Volume 1 – Arco 5

Capítulo 55: Humanos Tolos

Todos estavam desnorteados, caídos no chão. 

Os soldados rebeldes haviam desmaiado com o impacto. O fogo de Kaji apagou-se, como uma chama que se recusa a queimar sem uma ordem. Erina e seu grupo, embora conscientes, lutavam contra o próprio corpo para permanecerem acordados. 

Pessoal... — disse Erina, respirando pesado, tentando se erguer. — Estão todos bem? 

“Bem” — resmungou Sebastian, tossindo —, não é a palavra que eu usaria. 

Só... só preciso de um minuto... — respondeu Gurok.

Takashi, Xin e Kenshiro não disseram nada, mas ergueram os olhos. Seus olhares, mais do que qualquer palavra, diziam: "Estamos vivos." 

Aos poucos, um a um, os subordinados de Erina começaram a se levantar. E só o fizeram porque sua Capitã não havia caído. 

Espera... cadê o...

SHRRRAAAK! 

Raízes negras brotaram do chão, rápidas, serpenteando como víboras, prenderam todos, apertando tornozelos, pulsos e cinturas. 

Mas havia algo diferente desta vez. Não estavam ali para esmagá-los.

Yong surgiu, caminhando lentamente. Nenhum ferimento aparente. Nenhuma marca sequer da batalha feroz que travou com Budai. 

Vocês deveriam ter partido quando tiveram a chance — Sua voz era ácida.

Seu maldito! — rosnou Kenshiro, tentando se soltar em vão. 

Onde está Budai?! Onde está Zhen?! O que você fez com eles?! — gritou Erina, se debatendo. 

Yong arqueou um sorriso cruel. 

Eu? — perguntou, como quem finge surpresa. — Apenas permiti que desfrutassem dos últimos momentos — Saiu da frente —, como pai e filho. 

O jovem monge segurava o que restava de seu pai nos braços. 

Da cintura para baixo, Budai não existia mais. Fora consumido pela explosão, pela energia maldita, pela própria escolha de proteger seu filho. Seu corpo, agora, estava lentamente se desintegrando. O brilho dourado que um dia irradiava, cintilava fraco. Estava morrendo. 

Pai... droga... não... não era pra ser assim! — gritava Zhen, apertando-o. 

Eu sei... — respondeu Budai, sorrindo, fraco. — Nunca... nunca fui bom em previsões... mas... até que gostei dessa vez. 

A desintegração subia. Suas mãos já haviam desaparecido. 

Não diz isso. Esse... era pra ser seu momento. Aquele que você esperou... sua vida inteira... — Zhen chorava, tremia, apertando o pai como se assim pudesse impedir que sumisse. 

— E foi, filho — Budai respirou fundo, sua voz cada vez mais fraca. — Eu pude salvar você... meu filho. Isso... isso basta. Meu tempo acabou... mas o seu... apenas começou. 

Agora, restava apenas uma cabeça. 

Mas eu... eu nunca... minha essência... nunca vai se igualar à sua... 

Não... — Budai sorriu, seus olhos marejando. — Você será... ainda maior... do que eu jamais pude ser... 

E então, com um último suspiro, sua cabeça se desfez em pó dourado, levado pelo vento até desaparecer. 

Zhen ficou ali. Olhando para suas mãos vazias. Com lágrimas caindo, nada mais para segurar. 

Hm. Bem... se me dão licença... — Yong virou-se, andando com total desprezo por eles.

Seu exército, os vermes, os mortos-vivos e a criatura colossal o seguiram. Rumo a Shenxi. 

O grupo de Erina assistia, impotente, enquanto a criatura avançava. 

Nem mesmo um Herói... — disse Takashi, respirando com dificuldade — ...nem mesmo ele... foi capaz de derrotar esse monstro. 

 — Monstro? — A voz surgiu do nada. Um sussurro. Feminina. E, ao mesmo tempo, tão presente quanto o próprio vento. — Os monstros... são vocês.

A criatura parou. Virou-se. Encostou seus olhos diretamente neles. 

A consciência. A prova viva. Estava falando com eles. 

O terror apertou seus corações. 

Droga! — gritou Xin, se debatendo. — Eles vão destruir Shenxi! 

Não só Shenxi... — respondeu Sebastian, com a voz pesada. — Eles vão... cidade por cidade... até não restar mais nada. E o pior... — levantou o olhar —, nós também vamos ajudar. 

Como assim?! — rugiu Gurok, suas veias quase explodindo de raiva. — Como você sabe disso?! 

Sebastian fechou os olhos, como se odiasse cada palavra que saía da própria boca. 

Se conseguimos ouvi-la... significa que estamos infectados. 

O silêncio que se seguiu parecia pesar mais que qualquer som. 

Merda... — xingou Xin, mordendo o lábio até sangrar. — Zhen! AGORA! Vem aqui! 

Sua voz puxou o monge de volta à realidade. De volta da dor. De volta do luto. 

Zhen ergueu os olhos, percebendo, a batalha não tinha acabado. 

Não adianta... — disse Kenshiro, baixo, cabisbaixo. — Do jeito que estamos... o espírito de Zhen não é forte o suficiente... nem pra matar os vermes. E essa infecção... ela veio do ar... desse maldito gás roxo. Mesmo que a gente lute... só estamos... adiando o inevitável. 

NÃO DIZ ISSO! — rugiu Xin, furiosa. 

Não pode... não pode estar tudo perdido! — Takashi apertou os olhos, trincando os dentes. 

Aos poucos, todos perceberam. Até Erina — até ela, a mulher que jamais cedia — trazia nos olhos o mesmo vazio de quem não enxerga uma saída.

E assim… presos. Infectados. Sozinhos. Eles se encararam, tentando, desesperadamente, encontrar uma saída. Sem seus líderes.

Entre uma conversa abafada, quase num sussurro, o casal trocava palavras que só pertenciam aos dois. 

Meu amor... — disse Erina, com um olhar perdido, contemplativa. — Você sabe o que podemos fazer. 

Nós perdemos — respondeu Kenshiro, sem sequer levantar os olhos. Sua voz soava morta, vazia. — Do que adianta? Só... só vamos trocar um mal por outro... 

Talvez — Erina não discordou. — Mas... tem certeza de que é assim que você quer que acabe? Prefere que aquele seja o homem que nos derrotou... ou prefere que seja a... 

Por que... — Kenshiro finalmente ergueu os olhos. Estavam avermelhados, úmidos. — Por que está fazendo isso? — Sua voz tremeu. — Eu te avisei que isso aconteceria. Te avisei! E olha onde estamos... 

Mais uma vez, baixou o olhar, encarando o chão. 

Erina apertou os olhos. Seu coração apertava mais do que a raiz que a prendia. 

Nós prometemos — Sua voz era mais baixa agora, quase um sussurro. — Prometemos que... enquanto eu nos protegesse de todo o mal... você os eliminaria. Esqueceu? 

Kenshiro não respondeu. Ficou imóvel. Quase não respirava. 

Erina fechou os olhos, tragando fundo, segurando as lágrimas.

Iria tentar... uma última coisa. 

— Quer saber o que aquele homem fez com Xin? 

Lentamente, Kenshiro levantou a cabeça. Seu olhar, até então vazio, piscou. Um sinal fraco, mas real, de que ainda havia algo aceso ali. 

Enquanto isso...

Zhen socava as raízes que prendiam Xin. Seus punhos estavam vermelhos, e cada golpe gerava pequenos amassados, rachaduras, fissuras nas estruturas. Pequeno, mas visível. 

Mas... como você tá fazendo isso?! — rosnou Gurok, se debatendo, furioso. — Tenho certeza que sou mais forte que você! 

Não é... sobre força física — respondeu Zhen, cerrando os dentes enquanto socava. — É sobre... energia! Magia, Essência... seja o que for! Se sua energia for... mais forte do que a que sustenta essas raízes... você a quebra! 

Espera! — gritou Xin, arregalando os olhos. — O Kaji! Se é assim... o Kaji pode libertar a gente! 

Não seria necessário.

CRACK! CRAASH!

O chão tremeu. Não como antes. Não como um simples tremor. Mas como se o próprio mundo tivesse segurado a respiração por um instante e soltado de uma vez. 

As raízes se esmigalharam. Despedaçadas, como vidro estourando. 

Todos olharam na mesma direção. 

Seus líderes estavam de pé. Ambos de olhos fechados. 

Uma aura dourada, intensa, explodia ao redor deles. Não era um dourado gentil, como o de Budai. Era bruto. Selvagem. Quase violento. Como se estivessem arrancando aquilo à força de dentro de si. 

O chão tremia com cada respiração de Kenshiro. Pedras, pedaços de madeira e até armas começaram a flutuar, erguidas pelo simples fluxo de energia que girava ao redor dele. 

O espadachim puxou suas duas espadas. Um simples movimento — leve, quase preguiçoso — e uma rajada de vento atravessou o campo, balançando os cabelos de todos, fazendo até os corpos mais pesados se curvarem. 

Erina se ajoelhou. Desequipou a armadura. Suas mãos unidas, em posição de prece. Seus cabelos começaram a clarear, ficando loiros, como ouro vivo. Magia de cura. Mas curava quem? 

O silêncio era absoluto. 

Até Kenshiro abrir os olhos. Eles queimavam. Não era só dourado. Eram lágrimas douradas, escorrendo, manchando o rosto. 

Pessoal... — Sua voz quebrou. — Me perdoem... 

E, num piscar... 

Ele sumiu. 

***

Yong caminhava confiante. Seus passos firmes cruzavam a pequena floresta que antecedia o lago e Shenxi. 

KRRREEEEEK... Um som estranho, metálico e profundo, ecoou atrás dele. O ranger das árvores. 

Yong se virou, os olhos semicerrados. As árvores continuavam de pé. Intactas. 

WHUUUSH... O som de algo cortando o ar ainda permaneceu. 

BAAAM! 

O estampido veio de repente. No mesmo instante, Yong sentiu o peito ser atravessado. Seu corpo foi lançado para trás como se tivesse sido atingido por um vendaval invisível. 

Quando abriu os olhos, Kenshiro já estava sobre ele. O olhar assassino. 

KRRREEEEEK-WHUUUSH-BAAAM! 

As árvores ao redor desabaram em sequência, como se todas tivessem sido cortadas ao mesmo tempo. O som de cada queda veiu uma após a outra. 

Desgraçado... — Yong tossiu sangue, estendendo a mão em busca de seu cajado. — Não desiste nunca, não é? 

Mas seu cajado já não existia. Restava apenas uma pilha de farelos de pedra. 

Ele sequer viu as lâminas de Kenshiro. 

Eu vou... eliminar... todos os meus inimigos...

Kenshiro já não era humano. O que estava diante de Yong era uma fera. Um animal faminto, devorando sua presa ainda viva.

A velocidade de seus golpes, sequer foram capazes de reproduzir o som.

Num único instante, toda a floresta havia se tornado um campo aberto. 

Galhos. Folhas. Troncos. Raízes. Até mesmo o solo. Tudo... fatiado. Pulverizado pela força do vento gerado pelos golpes de Kenshiro. 

A criatura, aquela massa colossal de vermes, ao perceber a quantidade absurda de parasitas morrendo, tentou dar um passo, movendo-se na direção de Yong. Mas mal completou o movimento. Desabou. Sua perna havia cedido. O número de mortos era grande demais. Voltou a ser apenas milhares de vermes espalhados no chão. 

Kenshiro estava matando mais do que o próprio Budai havia conseguido. 

Os vermes tentaram chegar perto dele, desesperados. Mas os ventos, a mera aproximação os destruía. 

Sem alternativas a Rainha tomou sua decisão. 

CHIIIIIIII! 

O exército de mortos-vivos explodiu. Dezenas de milhares de novos vermes nasceram. Eles se dividiram. 

A maioria seguiria com a Rainha, em direção a Shenxi. O restante voltaria para o grupo de Erina.

Infectar, matar, multiplicar. 

Quanto mais rápido os soldados fossem infectados... mais filhos ela teria. 

Como algo assim... é possível? — perguntou Zhen, transtornado, ao ver tamanha destruição causada por Kenshiro. 

Seus companheiros estavam igualmente perplexos. 

Olhe... os braços do nosso Vice-Líder — disse Sebastian, sua voz mais baixa do que nunca, como se estivesse de luto. 

Takashi avançou alguns passos. Seus olhos analisaram. 

Meu Deus... 

Os músculos de Kenshiro estavam se rompendo. Os ossos, fraturando, soltando. Tecidos se despedaçando com cada movimento. Antes que os danos o matassem, Erina o curava. A cada segundo. A cada respiração. Ela o mantinha de pé, ao custo de toda a sua magia.

Os primeiros vermes chegaram. Saltaram, tentando atingir a cavaleira indefesa. 

SCHLASH! 

Sebastian os rasgou com suas garras. No ar. Sem hesitar. 

Mas que droga! — gritou o vampiro, em tom autoritário. — Protejam sua Capitã! A batalha ainda não acabou! 

Finalmente reagiram. Se posicionaram entre os vermes e sua Capitã.

Kaji se ergueu. Sua chama, antes fraca, agora oscilava com mais força. Percebendo o estado de Erina, lembrando de seus mestres, sua chama cresceu. Intensa. 

A Rainha pouco se importava em morrer. Não queria vencer. Não queria glória. Só queria mais filhos.

Percebendo que o espadachim a impediria antes de alcançar a cidade, ela mergulhou. Cortando caminho pelas águas do lago. 

Droga! — Takashi gritou. — Ela mudou de rota! Kenshiro... não vai conseguir matar todos os vermes a tempo! 

O quê?! — Xin virou-se para ele, alarmada. — Tem certeza?! 

Tenho. 

Eu... vou avisá-lo! — disse Zhen, correndo. 

O monge avançou, impassível. 

Vermes saltaram, agarrando-se ao seu corpo como sanguessugas desesperadas. Arranhavam, mordiam, perfuravam, tentando penetrar sua pele, buscando dominar seu corpo, sua mente, sua alma. 

Zhen não parou. 

O que ele viu naquele casal — no sacrifício, na dor, na força — acendeu algo dentro dele. Seu espírito havia se tornado inabalável.

Quando se aproximou de Kenshiro, os parasitas que grudavam em seu corpo foram pulverizados. Evaporados pela simples proximidade da tempestade do espadachim. 

A própria pele de Zhen se rasgava pela curta distante. O vento cortante dilacerava seu corpo. 

Diante dele Yong. O traidor era fatiado contra o chão. Continuava vivo apenas pela sua vida estar ligadas aos números de vermes que controlava. Logo não existiria mais nenhum. A dor por outro lado, se mantinha.

Por um breve instante, Yong olhou para Zhen. Seus olhos, antes arrogantes, agora imploravam. Sua mão ergueu-se, tremula, pedindo socorro. 

Zhen o ignorou. Sem remorso. 

A ventania era tão intensa que só gritando alguém poderia ser ouvido. 

Kenshiro! — berrou o monge, forçando os pulmões até o limite. — Você precisa ir mais rápido! Eles... eles vão dominar a cidade! 

O espadachim ouviu. Não respondeu. Já estava no limite. Seus braços cortavam na velocidade que eles conseguiam regenerar. Cada golpe era uma dança entre destruição e autoaniquilação. 

Não dependia mais dele. 

Erina! — Sua voz rompeu a tempestade. — FAÇA EU VOLTAR A SENTIR A DOR! EU... EU AGUENTO! 

Erina ouviu. 

Fingiu que não. 

Apertou os olhos. Fingiu que não era com ela. 

Por favor... — implorou Kenshiro. 

As lágrimas escorreram dos olhos fechados da mulher. Seu coração estava sendo dilacerado. 

Ela não podia. Não queria. 

Se não fizer isso... todos eles vão morrer! — A voz de Kenshiro veio como uma faca. 

Era verdade. 

Se não matassem todos os vermes, não era apenas a cidade que cairia. Seus próprios companheiros, se tornariam inimigos. 

As lágrimas cristalinas de Erina se tingiram de vermelho. Sangue. 

Por um breve instante Kenshiro.

Seus braços, seus músculos, seus ossos, não tinham mais sustentação. Sua aura dourada continuava acesa, intensa, inabalável. 

Mas a de Erina se apagou. 

Então... 

Ela voltou. 

Uma luz esmeralda rasgou os céus. Forte. Viva. Tão intensa que parecia colorir o mundo inteiro em tons de verde, como uma aurora boreal furiosa. 

E naquele instante... A tempestade retornou. 

Mas não eram os ventos que gritavam. 

Era Kenshiro. 

NNNNGRHHHHHHHH—AAAARRRRHHHHHH—AAAGHHHHH!!! 

Tão altos, tão desesperados, seus subordinados, mesmo à distância, ouviram cada fragmento de dor rasgando sua garganta. 

Erina apertou os punhos. Trincou os dentes. 

"Não ouça. Não ouça. NÃO OUÇA." 

Se escutasse, cederia. Se cedesse, ele morreria. 

A Rainha e seus filhos finalmente cruzaram o lago. Escalavam agora as muralhas de madeira, como um mar de carne infecta.

Quanto a Yong, o traidor, sua regeneração não bastou. Não era mais um homem. Nem um ser. Apenas um amontoado de carne pulsante, estalando, desmanchando, morrendo. Sua consciência não habitava aquele corpo. 

A Rainha saltou da muralha, faminta, sedenta, pronta para se enraizar em qualquer um — homem, mulher, criança — que cruzasse seu caminho. 

Mas ao descer percebeu: estava completamente sozinha. 

O tempo parou diante dela.

O espadachim. Suas lâminas. Seus olhos dourados. Um único golpe bastava. 

Ela sabia.

No vazio daquele instante, se lembrou de uma promessa que lhe fora feita há muito tempo. 

***

Escondida no fundo de uma caverna, numa floresta esquecida por qualquer traço de civilização, uma pequena mulher chorava, perdida em lamentações que pareciam não ter fim. 

Apesar de seus traços lembrarem um ser humano, ela não era. Era o que sobrou de uma espécie extinta. Uma híbrida de coelho. 

Seus pés, antes velozes, haviam corrido por dias. Cruzou rios, florestas, montanhas, fugindo do cheiro de sangue, dos gritos, dos estalos de ossos partidos. 

Fugindo dos Caçadores. 

Dos que arrancaram de seus braços cada um de seus filhos. Seus filhotes, suas crianças, seus pequenos.

Massacrados. 

Esfolados. 

Vendidos. 

Seus corpos usados como ingredientes. Suas carnes, como iguarias. 

Agora, sozinha, podia finalmente desabar. 

Seu choro era o próprio som da desesperança. 

Mas não estava sozinha. 

O que faz uma mulher tão... bela... chorar de maneira tão... lamentável? 

Ela se encolheu, seus olhos arregalados, o corpo tremendo. Rastejou até bater as costas contra a parede de pedra úmida. 

Na escuridão, uma forma. Uma sombra viva. Não tinha corpo. Nem rosto.  Apenas um véu escuro, uma ausência de luz que parecia observar. 

Não tema — disse a voz, suave, quase carinhosa. — Não vim para te ferir. Qual é... seu nome? 

A híbrida, trêmula, mal conseguia responder. 

N-Nyssara... — sussurrou. 

Que nome belo... Nyssara. — A voz parecia sorrir, mesmo sem boca. — Posso ver... que já foste mãe. Mas agora... é a última. A última de sua espécie. 

Ao ouvir aquilo, Nyssara sentiu o mundo desabar sobre ela. 

Desatou a chorar. Alto. Desesperada. 

O ser esperou. Paciência infinita. 

Mas... eu posso ajudá-la — declarou, enfim. 

Ela olhou, desconfiada. 

Como? 

Da escuridão uma mão surgiu. Longa. Esquelética. Com ossos retorcidos, pele apodrecida e garras que pareciam pontas de ferro enferrujado. 

— Simples — Retirou do vazio uma bela maçã, repousando-a nas mãos de Nyssara. — Prove deste delicioso fruto, deste presente meu, e eu lhe darei o poder de ter filhos. Filhos... infinitos. Sem necessidade de cruzamentos. Sem dor. Sem esperas. Sua carne bastará. 

Nyssara arregalou os olhos. 

I-isso é impossível... você quer me enganar. 

Não sou capaz de mentir. — respondeu o ser, sereno. — Eu ofereço... aquilo que mora nas profundezas do seu desejo. E em troca... só peço que realize... sua própria vontade. 

Ela hesitou. 

Você... não está ganhando nada... 

Ao contrário. — A voz pareceu se estreitar, como um sussurro gelado no ouvido. — Ter você... como minha serva... já me basta. 

Nyssara olhou para seus próprios braços, tremendo. Olhou para suas mãos. Para o vazio onde antes segurava seus filhos. E por fim, para a maçã.

Ela não tinha mais nada. 

Devorou o fruto.

Está feito!

O contrato foi selado. 

A dor começou. 

Nyssara caiu de joelhos. Apertou o ventre, enquanto uma queimação insuportável subia de dentro dela. 

O que... o que está acontecendo?! — gritou, arquejando. 

Vomitou. Uma, duas, três vezes. Até que nada mais saía, além de água. 

Seus olhos ficaram opacos. Seus sentidos começaram a falhar. Não enxergava mais. Não ouvia mais. Não cheirava, não falava, não sentia o mundo. 

Mas sentia, dentro de si, algo crescendo. Se multiplicando. Seus tecidos, sua carne, tudo, se convertia no mais primal dos instintos: Gerar vida. 

Vida a qualquer custo. Não importava a forma. Não importava o preço. 

Ela seria mãe. Mãe de milhões. 

E enquanto sua mente quebrava, se dissolvendo numa existência que não mais reconhecia, uma única coisa permaneceu. 

O desejo. 

O desejo de ser mãe. 

O desejo de gerar, multiplicar, povoar até que não houvesse mais espaço. Até que tudo fosse seus filhos. 

E no futuro, ela, e sua prole, seriam encontradas por um homem ambicioso. Um homem que não buscava amor. Nem piedade. Apenas uma coisa: uma arma. 

Nyssandra. com seu desejo imortal, aceitaria. Porque seu desejo jamais mudou. Jamais mudaria. E sabia que, como uma arma, se tornaria realidade.

**

Chiiiiiii! 

O som foi a última tentativa. Um grito desesperado, um chamado ao vazio. Um pedido de socorro ao seu mestre, ao seu Rei, que não atentou.

A Rainha desapareceu antes de tocar o chão. 

Nyssara morreu. 

Kenshiro só parou de atacar porque seus braços simplesmente não obedeciam mais. 

Seus músculos estavam rasgados. Seus ossos triturados. Ligamentos, tendões, carne nada mais funcionava. 

Yong não era mais uma pessoa. Não era mais um ser. A coisa, o amontoado de carne indistinta, pulsante, disforme, irreconhecível, não era mais capaz de viver. Também estava morto. 

Zhen foi rápido. Correu. Agarrou Kenshiro antes que ele tombasse para trás como uma marionete sem fios. 

O coração do espadachim ainda tentava bombear. O sangue escapava em rios. Pelas narinas. Pelos olhos. Pela boca. Pelos ouvidos. Pelos braços, que mais pareciam carne moída pendurada nos ossos. 

Uma cachoeira vermelha. 

Kenshiro tentava dizer alguma coisa. Mas seu próprio sangue afogava suas palavras. 

Erina não estava muito diferente. 

Depois de queimar toda sua magia, depois de consumir até o que não tinha, seu corpo parecia de vidro. Frágil. Transparente. Pálida como a morte. Doente. Quase quebrada. 

O casal olhou para seus companheiros, seus subordinados, seus amigos. 

Com o último fio de força, a última centelha de vida,disseram, em uníssono:  Fujam... 

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora