apenas as roupas simples e alvas que usava sob ela. — São poucas as razões que fariam você tomar uma atitude tão extrema. 

Drake cruzou os braços, recobrando a forma humana. O brilho bestial de suas garras desapareceu, mas seu olhar permaneceu afiado.  

— Apesar de não confiarmos nos relatórios imperiais — disse ele —, há poucos vivos capazes de fazer uso tão devastador do fogo. Imaginávamos que fora seu Servo, Kaji. 

De repente, todas as fogueiras do acampamento reacenderam de uma só vez, como se o próprio ar tivesse prendido a respiração até aquele instante. As chamas dançaram violentas, refletindo nos olhos de todos ali.  

Kaji reapareceu. Seu rosto em cada uma das fogueiras, assistindo tudo com confusão a respeito do julgamento dos Cavaleiros. 

Kenshiro fechou os olhos e abaixou a cabeça, envergonhado, como se quisesse esconder o que sentia de seus antigos mestres. Suas mãos tremiam sobre os joelhos, e o peso do passado parecia pressioná-lo até o chão. 

— Eu... eles não morreram bem — confessou, a voz embargada, lutando contra os soluços. — Eu precisei... dar um jeito nos corpos antes que voltassem como Renascidos. — Fechou os punhos com força. — Não podia permitir que colocassem a cidade de Miravalle em risco. 

O silêncio que se seguiu foi diferente de todos os anteriores. Era pesado, denso, quase sufocante. Nenhum dos Cavaleiros teve coragem de responder de imediato. 

A maneira como viam Kenshiro — desprotegido, quebrado, frágil diante de seus próprios demônios — fez com que cada um ali sentisse um aperto no peito. Todos sabiam que ele era o tipo de homem que suportava o inferno sem jamais reclamar.  

Ver o Vice-líder daquele modo era como presenciar uma muralha ruir. 

E então, inevitavelmente, os olhares se voltaram para Erina. 

Ela permaneceu em silêncio, seus olhos diziam tudo. Havia dor, orgulho e um temor que ninguém conseguia nomear. Assim como Kenshiro, ela carregava fardos que ninguém conhecia. Os dois formavam um par estranho: tão fortes quanto trágicos. 

A pergunta pairava entre os olhares silenciosos — quem dos dois carregava o peso maior? 

Lance, que até então observava calado, quebrou o silêncio. Sua voz soou menos fria, como se buscasse devolver um resquício de humanidade àquele momento. 

— Ao menos as crianças foram salvas — disse, com suavidade contida. — O alistamento obrigatório as levou alguns dias antes do massacre... 

Kenshiro ergueu o rosto pela primeira vez. As chamas refletiram em seus olhos marejados, e quando respondeu, a voz mal lhe saiu. 

— Nem todas... 

A última palavra pareceu evaporar junto ao calor do fogo. As lágrimas escorreram livres, caindo em silêncio sobre o chão seco. Nenhum dos presentes ousou quebrar o momento — nem mesmo Arturo. 

As fogueiras tremulavam suavemente, como se o próprio vento chorasse com ele. 

— Walter, o único homem de Valéria, um ex-militar. E sua filha, Olivia... uma menina encantadora — O rosto tomado por uma dor quase física. — Partimos juntos naquele dia. O portário chegou a comentar que ela tinha idade para o recrutamento, mas eu o impedi — Sua voz vacilou. — Acabei condenando a pobrezinha... 

As mãos subiram até sua cabeça, os dedos se enterrando nos cabelos. As memórias o dilaceravam de dentro para fora, e cada lembrança parecia um golpe. 

— Eu ameacei o oficial — continuou, a voz trêmula —, e por isso ele não colocou seus homens para patrulhar. Por minha culpa, a vila ficou desprotegida... e foi atacada — As palavras começaram a sair num ritmo irregular, tomado pela culpa. — Eu sou o culpado... Eu sou o culpado! Eu sou o culpado! Eu sou... Aah... AGHHHHHHHH! 

Um vendaval explodiu a partir de seu corpo. O ar se contorceu e girou, formando um redemoinho que crescia a cada segundo, rasgando o silêncio e ameaçando arrancar as tendas do chão. As lonas tremiam violentamente, e os tecidos grossos se batiam como se quisessem escapar daquele furacão de remorso. 

O grupo de Kenshiro reagiu instintivamente, correndo para contê-lo, mas a força que emanava do espadachim era insana — não apenas física, mas emocional, quase espiritual. Antes que qualquer um conseguisse se aproximar, os Cavaleiros de Camelot avançaram como um só corpo. 

Os seis o envolveram num abraço desesperado, tentando conter a tempestade com o peso de suas próprias presenças. O impacto foi brutal. Os ventos cortavam a pele, riscando as armaduras com marcas que pareciam lâminas. Ainda assim, ninguém recuou. 

Morgan foi a primeira a agir. Ergueu as mãos, conjurando luzes lilases que serpentearam pelo ar, tocando as feridas de cada um. Os cortes se fecharam com um brilho suave.  

Quando seus olhos cruzaram com os de Erina, algo antigo vibrou entre as duas — uma espécie de reconhecimento profundo, visceral. O mesmo dom, a mesma energia, a mesma linhagem. 

Eram de fato irmãs. 

Alguns soldados que assistiam à cena começaram a perceber aquilo que ninguém ousava comentar. Enquanto todos estavam tomados pela angústia, pela dor e pelo medo, Erina permanecia imóvel. 

Seu olhar era neutro. Quase frio. Nenhum traço de compaixão, nem de raiva, apenas uma serenidade cortante, como se aquele sofrimento não a alcançasse. 

Morgan notou. Compreendeu algo que a fez estremecer — Erina não era indiferente. Era alguém que havia aprendido a conter o que sente, até que o próprio coração se tornasse uma fortaleza. 

As rajadas de vento finalmente cessaram, mas o ar permaneceu pesado, saturado de emoções. 

Entre o cheiro de poeira e magia, o silêncio que se seguiu pareceu gritar mais alto do que qualquer palavra. 

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