Volume 1 – Arco 5
Capítulo 45: O Peso da Revelação
— Sei que estão ansiosos — disse Zhen, caminhando à frente do grupo pelos corredores silenciosos —, mas tentem fazer uma pergunta de cada vez. De preferência, comecem pelas mais importantes.
Xin fora deixada na praça, ainda desacordada. Não parecia que acordaria por conta própria.
O pequeno interrogatório começou.
— Você é mesmo... filho de Budai? — perguntou Sebastian, direto.
— Sim — Zhen respondeu sem hesitar, já antecipando as variantes. — Fui concebido da maneira tradicional, minha mãe morreu ao me dar à luz e, sim... sou tão comum quanto vocês. A única diferença é que fui treinado pelo meu pai.
— Minha magia... — tentou questionar Erina.
— Sim — interrompeu Zhen, já antecipando a dúvida. — Talvez você não compreenda completamente como a magia funciona. Resumindo... o estado atual de Xin impede qualquer forma de cura.
— Então... Xin quer mesmo morrer? — a voz de Erina tremia, horrorizada.
— Sim — A resposta foi simples, mas carregada de peso. — Mas não pelas razões que vocês imaginam.
— E... o que exatamente você fez para estabilizá-la? — perguntou Takashi.
— Apenas... acalmei as "causas latentes" — A expressão de Zhen endureceu. — Infelizmente, não sou forte o suficiente para libertá-la de seu voto de serventia. E temo que... nem mesmo meu pai seja capaz disso.
— Então... — a voz de Erina quase se quebrou —, se eu não tivesse cruzado aquela barreira... Xin estaria bem?
Zhen parou. Virou-se para ela.
— Não.
Sem aviso, virou-se para uma parede decorada com o símbolo do sol.
— Chegamos.
— Zhen...? — chamou Kenshiro, coçando a cabeça.
O monge simplesmente deu um passo à frente, e sumiu. Atravessou a parede sólida como se fosse névoa.
O grupo trocou olhares apreensivos. Ainda assim, seguiram-no, atravessando a ilusão.
Depois de duas barreiras, uma no perímetro externo e outra na praça, era até previsível que houvessem outras.
Do outro lado, encontraram um corredor gigantesco, completamente escuro. Não era possível ver teto, paredes ou fim. Apenas o caminho à frente, iluminado por incontáveis velas e incensos.
Candelabros pendiam em alturas desiguais — alguns com velas acesas, outros liberando filetes de fumaça densa. Era tanta fuligem que parecia haver mais poeira no ar do que areia em um deserto.
— Zhen... que lugar é esse? — perguntou Kenshiro, olhando em volta.
— Os aposentos de Budai — respondeu. — Aguardem. Ele já percebeu nossa presença.
Antes que pudessem reagir, ouviram um som estranho — um estrondo abafado, como quando a porta da carruagem se abria para o vazio.
Então, o espaço se dobrou. As paredes e o teto se aproximaram de forma súbita, quase esmagadora, como uma armadilha feita de espinhos invisíveis. Era uma distorção absurda; seus olhos não conseguiam compreender o que viam, suas mentes rejeitavam aquilo.
O corredor seguia... parecia que estavam sendo observados pelo próprio espaço.
E então, em um piscar de olhos, ele apareceu.
Ao fundo, uma plataforma elevada. Na parede atrás dela, uma pintura colossal de um sol dourado.
Sentado em posição de meditação, estava um homem.
Seus cabelos, negros e densos, presos em um coque no alto da cabeça. Sua barba, espessa e bem cuidada, moldava-lhe o rosto, conferindo-lhe uma imponência quase sobrenatural.
Zhen caminhou até ele. Seus passos suaves remexiam os frágeis montes de poeira. Ajoelhou-se.
— Meu senhor... acredito que aqueles que esperávamos finalmente chegaram.
Kenshiro respirou fundo e deu um passo à frente, prestes a estender a mão.
— É um prazer, finalmente, conhecer um Herói...
Budai abriu os olhos. Suas írises douradas brilharam, mirando cada um deles com absoluto desdém.
O ar ficou pesado. O ambiente inteiro pareceu comprimir-se sobre seus ombros. Era como se a gravidade dobrasse, tentando esmagá-los.
Então sua voz veio.
Não saiu de sua boca. Surgiu, como um sussurro diretamente nos ouvidos de cada um deles. Uma voz que parecia estar atrás de suas nucas, no centro de seus próprios crânios.
— Ajoelhem.
E eles obedeceram. Por medo. Por pura incapacidade de ficar de pé.
Kenshiro tentou resistir. Lutou contra o peso, contra o próprio corpo que fraquejava. Ele não seria subjugado, não importava o quão lendário fosse aquele homem.
Forçou sua cabeça para cima, trêmulo, então percebeu: Budai estava diante dele.
Sem que ninguém percebesse seus passos, sem mover um único grão de poeira, sem emitir qualquer som... estava ali, encarando-o de cima.
— Você... — A voz de Budai penetrou direto na alma de Kenshiro. — É um Torison... mas não aquele que eu esperava.
O Herói deixou seus aposentos. No mesmo instante, todas as velas e incensos se apagaram. A pressão sufocante que dominava o ambiente desapareceu, junto dela, a ilusão que ocultava o local. A luz do sol atravessou as paredes, revelando a verdadeira sala.
Quando olharam em volta, perceberam que algo estava diferente. Havia menos velas. Menos incensos. Nem sequer havia sinais dos montes de poeira de antes.
E então, a voz de Budai ecoou pelo templo, seca, cortante: — Onde estão... Reiji e Kenzou Torison?!
As palavras foram como um soco no peito do casal. Um lembrete brutal do que os levou até ali.
Erina e Kenshiro, seguidos por seus aliados, apressaram-se para acompanhá-lo. Zhen os acompanhava em silêncio. Sua expressão era de uma tristeza quase insuportável.
— Senhor Budai, por favor... espere! — chamou Erina, ofegante.
— Sem tempo para esperar! — retrucou, sem sequer olhar para trás. — Esperei a vida inteira por esse dia... e não me resta muito tempo!
Kenshiro, instintivamente, tentou segurá-lo pelo ombro.
— Por favor, senhor...
Num movimento tão rápido que nenhum deles pôde reagir, Budai girou, agarrou Kenshiro e o jogou violentamente contra o chão. Uma de suas mãos segurava o braço do jovem, pressionando-o com uma força que ameaçava esmagá-lo.
Puderam escutar os estalos dos ossos e tendões de seu Vice-Líder.
Os outros levaram a mão às armas, prontos para intervir... até que Erina levantou uma mão, ordenando silêncio.
— Seu jovem tolo... — rosnou Budai, a centímetros do rosto de Kenshiro. — Que autoridade você acha que tem... para me tocar? Não... que autoridade você acha que tem para sequer estar diante de mim?!
Seu olhar era como uma lâmina, cortando a alma.
— Você é fraco. Fraco como um inseto. Aqueles dois... Kenzou e Reiji... só podem ser loucos por terem enviado alguém como você para essa jornada suicida.
Puxou o braço de Kenshiro com mais força. O som dos ossos estalando era um lembrete cruel da diferença de poder.
— Tão frágil... tão patético... O que acha que vai acontecer quando encarar uma Sombra? Ou um Rato? Eu já vi. Sei muito bem. Você vai cair. Vai assistir seus amigos morrerem. Sua casa... queimar. Sua vida... se tornar cinzas.
As palavras caíam como martelos. Quase um sermão.
Kenshiro abaixou o olhar. A vergonha queimava mais que a dor.
— Senhor Budai... — disse Erina, caminhando até ele, posicionando-se à frente do Herói.
Budai arqueou uma sobrancelha. Havia confusão em seu olhar.
— Você... eu não te conheço. Qual seu nome?
— Erina Waltz.
— Waltz... a linhagem dos magos curandeiros. Você... não deveria estar aqui.
— Nenhum de nós deveria — A dor transbordava nas palavras da cavaleira. — Mas ouça... Kenzou Torison... morreu, há anos. E Reiji... também morreu; poucos meses atrás.
Silêncio. Um silêncio que pesava mais do que qualquer palavra.
— Não... não. Não pode ser — Budai deu um passo para trás. — Não foi isso... não foi isso que eu vi.
Erina prosseguiu, a voz vacilando, mas firme: — O homem que você está... torturando... é Kenshiro, filho de Kenzou. E Eu... tive minha família assassinada; fui acolhida por Reiji. Quando ele morreu, fomos nós dois que... que demos início a essa jornada.
As mãos de Budai afrouxaram. Soltou Kenshiro, que caiu de joelhos, arfando, segurando o braço machucado.
O olhar dourado do Herói se perdeu no horizonte, como se tentasse compreender ou aceitar o que acabara de ouvir.
— Eu... me enganei...?
Diante de todos, o corpo de Budai começou a enfraquecer. Seus músculos — antes densos, vigorosos — murcharam. O peito largo afundou. A postura firme cedeu.
Seu cabelo e barba cresceram desordenadamente, ficando brancos como neve, desgrenhados, crespos. As rugas tomaram-lhe o rosto. Suas pálpebras caíram, pesadas. Seus olhos perderam o brilho.
De súbito, não parecia mais um Herói. Era um velho. Um homem doente, cego, frágil.
Zhen surgiu ao seu lado, já segurando uma bengala.
— Aqui, pai — A voz do monge era de quem segurava o próprio mundo para não desabar.
— Ah... obrigado, meu caro... — A voz de Budai agora era idosa, rouca, tremida.
Ele sequer parecia se lembrar de seu próprio filho.
O grupo encarou Zhen, tomados por uma mistura de choque, pena e desconcerto.
— Eu sei... — disse Zhen, olhando-os com pesar, enquanto segurava o braço do pai para ajudá-lo a caminhar. — Vamos... vamos para a praça. Lá eu explico... tudo que eu puder.
***
Enquanto isso, no acampamento de Jonas e Zudao.
Gurok permanecia de pé, imóvel, olhos fixos na estrada por onde Erina e seu grupo haviam partido. Não ousava se acomodar. Não confiava naquelas pessoas.
Confiava apenas em si mesmo e em seu grupo. Sabia que não importava o que fossem encontrar dentro do templo, se Budai fosse apenas uma lenda ou um verdadeiro Herói, nada mudaria. Voltariam com Xin ao lado deles.
E se algum soldado ousasse emboscá-lo, sua armadura cuidaria do resto.
— Vai ficar assim até eles voltarem? — A voz de Jonas interrompeu seus pensamentos.
O homem arrastava um caixote pesado, que largou no chão com um baque surdo.
Ao abrir, o cheiro doce de hidromel escapou, preenchendo o ar.
O orc respirou fundo, tentando ignorar.
Jonas puxou uma banqueta, sentou-se diante dele e, com toda a casualidade do mundo, estendeu uma garrafa.
— Estava pensando... enquanto esperamos, podíamos fazer algo para passar o tempo — Balançou a garrafa, o líquido dourado dançando lá dentro.
— Dispenso. Não estou interessado em beber com gente como você — A voz grave, seca, cortante.
Jonas abriu a garrafa com um estalo e tomou um gole generoso. Parte do líquido escorreu pelo queixo, pingou no pescoço e desceu até a armadura, exalando um aroma adocicado que parecia... sedutor.
— Ora... sempre ouvi dizer que orcs não resistem a um bom hidromel, sorriu, oferecendo novamente.
O cheiro invadia as narinas de Gurok, cutucando sua razão, quebrando suas defesas.
— Talvez... uma garrafa não faça mal — resmungou, sentando-se no chão com um baque. Continuava mais alto que Jonas.
— Aí sim! Eu sabia! — brindou, batendo sua garrafa contra a do orc.
Por alguns minutos, houve silêncio. Apenas os sons das garrafas se esvaziando e o vento balançando as folhas.
— Me diga — Jonas quebrou o silêncio, casual —, por que se juntou a eles? Zudao me contou que se conheceram de um dia para o outro e, do nada, você aceitou embarcar numa jornada sem garantias. Sem saber quanto tempo vai durar. Nem se vai voltar vivo.
Gurok virou uma garrafa inteira antes de responder.
— É mais... complicado do que você imagina.
— Você diz “complicado”. Eu digo “estúpido” — Tomou mais um gole, debochado.
— Talvez... não sejamos tão diferentes assim — Pegou outra garrafa.
— O que quer dizer com isso?
Gurok apontou com o queixo para o símbolo cravado na armadura de Jonas: a cruz dourada, reluzente.
— Nós dois temos fé em algo que não compreendemos — Tomou mais um gole. — Ignoramos a lucidez. E seguimos, mesmo quando tudo aponta para um erro... ou para a morte.
Jonas arregalou os olhos.
— Você está... comparando aquela cavaleira... com Deus?! — Levantou-se de imediato, indignado.
— Não. Estou comparando nossas... “crenças cegas”.
— Está enganado, orc! — apontou-lhe o dedo. — Você não sabe de toda a nossa história! Vimos milagres, desastres, prodígios. Sabemos o que é magia... e o que é divino. Nossa fé NÃO é cega! Temos provas da existência de Deus... e de Zudao como Seu representante! Nossa santidade é real!
— Ah, tenho certeza de que têm — respondeu, sarcástico, virando outra garrafa.
Enquanto Jonas tentava terminar a segunda garrafa, Gurok já esvaziava a sexta, sem demonstrar qualquer sinal de embriaguez.
Jonas, por sua vez, começava a falar mais arrastado, os olhos semicerrados.
— O que eu quero dizer, meu... grande amigo orc... — Apoiou-se no joelho, tentando não tombar. — É que você é ingênuo. Ingênuo o suficiente para seguir uma desconhecida... embarcar numa jornada sem recompensa... cheia de riscos... E aceitar bebida de alguém que considera um inimigo.
— HA! Nós, orcs, não podemos ser envenenados. Acredite. Eu já tentei.
— Ora, eu sei... eu sei... — sorriu, olhos semicerrados. — Mas... agora... você vai entender. Vai entender, porque... agora... você verá Deus.
O sorriso de Jonas era estranho. Largo demais. Quase... maligno.
O orc franziu a testa, a mão apertando a garrafa.
— O que... quer dizer com isso?
— Quero dizer... que Deus... está dentro de você... agora.
O estômago de Gurok deu um nó. Uma dor aguda o atravessou como uma lâmina quente.
— AaaAAARGH!! — Urrou, levando as mãos à barriga.
Caiu de costas, rolando no chão, enquanto uma dor lancinante subia do abdômen para o peito, depois para a garganta. Sentiu como se algo queimasse por dentro, subindo até a cabeça.
Seus olhos latejavam. Doíam tanto que parecia que iriam saltar das órbitas.
O suor escorria, enquanto ele se contorcia no chão, arfando como um animal ferido.
Jonas o observava com um sorriso satisfeito, quase sereno.
Das moitas e barracas, soldados surgiam, armas em mãos. Outros puxavam cordas, revelando... catapultas, escondidas sob lonas.
Zudao surgiu pouco depois. A pedra em seu cajado brilhava com uma luz âmbar, pulsando como um coração vivo.
Ele olhou para o topo da montanha, o templo de Budai. E sorriu.
— Está quase na hora. — disse, mais para si mesmo. — Só precisamos... que ela desative a barreira.
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