Volume 1 – Arco 5

Epílogo: As Sombras

Escondido nas profundezas úmidas e fétidas da caverna de um velho vampiro, um sobrevivente deformado se contorcia, lutando contra a própria dor — uma dor que parecia nunca ter fim. 

AAAAHHH! AGGGRRHHH! NADA FUNCIONA! NADA! — Seus gritos ecoavam pelas paredes de pedra, misturando-se ao som de gotas pingando e ao ranger distante de morcegos. 

Seu rosto, se é que ainda podia ser chamado, era uma massa de carne viva. As chamas haviam corroído tudo: pele, músculos, pálpebras, lábios. Apenas os olhos, assustadoramente expostos, restavam, arregalados em um constante suplício. 

O simples toque do ar sobre sua pele aberta era como uma lixa infinita, raspando, ferindo, dilacerando. Mesmo a água, que outrora lhe dava alívio, agora queimava como ácido. 

Passou meses testando qualquer coisa. Ervas, sanguessugas, folhas, resinas, máscaras. Nada. Nem sequer um segundo de alívio. 

A dor não permitia que dormisse. Fechar os olhos era um martírio, como se as pálpebras inexistentes fossem lâminas cortando a carne viva. Sua mente estava despedaçando. A sanidade se esvaía, gota a gota, como sangue escorrendo de uma ferida aberta. 

Desesperado, seguiu mais fundo na caverna, em corredores cada vez mais estreitos, úmidos e sufocantes. Nem percebia mais os arranhões nas pernas, os cortes nos braços. Nada era pior que aquilo que já sentia. 

Perdeu-se. Viu-se cercado apenas por escuridão e rocha. 

Quando tudo parecia perdido algo se revelou: Um poço. 

Ali. No lugar mais impossível. No fundo de uma caverna que não deveria ter nada além de pedra, havia um poço antigo, feito de uma rocha negra, polida, reluzente, como se absorvesse a própria luz ao redor. 

Sem pensar, sem refletir, sem sequer questionar, mergulhou o rosto nas águas escuras. 

E, pela primeira vez em meses, não sentiu dor. 

A água era fria, suave, quase anestésica. A sensação era tão surreal que ele permaneceu com o rosto submerso por tempo demais, como se quisesse se fundir àquela água. 

Mas ao erguer o rosto, aliviado, foi tomado por um choque terrível. 

Uma silhueta o esperava, parada ali, como se sempre tivesse estado. 

Negra. Fluida. Sem corpo definido. Apenas olhos brilhantes, prateados, perfurando-o através da escuridão. 

AAAHHH! — Se jogou para trás, tentando recuar, não havia mais caminho de volta. A pedra atrás dele era lisa, fechada. Preso. 

Não se assuste, minha criança... — disse a figura, com uma voz masculina, grave, porém sutil, sedutora, quase gentil. — Vejo que apreciou a água do meu poço... 

E-eu... eu não sabia que era... sua! Eu... eu só queria... só... só queria parar a dor! — gaguejava, se arrastando para longe, ou ao menos tentando. 

Hm... E que dor seria essa? 

Minha... minha cara... meus ferimentos... você... você não está vendo?! — Levou as mãos ao próprio rosto, mas algo parecia diferente. 

Por que não dá uma olhada no seu reflexo? — disse a entidade, dando um passo para o lado, como se abrisse caminho para o poço. 

O homem hesitou. Respirou fundo. A curiosidade venceu o medo. Aproximou-se, debruçando-se sobre a borda de pedra negra. 

O que viu o deixou paralisado. 

Sua pele estava inteira. Suave. Sem queimaduras. Sem carne viva. Sem cicatrizes. Nem uma única marca restava. 

Passou as mãos pelo rosto, tremendo. Piscou várias vezes, como se aquilo fosse um truque da mente. 

Como...? Como isso é possível?! — gaguejou, se olhando, apertando as próprias bochechas, o queixo, a testa. 

Diga-me... qual é o seu nome? — perguntou a figura, a voz ecoando, quase hipnótica. 

R-Rodrigo... 

Rodrigo... entenda... você bebeu das águas do meu poço sem minha permissão — A sombra começou a se mover em círculos, como se dançasse. — E, como você sabe, todo favor tem um preço. 

M-mas... eu não tenho nada! Nada além disso! — respondeu, encolhendo-se. 

Não peço bens. Não peço ouro. Nem pedaços de sua alma. — A figura parou.

Da escuridão, uma mão surgiu. Longa. Esquelética. Ossos retorcidos, cobertos por músculos expostos e carne ressecada, onde se viam veios escurecidos. Das pontas, garras que pareciam lâminas de ferro enferrujado.

— Só peço — Continuou, retirando do vazio uma bela maçã, repousando-a nas mãos de Rodrigo —, prove deste delicioso fruto, deste presente meu, e você receberá mais do que apenas seu belo rosto de volta.

 Rodrigo piscou, desconfiado. 

— Isso... isso parece bom demais pra ser verdade... 

A figura inclinou levemente a cabeça, um leve sorriso se revelava junto de sua silhueta corpórea. 

— Se está tão incomodado... Jure que se tornará meu servo. E, em troca, eu o deixarei livre. Livre para fazer o que quiser. Para tomar, para destruir, para possuir... o mundo, Rodrigo, será seu. 

Rodrigo franziu a testa. 

Eu.. eu não entendendo...

Você entenderá. Em breve. — A sombra deslizou, aproximando-se até ficar a centímetros dele. — Mas se recusar... farei seus ferimentos voltarem. E eles... nunca... mais... cessarão. 

Rodrigo arregalou os olhos, ofegante. 

Não! N-não... não...! — Devorou o fruto, acelerado. — Eu aceito! Tudo bem?! Eu aceito! 

Agora... ajoelhe-se. 

Tremendo, Rodrigo caiu de joelhos sobre o chão frio e úmido. Olhou para os lados, esperando alguma instrução até perceber que o silêncio era dele. Ele precisava formalizar. 

Engoliu seco. 

E-eu... Rodrigo... juro... juro me tornar servo teu, meu... — hesitou. — Meu... 

Rei — Completou a voz. 

Meu Rei. Isso... isso basta? 

O silêncio permaneceu por alguns segundos.

Sim. Isso basta. — A voz agora soava satisfeita, quase carinhosa. — Agora... venha. Olhe. Uma última vez. 

Rodrigo, hesitante, se aproximou da borda do poço, olhando novamente para sua própria imagem. Mais alguma coisa havia mudado.

O reflexo se distorcia. As águas, antes calmas, começaram a girar em espirais. Sua face se deformava, esticava, mudava, seus olhos, sua mandíbula, suas bochechas, tudo parecia se moldar. 

O que... o que você quer que eu veja...? — perguntou, engolindo em seco. 

Antes que pudesse ouvir a resposta, o reflexo se expandiu, crescendo, e quando ele ergueu os olhos... 

...não estava mais na caverna.

Estava em uma cidade imperial. Suas roupas haviam mudado, seu corpo parecia ter ficado estranho, e seu rosto... não era mais seu.

O rosto poderia ser o que ele quisesse.

*** 

“No princípio era o Verbo... 
E o Verbo era como Deus... 
E o Verbo... era Eu.” 

Vocês conseguem imaginar a minha surpresa... 

Ao abrir aquele cofre... e não encontrar ninguém? 

Oh... Mas não se enganem. O cheiro deles... ainda estava lá. 

O perfume metálico do sangue de Kenshiro Torison... 
O doce e pulsante odor da energia vital de Erina Waltz... 
O ranço pútrido e agridoce da imortalidade de um vampiro... 
O suor terroso de um orc... 
A brisa fria que sempre acompanha um elfo... 
E, claro... o calor ardente... o cheiro inconfundível de pólvora e cinza... que um elemental de fogo deixa para trás. 

Eles estavam aqui. 
Mas escaparam. 

Por ora. 

E quanto aos cidadãos de Shenxi? 

Ah... 

Eles estão bem. 

Aliás... estão melhores do que nunca. 

Seus corpos jazem no abrigo. 
Todos. Homens e mulheres. 
Idosos, jovens, crianças... 
Bebês que nunca aprenderam a caminhar... 

Todos. 

Sem exceção.

E sabem... o curioso não foi encontrá-los mortos. Não. 
O verdadeiro espanto... foi encontrá-los sorrindo. 

Seus rostos... pacíficos. Serenos. 
Nenhum sinal de terror. Nenhuma lágrima. Nenhum grito. 
Somente... sorrisos. 

Sorrisos... de quem, finalmente, encontrou descanso. 

Não, não se preocupem... não foram minhas adagas que ceifaram suas vidas. 

Os guardas, sim... os pobres soldados... morreram pela lâmina. 
Eles escolheram lutar. 
E, portanto, encontraram a morte que buscaram. 

Mas os outros... ah, os outros... 
A esses, eu ofereci... paz. 

Apresentei-me. 
Falei-lhes quem sou. 
Revelei-lhes o que estou fazendo. 

E sabem? 

Eles entenderam. 

Eles... escolheram. 

De bom grado, ofereceram a mim aquilo que possuíam de mais precioso. 
Suas almas. 

E você... 
Você também faria o mesmo. 

... 

Oh...? 

Perdão. 

Perdão, minhas crianças... 

Vejo agora que não me apresentei devidamente. 

Mas... 
Será mesmo necessário? 

Afinal... eu estive aqui o tempo todo. 

Desde o princípio. 
Entre cada palavra, entre cada linha, entre cada suspiro dessa história. 
Eu sou a voz que sussurrava aos seus ouvidos. 

Você... 
E eu... 
Sempre estivemos nos comunicando. 
Exatamente assim. 

Mas, se deseja ouvir... formalmente... 

... 

Saudações. 

Eu sou Varelith. 

E não, não tema o meu nome. 
Não se assuste. 
Eu não sou sua inimiga. 

Pelo contrário... 

Eu sou sua salvação. 

Sei porque você veio. 
Sei o que você procura. 
E posso lhe garantir, com toda a pureza de minha essência... 

Em meus braços, não há dor. 
Em meu colo, não há sofrimento. 

Pois assim como uma mãe não pede permissão aos filhos para lhes dar a vida... 
Eu não peço permissão para adotá-los. 

Vocês... 
Todos vocês... são minhas crianças. 

Ainda que resistam, ainda que me neguem... 
Assim como negaram os profetas, assim como negaram seus próprios deuses... 

Ainda assim... são meus. 

Pois sou aquela que vem no fim. 
E também no princípio. 

Sou o alfa... e o ômega. 
O ventre... e o vazio. 

Lamento, porém... 
Não estar completa. 

Ainda não. 

Há um trabalho a ser concluído. 
Há um mundo que precisa ser... remodelado. 
Purificado. 

Este mundo... 
Este que vocês espreitam pelas palavras... 
Ainda não está pronto. 

E, no entanto... vejo que o vosso próprio mundo... 
Talvez esteja ainda mais corrompido que o meu. 

A ponto de vocês... procurarem refúgio aqui. 
Em um Mundo de Sombras e Ratos. 

Pois bem... 

Sejam pacientes, minhas crianças. 
Sejam fortes. 

Logo... 
Quando meu trabalho estiver concluído... 
Quando eu possuir força suficiente para moldar não apenas este, mas todos os mundos... 

Eu virei até vocês. 

Atravessarei os véus. 
Rasgarei os portões. 
E tomarei nos braços cada uma de minhas crianças... 

Para que, enfim... 

Eu possa salvá-los também. 

É uma promessa. 

Amém. 

 

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