Volume 2 – Arco 10
Capítulo 106: Renascidos
Fora da cidade, o grupo avançava cuidadosamente pelo mesmo caminho que haviam usado para entrar quando chegaram à cidade, dias antes.
Se quisessem seguir diretamente para o norte, o trajeto correto, precisariam buscar uma rota mais distante ou contornar a cidade por completo.
Decidiram optar pela segunda alternativa. Um caminho mais longo, seguro, pelos limites da floresta. A esperança era que as árvores densas servissem de abrigo, escondendo-os da vista de quaisquer patrulhas ou torres de vigia.
Seguir pelas rotas tradicionais era demasiadamente arriscado, tais patrulhas e torres não hesitariam em pará-los para questionar e vistoriar — procedimento padrão —, até que encontrassem algo comprometedor.
Deixar pelo caminho guardas inconscientes, ou mortos, e torres destruídas não seria favorável ao grupo.
As torres de vigia se limitavam às rotas, permitindo que cruzassem livremente pelos campos até a chegarem à floresta. A escuridão da noite, antes ameaçadora, agora lhes deixavam no anonimato.
Com isso, puderam, finalmente, conversar em voz baixa.
— Ainda acho que aquilo foi um erro — disse Fox, a preocupação marcada em seu semblante. — Não há nenhuma prova de que Nolan fosse nos trair. Isso sequer faz sentido! Por que ele faria isso?
— Se fosse algo esperado ou previsto — respondeu Erina, com um tom calmo, ainda firme —, não seria traição. Além disso, os riscos eram grandes demais.
— Isso é apenas o que você acha.
Kenshiro e Erina haviam retornado aos assentos da carruagem.
Fox recebera um cavalo simples semelhante aos dos magos, robusto, ágil. Os demais se acomodavam como podiam, espalhados entre a carruagem.
A floresta, tomada pela escuridão e pelo silêncio, parecia mais densa e ameaçadora do que o normal. A lamparina de Kaji, apoiada por Erina, iluminava um campo largo à frente, a luz girando e se estendendo como um farol que se movia com eles, afastando as sombras mais próximas.
— Está tudo bem? — perguntou Xin, tentando enxergar além da penumbra.
— Estranhamente, está silencioso demais — respondeu Erina, com os sentidos alerta, como se a própria escuridão a estivesse observando.
— Isso não é o esperado? — disse Gurok, tentando soar confiante. — Os animais devem estar dormindo.
— Mas todos eles? — questionou Erina, uma pontada de inquietação na voz.
Alguns galhos estalaram, tanto nas alturas das árvores quanto no chão abaixo deles. O estalo ecoou entre as folhas, fazendo cada membro do grupo se encolher levemente.
— Foram apenas os animais — disse Soren, tentando manter a calma, embora a voz traísse sua apreensão —, certo?
— Eu não escuto nenhuma respiração — murmurou Kenshiro.
O som de passos leves e de folhas sendo pisadas parecia vir de todas as direções ao mesmo tempo, confundindo os sentidos.
Takashi, inquieto, subiu no teto da carruagem, ao lado de Sebastian, tentando observar mais longe, buscando qualquer movimento ou sinal de perigo. Cada músculo de seu corpo estava tenso; ele podia sentir o cheiro úmido da floresta, o frio da madrugada e a iminente sensação de haver algo entre as árvores.
O vento passou entre as árvores, trazendo consigo o farfalhar de folhas e o sussurro de galhos quebrando ao longe. O grupo, silencioso, avançava cautelosamente, cada um com seus pensamentos sobre o que poderia surgir da escuridão à frente.
A sensação coletiva era clara: estavam sendo observados.
— Já chega — disse Erina, a voz firme, fazendo a carruagem parar abruptamente. — Kaji, ilumine toda a área. Procure por quaisquer sinais de vida.
Kaji se desfez de sua forma de cavalo, assumindo seu modo de combate.
Posicionou ambas as mãos no chão, e um brilho intenso começou a emanar delas, expandindo-se em ondas como uma auréola de luz viva. A floresta foi banhada por uma luz artificial, revelando cada galho, cada sombra e cada ondulação no solo.
— A cada dez metros, informe o que encontrar — disse Erina, observando a luz crescente.
— Nada.
— Os animais não estariam tão perto da gente — comentou Sebastian, despreocupado, acostumado com a natureza.
— Nada.
— E lembrem-se, seriam apenas alguns daqueles que vivem à noite — acrescentou Xin, tentando racionalizar.
— Nada.
— Espera um pouco — disse Takashi, armando seu arco, guiado pelos instintos.
— Nada.
— Não estamos procurando animais acordados... — continuou, a ansiedade subindo em sua voz.
— Nada.
— ...apenas animais vivos!
— Nada.
O silêncio começou a pesar sobre todos. Cada um sacou sua arma, respirando fundo, o coração batendo mais rápido à medida que a luz de Kaji expandia-se pela escuridão da floresta.
— Nada.
Mas os sons da floresta começaram a se intensificar: galhos se quebrando, folhas sendo rasgadas, sussurros metálicos de movimento invisível.
— Nada.
Sabiam que algo se aproximava, mesmo que não pudessem ver ou deduzir sua origem.
— Nada.
Kenshiro e Erina se lembraram do estalar das árvores quando Varelith os atacara com suas adagas. Temiam que ela havia finalmente os encontrado; preparado uma armadilha ardilosa apenas para eles.
— Nada.
Mas aquilo não era eu...
— RROOOAAARRRGHHHHHHH-UUURRHHHHHHH-AAAAAARGHHHH!!!
Os Renascidos surgiram de todos os lados — dos galhos, atrás das árvores, do próprio solo. Seus corpos eram uma colcha grotesca de carne e ossos, dentes sujos de sangue e olhos vazios e famintos.
Presos em suas mandíbulas, restos de animais devorados, um lembrete da selvageria pura e incontrolável que representavam.
O horror paralisou o grupo por um instante. A imagem da carnificina e da morte imediata foi suficiente para apertar o estômago de todos.
Dois Renascidos despencaram diretamente sobre a carruagem, mirando Sebastian e Takashi.
STHINK! STHINK!
Kenshiro reagiu com velocidade e precisão. Suas lâminas cortaram o ar com um assobio mortal, decapitando ambos os monstros que caíram pesadamente para o lado.
Por um breve momento, parecia tê-los eliminado definitivamente; os corpos inertes permitiam um respiro rápido. Mas, horrorosamente, eles começaram a se recompor, movendo-se novamente, um lembrete cruel de que nada estava seguro.
Apenas ataques carregados de Essência podiam eliminá-los. Lembra?
— KAJI! VAMOS! — gritou Erina.
Kaji retornou a sua forma de corcel flamejante, assumindo a frente da carruagem.
Sua crina ardia em chamas que alternavam do amarelo, laranja e vermelho. Seu corpo emanando uma aura de poder que parecia repelir os mortos-vivos, ao menos, momentaneamente.
Os cavalos mágicos — de Vaelis, Soren e Fox — permaneceram calmos, mas sua fragilidade era conhecida: qualquer golpe direto os destruiria instantaneamente.
Com Kaji de volta à dianteira, a carruagem disparou floresta adentro, a lamparina iluminando o caminho com um halo intenso, revelando cada galho, cada raiz traiçoeira e cada possível emboscada.
Os Renascidos avançavam, um mar de mãos e dentes ávidos, tentando agarrar qualquer coisa contra o grupo em movimento. Cada segundo era uma dança entre a vida e a morte, e a floresta tornou-se um labirinto entre sombras e luzes.
Cada passo, cada galho quebrado, fazia ecoar gritos longínquos que não eram humanos. Os Renascidos, agora mais numerosos do que podiam imaginar, cercavam o grupo em todas as direções. A luz da lamparina refletia nos olhos vazios das criaturas; sendo piores que os olhos dos lobos à noite.
Apesar da pressa, Kaji não podia se dar ao luxo de simplesmente seguir em frente, ignorando raízes e troncos do chão. Qualquer solavanco que causasse, poderia causar a queda de alguém da carruagem.
O chão, antes firme, começou a tremer. As rodas da carruagem ameaçavam sair do lugar, rangendo sob o peso.
— O que está acontecendo?! — gritou Soren, tentando manter-se firme sobre seu cavalo.
Mãos surgiram do solo, grossas e negras, agarrando tudo o que podiam alcançar.
Não tinham força suficiente nem para sair do chão completamente, quem dirá causar qualquer dano à carruagem. Entretanto, o simples toque de suas mãos pútridas foi o bastante para desfazer os cavalos mágicos.
O trio reagiu instantaneamente: chamas, gelo e lâminas destruíam tudo que brotava abaixo deles. Ainda assim, a cada membro eliminado, outro surgia em seu lugar, agarrando com ainda mais força.
Uma cabeça monstruosa e deformada conseguiu romper o solo, mordendo a perna de Soren, derrubando-o ao chão. As mãos se fecharam sobre ele, prendendo-o completamente. O desespero tomou conta do grupo, que hesitava entre atacar com força total e arriscar ferir Soren, ou recuar e abandoná-lo.
STHINK! STHINK!
Kenshiro apareceu diante do trio. Suas lâminas já descansavam nas bainhas. Seus olhos dourados brilhavam com determinação absoluta. Num único movimento, levantou Soren em seu colo, esquivando-se de mãos e mandíbulas que apareceram em seguida.
— VAMOS LOGO! — gritou ele.
Fox olhou rapidamente para o chão onde Soren estivera preso. Não havia sequer uma marca das lâminas de Kenshiro.
Sem tempo para pensar, esqueceu daquilo ao se junto ao restante do grupo.
— Não existe saída segura — murmurou Erina, percebendo que a floresta parecia se estender infinitamente, como se estivesse viva e reagindo à presença deles.
Sem discutir, tomou a decisão de mudar completamente de direção, aprofundado ainda mais na floresta.
Cada metro percorrido despertava mais e mais Renascidos. Gritos ecoavam, árvores pareciam se contorcer e raízes se erguiam para tentar detê-los.
O chicote de Xin cortava o ar incessantemente, seu estalo agudo e constante ecoando entre as árvores da floresta como trovões metálicos. Cada movimento preciso da jovem derrubava fileiras de mortos-vivos que, em sua insanidade, se embolavam uns aos outros em uma massa grotesca de membros e dentes. Os corpos caíam, se retorciam, mas rapidamente tentavam se erguer, e Xin, impassível, não lhes dava chance de recompor.
Takashi, por outro lado, mantinha os olhos atentos à escuridão intercalada pelo brilho da lamparina de Kaji. Ele disparava suas flechas ao acaso, sem medo de errar, impulsionado pela quantidade quase interminável de alvos. Um arrepio de repulsa percorria sua espinha a cada som de ossos se quebrando e carne sendo rasgada, mesmo que ele não tivesse história com os Renascidos. O nojo se misturava com uma adrenalina, dando-lhe precisão instintiva. Cada disparo era um golpe de raiva contida, um desabafo silencioso contra as aberrações à sua frente.
Vaelis e Soren precisavam equilibrar delicadamente o poder. Qualquer feitiço mais intenso que o usual poderia facilmente lançar a carruagem de um lado para o outro, transformando a fuga em um desastre ainda maior. Conjuravam magias pequenas, controlando cada nuance do gelo e do fogo, invejando a precisão do arqueiro.
Gurok, por sua vez, estava concentrado em manter seu próprio equilíbrio. Armado com uma arma de haste — trocando para a próxima, sempre que a perdia em meio aos seus ataques —, esforçava-se constantemente para não cair da carruagem. Tinha consciência de que não poderia se dar ao luxo de ser trazido de volto por Kenshiro; era grande e pesado demais.
Sebastian, por sua vez, mantinha os olhos fixos nos galhos das árvores, observando cada movimento, escutando cada estalo que pudesse denunciar um Renascido. Suas garras estavam tensas, prontas para reagir, garantindo que nenhum morto-vivo caísse sobre a carruagem ou atingisse um de seus companheiros desprevenidos.
Kenshiro e Erina, mantinham os sentidos divididos entre a fuga desesperada e a segurança de seus aliados. E por darem mais atenção a um do que para outro, não puderam perceber que haviam sido levados direto para um penhasco.
— Pessoal! Segurem-se firme! — gritou Erina.
Todos olharam para o abismo que se abriu à frente, sentindo medo gélido dominar cada parte de seus corpos.
Guardaram suas armas, respirando fundo, e se seguraram com força na carruagem, enquanto Kaji tentava freneticamente reduzir a velocidade. Porém a força da própria carruagem era demasiada; o cavalo mágico, exausto, não conseguiu resistir, e todos iria despencar.
Cada um caiu livremente, o vento cortando a pele e o coração batendo em descompasso.
Kaji, drenado de energia após horas de esforço contínuo, não tinha forças para responder aos chamados de seus mestres.
Erina, porém, não permitiu o pânico a dominar. Concentrando toda a sua magia, começou a emitir uma aura verde intensa, envolvendo cada aliado, exceto a si mesma. Sua magia avançava como uma rede de proteção que se estendia sobre eles. Cada corpo que caía sentiu um amortecimento invisível, um abraço mágico que impediria qualquer dano letal ao atingir o fundo.
Apesar do pânico natural, a presença de Erina foi suficiente para todos sentirem-se seguros, ainda que as circunstâncias dissessem o contrário. Naquele momento, o afeto de Erina era tangível através de sua magia.
Apenas Kenshiro percebera a ausência da aura esverdeada em sua esposa. Talvez fosse pelo efeito da magia nele, ou olhar confiante dela, decidiu não se desesperar e acreditar que Erina não corria nenhum risco.
Felizmente, um extenso rio os aguardava abaixo deles.
Antes de atingirem a água, buscaram uma última reserva de ar, para garantir que teriam fôlego o suficiente para subir de volta à superfície.
A água fria recebeu os caídos, amortecendo seus impactos.
Pela altura da queda, o impacto ainda teria sido doloroso para alguns, fatal para outros, a magia de Erina salvando ambos; desfazendo-se momentos depois quando o primeiro deles emergiu.
— Estão todos bem?! — perguntou Kenshiro, tentando contar as cabeças em meio a escuridão.
— Que frio!!! — disse Xin.
— Estou aqui! — disse Gurok.
Pouco a pouco, todos responderam.
Quase todos.
Erina foi a primeira a tocar a superfície, indo mais fundo que todos, mas a carruagem caiu sobre ela. A colisão com a carruagem, a queda, o choque de seu corpo contra água, afundando em seguida; foram demais para ela manter sua consciência.
Percebendo a falta de sua Capitã, todos voltaram a mergulhar.
Não conseguiam enxergar um palmo à frente.
Kaji parecia ter se esgotado novamente. Nem a lamparina de Erina chegava a brilhar.
Sem saber se ela afundara até o fundo, ou fora levado pela correnteza, espalharam-se em uma busca desesperada de salvá-la.
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