Volume 1 – Arco 5

Capítulo 43

O grupo caminhava em silêncio, pesado com as incertezas que pairavam sobre eles. 

A escadaria diante deles parecia se estender eternamente, igual a incerteza da jornada à frente. Mas assim que deram o primeiro passo, o chão começou a tremer, e as pedras estremeciam sob seus pés. Grandes raízes irromperam da estrutura, lançando-os ao ar e condenando-os a uma queda fatal.

Em questão de segundos, Sebastian reagiu, agarrando Xin e Takashi. Suas habilidades lhe permitiram planar ligeiramente, e por mais que soubesse que a queda deles ainda seria dolorosa, ao menos os três sobreviveriam.

Os outros, no entanto, não tinham a mesma sorte. 

Erina, vendo a gravidade da situação, pensou rápido e bradou:

— KAJI! ATENDA AO MEU CHAMADO!

Segundos depois de seu grito, placas de metal surgiram e se organizaram embaixo de cada um deles. Um poderoso jato de fogo explodiu para baixo, desacelerando a queda. Gurok, sendo o maior de todos, precisou de sete placas para segurar seu peso. Através da destreza de Kaji, o grupo conseguiu evitar o pior.

Kaji aproveitou para fazer o mesmo com o trio que planava, pois não queria que nenhum de seus companheiros sofressem algum dano.

Quando todos estavam de pé novamente, todos suspiraram aliviados.

— Obrigada, Kaji — disse Erina, ainda sentindo a falta de ar.

As placas se reorganizaram no ar, transformando-se na forma grandiosa de um cavalo flamejante. 

O brilho e o poder de Kaji deixaram Zhen hipnotizado. Xin, notando sua expressão, se aproximou com um sorriso suave, gesticulando que ela também havia ficado impressionada quando vira o elemental pela primeira vez.

Zhen, envergonhado pela presença dela, perguntou:

— E como foi?

O olhar de Xin escureceu ao lembrar. Ela murmurou com a voz rouca:

— Ele me chamou de “coisa”.

O monge se encolheu ao ouvir isso, mas antes que pudesse responder, Xin ergueu o olhar, agora com uma chama mais brilhante nos olhos, e completou:

— Mas me pergunto agora… como será que ele me vê?

Em seguida, ela caminhou até o imponente corcel flamejante, olhando-o de frente com um sorriso. Kaji, surpreso ao vê-la, tentou entender quem ela era, até que questionou, confuso:

— Madame Erina, mestre Kenshiro, ela…?

— Sim, Kaji — confirmou Erina. — O voto de servidão de Xin foi desfeito.

O elemental parecia ter um momento de revelação. Ele observou Xin com admiração sincera e comentou:

— Agora entendo por que consigo vê-la! Ela é tão graciosa e doce quanto você me disse, madame Erina!

Xin corou com o elogio, sorrindo ao perceber a honestidade do elemental. Quando se virou para o grupo, percebeu que todos a olhavam com uma mistura de incerteza e apreensão. O olhar de Erina, especialmente, trazia uma expressão de cansaço e algo mais difícil de definir.

Sebastian, sempre atento, interrompeu o silêncio para desviar o foco:

— Creio que isso não tenha sido um acidente.

— Concordo — assentiu Kenshiro, com os olhos fixos no topo da montanha. — Zudao claramente nos considera uma ameaça se está disposto a armar emboscadas.

Sem perder tempo, o grupo retomou o caminho para Shenxi, mais cautelosos do que antes. 

Xin, percebendo o peso das emoções à sua volta, caminhava um pouco atrás. Takashi olhou para ela brevemente, como se quisesse dizer algo, mas se conteve e seguiu em frente. Zhen, tentando oferecer algum consolo, murmurou:

— Não se abale. Tudo ficará bem.

Xin não respondeu, mas manteve o olhar firme. Ela sabia que o caminho seria difícil, mas estava determinada a seguir com eles, a cada passo respeitando a distância que parecia ser exigida, uma barreira invisível, mas sentida profundamente.

***

Ao cruzarem a ponte que levava à cidade de Shenxi, o grupo foi tomado por uma estranha e melancólica quietude. 

As águas do grande lago que circundava a cidade pareciam estar imóveis, como se até mesmo o vento evitasse aquele lugar. A ponte de pedra, imensa e aparentemente robusta, carregava evidências de várias reconstruções, cada uma revelando marcas de um passado desgastado e de lutas perdidas.

Logo, passaram pelas frágeis cercas de madeira que serviam de muralhas, proteção apenas no nome. 

Shenxi não ostentava as fortificações imponentes que cidades mais prósperas teriam; seus arredores eram tão humildes quanto a esperança que parecia faltar aos moradores. A pobreza estampada em cada construção, em cada detalhe mal cuidado, deixava evidente que Shenxi era um lugar abandonado até mesmo pela sorte.

Ao cruzarem a entrada da cidade, Erina assumiu a liderança. Com voz firme, distribuiu as direções para o grupo:

— Vamos nos dividir. Takashi e Xin, venham comigo. O restante, sigam com Kenshiro.

Foi então que Zhen interrompeu, sua expressão carregada de ansiedade.

— Eu preferiria ficar com Xin.

Erina e Kenshiro, momentaneamente surpresos, trocaram olhares frios, prontos para repreender o monge. Mas, antes que o desconforto se tornasse conflito, Xin interveio. Com um sinal discreto, ela pediu a Zhen que seguisse com Kenshiro, garantindo a ele que estaria bem. 

A contragosto, ele obedeceu, mas a inquietude em seu semblante permaneceu visível.

***

Enquanto seguiam pela cidade, Erina, Takashi e Xin encontraram-se em meio a um mercado modesto. As bancas eram um reflexo da condição dos habitantes: frágeis, com produtos envelhecidos e de qualidade quase inexistente. 

Erina observava tudo com olhar atento, mas sem encontrar nada que pudesse ser útil à sua missão. 

Não demorou para que uma sensação de desconforto se instalasse, e Takashi, percebendo, notou os olhares desconfiados e até hostis voltados para Xin.

Com um gesto protetor, ele retirou sua capa e a colocou sobre os ombros de Xin, cobrindo-a parcialmente para que os outros parassem de encará-la. Ao fazer isso, ele se expôs, revelando suas orelhas pontudas e deixando evidente sua identidade como elfo. 

Xin agradeceu em Signês, suas mãos movendo-se em gestos delicados, ainda que ligeiramente trêmulas.

— Por que eles te olham assim? — perguntou Takashi, sua voz num sussurro cuidadoso.

Xin hesitou, seus olhos escurecendo com memórias que a cidade, o povo e Zudao traziam à tona. Sem entrar em detalhes, ela revelou que, enquanto estava sob o controle de Zudao, cometera atrocidades ali. As pessoas a viam como um presságio de má sorte, alguém que, aos olhos deles, nunca seria perdoada.

Sem querer expor Takashi aos detalhes mais dolorosos, Xin resumiu apenas o mais terrível. 

Ela disse que ferira sua tia, o último membro de sua família, com seu chicote. Por duas semanas, Xin foi obrigada a machucá-la. Por duas semanas, toda a população de Shenxi foi obrigada a assisti-la. Por duas semanas, Xin acabou perdendo cada vez mais de sua personalidade, até se tornar apenas mais uma ferramenta. E no fim destas duas semanas, Zudao possuía a serva perfeita.

Takashi observou as lágrimas escorrendo pelo rosto dela, e o peso daquela dor silenciosa o deixou sem palavras. Erina, atenta a cada movimento, manteve-se em silêncio, porém firme.

— Está doendo tanto... — sussurrou Xin, levando as mãos trêmulas à cabeça enquanto seu corpo começava a encolher-se diante das memórias.

Erina fixou os olhos na muralha próxima, sua expressão impassível, mas resoluta.

— Vamos lá para cima — disse ela, sua voz calma mas firme, indicando a direção.

***

Enquanto isso, Kenshiro, Sebastian, Gurok e Zhen seguiam em direção ao centro de Shenxi, onde as construções deterioradas se misturavam com restos de madeira enraizados no solo. As árvores cresciam por entre ruínas e casas abandonadas, um retrato grotesco da decadência e do abandono. O solo, esburacado e quebradiço, parecia responder à própria história de opressão do lugar.

Durante a caminhada, Kenshiro iniciou uma conversa séria com Zhen, comparando Shenxi a outra cidade pela qual haviam passado, Eldoria. Para ele, a fome por mudança que observara lá parecia ausente aqui, e ele questionou diretamente a liderança de Zudao.

— Zudao é um ditador — respondeu Zhen, com uma amargura que Kenshiro não esperava. — Shenxi está aprisionada num ciclo de pobreza. A cidade mal sobrevive, mesmo com o lago para fornecer alimento. As pessoas já não têm forças para lutar.

Kenshiro, sempre resoluto, manteve os olhos firmes e uma expressão séria, igual sua convicção.

— Já vi pessoas em situações piores enfrentando inimigos muito mais cruéis. Se realmente odeiam Zudao, por que não se levantam contra ele?

Sem responder de imediato, Zhen levou Kenshiro a uma parte da cidade onde raízes retorcidas e espessas se entrelaçavam por entre as casas. 

Ali, corpos das vítimas do último levante permaneciam presos às raízes, como troféus macabros da resistência esmagada. Seus rostos, petrificados pela dor e pelo terror, contavam a história que as palavras de Zhen não conseguiriam.

— Eles tentaram, Kenshiro. — A voz de Zhen era sombria, quase um murmúrio, enquanto fitava o cenário. — Existem batalhas em que a sobrevivência é o maior ato de coragem. Para muitos, viver já é uma vitória.

Por um momento, Kenshiro observou a destruição e as raízes cravadas nos restos das casas. Silenciosamente, refletiu sobre o verdadeiro peso de uma luta sem esperança, e sobre o custo que Shenxi pagava por viver sob o domínio de Zudao.



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