Volume 2 – Arco 11

Capítulo 109: Arquétipo

— Então essa é a garota de sorte? 

A voz retumbou por todo o acampamento. Grossa, firme, vibrante. Como o rugido de uma fera em meio ao riso dos homens. 

Instantaneamente, todos os soldados se levantaram. 

O som de centenas de botas batendo em uníssono ecoou como um trovão subterrâneo. 

As fileiras alinharam-se e ergueram a mão à testa em continência. 

Erina, assustada, olhou ao redor. Até o vento parecia ter parado. 

O grupo também se levantou, apreensivo. 

De entre as fileiras, um homem caminhava lentamente em sua direção. 

A cada passo, cumprimentava seus soldados com um leve toque no ombro, e com um simples aceno os liberava de volta às suas tarefas. 

O respeito que inspirava era tão natural quanto o ar. 

Conforme se aproximava, a cada passo, Erina tinha dúvidas se estava diante de um homem ou um gigante. 

Seu corpo era imenso, sólido, um colosso coberto por uma armadura dourada que refletia o brilho do fogo. 

Os símbolos imperiais se destacavam em cada peça do metal, mas no peito — no centro — havia o emblema de um leão, dourado em alto-relevo. 

Um leão que rugia até em silêncio. 

Sua presença era imponente, mas seu sorriso… seu sorriso era leve, jovial, quase infantil. 

O contraste era desconcertante. 

Atrás dele vinha cinco figuras ocultadas pela sua própria imagem; não estavam encapuzadas, apenas não brilhavam tanto aquele homem. 

— Devo dizer, Kenshiro Torison... — A voz dele soou como um riso contido. — ...arranjou uma bela mulher! HAHAHAHA! 

HAHAHAHA! — Riram os soldados em coro, obedientes, vibrando como uma onda. 

Erina se inclinou discretamente para o marido, murmurando: 

— Kenshiro... por favor... onde estamos? 

Antes que ele respondesse, o homem se aproximou mais um passo, e o calor da fogueira refletiu-se no dourado de sua armadura. 

— Minha jovem — disse ele, agora em tom mais suave —, peço desculpas pelo mistério. Fui eu quem pediu ao meu aluno que esperasse para que eu mesmo revelasse nossos nomes e títulos. 

Erina endireitou a postura, o coração acelerado. 

Podia sentir o peso das palavras antes mesmo de ouvi-las. 

O homem abriu os braços, exageradamente teatral, e proclamou: 

— EU! — Sua voz ecoou pelo acampamento como um trovão rasgando o céu. — Sou Arturo Dragon! Comandante dos Cavaleiros de Camelot! 

Fez uma breve pausa, sorrindo. 

— ...e antigo Herói do Povo. 

Todos calaram-se, apenas para enfatizá-lo. O próprio mundo pareceu se silênciar; tamanho respeito e honra que ele merecia. 

A xícara escorregou das mãos de Erina e caiu no chão, espalhando o café quente pela grama. 

Ela não percebeu. 

Ficou apenas ali, paralisada, encarando a lenda viva diante de si — o homem que havia liderado os maiores heróis do Império. 

A mente de Erina trabalhava ferozmente, tentando costurar o sentido daquela situação impossível. 

O nome de Arturo Dragon ainda ecoava em sua cabeça como um trovão que se recusava a cessar. 

— Eu... eu sei quem são vocês! — disse, engasgada pela incredulidade. — Foram vocês... vocês quem treinaram o Kenshiro depois do Incidente! 

Um leve murmúrio correu entre os soldados próximos. 

Arturo sorriu, divertido com a perspicácia da jovem. 

— Teoricamente, isso é segredo — interrompeu uma voz feminina, suave e trêmula. 

Era a mulher que viram antes, alta, esguia e de postura curvada, como quem sempre tenta parecer menor do que realmente é. 

Apesar da timidez evidente, havia algo de magnético em sua presença — uma serenidade natural que fazia os outros baixarem o tom instintivamente. 

Ela ajeitou a gola da túnica e sorriu com doçura. 

— Mas... já que o segredo foi descoberto... prazer! — inclinou-se levemente. — Meu nome é Aline. Não possuo título ou função. 

— É a única que diz isso — comentou um homem de feições firmes, de postura militar impecável, que logo deu um passo à frente. 

Sua voz era parecida demais com a de Arturo. 

O mesmo tom grave, a mesma cadência de quem nasceu para dar ordens. 

— Drake Dragon, Precursor — apresentou-se, levando o punho ao peito em saudação formal. — Sou responsável pela patrulha e pela administração dos suprimentos. 

Erina notou de imediato a semelhança entre eles. O porte, o olhar, o sorriso contido... 

Era óbvio que o sangue de Arturo corria naquele homem — talvez um irmão mais velho, talvez um primo próximo. 

Mas diferente do comandante, Drake não exalava carisma; exalava autoridade. 

— E eu sou Gwen! — anunciou uma voz infantil, interrompendo o silêncio como um trovão alegre. 

Uma garota pequena, de cabelos curtos e olhar atrevido, ergueu os braços como quem se apresenta num palco. 

O contraste entre seu tamanho e sua confiança fez Xin dar uma risada involuntária. 

— Sou a mais forte daqui! — disse Gwen com orgulho. — Não se enganem só porque eu sou baixinha! 

— E também a mais falastrona — completou, num tom doce e irônico, uma mulher de aparência madura, que observava tudo com o ar de quem já vira séculos passarem. 

Seu rosto era sereno, mas seus olhos carregavam sabedoria e perigo em igual medida, destacados principalmente pela sua cor purpura. 

Seu cabelo, longo e prateado, caía em ondas, e a forma como se movia lembrava o de uma rainha que havia abdicado do trono, mas nunca da majestade. 

Ela fez uma reverência lenta e elegante, o tipo de gesto que pertenceria a uma monarca dos reinos antigos. 

— Eu me chamo Morgan. Assim como Aline, não possuo título — disse, sua voz aveludada. 

Enquanto erguia o rosto, seus olhos cruzaram com os de Erina. 

Por um instante, o tempo pareceu parar. 

Um arrepio percorreu o corpo das duas, um calafrio tão profundo que fez os pelos de seus braços se arrepiarem. 

O fogo da fogueira oscilou, e o vento soprou em sentido contrário. 

— E... aparentemente... — continuou Morgan, com um meio sorriso — ...sou “cunhada” do Kenshiro. 

O silêncio foi imediato e absoluto. 

Até o crepitar da fogueira pareceu cessar por respeito — ou espanto. 

Kaji, em todas as suas versões espalhadas pelo acampamento, parou simultaneamente, com os olhos arregalados. 

Gurok deixou cair o pedaço de pão que segurava. 

Xin engasgou com o próprio café. 

E Sebastian, que passava uma caneca para Takashi, simplesmente a deixou cair, derramando o líquido quente na grama. 

— É O QUÊ?! — gritaram todos ao mesmo tempo, em perfeita desarmonia. 

O acampamento mergulhou num caos repentino de perguntas, risadas nervosas e olhares confusos. 

Cada grupo cercava uma das mulheres, atirando perguntas como lanças, de forma tão frenética que nenhuma resposta poderia ser ouvida, mesmo que existisse. 

No entanto... em meio àquele pandemônio, havia uma única pessoa em silêncio. 

Sentado um pouco afastado, com as pernas cruzadas e o olhar fixo na fogueira, um homem servia calmamente uma xícara de café. 

Seus movimentos eram lentos, metódicos, quase rituais. 

Quando terminou de beber, levantou-se e falou: 

— Eu sou Lance. 

Sua voz não foi alta — invadiu a mente de todos. 

Cada sílaba parecia atravessar o ar como o som de uma lâmina sendo desembainhada. 

O barulho cessou de imediato. 

Os soldados endireitaram a postura. 

Até o fogo pareceu encolher-se diante dele. 

— Embora eu não seja o comandante — continuou, com a serenidade de um monge e a firmeza de um oficial—, tampouco o mais velho, o mais sábio, o mais inteligente ou o mais gentil... 

Fez uma breve pausa. O silêncio pesava. 

— ...sou conhecido como o Cavaleiro Mais Forte. 

As chamas da fogueira tremularam. 

Erina engoliu em seco, o coração disparando. 

Aquele homem... não havia arrogância em sua voz, apenas verdade. 

E essa verdade era o que mais a assustava. 

Kenshiro estava ansioso para rever Lance. 

Durante todo o caminho até o acampamento, imaginara aquele reencontro: um sorriso contido, um cumprimento firme, talvez até uma piada seca — o tipo de coisa que Lance dizia quando queria disfarçar o orgulho. 

Mas quando os olhos do espadachim se cruzaram com os do Cavaleiro Mais Forte... tudo dentro dele congelou. 

Não havia sorriso. 

Não havia orgulho. 

Havia apenas o silêncio gelado de um juiz diante do condenado. 

— E é verdade — Levantou Lance, sua voz ecoando como aço raspando contra pedra —, que treinamos Kenshiro Torison. 

Deu um passo à frente. 

Os soldados próximos sentiram o peso do ar mudar, como se o oxigênio tivesse se tornado denso demais para respirar. 

— Também é verdade que estávamos ansiosos para reencontrá-lo — continuou, com um tom controlado, quase sereno, o tipo de serenidade que antecede a destruição. — Afinal, queríamos ouvir sobre o ocorrido em Valéria... pela sua própria boca. 

Lance ergueu o queixo. 

Seus olhos cravaram-se em Kenshiro com um brilho frio, impiedoso. 

— “Carrasco de Valéria.” 

Aquelas palavras caíram como um golpe. 

Um título que pesava como corrente. 

Kenshiro sentiu os músculos travarem. Erina olhou para o marido, confusa. Não sabia se temia mais o silêncio dele ou o som daquelas palavras. 

Lance levou a mão até o cabo da espada. 

Foi um gesto simples. 

Mas naquele instante, todo o acampamento reagiu como um organismo vivo. 

O som de milhares de lâminas sendo desembainhadas ecoou em uníssono. 

As chamas das fogueiras foram sopradas para trás, apagando-se quase que simultaneamente, devoradas pelo vento cortante gerado pelo movimento sincronizado das tropas. 

Apenas o reflexo dourado da armadura de Arturo e o brilho roxo dos olhos de Morgan iluminavam brevemente o cenário. 

A timidez de Aline desapareceu. 

Sua expressão gentil se transformou em algo frio, quase triste. 

A luz em torno dela distorceu-se, e suas roupas se desfizeram como fumaça, dando lugar a uma armadura negra, semelhante à de Erina — mas mais densa, mais pesada, mais antiga. 

Era como olhar para uma versão primordial da própria Erina, forjada para suportar séculos de guerra. 

Drake, ao lado, tornou-se algo além do humano. 

Seu corpo dissolveu-se em sombras, e no lugar de mãos, garras translúcidas cintilavam sob a luz do sol. Era uma sombra que insistia em existir contra a luz. 

Ele se movia entre as frestas de escuridão como uma fera feita de ausência — sem som, sem cheiro, sem forma definida. 

Gwen não se moveu. 

Apenas cruzou os braços e franziu o cenho, seu olhar alternando entre irritação e tédio. 

Mas o leve tremor de seus pés denunciava que sua força estava sendo contida à força — como um vulcão prestes a despertar. 

Morgan, em contraste, parecia calma. 

Ela abriu seu livro, e as páginas começaram a virar sozinhas, uma após a outra, como se o próprio livro procurasse o feitiço adequado. 

Seus olhos brilharam em violeta, projetando uma luz suave e hipnótica sobre o rosto de Kenshiro. 

Um encanto perigoso, belo o suficiente para fazer esquecer o medo — e por isso mesmo, muito mais assustador. 

Arturo e Lance permaneceram imóveis por um instante. 

Depois, ergueram o olhar em perfeita sincronia. 

Era um gesto simples, mas o suficiente para deixar claro: pensavam o mesmo. 

Queriam a mesma resposta. 

E se ela não fosse a que esperavam, brigariam pela honra de matar seu antigo aprendiz. 

O ar pareceu estremecer quando Arturo pegou machado. 

Retirado de suas costas, a lâmina larga refletindo o brilho fantasmagórico das fogueiras que tentavam reacender. 

A cada respiração dele, o metal vibrava com um som grave, quase como um urso rosnando. 

Ele era imenso, uma muralha viva, e sua presença tornava Kenshiro um simples homem diante de um mito. 

Mesmo Erina, sentiu-se diminuída. 

Já Lance, não precisou mover um músculo além daquele gesto anterior. 

Não havia ostentação, nem demonstração de poder. 

Seu olhar bastava. 

E era suficiente para fazer qualquer um entender — se ele desembainhasse a espada, apenas a guardaria novamente quando seus corpos estivessem atirados no chão. 

Por um breve momento, Takashi lembrou-se da primeira vez em que vira Kenshiro lutar. 

A postura, o silêncio, a forma como encarava o inimigo. 

Naquele instante, ele compreendeu: Kenshiro não havia apenas sido treinado por Lance.  

Ele o havia copiado. 

E se isso fosse verdade... então sabia, com um arrepio na espinha, que ninguém ali poderia escapar daquele homem. 

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