Volume 1 – Arco 5
Capítulo 48: Presente de Despedida
— Tonta... só... um pouco tonta... — respondeu Xin.
Sua voz era surpreendente. Meiga, doce, suave, e ao mesmo tempo, frágil, como a de uma criança que aprende a falar após um longo silêncio.
Ela olhou ao redor, confusa, percebendo os olhos arregalados e bocas semiabertas de todos ao seu redor.
— O que foi? — perguntou, franzindo o cenho, desconfiada.
— Xin, você... você acabou de falar — disse Erina, boquiaberta.
— Como em toda a nossa viagem — respondeu com naturalidade.
Por um instante, todos se entreolharam, sentindo um desconforto inexplicável, como se as próprias lembranças estivessem distorcidas. Uma sensação estranha, de algo que não deveria ser assim, mas que agora parecia óbvio.
Zhen se aproximou, trazendo uma jarra de água nas mãos.
— As memórias dela ainda estão embaralhadas — explicou, enquanto entregava a jarra. — Tome, você vai precisar.
— Quem é vo... Cof! Cof! Cof! Você? Cof! Cof! — A tosse surgiu repentinamente, rasgando sua garganta ainda enfraquecida.
Sem pensar duas vezes, Xin virou a jarra goela abaixo, bebendo tudo de uma vez, como se sua vida dependesse daquilo.
Zhen pousou a mão sobre seu ombro.
— Tente não forçar sua voz — pediu, com tom gentil.
Mas no mesmo instante, Xin se encolheu. Seus olhos apertaram, franzindo as sobrancelhas com desconforto. Encarou o monge de forma dura, deixando bem claro que não gostava de ser tocada, especialmente por alguém que nem sabia quem era.
Zhen apenas levantou as mãos, dando dois passos para trás, em silêncio. Entendera o recado.
O clima ficou desconfortável, pesado, cheio de perguntas não feitas e respostas desconexas.
Gurok, coçando a cabeça e ainda limpando os restos de vômito da boca, quebrou o silêncio.
— Tá... alguém me explica que porcaria foi essa?
(...)
Antes de decidirem o que fazer a seguir, concordaram que seria sensato cuidar minimamente do templo. Não era apenas um gesto de agradecimento ao monge, mas também um sinal de respeito ao Herói que ali vivera e construíra aquele lugar.
O grupo se dividiu: Kenshiro e Zhen; Erina e Gurok; Sebastian, Takashi e Xin.
Kenshiro e Zhen não trocaram uma única palavra entre si. Disputavam silenciosamente enquanto aparavam a vegetação. As mãos do monge cortavam a grama alta como se fossem lâminas — precisas, rápidas, quase tão afiadas quanto as espadas do próprio Kenshiro.
O espadachim, sem demonstrar, estudava o comportamento de Zhen. Percebia que ele estava diferente, sua neutralidade e serenidade, tão evidentes quando os recebera, agora davam lugar a uma aura estranha. Estava ficando cada vez mais instável.
Enquanto isso, Erina e Gurok moviam os grandes escombros. Sabiam que não conseguiriam reparar os estragos, mas ao menos poderiam limpar os caminhos e dar uma aparência mais digna ao lugar; como se o templo tivesse apenas cedido ao tempo, não à batalha.
Durante o trabalho, Erina aproveitou para atualizar Gurok sobre tudo o que havia acontecido e, claro, para lhe aplicar um merecido sermão.
— Você tem ideia do quão descuidado foi? — disparou ela, ajeitando a pedra que carregava junto dele.
— O quê? — resmungou Gurok, ajeitando o peso nos ombros.
— Ficou se divertindo assim que partimos, ou só depois que trouxeram o hidromel?
O orc não respondeu de imediato. Sabia que não havia desculpa possível para justificar aquele vacilo.
— Ah, não — insistiu Erina, afrouxando um pouco a pegada, fazendo com que mais peso recaísse sobre ele. — Eu quero ouvir o que você tem para me dizer.
Percebendo o aumento repentino do peso, Gurok se inclinou, quase tropeçando. Foi aí que notou algo curioso: Erina estava segurando quase todo o peso da pedra sozinha até então. Isso explicava por que os escombros pareciam tão leves antes.
— Tá bom, tá bom! — bufou, tentando se equilibrar. — Me desculpa! Eu vacilei! Eu... eu achei que estava seguro! Sabia que não podia ser envenenado, mas não imaginei que aquele hidromel estava batizado... os caixotes estavam lacrados, eu juro!
Erina sorriu de canto, retomando o peso para aliviar o fardo dele.
— Tudo bem — disse, com a voz mais suave. — Estou aliviada que você esteja vivo. Por um momento, achei que fosse ser obrigada a te matar.
O comentário, embora dito com leveza, fez Gurok se encolher por dentro. Mas, ao mesmo tempo, sentiu-se estranhamente bem. Sua vida importava para ela. Mais do que pensava. E prometeu a si mesmo que não voltaria a desonrá-la.
Enquanto isso, Sebastian, Takashi e Xin ficaram encarregados das tarefas mais simples: arrumar a mobília e varrer os arredores.
O templo era grande demais para que conseguissem limpá-lo todo, ao menos a praça e a área externa ficariam apresentáveis.
Entre uma vassourada e outra, o trio trocava algumas palavras, risadas e pequenas brincadeiras.
Xin parecia, de fato, uma criança. Não só pela voz suave, mas também pelo comportamento. Corria, se distraía com qualquer coisa, fazia perguntas bobas, ria sozinha. Talvez, no fundo, estivesse apenas vivendo uma infância que nunca teve; perdida em meio aos anos de servidão.
De vez em quando, Zhen lançava olhares furtivos na direção dela. Observava, analisava ou, talvez, apenas se preocupava. Sempre desviava o olhar antes que alguém notasse.
Kenshiro notou.
(...)
Quando o serviço finalmente terminou, não puderam esconder a decepção. O templo, embora mais apresentável, estava longe da visão que imaginavam. Teria que servir.
— E agora? O que fazemos? — perguntou Takashi, olhando em volta.
— Não podemos partir — respondeu Gurok, sério. — Viemos até aqui por causa do Herói Budai. Não podemos simplesmente ir embora sem ele.
— Não precisam dele — disse Zhen, com tom firme. — Eu estou aqui para substituí-lo.
O silêncio se instalou imediatamente. Todos encararam o monge, atônitos.
— Não duvidamos da sua força — disse Erina, cruzando os braços —, mas não está se comparando ao seu pai, certo?
— Sei que não vieram atrás de Budai por causa da força dele — respondeu Zhen, mantendo-se inabalável. — Vieram pelas respostas. E eu sei tudo o que ele sabe.
Kenshiro manteve o olhar fixo no monge. Embora tivesse suas dúvidas, sabia que ele não se arriscaria a mentir naquele ponto.
— Então, acho que está decidido — disse o espadachim, dando de ombros.
— Não! — protestou Xin, com a voz falhando. — Cof! Cof!
A dor na garganta a forçou a desistir das palavras. Retomou sua comunicação em Signês.
Com gestos ligeiros, explicou que Shenxi nunca estaria segura enquanto Zudao estivesse vivo. E Budai como seu prisioneiro, era mais um motivo para não partirem.
O grupo ficou em silêncio por alguns segundos, digerindo aquela informação.
— De acordo com a Crônica — recordou Sebastian —, tudo isso... estava destinado. O conflito entre Budai e Zudao é inevitável. E, honestamente, não tenho dúvidas de quem sairá vitorioso.
Xin se virou para Takashi, buscando nele apoio, esperança, algo.
— Nós vimos como eles dominaram Gurok — disse o arqueiro, desconfortável. — E mesmo com ele vestindo a armadura. Se eles quiserem, podiam ter matado qualquer um de nós. Eu não sei como poderíamos fazer a diferença nisso.
O coração de Xin apertou. Percebeu, com dor, que não poderia contar com Erina e Kenshiro, o casal já havia tomado sua decisão. E agora, Takashi também se afastava dela. Restava apenas o monge.
Com olhos aflitos, encarou Zhen.
O monge hesitou. Sentiu-se exposto, pequeno, envergonhado por aquele olhar, cheio de súplica e, ao mesmo tempo, de cobrança.
Manteve a postura.
— Meu pai vai ficar bem — respondeu, desviando o olhar. — Sabíamos que essa jornada trata de coisas maiores do que Shenxi.
Erina puxou as alças da armadura, ajeitando-a sobre os ombros. Seus olhos estavam focados, decididos. Preparada para partir.
Sem uma palavra a mais, seus companheiros, e o próprio monge, começaram a segui-la em direção à saída do templo.
Xin ficou para trás. Parada. As mãos trêmulas, apertando o tecido da própria roupa. Segurava as lágrimas, segurava o grito preso no peito.
Teriam realmente a descartado? Só porque havia sido manipulada por Zudao? Ou o medo de enfrentá-lo era simplesmente maior do que ela, maior do que Shenxi?
Quando Erina alcançou a borda da praça, parou. Ficou imóvel por alguns segundos, pensativa.
— Pensando bem... — disse, sem se virar —, foi uma viagem longa até Shenxi. E não conheço nenhuma cidade ou vilarejo próximos.
Zhen virou seu rosto, já desconfiando.
— Senhorita... — chamou, desconfortável.
— Assim como foi em Altunet — continuou, cruzando os braços —, seria um desperdício se não déssemos uma olhada na cidade, não é?
Ao ouvir isso, Kenshiro esboçou um sorriso discreto. Sebastian e Takashi sorriram abertamente, relaxando.
O único que parecia claramente descontente era Zhen.
Erina então se virou, olhando diretamente para Xin.
— Acha que pode nos guiar pela sua cidade? — perguntou, com um meio sorriso.
Xin piscou, surpresa. Limpou rapidamente os olhos, tentando não parecer frágil. Suas mãos se ergueram, ágeis, firmes: “Sim!”
(...)
Diante da longa escadaria, precisariam descer com extremo cuidado. Um tropeço ali não renderia apenas hematomas. Se alguém caísse direto pelos degraus, se arranharia, se quebraria. Se pendesse para algum dos lados, seria engolido pela mata e jogado em queda livre.
Sequer tiveram tempo de se preocupar com isso.
KRUMMMM!!!
O chão tremeu violentamente.
CRACK! CRAAACK!!
Raízes grossas e negras brotaram subitamente entre os degraus, rompendo pedras, partindo a escada e lançando o grupo pelos ares.
Sebastian reagiu no mesmo instante. Saltou, agarrando Xin e Takashi, envolvendo-os com os braços. Usando uma de suas habilidades sobrenaturais, conseguiu diminuir a velocidade da própria queda. Se estivesse sozinho, teria descido flutuando como uma pena. Assim seria doloroso, mas não fatal.
Os outros, a morte parecia inevitável.
Caindo em direção ao chão, Kenshiro avistou ao longe a carruagem, e junto dela seu Servo. Mesmo sabendo que sua voz não chegaria até lá, ele possuía um recurso.
— Kaji! Atenda ao meu chamado! — gritou, do fundo da alma.
No mesmo instante, a armadura negra fumegou, criando pequenas chamas que estalavam. Seu corpo, antes adormecido, explodiu em fogo, criando uma onda de chamas que varreu o entorno.
As peças de armadura não se unificaram, se dividiram ainda mais. Centenas de fragmentos negros dispararam como flechas em direção ao céu.
Abaixo dos corpos em queda, os fragmentos se agruparam, formando chapas metálicas.
Gurok, ainda no ar, arregalou os olhos.
— Isso não vai segurar! Mesmo um colchão de pedra não impediria...!
Mas então as chapas começaram a vibrar, aquecendo-se, ficando vermelhas, quase douradas. Uma sequência de jatos de fogo e fumaça foram lançados para baixo, criando propulsão contrária.
O impacto foi severo, mas controlado. A desaceleração brutal os jogou no chão, vivos.
Sebastian pousou logo depois, protegendo Xin e Takashi com o corpo. Suas pernas cederam no impacto, dobrando-se de forma grotesca.
— Agh! — grunhiu, caindo de joelhos.
Erina correu até ele, colocando as mãos sobre seus ferimentos. Uma luz dourada brilhou, selando os ossos e regenerando os músculos.
O fogo dos propulsores se apagou, e os fragmentos de volta se agruparam, reconstruindo a armadura do Servo. Em poucos segundos, Kaji voltou à sua forma de corcel flamejante, trotando até os mestres.
— Eu atendi ao seu chamado — respondeu, curvando a cabeça em sinal de respeito. Sua voz soava como brasas estalando na fornalha.
Zhen, observava tudo aquilo, não pôde disfarçar seu espanto.
Com um sorriso tímido, Xin aproximou-se do monge. Apesar de não serem próximos, ele era, talvez, o único que não parecia julgá-la naquele momento.
Enquanto explicava quem era Kaji e falava brevemente sobre suas habilidades, foi interrompida pelo próprio Servo, que se aproximou com a cabeça abaixada, como se estivesse farejando algo.
— Senhorita Xin... — disse, sua voz quente, vibrando. — Finalmente... você se tornou uma pessoa livre!
O corcel encostou a testa no ombro da jovem, em um gesto semelhante a de um abraço.
Xin ficou surpresa, mas logo fechou os olhos, apertando o pescoço do Servo com força, retribuindo o carinho.
Vendo aquela cena, Zhen se aproximou, levando a mão até a crina flamejante da criatura. Acariciou, receoso. Para sua surpresa, não se queimou.
Takashi, observando de longe, estreitou os olhos.
“Ele não foi queimado”, concluiu em silêncio. “É... ele já faz parte do grupo. Só falta oficializar.”
Enquanto isso, Kenshiro cerrava os punhos.
— Zudao... maldito. — rosnou, cerrando os dentes.
Erina, percebendo, colocou uma mão sobre seu braço.
— Acalme-se, meu amor — Sua voz era doce, mas firme. — A hora dele vai chegar — Então olhou para os outros, elevando a voz: — Ei, vocês! Vamos. Shenxi nos espera.
O grupo acatou sem questionar. Subiram na carruagem, Kaji assumindo a frente, galopando com chamas sob os cascos.
Desta vez, não esperaram por Xin. Ela teria que caminhar.
Sabia que aquilo era um teste. Um lembrete. Precisava provar, uma vez mais, que merecia estar entre eles.
Zhen olhou para a carruagem, depois para Xin. E sem dizer nada, desceu, caminhando ao lado dela, em silêncio.
O casal, junto de Sebastian e Kaji, engataram uma conversa baixa e tensa, discutindo o que fazer com a jovem. Gurok e Takashi preferiram não se envolver. Simularam interesse na paisagem, fingindo que não ouviam nada.
O caminho até Shenxi seria mais longo do que parecia.
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