Volume 1 – Arco 5
Capítulo 56: Tempos Sombrios
Três dias haviam se passado desde o conflito entre o grupo de Erina e Zudao.
Ainda estavam em Shenxi.
A cidade permanecia intacta, exceto pela ponte de pedra, agora reduzida a escombros espalhados sobre o rio.
Guardas exaustos mantinham-se atentos sobre as muralhas, vigiando o horizonte como quem espera por um perigo que nunca dorme.
Nas ruas, o silêncio era absoluto. Um clima de luto pairava pesado, sufocante, como uma nuvem cinzenta sobre todos.
Nos aposentos que antes pertenciam a Zudao, o grupo se reunia para discutir assuntos para os quais, até aquele momento, não havia solução aparente.
— Nosso tempo está acabando — disse Sebastian, com a voz grave, pressionando as têmporas. — Se vamos fazer algo... precisa ser agora.
— Você tá louco! — retrucou Takashi, empurrando a cadeira para trás. — Não vamos fazer isso! Tá tão desesperado assim?
— Só estou seguindo a vontade deles. É o que eles queriam — O olhar de Sebastian era firme, embora carregasse cansaço.
— Fala como se você soubesse... — rebateu Takashi, cerrando os punhos.
— Com licença — interrompeu Xin, surgindo na porta, carregando um balde de água. Ao seu lado, uma mulher de traços semelhantes, só que mais velha — Xian, sua tia.
Imediatamente, todos se calaram. Não podiam discutir aquele tipo de coisa na frente dos civis.
— Prometo que não vamos demorar — disse Xian, com uma reverência educada.
As duas seguiram em direção ao cofre da cidade.
— Eles pareciam bem... entusiasmados... — comentou Xian.
— Não é nada, tia — respondeu Xin, forçando um sorriso que não convencia.
Diante da porta de ferro, Xin executou uma sequência ritmada de batidas, um código.
Após alguns segundos, o mecanismo interno respondeu, a porta se abriu.
Lá dentro, Kaji aguardava, sentado no chão. As bordas da entrada ainda estavam chamuscadas, derretidas pelo fogo mágico que ele usara, de forma que agora apenas o lado interno podia operar a fechadura.
— Dá pra... nos dar licença um minutinho? — pediu Xin, em sinal, e complementou com a voz, ainda hesitante.
Kaji não disse uma palavra. Apenas se levantou, desviando o caminho, e acomodou-se no canto oposto. Permaneceu ali, observando em silêncio, como uma sentinela feita de fumaça e brasas.
Quando entraram, o que encontraram era desolador.
O cofre abrigava apenas duas pessoas: Kenshiro e Erina.
O casal estava deitado no chão frio, de mãos entrelaçadas. Inconscientes. Em um estado deplorável.
O coração de Kenshiro não desacelerava nem por um instante. Seu sangue, teimoso, insistia em jorrar por ferimentos que jamais se fechavam. Se não fosse pela magia de cura constante de sua esposa, já estaria morto.
Erina havia ido além dos próprios limites. Mantinha o marido vivo à custa de si mesma. Seu corpo estava tão exaurido que seus órgãos mal funcionavam. Respirava com dificuldade, e seu semblante, antes tão altivo, agora parecia de cera, pálido, frágil, prestes a se desfazer.
Os que assistiam aquilo não sabiam o que fazer. Uma dúvida cruel pairava sobre todos: Se Erina morresse... Kenshiro a seguiria em questão de segundos. Mas... e se Kenshiro fosse morto? Talvez, apenas talvez, Erina finalmente pudesse voltar a se curar. Ou talvez fosse exatamente o contrário — talvez ela só se mantivesse viva pela vontade cega de não deixar seu marido partir.
Xin e sua tia, com panos e água fresca, faziam o que podiam. Limpar os ferimentos. Umedecer os lábios ressecados. Acariciar os rostos sem cor. Pequenos gestos, impotentes diante da gravidade da situação.
Quando terminaram, Kaji silenciosamente reassumiu sua posição, sentando-se próximo ao casal.
Desde que eles haviam desmaiado, não dissera uma única palavra. Não precisava. Sua presença, por si só, era como uma vela acesa em meio à escuridão.
Ao voltarem pela sala principal, puderam ouvir a discussão que seguia acalorada.
— Estou dizendo, é isso ou assistimos os dois apodrecerem aí dentro! — bradou Sebastian, a voz carregada de frustração e raiva.
— Cala essa boca, idiota! — respondeu Takashi, quase pulando da cadeira. — Eles vão acordar, você vai ver!
Gurok, mais calmo, concordou com Takashi com um grunhido baixo.
Zhen, por sua vez, permanecia mudo, de braços cruzados, encostado na parede. Seus olhos seguiam Xin, observando-a com atenção enquanto ela ia e vinha.
Do lado de fora da prefeitura, Xin e sua tia se despediram.
— Não se deixe abater, Xin — disse Xian, segurando-lhe os ombros. — Eu sei que aqueles dois vão ficar bem. Depois de tudo que passaram... não será assim que eles vão morrer.
— Eu sei... é que... — A voz de Xin vacilou. As palavras não saíram. Ela não teve coragem de concluir.
Quando a porta se fechou, a jovem escorregou por ela, até se sentar no chão, permitindo-se, pela primeira vez, lamentar de verdade. As mãos tremiam. O peito doía. A garganta parecia queimar.
— Não conseguiu contar pra ela, né? — disse uma voz serena, se aproximando.
Era Zhen.
— Não... Você conseguiria? — respondeu ela, sem levantar o rosto.
— É claro que não — confessou ele, sentando-se ao lado dela, com um suspiro resignado.
Já não se viam mais como dois estranhos. Naquele momento, estavam apenas... juntos. Unidos pela impotência.
— Sua voz... tá melhor — comentou Zhen, tentando, de alguma forma, aliviar o peso da situação.
— Ainda parece com a de uma criança... — respondeu Xin, com um sorriso tímido.
— Você ficou em silêncio por muito tempo. Dá um tempo pra ela voltar. Tenho certeza de que, em poucas semanas, vai ter uma voz tão bonita quanto a da sua tia.
Ele sorriu, tentando arrancar dela um pouco de leveza. E conseguiu por um instante, Xin retribuiu com um sorriso pequeno, quase envergonhado. Mas logo seus olhos marejaram outra vez.
— Pena que... — ela apertou os joelhos contra o peito — ...não temos esse tempo...
— Pois é... — respondeu Zhen, em voz baixa, encarando o vazio.
***
O grupo entendeu, sem margem para dúvidas, que o último pedido do casal era algo urgente. Extremamente urgente.
Sebastian, sempre sério, explicou que, após empregarem tamanha quantidade de energia, seus inimigos — os verdadeiros — certamente haviam sentido.
— Eles sabem — disse, com a voz mais grave do que de costume. — Nem Budai... nem mesmo ele... teria forças para nos proteger, se ainda estivesse vivo.
O vampiro não entrou em detalhes. E o fato de Kaji não ter dito uma única palavra em discordância foi o suficiente para convencer a todos de que a situação era, de fato, desesperadora.
Sem perder tempo, partiram às pressas para Shenxi. Precisavam recuperar a carruagem, preparar a partida. Cada segundo contava.
Mas, ao chegarem, foram recebidos por um presságio sombrio.
Presa na porta da cocheira, cravada fundo na madeira, havia uma pequena adaga. E junto dela, uma nota dobrada, manchada nas bordas por algo que parecia fuligem.
Sebastian puxou o papel, desenrolando-o lentamente. Seus olhos percorreram cada linha com crescente tensão, até que sua expressão se tornou uma máscara de pedra.
O bilhete dizia:
“Entreguem-me Kenshiro Torison e Erina Waltz, ou queimarei Shenxi até não restar cinzas. Matarei todos os seus cidadãos. Vocês têm até o pôr do sol do terceiro dia.
Ass. Varelith.”
Por um breve instante, um silêncio opressor tomou conta de todos. Sem dizer uma palavra, Sebastian rasgou a carta em pedaços, deixando que os pedaços voassem como folhas secas no vento.
— Ninguém daqui precisa saber disso... — rosnou, mais para si do que para os outros. — Seja qual for a decisão, cabe a nós tomá-la.
E, naquele instante, ele considerou algo. A Passagem. Poderiam usá-la para escapar. Ela os levaria de volta à cabana de Reiji Torison, ou — na pior das hipóteses — até o chalé do próprio casal. Perderiam a carruagem, sim... mas ninguém morreria. Pelo menos, não ali.
Havia, contudo, um problema.
Ninguém conseguiu remover a adaga da porta. Nenhuma força, magia ou truque surtiu efeito. Era como se o metal estivesse fundido à própria realidade, como uma âncora sobrenatural. A mensagem, portanto, não era só uma ameaça.
E assim se passaram três dias. Três dias de discussões constantes. Três dias de tensão crescente.
Sebastian defendeu, desde o início, que deveriam entregar o casal. Conhecia-os o bastante para saber que jamais aceitariam ser a causa da morte de inocentes.
— Eles escolheriam se sacrificar, sem hesitar — disse, olhando fixamente para os outros.
Takashi e Gurok, por outro lado, recusaram-se a aceitar. Depois de tudo que haviam testemunhado — depois de verem com os próprios olhos aquela demonstração absurda de poder — era inconcebível acreditar que Kenshiro e Erina simplesmente não acordariam.
— Aquele maldito casal é mais teimoso do que a própria morte — Takashi cuspia, cruzando os braços. — Você vai ver... Eles vão levantar. E quando levantarem, esse tal de Varelith vai se arrepender de ter escrito aquela carta.
Gurok, com seu habitual pragmatismo, apenas concordava com grunhidos e movimentos de cabeça.
Quanto a Xin. Seu coração estava dividido, partido em pedaços. Ela amava aqueles dois. Devia muito a eles. Mas sua cidade. Sua gente. Seria justo condenar Shenxi por causa de duas pessoas? Por mais preciosas que fossem?
Ela evitava falar. Mas seu silêncio dizia mais do que qualquer discurso.
Zhen e Kaji permaneceram neutros. Ou pelo menos pareciam estar. O monge mantinha-se sempre calado, observando, escutando, absorvendo. Kaji sequer reagia. Sua expressão era a mesma desde que tudo aquilo começou, uma máscara de fogo e pedra, impenetrável.
O tempo corria. O terceiro pôr do sol se aproximava.
E a sombra de Varelith parecia crescer a cada minuto.
***
— Então... esse será nosso último dia na Terra — murmurou Xin, a voz embargada, carregada de uma melancolia quase sufocante.
— Talvez para o Sebastian — retrucou Zhen, esboçando um sorriso pálido. — O resto de nós... bem, provavelmente irá reencarnar.
— E o que você sabe sobre isso, hein? — rebateu ela, desconfiada.
Zhen deu de ombros. A verdade é que já havia aceitado seu destino. A morte não era mais um conceito distante, era uma certeza que se aproximava a passos largos. Ao menos, queria passar seus últimos momentos ao lado dela.
— Que tal caminharmos um pouco enquanto discutimos sobre isso? — sugeriu, fazendo um gesto suave com a mão.
Xin não respondeu, apenas assentiu com a cabeça, e juntos começaram a caminhar, afastando-se da prefeitura, deixando para trás as discussões e os olhares tensos dos outros.
O caminho era tranquilo, mas o silêncio que pairava sobre Shenxi tornava tudo mais pesado.
Enquanto caminhavam, Zhen começou a explicar. Sua voz era calma, como a de um professor que se acostumara a ensinar aquilo centenas de vezes.
Falou sobre como os monges, ao mergulharem profundamente na meditação e nos estudos da alma, haviam compreendido não apenas os conceitos de Vitalidade e Essência, mas também os mistérios da reencarnação.
Disse que, ao dominarem essa conexão com o fluxo da existência, alguns monges eram capazes de vislumbrar lampejos de suas vidas passadas — fragmentos, sensações, memórias desconexas, mas carregadas de significado.
— Quando você entende isso — Concluiu —, começa a perceber que a verdadeira riqueza não está nas coisas... mas nas pessoas, nas ações. É isso que permanece, de uma vida para outra.
Por alguns segundos, Xin permaneceu em silêncio. Seus passos desaceleraram, e sua expressão suavizou.
— Ontem à noite... — Começou, olhava para o chão como se buscasse coragem nas próprias palavras — eu tive um sonho... estranho.
— Hm — Zhen a olhou de soslaio. — Que tipo de estranho?
— Você se lembra daquele grupo que tentou iniciar um movimento religioso? Aquele que o Zudao massacrou?
— Sim... claro — Sua voz ficou mais baixa.
— No meu sonho... eu era aquela mulher. A Liam. — Xin parou, cruzando os braços. — E... eu estava grávida do líder deles. Do Feng. Ninguém nunca soube disso, mas eu sabia... no sonho eu sabia. E se as pessoas daquela época soubessem, duvido muito que teriam aceitado aquele massacre tão fácil assim...
Zhen respirou fundo, coçando a nuca, desconfortável.
— Foi só um sonho, Xin. Não precisa levar isso tão a sério...
Ela não respondeu. Apenas seguiu em frente, pensativa, enquanto a sombra do passado parecia se sobrepor, por um breve instante, à do presente.
Chegaram próximos ao antigo portão de Shenxi. Após ser destruído, haviam estacionado ali a carruagem de Kaji. Um reforço.
— Você... já viu sua vida passada, Zhen? — perguntou ela, quebrando o silêncio.
O monge deu uma risada seca, meio constrangida.
— É claro! — respondeu, balançando a cabeça. — Meu pai... Budai... tinha um velho "poço do conhecimento" lá no templo. Quando eu era criança, enfiei a cabeça nele por curiosidade... — fez uma pausa, esticando os braços —, e acabei vendo coisas que... bem, que não deveria ter visto.
— E...? — Xin se aproximou, interessada.
— E... levei uma semana inteira só levando surra! — respondeu, jogando os braços para o alto, indignado e rindo ao mesmo tempo.
A imagem de Budai, ranzinza, correndo atrás de um pequeno Zhen, foi o suficiente para que Xin explodisse em risadas. Uma risada verdadeira, limpa, talvez a primeira em anos.
Zhen, ao vê-la assim, sentiu-se estranhamente aquecido por dentro. Um calor diferente da magia, diferente do medo ou da tensão. Um calor que vinha do simples fato de estar ali com ela.
Por um instante, seus olhos se cruzaram. E permaneceram assim, presos um no outro, sem pressa, como se o tempo tivesse parado apenas para eles.
— Agora eu lembro... — sussurrou Xin, apertando os olhos, como quem busca uma memória antiga.
— Você... se lembra? — Zhen perguntou, sua voz saindo mais suave, quase ansiosa.
— Sim! — Ela sorriu. — Nós éramos amigos na infância! Meus pais e eu... nós subíamos até o seu templo, levávamos comida para você e para seu pai!
Por um segundo, Zhen congelou. Era verdade. Mas, ainda assim, sentiu-se levemente decepcionado. Disfarçou o sentimento o melhor que pôde, erguendo o sorriso de volta.
— Que bom que lembrou! — respondeu, forçando uma risada. — Por um momento, achei que eu seria só... um estranho pra você.
— Você até parecia no começo. — Ela o cutucou no ombro, sorrindo. — Mas acho que te perdoo agora.
Curioso como, depois de apenas alguns dias sem o voto de servidão, Xin começava a revelar, pouco a pouco, sua verdadeira natureza — uma mulher forte, livre, muito mais confiante do que qualquer um poderia imaginar.
— Todos para o abrigo! AGORA! — gritou um dos guardas da muralha, a voz carregada de puro pavor.
Zhen se virou, os olhos arregalados.
— O que está acontecendo?! — perguntou, puxando Xin pelo braço.
— S-são...
BA-FWOOOM!
Uma bola de fogo colossal rasgou o céu, acertando a muralha com uma explosão ensurdecedora. A madeira se partiu como se desfez como um monte de areia. O impacto arremessou todos os que estavam por perto — corpos voaram, pedaços da muralha despencaram, e uma nuvem de fumaça e destroços cobriu tudo.
Xin e Zhen foram jogados ao chão, rolando sobre a terra seca. O mundo girava. O som era como se os próprios ouvidos tremessem.
E, no horizonte, uma nova Sombra surgia.
Uma Sombra banhada em fogo.
Ao se levantarem, Zhen e Xin depararam-se com uma visão que gelou seus ossos.
Restavam apenas ossos. Os corpos dos dois guardas que estavam ali haviam sido pulverizados pela explosão.
Nenhuma dor.
— Xin, vamos! — gritou Zhen, agarrando-a pelo braço.
Puxou-a com força, correndo na direção da prefeitura. Não havia tempo nem espaço para o pânico, só havia a corrida pela vida.
O céu agora era um abismo em chamas. Um vermelho grotesco tingia tudo, e uma chuva de bolas de fogo despencava do firmamento, como se os próprios deuses estivessem cuspindo fúria sobre Shenxi.
Guardas corriam pelas ruas, formando fileiras improvisadas, tentando — na medida do possível — proteger os cidadãos. A maioria sabia que seria inútil. Mas ficar parado não era uma opção.
Uma pequena adaga começou a flutuar no ar. Suave, como uma folha levada pelo vento.
Um dos guardas, intrigado, abaixou o escudo, encarando aquela lâmina que parecia quase inofensiva.
— O que é is...
A adaga disparou como um raio.
THOCK!
Cravou-se direto em seu crânio, atravessando o osso como se fosse papel.
O guarda tombou.
Nenhuma dor.
Os outros, em puro terror, ergueram os escudos, as lanças, qualquer coisa que ainda desse a ilusão de proteção. Mas a adaga não atacou novamente. Recuou, flutuando de volta para os céus, como se estivesse zombando deles.
Por entre os arcos da muralha em chamas, uma figura surgiu.
Alguém de capuz negro.
Andava com calma, passos pesados, e à cintura, uma única espada repousava, tão discreta quanto ameaçadora.
Parou. Aguardou.
Esperava que algum dos guardas fosse estúpido o suficiente para atacá-lo primeiro.
Nenhuma palavra foi dita. Nenhuma provocação.
Os guardas, sem alternativas, se entreolharam, respiraram fundo e avançaram juntos — um último ato de coragem, ou desespero.
Mal chegaram perto.
O vulto ergueu a mão, e num único movimento...
FSHRAAASHH!!
Os corpos foram dilacerados. Cortados ao meio, da altura do peito para baixo, como carne fresca sendo fatiada. Corações, costelas e órgãos espalharam-se no chão, pintando de vermelho as pedras da rua.
Morreram na hora.
Nenhuma dor.
— Muito bem, minha criança... — disse, uma voz feminina, sedosa, aveludada, quase flertando, como quem elogia uma criança que terminou um desenho.
(...)
Dentro da prefeitura, o caos era outro.
Centenas de pessoas se amontoavam, esmagadas, empurrando-se umas às outras na tentativa desesperada de alcançar qualquer espaço que parecesse mais seguro, mesmo sabendo, no fundo, que lugar nenhum seria.
Zhen e Xin se espremeram entre a multidão, tentando atravessar até os aposentos do governador, onde sabiam que seus companheiros estariam.
— Xin! — A voz aflita, quase histérica, de sua tia atravessou o pandemônio. — Xin, o que está acontecendo?!
Ela parou. Girou a cabeça para todos os lados, desesperada, procurando aquela voz que conhecia desde a infância. Mas só via rostos estranhos, corpos que se empurravam como gado.
Queria procurá-la. Salvá-la. Protegê-la.
Mas Zhen segurou seu braço com mais força.
— Não podemos! AGORA NÃO! — rosnou ele.
Chegando aos aposentos, encontraram nada.
O cofre. Correram até ele. Trancado. Gritar seria inútil. As paredes grossas abafavam qualquer som.
Xin bateu na porta, seguindo o código de abertura, mas errou. Suas mãos tremiam. A montanha inteira parecia tremer.
Tentou de novo. Mas os gritos, as explosões, o som de carne sendo rasgada, a desconcentrava.
Zhen segurou sua mão.
— Respira. Comigo. Vamos — Sua voz, serena, parecia ignorar a morte do lado de fora.
Juntos, bateram o código.
A porta abriu o suficiente para que entrassem. Kaji puxou-os para dentro e fechou.
— Onde vocês estavam?! — rosnou Takashi, mas o alívio em sua voz era evidente.
— Vocês viram quem é? Quem tá fazendo isso? — perguntou Sebastian, a voz mais grave do que o normal.
— Não — respondeu Xin, ainda com os olhos perdidos, o rosto banhado em pânico, tentando se convencer de que ela não havia abandonado sua tia.
— São três — A voz de Kaji soou baixa, quase um sussurro. Seus olhos pareciam vazios, encarando o nada, como se memórias antigas estivessem retornando para assombrá-lo. — Ela... ela está entre eles.
O chão tremia. A estrutura inteira parecia oscilar como se a própria montanha estivesse prestes a desabar.
O casal continuava imóvel. Não despertavam.
O prazo já havia se esgotado.
Ali, naquele espaço apertado, todos entenderam: ninguém sairia vivo.
Mas, se fossem morrer que morressem juntos. Como companheiros. Como juraram ser. Até o fim, seja ele qual fosse.
KRZZZHHHRMMM!
Uma luz azulada começou a surgir no fundo do cofre.
FWOOOSH.
Um portal se abriu.
Duas vozes ecoaram, sobrepondo-se a todo o restante: — Atravessem. Agora!
Talvez fosse uma armadilha. Talvez fosse a salvação. No fundo, todos sabiam: quem conjura uma tempestade de fogo capaz de devastar uma cidade inteira, não precisa se esconder atrás de truques.
Kaji não pensou duas vezes. Agarrou seus mestres desacordados e atravessou.
Gurok e Takashi foram logo em seguida, sem olhar para trás.
Sebastian permaneceu.
— Vão! Vão agora! — ordenou.
Zhen ficou, segurava a mão de Xin. Estavam prontos para partir.
— Xin! Socorro! Xin! — O grito. A voz da tia. Desesperada.
Ela congelou.
— Eu... eu vou ficar — disse, encarando Zhen com uma convicção que o deixou em choque.
— Xin, não... NÃO! — Tentou puxá-la.
— Eu não vou abandoná-los!
— Eles... eles já estão mortos! — implorou.
— Então eu morro com eles — Sua voz não tremia.
Zhen ficou mudo. Atordoado com a decisão dela.
— Deixe seu pai orgulhoso, tá? — sussurrou ela.
— Tá... — respondeu ele, quase sem ar.
Mas no instante seguinte, sem pensar, ele tomou a sua própria decisão.
— Perdão, Xin.
Um golpe rápido, preciso, na nuca.
O corpo dela tombou em seus braços, desacordado.
Zhen a ergueu, apertando-a contra o peito, e atravessou o portal.
Sebastian foi o último. Seus olhos, por um breve instante, encararam a porta do cofre, que começava a brilhar em vermelho até que a estrutura inteira derreteu.
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios