Volume 1 – Arco 5
Capítulo 44
Diante da entrada da prefeitura, Kenshiro, Sebastian, Gurok e Zhen observavam a estrutura antiga e gasta, que parecia resistir ao tempo apenas por teimosia. As paredes desgastadas e musgosas contavam histórias de um passado de glórias que não mais existia.
O silêncio ao redor deles era quase sufocante, como se a cidade estivesse aguardando um desfecho.
— O que estamos fazendo aqui? — Zhen quebrou o silêncio, o rosto marcado pela incerteza.
— Vamos descobrir o que Zudao anda tramando. E então, impediremos — disse Kenshiro, encarando-o com firmeza.
— Não seria mais fácil só atacá-lo? Ele está na torre antiga junto de meu pai — Zhen sugeriu, a ansiedade aparente em sua voz.
Sebastian riu suavemente.
— Tenha calma, monge. Se Zudao tem algum recurso para destruir Shenxi, Erina não vai arriscar. Ela quer salvar todos.
— Ou quase todos... — comentou Gurok, um pouco sombrio.
Zhen sentiu um calafrio percorrer pelo seu corpo. As palavras de Gurok pareciam ecoar na sua mente, despertando uma nova onda de medo. Kenshiro, percebendo a mudança na postura do monge, aproximou-se, observando cada mudança em seus movimentos e expressões.
— É uma pena que Xin tenha que morrer... Ela parecia tão confiável no início.
Zhen ficou pálido.
— Não foi culpa dela...
— Não importa. Ela será usada como exemplo — Kenshiro respondeu, sua voz impiedosa.
— Eu não vou deixar vocês a machucarem! — gritou Zhen, desesperado.
— E como vai impedir? Por que acha que Erina te mandou comigo? Xin já deve estar morta a essa altura... — perguntou Kenshiro, friamente intrigado.
Zhen recuou um passo, desesperado para fugir. Virou-se para correr, mas Kenshiro o interceptou rapidamente, suas espadas cruzadas rente ao pescoço do monge.
— Que curioso… Onde está o monge que desviou das raízes e me acertou um soco tão forte que me fez cambalear? — provocou Kenshiro.
Zhen permaneceu em silêncio, mas cada fibra de seu corpo tremia. Ele sabia que, se queria salvar Xin, precisaria superar aquele medo; aquela era a única prova que Kenshiro precisava dele.
***
No alto da muralha da cidade, Xin olhava para baixo, onde o vazio entre as tábuas de madeira parecia um abismo. A queda, embora não fosse mortal para qualquer outro, era suficiente para assustá-la.
Ela virou-se para Erina, confusa. Em Signês, perguntou o motivo para estarem ali.
Erina sentou-se ao lado da muralha, de onde se tinha uma visão ampla da cidade.
— Aqui podemos conversar melhor, e Takashi tem uma visão privilegiada para nos avisar de qualquer anormalidade.
— Estou procurando por algo? — Takashi perguntou, atento ao movimento ao redor.
— Fique atento a qualquer coisa suspeita e me avise, se notar — respondeu Erina.
Ainda tensa, Xin se sentou diante de Erina e esperou. Ela sabia que aquela conversa era importante, talvez decisiva.
Erina respirou fundo antes de começar.
— Em Eldoria, você, Takashi, Gurok e Sebastian conquistaram minha confiança e a de Kenshiro. Mas agora, você recuperou suas memórias e é verdadeiramente você. Preciso saber se posso confiar em você agora.
Xin tentou responder, mas sua voz era fraca e rouca. Percebendo que não conseguiria falar bem, ela contou, em sinais, sobre suas memórias fragmentadas e de como Zhen, talvez, tivesse sido seu amigo na infância, antes dela ser levada.
— E por que ele não disse nada? — indagou Erina, a desconfiança visível em seu rosto.
Xin deu de ombros, explicando que imaginava que ele estava apenas desconfiado, talvez em choque. A hipótese, ainda que dolorosa, parecia lógica, como se eles fossem dois estranhos tentando se reconectar.
— Vocês foram amantes? — Erina perguntou diretamente, com um olhar afiado.
Xin enrubesceu, negando rapidamente. Ela contou que eram apenas crianças quando foi levada.
Erina respirou fundo, observando a expressão desconfortável de Xin antes de continuar.
— Se Zhen pedisse para você ficar em Shenxi, aceitaria? — perguntou, testando sua determinação.
Xin hesitou antes de perguntar o porquê daquela pergunta.
— Quero saber se você deseja uma vida pacífica e feliz, longe dos perigos dessa jornada, onde a morte é uma companheira constante.
Os olhos de Xin brilharam com determinação, e ela sinalizou que não deixaria o grupo. Ela queria seguir com eles, independentemente do destino que a aguardasse.
Erina suspirou.
— Que pena. Minha pergunta não era para te tirar do grupo, mas para saber se você tem algum objetivo. Aparentemente, você não tem... e, se for o caso, não me serve.
Xin ficou em choque, levantando-se de um pulo, protestando em sinais e questionando a decisão.
— Takashi quer encontrar seu sucessor — começou Erina, com voz calma. — Gurok quer voltar para Eldoria, e estar com Lois. Sebastian quer concluir seus experimentos. Até eu e Kenshiro temos nosso objetivo… Essa jornada não é um propósito de vida, é nosso obstáculo para conclui-la.
Xin murchou, seu coração pesado com o julgamento de Erina. A dor da rejeição fazia cada gesto seu perder a força.
— Se você não tem propósito... então é como um objeto, Xin. Você terá que deixar nosso grupo... e seja grata por eu não precisar matá-la — disse Erina, virando-se para sair.
De repente, uma fraca voz surgiu atrás dela. Xin, as lágrimas escorrendo, usou cada pedaço de energia para falar:
— Quer saber mesmo? —a voz falha soava como um eco distante. — Quando eu fui raptada, vi meus pais sendo mortos... da pior maneira possível. Eu era só uma criança. Quando chegou a minha vez, Zudao ficou sem ideias do que fazer comigo e me jogou num poço. Um poço cheio de parasitas... Os mesmos tipos daquele que estava dentro do meu ventre!
Xin tossiu, as palavras saindo em espasmos de dor. Takashi virou o rosto, a náusea evidente. Erina estava sem palavras, vendo o abismo de sofrimento na expressão da amiga.
— Por uma noite inteira, eu senti eles me invadindo. Eles arrancaram a minha pele e invadiram a minha carne de todas as maneiras possíveis. Até que aquele verme miserável se alojou dentro de mim e me curou, mesmo assim, os outros continuaram tentando me invadir... Eu... Ainda consigo sentir eles rastejando sobre meu corpo...
As lágrimas de Xin começaram a escorrer, ela não tinha intenção de segurar mais nenhuma emoção que fora contida por toda a sua vida.
— Zudao viu o que restou de mim e ordenou que eu torturasse minha própria tia, a última família que eu tinha. E me quebrei ali. Eu desisti de meus sonhos e sentimentos para parar de sentir... Agora que estou livre, restam apenas quatro anos de vida para aproveitar, se essa jornada não for bem concluída...
Xin, com a voz falha, deu um passo à frente, a raiva e determinação queimando em seus olhos.
— Então, só por que o meu desejo é aumentar esse tempo, eu não faço parte desse grupo? VAI SE FUDER, ERINA WALTZ! VOCÊ, SEU MARIDO, E ESSE GRUPO!
Num rompante de dor e raiva, Xin começou a socar a armadura de Erina com todas as forças que lhe restavam. O primeiro golpe quebrou os dedos da mão direita, o segundo, os da esquerda.
— EU NÃO SOU UMA COISA! EU NÃO SOU UMA COISA! EU NÃO... SOU...
A voz de Xin falhou, os soluços entrecortados se misturavam aos murmúrios e gestos frágeis de sua dor reprimida.
Erina a envolveu em um abraço forte, murmurando palavras suaves enquanto curava os ferimentos de Xin. Com um último toque, trouxe sua voz de volta.
— Bem-vinda ao grupo, finalmente — disse Erina, emocionada. — Você passou.
***
Zhen estava preso entre as lâminas de Kenshiro, tomado pela sensação de impotência ao imaginar Xin em perigo.
O monge sentia as lâminas começando a se aproximar cada vez mais de seu pescoço, enquanto tentava criar um plano para escapar. Então o som das gargalha exagerada de Gurok e o riso fino de Sebastian interromperam sua mente.
— Você realmente acredita que Erina machucaria Xin? —disse Kenshiro, guardando suas espadas com calma. — Isso nunca aconteceria. Ela adora aquela garota demais para isso...
— Então... qual era o objetivo de tudo isso? — perguntou Zhen, ainda confuso.
— Apenas um teste — explicou Kenshiro. — Eu precisava ver se você tinha determinação e força. Embora... ainda não esteja convencido.
— Não entendo — murmurou Zhen, levando a mão até a testa.
Kenshiro suspirou, como se explicações não fossem seu forte, mas decidira que Zhen merecia pelo menos um pouco mais de clareza.
— Se Xin for aceita no grupo após a entrevista, você a seguirá — afirmou Kenshiro, encarando-o. — E eu preciso saber se você tem o que é necessário para nos acompanhar.
— Mas... eu nem quero fazer parte disso! — Zhen rebateu, ainda processando.
— Você acha que eu quis? — respondeu Kenshiro, se alongando. — A vida tem essas ironias... Nós, os “últimos românticos,” sempre acabamos onde nossas donzelas nos levam.
O comentário não passou despercebido por Gurok, que desviou o olhar, refletindo sobre suas próprias escolhas. Zhen, em contrapartida, sentiu as bochechas corarem. Não era mais segredo algum o quanto se importava com Xin, e ele soube que Kenshiro percebera.
— E o que acontece agora? — Zhen perguntou, derrotado, ao se sentar no chão de pedra fria.
— Vamos impedir Zudao. E no processo, você vai mostrar se realmente pode andar ao nosso lado — disse Kenshiro, calmamente. — O combate me dirá mais sobre você do que qualquer entrevista.
— E por que não uma conversa, como Erina está fazendo com Xin? — Zhen insistiu, frustrado.
— Porque eu não estou interessado nos seus sonhos, preferências ou inseguranças. Só quero saber se você estará disposto a lutar ao meu lado, até o fim. Erina protegerá você e seus objetivos... mas quero saber se posso contar com sua lealdade.
Zhen ficou em silêncio, surpreso pela intensidade da declaração. Como Kenshiro tinha tanta certeza de que protegeria os outros?
— Mas por quê? Que líder se arriscaria por seus subordinados?
— Porque Erina é única. Para ela, cada um de vocês é uma extensão de sua força. Quanto mais pessoas ela protege, mais poderosa ela se torna — disse Kenshiro, ficando levemente mais sombrio, por algum motivo.
— E quanto a você? — Zhen o encarou, notando a mudança no tom.
A resposta foi o silêncio, interrompido apenas pelo som de uma porta se abrindo bruscamente.
Os quatro se viraram ao ver Dalwens, pálido e paralisado ao encontrar o grupo em sua entrada. Ele hesitou apenas um segundo antes de sair correndo, como se estivesse sendo caçado.
— Olha quem apareceu! — Sebastian exclamou, e lançou-se em perseguição, seguido por Kenshiro e Gurok.
Zhen, ainda confuso, mas agora mais determinado, correu atrás do grupo. Kenshiro o olhou com um lampejo de expectativa, deixando claro que o teste de verdade estava apenas começando.
A perseguição desdobrou-se pelos becos de Shenxi, entre ruas estreitas e pátios desolados. Dalwens, desesperado, ofegava e tropeçava na tentativa de escapar, mas Kenshiro e Gurok se mantinham em seu encalço, implacáveis. Sebastian, como uma sombra ágil, antecipava cada movimento do alvo com precisão.
Zhen, apesar das incertezas, sentiu um novo ímpeto, consciente de que agora era sua vez de provar que era capaz de acompanhar o grupo, tanto por Xin quanto por si mesmo.