Volume 2 – Arco 10

Capítulo 101: O "Mais Forte"

Recobrando-se do breve desmaio, Fox ergueu a cabeça. A primeira imagem que invadiu seus olhos foi a lâmina colossal, suspensa a poucos centímetros de seu pescoço. 

O aço negro parecia respirar, como se tivesse vontade própria, ansioso para sentir o gosto de seu sangue. 

O Herói do Povo, que tantas vezes encarara monstros, generais e exércitos, engoliu em seco. Pela primeira vez em muito tempo, não viu uma saída. Apenas um fim inevitável. 

Atrás da espada, o invasor observava-o com frieza. Era um homem de cabelos curtos e brancos, a postura ereta como a de um carrasco pronto para o corte final. Quando notou o terror estampado nos olhos de Fox, curvou levemente os lábios em um sorriso. Era o sorriso cruel de quem não precisava provar mais nada. 

Mas a arrogância — sempre ela — abriu-lhe uma brecha. 

Naquele instante, quando acreditava já ter vencido, os derrotados ergueram-se novamente. Takashi, Sebastian, Gurok, Xin, Zhen, Vaelis e Soren moveram-se como uma onda furiosa, atacando ao mesmo tempo. Não buscavam salvar Fox — não havia tempo para isso — mas Kenshiro e Erina, alvos indefesos sob a sombra daquela espada. 

Porém, o que deveria ser sua chance de redenção revelou-se um espetáculo de desespero. 

O invasor não recuou, não demonstrou esforço. Apenas ampliou o sorriso. 

— Pesar.

Snap! 

O estalar de seus dedos ecoou como uma sentença. De imediato, uma aura azulada os envolveu. O ar pareceu solidificar-se em torno de seus corpos, aprisionando-os como moscas em âmbar. Suspendidos no ar, imóveis, até a gravidade lhes fora negada. 

Era diferente do efeito causado pelo pergaminho de Nolan; não sentiam apenas seus músculos paralisados, era como se estivessem presos em seus próprios corpos, apenas assistindo pelos seus olhos. 

O invasor inclinou a cabeça, fitando-os como quem observa marionetes de corda. 

— Satisfeitos? — perguntou, a voz carregada de desdém. 

Todos sentiam o coração em chamas, desejosos de lutar até o último suspiro. Mas a verdade era inegável: haviam sido vencidos sem sequer arranhar o inimigo. 

Então, uma voz trêmula quebrou o silêncio. 

— Já basta disso! — disse Anastasia 

A jovem, até então esquecida à margem daquela tempestade, tremia da cabeça aos pés. Com mãos frágeis, puxara uma pequena adaga oculta em sua roupa. Não sabia manejá-la, não tinha postura de guerreira, mas ainda assim a erguia diante de si, como um escudo inútil contra aquele ser. 

Seus dedos mal conseguiam sustentar o cabo, mas em seus olhos havia uma centelha desesperada de coragem. 

O invasor virou lentamente o rosto para ela. 

E quando seus olhos azuis encontraram os dela, o quarto inteiro pareceu congelar. O brilho em sua íris era tão intenso que parecia mais que luz — era um abismo gelado, a promessa de que até a menor fagulha de coragem seria apagada. 

— Senhor Tharion — disse Kaji, em um tom tão calmo que destoava do ambiente —, acredito que você já provou quem é o mais forte aqui. Já basta de demonstrações. 

O nome que Kaji pronunciara fez todos prenderem o fôlego. Tharion. 

— Libertar. 

Snap! 

Com um estalar de dedos, a aura azul que aprisionava os guerreiros se desfez tão rápido quanto surgira, estourando no ar como uma bolha.  

O impacto da liberação foi imediato: seus corpos, suspensos contra as leis da gravidade, simplesmente despencaram ao chão, desordenados, exaustos. Nenhum deles completou o movimento de ataque. 

O invasor, agora nomeado, deixou escapar uma risada curta, quase satisfeita. 

— Faz um bom tempo que não os vejo! — disse Tharion, repousando a mão sobre o cabo da espada nas costas como se fosse parte de sua própria carne. Sua voz não carregava hostilidade, mas uma despreocupação insolente. — E não esperava encontrar um grupo tão... peculiar. Realmente singular, para tão pouco tempo nessa jornada... 

O silêncio da sala era denso, carregado. Todos o encaravam, mas nenhum ousava responder. 

Tharion, por sua vez, parecia divertir-se com o desconforto. Seu olhar percorreu cada rosto, como se degustasse as expressões de impotência. Até que pousou nos dois ainda adormecidos sobre a cama. 

— Kenshiro? Erina? — chamou-os como se falasse com velhos conhecidos, ignorando completamente a tensão dos outros. 

O casal não reagiu. Seus corpos permaneciam largados sobre o colchão, respiração pesada e semblante exausto. 

— Eles estão exaustos — disse Zhen, com a voz arrastada, levantando-se com esforço. Seus joelhos quase não sustentavam o peso de seu corpo, drenado pela batalha anterior. — Talvez demorem horas para acordarem... 

Tharion o ignorou com o mesmo desdém com que se ignora o zumbido de um inseto. Seus olhos brilharam num tom de azul ainda mais vívido, refletindo a luz da lareira como duas pedras lapidadas. 

— Mas que descortesia imperdoável! — declarou, com indignação teatral. — Ignorarem a mim, logo eu, quando me dirijo a eles... 

Num movimento rápido, desembainhou a espada novamente, desta sem pressa. O som metálico ecoou pelo quarto como um trovão contido, arrancando suspiros contidos de todos. Os guerreiros, ainda se recuperando do impacto da prisão, imaginaram o pior: um massacre gratuito, um corte frio sobre o casal indefeso. 

Mas Tharion apenas caminhou com passos lentos até a lareira e, em um gesto quase preguiçoso, apoiou a gigantesca lâmina contra o móvel. 

Então, sem aviso, subiu na cama com a naturalidade de quem ocupa o próprio trono. Seu peso afundou o colchão, e ele encarou os dois adormecidos de cima, como um juiz prestes a ditar a sentença. 

Levantou as mãos e pousou a ponta de seus dedos indicadores na testa de Kenshiro e Erina. 

Por um instante, nada aconteceu. Apenas um som diminuto, como o assobio de uma chaleira ganhando pressão, começou a emanar da ponta de seus dedos.  

Até que... 

BAM! BAM! 

Os corpos do casal se arquearem violentamente, como se uma descarga elétrica os tivesse atravessado de uma só vez. Seus peitos estufaram, suas veias saltaram sob a pele, e por um instante parecia que iam se partir em pedaços. 

Então os olhos deles se abriram de súbito, arregalados, pupilas comprimidas em um ponto ínfimo. Tremores tomaram seus músculos, saliva escorria pelos cantos da boca, e uma energia selvagem pulsava de seus corpos como um calor invisível. 

— É O QUÊ?! — exclamaram todos, a incredulidade estampada em seus rostos. 

O temor foi rapidamente substituído pelo inesperado. 

— THARION! — disseram Kenshiro e Erina em uníssono, suas vozes vibrando com uma estranha reverência. E o sorriso que ambos exibiram, tão carregado de frenesi, trouxe um alívio amargo aos outros. Ainda eram eles. Ou algo muito próximo disso. 

Levantaram-se tão rápido que os olhos mortais dos demais não puderam acompanhar. Num instante estavam caídos, no outro já de pé, respirando com a voracidade de guerreiros renascidos. Uma energia densa os cercava, quase material, como se o quarto fosse pequeno demais para contê-los. 

Tharion apenas abriu os braços, um maestro satisfeito diante de sua orquestra favorita. Seu sorriso alargou-se ainda mais, pintando-lhe o rosto com arrogância e prazer. 

— Calma, calma, meu casal favorito... — disse, sua voz escorrendo como mel envenenado. — Vocês estão com energia demais, não acham? Seria uma pena... desperdiçá-la. 

E, num gesto quase casual, apontou para a espada encostada à lareira. 

Kenshiro foi o primeiro a tentar. 

Os músculos tensos como cordas prestes a se romper. Suas mãos, firmes no cabo da lâmina, apertaram-no com uma determinação que transbordava de cada gesto. Ele tentou erguê-la como se toda a sua existência dependesse disso — e, naquele instante, de fato parecia depender. 

O ar respondeu ao seu esforço. Pequenas rajadas escaparam de seus punhos, cresceram e serpentearam por seus braços até envolverem todo o seu corpo. O quarto foi tomado por um vendaval em miniatura, e os móveis começaram a ranger e arrastar-se pelo assoalho, como se fossem joguetes numa tempestade. 

Xin sentiu seus pés quase perderem contato com o chão, a vertigem da queda iminente lhe roubando o ar. Mas então, uma mão firme pousou em seu ombro. Anastasia. O toque leve da jovem parecia contrariar a lógica: seu simples gesto a fixou no chão, criando um peso invisível que a protegeu do ímpeto dos ventos. 

Kenshiro resistiu, os dentes cerrados, os olhos flamejando com a fúria de um guerreiro em desafio. Conseguiu erguer a lâmina alguns centímetros do chão, sustentando-a por três dolorosos segundos que pareceram eternos. 

Então, derrotado pelo peso absurdo, soltou um grunhido e cedeu. 

CLANK! 

A espada caiu de volta ao piso, e o impacto reverberou como se um pedaço da própria terra tivesse sido arrancado e jogado contra o quarto. O chão vibrou sob seus pés, e todos sentiram um arrepio subir pela espinha. 

Kenshiro, arfando, parecia mais calmo agora — ou talvez apenas esgotado. O brilho furioso em seus olhos foi cedendo espaço a uma expressão mais sóbria. Sabia que não adiantava insistir.  

Agora era a vez de Erina. 

E ela não hesitou. 

Com passos decididos, Erina avançou até a espada e, sem rodeios, agarrou o cabo. Seus braços, aparentemente frágeis, ergueram-na com facilidade surpreendente, elevando a lâmina acima da cabeça como se fosse uma extensão natural de seu corpo. 

Por um instante, todos prenderam a respiração, encantados com a visão. Mas logo o peso colossal da arma começou a se impor. Os braços de Erina tremeram, seus ombros se curvaram, e o sorriso confiante cedeu lugar a um esforço desajeitado. 

De passo em passo, a lâmina a arrastava para frente, como se tivesse vontade própria. E o destino dela era claro: o chão... ou pior, os próprios companheiros. 

— NÃÃÃÃOOOO!!! — gritaram em uníssono, o terror estampado em seus rostos. 

Se o simples repousar daquela espada já havia reverberado como um trovão, o que seria de um impacto completo contra o chão? Ou, pior, contra carne e osso? 

Snap! 

Com o estalar de seus dedos, a espada foi imediatamente envolvida pela mesma aura azulada de antes, estagnando no ar como se tivesse sido congelada no tempo. O peso descomunal simplesmente desapareceu, mas o mesmo não aconteceu com Erina. 

BAM! 

Ela despencou de forma nada graciosa, estatelando-se no chão com um estrondo que ecoou pelo quarto. 

EI! SEM BADERNA AÍ! — gritou a voz irritada de um vizinho, vinda do andar de baixo. 

— Perdão! — respondeu Tharion, quase divertido, erguendo uma das mãos em desculpa como se fosse um garoto travesso apanhado no ato. 

Com um leve movimento de seus dedos, a espada azulada voou de volta até suas costas, encaixando-se perfeitamente como se tivesse vida própria. 

Erina, ainda caída, ergueu o rosto do chão, seus cabelos desgrenhados cobrindo parte de sua expressão. 

— Obrigada, Tharion... — disse entre respirações curtas, a voz tingida de constrangimento. 

— Você salvou a gente! — acrescentou Kenshiro, com um sorriso torto, tentando transformar em piada a situação que poderia ter acabado em tragédia. 

Tharion arqueou uma sobrancelha, observando-os com uma calma inquietante, e então deixou escapar um comentário que caiu como uma sentença entre eles: 

— Não apenas vocês — disse, a voz grave e carregada de uma verdade pesada —, mas toda Cenara. 

Aquelas palavras ecoaram fundo, atravessando os corações dos presentes como uma lâmina invisível. Por um instante, o silêncio foi absoluto. 

Então, como se um dique tivesse se rompido, todos começaram a falar ao mesmo tempo, cercando Tharion com perguntas. 

— Quem é você? 

— Quanto pesa a sua espada? 

— Foi você quem a forjou? 

— É algum tipo de Herói? 

O homem apenas observava o grupo com um meio sorriso, a sombra de divertimento em seus olhos azuis faiscando como brasas. Não respondeu de imediato. Era como se saboreasse a expectativa deles antes de oferecer qualquer resposta. 

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora