Volume 1 – Arco 5
Capítulo 47: Revanche
Todos voltaram seus olhares para Xin.
— Ela foi mesmo liberta? — indagou Kenshiro.
— Parece que sim — respondeu Erina, observando-a atentamente. — Sua respiração… não é mais como antes. Está estável. Como a de uma pessoa comum.
O casal então trocou um olhar silencioso, já sabendo o que precisava ser feito para confirmar.
Sebastian se ajoelhou ao lado da jovem. Suas garras se alongaram lentamente, e com precisão cirúrgica, perfuraram o pescoço delicado de Xin. Ao mesmo tempo, Erina mantinha a mão espalmada sobre o ombro da garota, canalizando energia mágica para cicatrizar imediatamente qualquer dano, impedindo que ela sentisse dor, desconforto ou que sua vida se esvaísse.
— Sério que ninguém vai comentar sobre o que acabou de acontecer?! — esbravejou Takashi, apontando, transtornado, para a saída do templo, o mesmo local por onde viram Budai desaparecer.
— Teremos tempo para isso — respondeu Kenshiro, frio, ajoelhando-se ao lado da esposa. — Agora há coisas mais urgentes.
O elfo respirou fundo, cerrando os punhos. Sabia que, no fundo, não adiantava discutir. Guardou suas reclamações para si, mastigando a frustração.
Zhen, por sua vez, observava tudo de longe, desconfortável. Seu maxilar estava tenso, e ele desviou o olhar, apertando os punhos com força. Era evidente o quanto aquilo o incomodava; como tratavam Xin, como se ela fosse apenas um objeto a ser inspecionado.
O casal percebeu.
De súbito, a expressão de Sebastian, antes concentrada, se desfez. Seus olhos se arregalaram, tomado por um misto de surpresa e horror.
— O que foi? — perguntou Erina, a voz traindo uma ponta de preocupação.
— Ela... — Sebastian hesitou, sem saber por onde começar.
— As memórias — Kenshiro foi direto, sempre prático —, estão de volta?
O vampiro recolheu rapidamente as garras, e, num gesto quase desesperado, levou a mão à boca. O ferimento no pescoço de Xin se fechou num instante, graças à magia de Erina, não deixando nem um leve risco na pele. Sebastian não suportou. Cambaleou até um arbusto próximo e vomitou sangue; tudo que possuía em seu corpo.
Todos ficaram imóveis, observando, tensos, esperando uma explicação que não vinha.
— Me perdoem... — balbuciou ele, limpando a boca, lutando para recuperar sua habitual compostura. — As memórias dela... estão de volta. O voto foi desfeito.
Erina apertou os lábios.
— Isso é tudo?
Sebastian desviou o olhar, incômodo.
— Não — respirou fundo. — Acredito que ela não irá se juntar a nós. Ela tem motivos mais que suficientes para... querer se matar.
Ninguém teve coragem de perguntar quais eram esses motivos.
Kenshiro apenas cerrava os olhos, sério. Sabia bem: para que Sebastian chegasse a esse ponto, nojo suficiente para vomitar, aquilo que vira nas memórias de Xin não podia ser algo pequeno.
O olhar de Zhen escureceu, tomado por uma sombra silenciosa.
Os demais abaixaram as cabeças. Nenhum deles sabia o que dizer ou fazer. Exceto Kenshiro.
SHING! O som metálico ecoou pelo local.
Kenshiro caminhava lentamente, espada em punho, rumo à jovem inconsciente.
— O que você vai fazer? — indagou Zhen, os olhos se estreitando.
— Ela sabe demais — respondeu Kenshiro, sem qualquer traço de hesitação na voz. — Se não vai permanecer conosco, então é um risco.
— Não! — gritou Zhen, colocando-se à frente do espadachim, braços abertos, protegendo Xin com o próprio corpo. — Eu não vou permitir!
Kenshiro, sem mudar a expressão, sacou sua segunda lâmina. Ambas as espadas estavam agora apontadas para o monge.
— Saia da minha frente — sua voz desceu para um tom gélido —, ou vou matá-lo também.
Zhen não respondeu. Seus braços baixaram lentamente, assumindo então uma postura de combate. Um dos braços estendido à frente, o outro recolhido junto ao corpo, pés firmes no chão. Seu olhar estava afiado como lâmina.
Num instante, Kenshiro avançou.
Duas lâminas cortaram o ar, velozes, e encontraram o antebraço do monge, que se colocou à frente do golpe. As espadas cravaram, mas não avançaram. A lâmina ficou presa na carne, tensionada pelos músculos rijos.
Zhen cerrou os dentes, abafando um grunhido de dor, mas não cedeu um passo sequer.
Erina, que observava de longe, não pôde conter o espanto. A determinação, a força daquele monge beirava o absurdo.
— Se quer matá-la... — rosnou Zhen, encarando Kenshiro nos olhos —, vai ter que me matar primeiro.
O espadachim, com o rosto a centímetros do dele, sustentou o olhar. Por alguns segundos, leu aquela expressão, aquele semblante carregado de algo mais, e quando percebeu o que havia por trás...
ROAAAAAAAAAARGH!
Um rugido cortou o ar, rompendo o clima tenso como uma lâmina rasgando seda.
Imediatamente, todos giraram seus corpos para a entrada do templo — onde o som havia vindo.
O chão começou a vibrar. Primeiro, discretamente. Depois, com intensidade crescente.
Tung... Tung... TUNG! TUNG!
Cada passo fazia a terra tremer. Cada som reverberava nos ossos.
Então, o causador dos estrondos se revelou.
Ao vê-lo, todos sentiram o sangue gelar nas veias. O pior inimigo que poderiam enfrentar naquele momento.
— Gurok? — sussurrou Erina, sem acreditar no que via.
— ROAAAAAAAAARGH! — O monstro rugiu novamente, mais feroz do que nunca.
O orc havia entrado em frenesi. Mas algo estava errado. Seus olhos não carregavam mais aquele brilho selvagem e inconsciente de antes. Eram vazios, opacos. Sua fúria agora era pura irracionalidade. Sem objetivo. Sem alvo. Só uma sede insana de matar. De destruir tudo.
— Ele está sob um voto de servidão — declarou Zhen, cruzando os braços, os antebraços ainda marcados pelos ferimentos anteriores.
— Erina... o que fazemos? — perguntou Takashi, recuando alguns passos, já com uma flecha preparada no arco, pronto para reagir.
Erina permaneceu imóvel. Não respondeu. Cada músculo de seu corpo estava tenso. Sabia que se fizesse qualquer movimento brusco, Gurok avançaria sem hesitar.
Ela já o havia derrotado uma vez, mas agora as circunstâncias eram diferentes. Estava sem sua armadura, enquanto o orc trajava uma poderosa Armadura Arcana, cujas propriedades desconheciam. Além disso, ele possuía sua bolsa sem fundo, um arsenal inteiro ao seu dispor.
CRAC!
O som seco de um galho se partindo sob o pé de Takashi quebrou o silêncio tenso.
— ROAAAAARGH! — rugiu Gurok, avançando. Seu punho, envolto em placas de metal platinado, desceu como um martelo.
Erina ergueu o escudo no reflexo, esperando o impacto de cima, mas foi surpreendida; o golpe veio pela lateral. O soco a atingiu com força brutal, lançando-a contra uma parede que desabou sob o impacto, despedaçando-se em meio a nuvens de poeira e pedras.
— Erina! — gritaram Sebastian e Takashi, em uníssono.
— Esqueçam-na! — ordenou Kenshiro, sem desviar os olhos do inimigo. — Ela está bem. Foquem aqui!
Quando perceberam, Zhen havia desaparecido. E com ele, Xin também sumira.
Kenshiro manteve a postura firme, estudando Gurok. Seus olhos se estreitaram. Havia algo de errado, ele se movia diferente. Mais controlado. Mais estratégico. Mesmo em frenesi, parecia restar-lhe um resquício de razão.
“Graças aos deuses... ele ainda não percebeu que tem a bolsa sem fundo...”, pensou Kenshiro, aliviado.
Takashi, entendendo que não seria útil no combate direto, recuou com saltos ágeis, buscando uma posição vantajosa. Precisava esperar pela oportunidade perfeita.
Gurok se aproximava lentamente da dupla que restou. Sua boca espumava, os músculos pulsavam sob a armadura metálica, mas não atacava. Não fazia o primeiro movimento. Observava. Analisava.
— Senhor... algum plano? — perguntou Sebastian, deslizando para o lado, olhos atentos.
— Acha que dá para perfurar essa armadura? — questionou Kenshiro, sem tirar os olhos da ameaça.
O silêncio foi sua resposta. Não havia na mente do vampiro qualquer conhecimento de algo capaz de atravessar uma Armadura Arcana.
— Então... — Kenshiro ajustou a empunhadura das espadas, respirando fundo. — Temos que cansá-lo. Imobilizá-lo. Depois... — Travou a fala. Seus olhos arregalaram ao perceber algo: o orc escutava atentamente. Entendia cada palavra. Algo impossível para um orc em frenesi. — Improvisamos!
No segundo seguinte, ambos saltaram, cada um para um lado, dispersando-se.
Gurok girou o corpo, tentando alcançá-los com um golpe massivo, mas errou por centímetros.
TINK!
Uma flecha acertou precisamente a nuca do orc, mas ricocheteou, protegida pelo elmo.
Takashi agora estava posicionado sobre o telhado do templo, uma posição elevada, segura e com visão total do campo de batalha.
O orc nem sequer reagiu. Sabia que sua armadura era praticamente impenetrável.
Saindo dos destroços, Erina tossia, afastando a poeira com as mãos. Avaliava rapidamente as opções. Conhecia alguns métodos para derrubá-lo, mas todos, sem exceção, resultariam na morte de seu companheiro. E, mesmo que o deixasse incapacitado, não sabia se seria capaz de curá-lo depois; como acontecera com Xin.
E o pior... não sabia sequer se conseguiria romper aquele voto de servidão.
"Mas como Zudao conseguiu dominá-lo tão facilmente?", pensou, mordendo os lábios.
Enquanto isso, o combate seguia.
Takashi disparava flechas, mais para desestabilizar e distrair. Kenshiro era o alvo principal, esquivando-se de golpes brutais e, sempre que podia, tentava golpear, em vão. Sebastian circulava, como um predador, atento, buscando qualquer falha, qualquer brecha mínima na defesa do orc.
— Se quiser... eu posso ajudar — disse uma voz repentina ao lado de Erina.
Ela se virou, sobressaltada. Era Zhen.
— Posso quebrar o voto — continuou, com serenidade. — Com uma condição: não matem Xin.
Erina o encarou em silêncio, dividida entre receio e alívio.
No alto do templo, Takashi apertava o arco entre as mãos. Seus olhos corriam das cenas abaixo para sua própria arma. Sabia que seus ancestrais nunca erraram um único disparo. Arqueiros lendários, capazes de derrubar qualquer inimigo com um tiro.
"Se eu tratá-lo como um alvo... apenas um alvo... talvez..."
Tentava se convencer. Não havia alternativas.
Respirando fundo, fechou os olhos, concentrando-se. Puxou a corda até o limite, sentindo cada fibra do arco vibrar. Cada músculo de seu corpo tremia, e uma energia sutil começou a percorrer o arco, como se, enfim, ele tivesse aceitado seu portador.
— É só um alvo... — sussurrou para si, repetindo como um mantra, tentando afastar o medo. — Só um alvo.
Abriu os olhos para enxergá-lo, lágrimas escorriam.
Quando estava prestes a soltar a flecha, seus olhos se arregalaram.
— O quê...? — balbuciou, perplexo.
No campo abaixo, Zhen corria, avançando diretamente para a luta.
— Idiota! Afaste-se! — gritou Kenshiro, com genuíno temor pela vida de Zhen.
Gurok ignorou completamente seus adversários anteriores. Seus olhos agora estavam fixos no monge. Sabia, de alguma forma, que aquele homem não iria desviar. Não tentaria enganá-lo, nem fugir. Iria encará-lo de frente, com um ataque direto.
O orc ergueu ambos os braços, como quem ergue um martelo de guerra colossal. O plano era simples: esmagá-lo. Reduzir aquele corpo franzino a uma massa indistinta no chão.
O golpe desceu.
No exato momento do impacto, a palma de Zhen tocou suavemente o elmo do orc.
— Liberar! — Sua voz soou como um decreto divino.
Uma luz dourada, intensa, explodiu de sua mão. Forte o suficiente para cegar, curiosamente, não feriu os olhos de ninguém. Podiam vê-la sem dor, como se a própria luz soubesse quem ferir e quem proteger.
Gurok ficou imóvel. Os músculos, que antes pulsavam de fúria, paralisaram subitamente. Seu corpo inteiro travou, e por fim, sem resistência, desabou de costas, fazendo o chão tremer.
Takashi, do alto do templo, soltou o ar que nem percebia estar prendendo. Desceu às pressas, aliviado por não ter disparado. Mas, em silêncio, não pôde evitar a dúvida: “eu conseguiria perfurar aquela armadura?”
— O que você fez? — perguntou Kenshiro, sua voz oscilando entre surpresa e desconfiança.
Antes que Zhen pudesse responder, Erina o interrompeu: — Kenshiro. — Sua voz chamou sua atenção imediatamente. Ela vinha segurando Xin nos braços.
Kenshiro, como um reflexo condicionado, levou a mão ao cabo da espada. Preparava-se, mais uma vez, para finalizar a traidora.
Antes que pudesse sequer firmar os pés, um soco certeiro o acertou na lateral do rosto. Não era apenas um soco, fora como ser atingido por uma bigorna. Kenshiro perdeu o equilíbrio e caiu, batendo no chão com um som seco.
— Agh! — Levou a mão ao rosto, incrédulo.
— Não ouse tentar matá-la de novo! — rosnou Zhen, enquanto Sebastian o segurava, impedindo que o monge avançasse mais.
Erina se abaixou, colocando Xin deitada ao lado do corpo adormecido de Gurok.
— Kenshiro — disse, ajoelhando-se —, em troca da ajuda dele, Zhen me pediu que não matássemos ela.
O espadachim massageou o queixo, cerrando os olhos por alguns segundos.
— Faz sentido — respondeu, contrariando a si mesmo.
Levantou-se, limpando a poeira da roupa, e lançou um olhar enviesado para o monge, misturado de desprezo, frustração e um traço desconfortável de respeito. Não gostava de ser desafiado. Muito menos de ter sua força questionada.
Mas não teve tempo de processar isso.
O som de gemidos baixos fez todos se virarem.
Gurok começava a se mover. Os olhos se contraíram, o peito arfava, os dedos se fecharam em punhos, e os grunhidos logo deram lugar a gritos desesperados.
— AAH! TIRA, TIRA ISSO DE MIM! — berrou, arrancando o elmo às pressas.
Outra criatura negra, viscosa e comprida, semelhante a uma minhoca, pulsante como um parasita, tentou escapar, deslizando para fora da cabeça do orc.
Assim como a anterior, foi desfeita. O vento soprou, seu corpo se esfarelou no ar, sumindo como cinzas.
— Gurok, você tá bem? — perguntou Erina, abaixando-se ao lado dele, enquanto seus olhos percorriam o corpo do orc, buscando qualquer ferimento.
— Tô... tô sim... urgh! — virou-se de lado e vomitou violentamente. Hidromel.
Zhen cruzou os braços, observando.
— Foi assim que te pegaram — comentou, sério. — Batizaram a bebida.
— Aquilo... aquilo... o que era aquilo?! — perguntou Gurok, ainda respirando com dificuldade.
— “Deus” — respondeu Zhen, de forma enigmática.
Um som de gemido baixo atraiu a atenção do grupo. Xin começava a se mover, levando uma mão à cabeça, os olhos semicerrados pelo desconforto.
— Xin — Erina se aproximou, apoiando-a —, como você se sente?
Xin apertou as têmporas, massageando as laterais da cabeça.
— Tonta... só... um pouco tonta... — respondeu, a voz rouca, fraca, mas clara.
O silêncio que se seguiu foi absoluto. O grupo inteiro a encarava, boquiaberto.
Ela falou.
Pela primeira vez, ouviram palavras saindo da boca de Xin.
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