Volume 1 – Arco 5

Capítulo 44: Peças, Engrenagens e Destino

Kenshiro subia a escadaria em velocidade impressionante, porém controlada. Cada passo era calculado — rápido o bastante para não perder tempo, mas suave o suficiente para não agravar o estado frágil de Xin, que tremia em seus braços. 

Seu coração batia pesado, mas não de cansaço. Era o peso da urgência, da impotência, do medo de chegar tarde demais. 

Subitamente, o espadachim arregalou os olhos. Os degraus à sua frente se transformavam, crescendo abruptamente. Agora precisaria saltar mais de três metros para continuar. 

Por um instante, sua respiração travou. Avaliou a situação em frações de segundo, preparando-se para saltar — calculando o impulso, ajustando o peso de Xin, buscando o ponto exato de apoio. 

Mas não foi necessário. 

Logo adiante, surgiu a entrada do templo. 

Um alívio súbito percorreu seu corpo, seguido por um frio na espinha. Porque, embora não precisasse mais saltar... o que via à sua frente era ainda mais imponente. 

O templo parecia ser uma extensão viva da própria escadaria — ou talvez fosse a escadaria que fazia parte do templo. Erguia-se ao céu, desafiando as nuvens, como se tentasse alcançar o próprio sol. 

As pedras que formavam sua estrutura eram escuras, diferentes de tudo na região, claramente trazidas de terras distantes. Suas superfícies estavam gravadas com símbolos do Sol: círculos radiantes, espirais de luz, linhas retas apontando para todas as direções — um lembrete constante de que aquele era um templo dedicado à luz, à vigilância e, acima de tudo, ao Herói. 

No topo dos últimos degraus gigantescos, havia um patamar amplo e liso, cuidadosamente esculpido. Seu chão era limpo, sem rachaduras, polido pelo vento, pela chuva e, talvez, por décadas de rituais. 

Ali, o Herói meditava. 

Aquele era um pontos mais próximos do Sol que qualquer mortal poderia alcançar — e o ponto de onde se via toda a extensão da região, como um sentinela eterno, pronto para proteger aqueles que estivessem sob seu olhar. 

O templo não fora construído no topo daquela montanha por acaso. 

Era a montanha mais alta de toda a região. Isolada das grandes cidades, cercada por florestas, rios e penhascos, ela representava a comunhão com a natureza e, ao mesmo tempo, a separação dos assuntos mundanos. 

Ali, acima de tudo e de todos, onde o vento soprava mais frio, onde o silêncio era quebrado apenas pelo chamado das aves e o som do próprio coração, residia aquele que, por muitos, era considerado um enviado do Sol. 

Budai, o Iluminado. 

E Kenshiro estava prestes a encontrá-lo. 

***

Os monges — estudiosos da alma e filósofos da vida — sempre buscaram um lugar próximo da natureza, onde pudessem meditar, refletir e, talvez, compreender o incompreensível. Eram figuras simples, sem prestígio ou influência. E talvez assim permanecessem, se não fosse pelo nascimento daquele que mudaria tudo: Budai. 

Fruto de um casamento indesejado, marcado desde o ventre por uma seita fanática de seus próprios semelhantes, Budai veio ao mundo abençoado, ou amaldiçoado, com a Iluminação. Um estado que seus irmãos de túnica acreditavam ser divino. 

Mas, antes mesmo de aprender a caminhar com firmeza, Budai usou suas próprias mãos para eliminar todos os membros daquela seita. 

Nascido com todas as respostas, desde os fundamentos da ética e da moral até os mistérios das divindades, ele vagou. Vagou por todo o continente. Anos em silêncios.

Podia conhecer todas as respostas... mas nunca tivera a chance de fazer sequer uma pergunta. 

Até o dia em que encontrou um velho eremita. O primeiro. O verdadeiro iluminado. O único que carregava sobre si a origem daquele caminho.

E com ele, Budai teve suas primeiras palavras.

Por que eu nasci? 

O eremita manteve-se imóvel, olhos fechados.

Você sabe a resposta. 

Eu não a aceito. Preciso de outra. Uma alternativa. 

Não importa o quanto a folha lute... ela inevitavelmente se desprenderá da árvore e cairá. 

Entendo que a morte é inevitável. Mas não quero lutar contra ela. Quero... mudar meu destino. 

Foi então que o eremita abriu seus olhos. E deles emanou um dourado absoluto, quase tão intenso quanto o próprio sol. 

Por que acha que nasceu com esse dom? — questionou, saindo de sua meditação. — Dezenas de milhares passam a vida inteira buscando um vislumbre do que você possui desde o berço. 

Eu não pedi por isso... 

Ninguém pede para nascer. Ninguém pede para crescer. Adoecer. Envelhecer. Morrer. E, mesmo assim, seguimos... buscando uma resposta que talvez sequer exista. 

Budai silenciou. Sua mente operava num nível além da compreensão comum. Era tão sábio quanto aquele que estava à sua frente. 

Mas... diferente dos outros, minha pergunta possui uma resposta. Afinal... estou falando com meu próprio "Deus", não estou? 

O eremita esboçou um sorriso. Um sorriso que misturava surpresa, admiração... e uma leve sombra de tristeza. 

Então, responda-me: por que me deu esse dom? Qual é o meu propósito? 

O velho estendeu a mão, convidando Budai a se sentar ao seu lado, no círculo sagrado da contemplação. 

Serei direto. Você é uma engrenagem. 

Parte de algo maior. Eu entendo. Mas... de quê? 

Não posso lhe dizer. 

Por quê? 

Se eu disser... se eu confirmar... você pode acabar estragando tudo. 

Então sou uma engrenagem importante? 

Não. É apenas uma das mais sensíveis. Frágil. E, exatamente por isso, indispensável. 

Sabe que eu não sairei daqui sem uma resposta que me satisfaça. 

Então prepare-se, porque isso exigirá um raciocínio cuidadoso.

O eremita fechou os olhos novamente, convidando o jovem a partilhar de sua meditação e reflexão.

O que é uma história... se não uma sequência de coincidências convenientes? Ainda que seja algo discutível, a existência de uma força superior se faz necessária. Caso contrário, o mundo sucumbiria ao caos do acaso. Algo precisa costurar os fios soltos. Dar significado. Direcionar. 

Ou... alguém. 

Seja como for, as pessoas ainda possuem o direito de escolher. O livre-arbítrio existe. Mas, às vezes... é necessário intervir. Corrigir rumos. Tornar certas coisas mais... “convenientes” para o desenvolvimento da história. 

E se eu me recusar? 

O eremita respirou fundo. 

Terei de começar de novo. Acredita mesmo que é o primeiro a participar dessa conversa? 

Budai não respondeu de imediato. Mas sabia. 

Não sou. E você sabe se vou aceitar ou não. Assim como soube dos anteriores. Então... por que conversa comigo, se já sabe o resultado? 

O velho abriu um sorriso mais amplo. 

Porque, por mais que eu veja claramente o caminho à minha frente... o caos ainda existe. E às vezes... até o destino muda diante dos meus olhos. 

Silêncio. 

Foi Budai quem o quebrou.

Sabe por que os monges consideram a morte o pior dos pecados? Porque matar é... roubar. É arrancar de alguém o direito de fazer escolhas. É cortar todos os futuros possíveis. Se está mesmo tentando controlar o destino... não está sendo muito diferente de um assassino em massa. 

O eremita não se abalou. 

Esse é um preço que estou disposto a pagar. 

Seguiu-se, então, um silêncio absoluto. 

Meditaram. 

Por três dias e três noites, nenhuma palavra foi dita. Nenhum som, além do vento. 

Ao fim, Budai abriu os olhos. 

Está bem. Farei parte do seu plano. Sei que, ainda que iluminado, você terá poder para afetar minha mente, minhas emoções, minhas decisões. Mas... presumo que, dentro dos seus limites, ainda me é permitido escolher. Ainda posso degustar da liberdade — Levantou-se, pronto para partir — Então... desperdiçarei essa vida. Na esperança de que, na próxima... eu seja verdadeiramente livre. 

E assim, Budai partiu. 

Isolou-se. Escolheu a solidão no topo de uma montanha. Longe das cidades, dos reis, dos deuses e dos homens. 

Mas, por mais que desejasse ignorar o mundo, não pôde negar o impulso de responder aos gritos de socorro. 

Salvou. Protegeu. Interveio. 

E, contra sua própria vontade, tornou-se um Herói. 

Um Herói isolado. Um homem que nunca aceitou sua própria função. E que, silenciosamente, recusou-se a participar de qualquer conselho, de qualquer assembleia ou debate com seus iguais. 

Porque, no fundo... sabia. 

Sabia que nada disso faria diferença. 

***

Adentrando o templo, Kenshiro não perdeu tempo. Correu pelos salões até alcançar uma praça aberta em seu centro. 

A praça era banhada pela luz do céu, sem teto algum a encobri-la. Jardins cuidadosamente dispostos ocupavam os cantos, com bancos de pedra e pequenas fontes murmurantes convidando ao repouso. O chão, ao contrário do restante do templo feito de pedra escura, era pavimentado com blocos brancos como marfim. 

No centro da praça, erguia-se uma árvore incomum. Seu tronco irradiava um brilho dourado suave, como se fosse banhado por uma luz interior. As folhas, porém, viviam em um ciclo antinatural — nasciam apressadas nas pontas dos galhos, tomavam tons verdes por meros segundos antes de secarem, escurecerem e virarem pó no ar... tudo em questão de instantes. 

Era um renascimento contínuo e desesperado. Um ciclo de vida e morte comprimido em minutos. 

Assim que pisou na praça, Kenshiro tropeçou. 

Cambaleou para frente, e por um fio não deixou Xin cair de seus braços. Conseguiu segurá-la a tempo, mas sentiu o corpo mais fraco, como se algo tivesse sugado parte de sua energia vital. 

Olhou ao redor, ofegante, tentando entender. Mas não havia tempo. 

Colocou Xin cuidadosamente sobre um dos bancos de pedra. Ela voltou a tossir sangue, os olhos semicerrados de dor. 

O desespero apertou-lhe o peito. 

— Alguém?! — gritou, correndo por entre os corredores vazios. — Por favor! Minha subordinada está em perigo! 

O templo era vasto como uma vila: pátios internos, salas silenciosas, colunas esculpidas, escadarias que levavam a andares superiores. Tudo limpo. Impecável. Não havia poeira, nem teias de aranha, nem sinal de abandono. 

E, ainda assim, não havia uma viva alma por perto. 

Até que, ao dobrar um corredor, Kenshiro viu uma figura atravessar por ele. 

Um jovem monge. 

Ei, você! — gritou, freando com os pés e girando sobre os calcanhares. 

Correu e alcançou o monge, tocando-lhe o ombro. 

O rapaz virou-se, assustado. 

Tinha a cabeça raspada, e usava uma túnica larga, simples. Seu rosto era sereno, mas seus olhos denunciavam surpresa. 

Não era nem magro por desnutrição, nem gordo por excesso. Havia equilíbrio em sua aparência, como se o corpo refletisse a mente. 

— Você precisa me ajudar! Ela está... — Kenshiro começou, desesperado. 

Mas o monge afastou com delicadeza a mão do espadachim de seu ombro. 

— Perdão — disse com calma. — Você por acaso é o Descendente Torison? 

— Sim... sim, sou eu — respondeu Kenshiro, surpreso. 

O jovem monge fez um leve aceno com a cabeça. 

— Está atrasado. 

(...) 

Kenshiro e o monge chegaram à praça. Erina e os demais já estavam lá. 

Erina havia sido forçada a abandonar sua armadura ainda na entrada da praça. Seu corpo estava pesado demais, como se a própria energia vital lhe fosse drenada. Tinha certeza: suas habilidades mágicas haviam sido completamente anuladas. Ainda possuía forças para carregar seu escudo.

— Por favor, seja rápido — pediu, ajoelhada ao lado de Xin. Seu rosto tremia de frustração. — Minha magia... não está surtindo efeito! 

— Queira se afastar — respondeu o monge, com voz gentil, mas firme. 

Ajoelhou-se no lugar dela. Por um instante, permaneceu apenas olhando para Xin, seu olhar carregado de tristeza, quase luto. Estendeu a mão. Com o indicador e o médio, tocou a testa da jovem. A outra mão fez o mesmo sobre sua barriga. 

Dos seus dedos, uma luz dourada começou a emanar. Fraca. Quase decepcionante. 

Logo, todos pararam de julgar. A respiração de Xin começou a se estabilizar. Seus lábios, antes arroxeados, ganharam cor. A expressão de dor suavizou-se. 

— Ela deve ficar bem agora — disse o monge, levantando-se, limpando as mãos no tecido da própria túnica. 

— O que foi isso...? — perguntou Takashi, estreitando os olhos. 

— Como minha magia... pôde falhar? — balbuciou Erina, olhando incrédula para as próprias mãos. 

— Onde... onde aprendeu a fazer isso? — questionou Kenshiro, sentindo um calafrio ao se lembrar de técnicas semelhantes que seu tio, Reiji Torison, costumava usar. 

— Está sozinho aqui? — perguntou Sebastian, olhando ao redor, tenso. 

O monge levantou uma das mãos, pedindo calma. Seu semblante era sereno, quase apaziguador. 

— Por favor... acalmem-se. Imagino que não vieram até aqui apenas por isso. Vieram... por meu pai. 

O silêncio que se seguiu foi cortante. 

A árvore dourada no centro da praça continuava seu ciclo absurdo de nascimento e morte, folhas brotando e virando pó em questão de segundos, iluminando o ambiente com uma luz dourada e inquietante. 

Foi só quando Erina largou seu enorme escudo no chão — com um estrondo que reverberou por todo o templo — que todos enfim entenderam. 

VOCÊ É FILHO DO HERÓI BUDAI?! — exclamaram, em uníssono, como se suas vozes se fundissem numa só. 

O monge sorriu. Um sorriso sereno, humilde, e ainda assim... carregado de algo que não sabiam decifrar. 

— Meu nome é Zhen — Fez uma leve reverência. — É um prazer conhecê-los. 

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