Volume 1 – Arco 5
Capítulo 45
Xin ainda estava processando tudo o que havia acontecido. Sentir as lágrimas de Erina escorrerem por seu ombro a trouxe de volta para a realidade do momento, envolta em um misto de dor e conforto. Ali, no calor daquele abraço, ela finalmente compreendia seu lugar no grupo.
As emoções reprimidas agora transbordavam, e ela se entregou ao alívio e à vulnerabilidade, chorando como uma criança. No ombro de Erina, sentia uma segurança há muito esquecida, como se estivesse protegida por uma mãe.
— Desculpe interromper — Takashi pigarreou, tentando disfarçar a própria emoção e apontando para um tumulto nos portões da cidade. — Mas parece que temos problemas...
Dalwens, o capitão da guarda de Shenxi, e principal oficial de Zudao, corria desesperado em direção ao portão principal, tentando escapar. Seus olhos arregalados transbordavam desespero em sua fuga e passos desajeitados.
Xin, intrigada, não entendia o fato de que nenhum dos outros quatro ter conseguido alcançá-lo ainda.
O olhar afiado de Erina capturou a cena. Com um toque suave, enxugou as lágrimas de Xin e lhe sorriu afetuosamente, e então faz a ela uma promessa:
— Nunca mais deixarei que passe por tamanha dor, minha criança...
Enquanto as palavras soavam como um pacto silencioso, Xin sentiu o peito aquecer de uma forma que há muito desconhecia. O toque de Erina, a voz firme mas acolhedora, transformaram suas bochechas em um tom rosado, e por um momento, todo o medo pareceu se dissipar.
Mas Takashi permanecia focado no fugitivo.
— Ele está cada vez mais próximo — avisou, o arco pronto em sua mão.
Com uma decisão súbita e cheia de determinação, Erina avançou para o portão. Sem hesitar, ela se permitiu cair da muralha em um único passo, como se tivesse faltado onde pisar, caindo em direção onde Dalwens corria.
O impacto de sua aterrissagem foi devastador. O peso de sua armadura negra fez o chão tremer, e uma nuvem de poeira cobriu o local.
Quando finalmente se dissipou, revelava-se o destino de Dalwens: ele estava esmagado, seus membros decepados, o torso mutilado em uma visão brutalmente grotesca. Sangue escuro fluía entre as pedras da rua, um contraste terrível com a serenidade de Erina.
Ela o ergueu pelo cabelo, a cabeça ensanguentada pendendo inerte em sua mão, e um silêncio abissal tomou conta da multidão ao redor.
O horror estava estampado nos rostos dos espectadores, alguns cobriam os olhos, outros pareciam petrificados, enquanto alguns soldados olhavam incrédulos, a repulsa revirava seus estômagos.
***
Após um breve tempo, o grupo estava novamente reunido.
Kenshiro manteve-se firme, enquanto Takashi parecia visivelmente afetado. A brutalidade da cena parecia ecoar a verdadeira intensidade da missão em que haviam se envolvido.
Zhen, olhando para a multidão assustada, murmurou:
— Talvez devêssemos resolver isso em outro local…
Mas Kenshiro, respondeu friamente:
— Não. Sem tempo a perder, faremos isso agora.
Naquele momento, Xin olhou assustada para Erina, percebendo que aquilo tudo já havia sido premeditado.
Erina balançou a cabeça de Dalwens levemente, quase como se tentasse trazer a consciência de volta ao corpo destroçado.
— Ei, acorda, seu miserável — ela murmurou, sem qualquer simpatia.
Dalwens abriu os olhos, piscando lentamente até perceber a situação grotesca em que se encontrava. E, para a surpresa de todos, um sorriso insano se formou em seu rosto, seguido de uma risada profunda e perturbadora. Sua gargalhada ecoava pelos muros da cidade.
— Vocês… Vocês são todos tolos! — zombou ele, sua voz saindo em um tom arrastado e insano. — O poder do meu Senhor… Ele me protege da dor, do medo! Nunca vão arrancar nada de mim. E, quando eu morrer… serei levado ao paraíso, para me tornar um com Ele! E vocês… ah, vocês queimarão!
Sua gargalhada ecoou pela cidade, e os espectadores se entreolhavam, perplexos e aterrorizados. Até os soldados que assistiam pareciam hesitar, as mãos apertando com mais força o cabo de suas armas. Mas, antes que ele pudesse continuar, seu rosto se contorceu em agonia, um grito visceral rasgando sua garganta, profundo e angustiante.
Erina inclinou-se, os olhos fixos nele, fria e implacável.
— Desculpe — disse Erina, em tom irônico. — Já que acredita tanto no seu Senhor, eu suspendi minha habilidade de inibir dor. Mas posso colocá-la de volta... basta nos dizer o que queremos saber.
Dalwens suava e tremia, e o medo se misturava ao horror enquanto os gritos escapavam sem controle de seus lábios.
— EU CONTO! EU CONTO! FAÇA PARAR!
A multidão ao redor parecia em choque, e muitos desviavam os olhares, a visão do homem destroçado em agonia sendo um testemunho do que acontecia com aqueles que enfrentavam Erina.
Os guardas locais, já próximos, também hesitavam em avançar, seus rostos pálidos e confusos, enquanto observavam o interrogatório.
Takashi parecia conter a respiração, e Xin apertava as mãos contra o peito, as emoções misturadas entre o alívio e o terror.
— Zudao… por que teme tanto Budai? — perguntou Erina, a voz fria como aço.
Dalwens a olhou com um misto de amargura e resignação, sua voz saindo em um sussurro doloroso.
— As habilidades de Budai são as únicas capazes de ferir Deus... Os monges possuíam o poder de tocar no divino, não existe nada mais perigo!
Zhen, incomodado com os olhares do grupo, tentou se explicar:
— As habilidades de nós, monges, estão ligadas à alma. Significa que podemos ignorar as armaduras e outras proteções corporais, causando um dano quase fatal. Mas... isso ainda não explica tudo, pois quando o corpo morre a alma também irá se esvair.
— Então, mesmo que exista um Deus — raciocinou Erina. — Qualquer um de nós poderia derrotá-lo?
— Sim — disse Dalwens —, e de fato, o espadachim até pôde matar nossa Santidade duas vezes, mas apenas Budai representa um perigo real. Pois enquanto você só consegue matá-lo uma vez a cada golpe, Budai é capaz de matá-lo várias vezes com cada golpe...
— Mas então por que Zudao levou Budai? — questionou Kenshiro. — Por que levar seu maior inimigo ao invés de matá-lo?
— Budai será abençoado... Ele irá ter uma audiência como nosso Deus. E do mesmo modo que aconteceu com a serva de Zudao... ele irá se encantar e dedicar a sua vida a nossa Santidade.
Os guardas trocaram olhares apreensivos, como se não acreditassem no que acabavam de ouvir. A multidão murmurava, confusa e alarmada, tentando entender a magnitude daquelas palavras. Zhen parecia hesitante, o rosto carregado de pesar e dúvida.
O grupo ficou assustado, estavam finalmente entendendo o que iria acontecer.
Erina tentou manter o foco, perguntando aquilo que mais a incomodava:
— Zudao tem um plano para destruir Shenxi, qual é?!
Dalwens não respondeu, apenas voltou a gargalhar. Erina tentou desativar sua habilidade de inibir a dor, mas não adiantava, o soldado apenas ria mais.
— Não importa mais… Vocês… todos vocês… queimarão no fogo do inferno! E eu, eu alcançarei o paraíso!
O último grito foi seguido por um silêncio repentino e absoluto. Dalwens morreu ali, sua expressão congelada em um sorriso grotesco e perturbador. Erina soltou sua cabeça, que caiu com um baque no chão.
— Se o que ele disse for verdade — falou Xin —, então Budai tem risco de se tornar o mais novo servo de Zudao! Foi por isso que ele me libertou!
— Sim — disse Erina —, mas isso ainda não nos explica como Shenxi corre o risco de ser destruída. É difícil acreditar que Zudao planeja matar as pessoas simplesmente do nada sem nenhum propósito depois de tantos anos...
Um som de grunhido interrompeu os pensamentos do grupo. O corpo de Dalwens começou a se erguer, agora tingido de um tom arroxeado, e uma fumaça escura escapava de suas feridas. Os guardas gritaram, espantados:
— Um Renascido!
Zhen tentou contê-lo, tocando sua mão dourada no rosto do morto-vivo. Mas, ao invés de cair, o corpo começou a inchar e tremer.
— Isso... deveria ter sido o suficiente! — disse Zhen, transtornado.
Erina se lançou na frente de todos e chutou Dalwens com tanta força que arrebentou o portão, lançando-o para a ponte de pedra. E assim, ele explodiu, espalhando uma névoa roxa.
— Fiquem alertas! — ordenou Erina.
Quando a névoa abaixou, dezenas de parasitas apareceram saindo do corpo morto. Os parasitas, que antes lembravam minhocas, agora se assemelhavam mais a centopeias; eles haviam chegado à idade adulta.
Os parasitas começaram a correm em direção à cidade, queriam infectar qualquer pessoa que estivesse mais próxima.
Kaji, em um ato rápido e preciso, lançou uma barreira de fogo ao redor das criaturas, incinerando-as antes que pudessem causar quaisquer estragos.
Zhen, ainda em choque, perguntou:
— O que foi isso?
— Zudao planejava contaminar Shenxi com esses parasitas — declarou Erina. — Se qualquer infectado morresse dentro da cidade, a infecção se espalharia para todos.
Os soldados e cidadãos, ainda em choque, agora entendiam a gravidade da situação. Um dos guardas mais jovens, pálido de medo, gaguejou:
— Na cerimônia… todos nós somos obrigados a comer algo… ovos… será que estamos infectados também?
Kenshiro assentiu gravemente, e um murmúrio de desespero percorreu a multidão.
Zhen, exausto e com o semblante sombrio, balançou a cabeça.
— Estou muito longe do meu templo… Não posso purificar todos vocês. Budai é a única esperança para salvar a cidade.
— Você ficou mais fraco? — perguntou Xin.
— Eu sou um monge, todas as minhas habilidades estão atreladas ao meu equilíbrio espiritual, semelhante a um mago que tem suas habilidades ligada à energia.
Os soldados se entreolharam, e um deles, apertando a espada com determinação, ergueu a cabeça.
— Se Budai é nossa única chance, vamos lutar por ele. Não podemos deixar Shenxi cair.
Outro soldado deu um passo à frente, demonstrando a intenção de todos seus companheiros.
— Então, não vamos perder tempo! Se ficarmos aqui, colocaremos as demais pessoas em risco!
Kenshiro ficou surpreso, imagina que a população de Shenxi fosse fraca e submissa, mas os nenhum dos soldados novatos hesitou participar da luta.
Erina, percebendo que teria que liderar não só seu grupo, mas duas dezenas de soldados, decidiu falar para que todos ouvissem:
— Está bem. Crianças, todas vocês me escutem. Que esteja perfeitamente claro, não seremos nós a enfrentar Zudao, iremos apenas auxiliar Budai a fazê-lo. Preciso que todos vocês me obedeçam, e se alguns de vocês sentir que está correndo algum perigo, ou for ferido, apenas gritem os seus nomes, eu irei salvá-los.
Os soldados não entenderam ao certo o motivo para aquilo, mas confiaram suas vidas a Erina.
— SIM, SENHORA!