Volume 1 – Arco 4
Capítulo 36.2: Justiça do Mais Forte*
LEIA COM ATENÇÃO:
Caro leitor,
Este é um capítulo especial e opcional. Não é necessário lê-lo para seguir a história principal. Esses capítulos extras têm como objetivo aprofundar determinados temas, como personagens, grupos ou eventos, e em alguns casos, exploram histórias que não são cruciais para a trama central.
Gostaria de destacar que os capítulos extras podem ser mais extensos do que o usual. Em vez de dividir o conteúdo em vários capítulos, optei por reunir tudo em um único.
Neste capítulo, (Capítulo 36*), você verá os últimos acontecimentos em Eldoria e a história de Gurok.
- A Cidade Livre Eldoria
- Justiça do Mais Forte
- O Governador
- Gurok
- Infelix
- Correntes
2 - Justiça do Mais Forte
Justis era um descendente direto de Fabris. Foi ensinado por sua família a sempre buscar a perfeição na arte forçar. Sabendo de sua importância para Eldoria e para todo o continente, enxergava todos os demais como pessoas inferiores, mas não de maneira arrogante, pensava que por ser o mais forte, precisava protegê-los.
Ele descia de sua torre poucas vezes, apenas para buscar suprimentos. Ele não pagava por nada pois sabia da importância de sua família como principal criadora da cidade de Eldoria, no entanto, se algum mercador tivesse coragem o suficiente para exigir um pagamento justos, ele receberia.
Justis carregava uma filosofia peculiar. Acreditava nas Leis básicas da natureza, onde os predadores sempre caçaram suas presas, e as presas sempre buscaram sobreviver a todo custo. Em outras palavras, os fortes sempre terão mais direitos sobre os mais fracos, mas os fracos sempre buscaram se reerguer.
No entanto, em Eldoria, todos os fracos e oprimidos aceitavam seu modo de vida, o que deixava Justis com nojo. Para ele, se uma pessoa está sofrendo e se permite viver dessa maneira, a culpa é inteiramente dela. Por isso, nunca buscou proteger ou salvar ninguém, pois ninguém queria ser salvo.
Em sua torre, Justis dedicou-se inteiramente a atingir as expectativas que seu sangue carregava. Usando apenas as mãos, ele não precisava de nenhuma ferramenta; seus punhos eram seus martelos e seus dedos os tenazes.
Para sua surpresa, alguém havia escalado sua torre para encontrá-lo.
Aquele era Quasimir, um homem que havia nascido deformado e abandonado para morrer pelos seus pais. Se não fosse pela ajuda de algumas, poucas, pessoas boas, ele teria morrido ainda quando bebê.
Quasimir, ao ver Justis enviando suas mãos em ferro quente e derretido, questionou o que ele estava fazendo, com sua voz fanha.
— O QUE ESTÁ FAZENDO?!
Justis sorriu ao saber que sua rotina era algo impressionante para as pessoas comuns.
— As únicas ferramentas que utilizo são minhas mãos. Não se alarme, eu já não sinto mais dor — respondeu Justis, socando uma barra de metal apenas como demonstração — O que faz aqui homenzinho?
— V-você irá me ouvir? Pensei que não se importasse com as pessoas fracas...
— E não me importo. Mas qualquer um que esteja disposto a subir a minha torre é merecedor de uma simples conversa.
— Não estou aqui apenas para conversar. Quero fazer uma aliança!
Curioso com a determinação, e inconveniência, Justis decidiu dar uma chance ao deformado e escutou seu plano.
Quasimir queria desafiar a soberania de Eldoria, se tornando o governador e possuindo Justis como Juiz.
— O que está me pedindo, é algo bastante ousado — disse Justis.
— Pense bem! Como Juiz, você poderá reescrever todas as leis de Eldoria, fazendo dela uma cidade justa igual sua imagem!
— Sim, mas terei que interromper meus trabalhos para salvar a sua pele... Pois, queira me desculpar, sua aparência frágil faz parecer um alvo fácil.
— Por isso você precisa fazer um verdadeiro show! Demonstrar toda a sua força contra o Juiz, para que assim, ninguém ouse desafiar você! — respondeu o corcunda, precisando se recuperar da falta de fôlego. — Você terá que lutar apenas uma única vez!
Após refletir um pouco, Justis comtemplou toda a cidade de sua torre, imaginando o quão perfeito ela seria se seguissem seus fundamentos. Talvez aquela fosse a oportunidade que encontrara para fazer o povo de Eldoria finalmente possuir consciência.
Ele se virou para o deformado e disse:
— Estão vamos!
Justis segurou o corcunda pelo pescoço e pulou da torre, causando um pequeno estrondo ao pousar. Mesmo sendo amortecido por Justis, o corcunda sentiu uma dor profunda pela pressão da queda.
As pessoas ficaram espantadas ao ver Justis andando pela cidade àquela hora, encaravam-no com dúvidas e curiosidade.
Chegando até o centro da cidade, Justis proclamou em alto e bom som:
— EU DESAFIO O GOVERNADOR E SUA SOBERANIA!
Todos estremeceram.
O governador e juiz apareceram pouco tempo depois, escoltados por todos os soldados mercenários.
O governador já era um homem velho, esperava que pudesse se aposentar em pouco anos. O juiz ainda era jovem, mas experiente o suficiente para saber da fragilidade de Eldoria, e ainda do perigo que Justis poderia ser.
— O que você está tentando fazer é ilegal! — disse o Juiz, suando frio.
— Não no meu governo — respondeu Justis. — Irei mostrar para todos como a Lei do mais forte deve ser seguida!
— “A Lei do mais forte?” Não estamos mais em tempos de barbárie! Volte para a sua torre e prometo que esquecerei o que você tentou fazer hoje.
— Nenhuma ovelha pode prometer a um lobo o que ele pode tomar à força!
Justis avançou contra o Juiz, fazendo com que todos os soldados que estivesse à sua frente voassem para os lados. Segurando-o pelo pescoço, Justis o levantou para os céus para que todos pudessem o ver.
— Está bem! A cidade é sua! — disse o Governador.
— Não, ainda não... — respondeu o corcunda.
Justis saltou para os céus, ainda segurando o juiz.
— Quero que todos lembrem-se deste dia — começou o corcunda —, eu sou o novo Governador desta cidade, e Justis é meu Juiz. Desafiem minha autoridade e terão de enfrentá-lo.
Durante sua queda, Justis deixou a cabeça do Juiz abaixo de seu pé. Quando caiu no chão, o impacto fora tão violento que pedaços atingiram as muralhas.
Amedrontados, todos os mercenários se ajoelharam para seus novos patrões.
— Agora — finalizou o corcunda —, vamos fazer algumas mudanças...
Naquela mesma tarde, um pequeno palco foi construído no lugar onde Justis declarou seu golpe. E neste palco, o antigo Governador fora enforcado, para simbolizar o fim de seu governo.
Justis entregou uma lista de leis que ele queria que Eldoria seguisse, era uma lista simples e pequena. Suas leis garantiriam que todas as pessoas possuíssem o direito de exigir seus diretos até de lutar e morrer por eles, e que se, a maioria quisesse, era obrigação do governo aceitar.
Quasimir ficou um pouco preocupado no início, mas rapidamente percebeu que, ninguém jamais ousaria tentar exigir nada em seu governo. Muito pelo contrário, ele iria humilhar, desmerecer e até matar a população, e eles seriam gratos por isso.
Os mercenários, percebendo que ninguém ousaria desafiar o novo governo, se tornaram mais confiante e brutamontes, extorquindo e humilhando os cidadãos de Eldoria.
Os nobres ficaram amedrontados com um pobre e deformando assumindo o poder, mas logo ficaram aliviados e até satisfeitos quando perceberam que em pouco tempo, começaram a enriquecer ainda mais.
Os pobres, alienados pelas histórias e propagandas, não se importaram com seus direitos sendo aos poucos tirados deles. Mesmo que demorasse anos, um plano para seu extermínio já estava sendo traçado.
E assim, Eldoria se tornou a cidade dos ricos. Enriquecendo seu governo, nobres e apoiadores, empobrecendo, escravizando e matando sua população, e atraindo aqueles que fossem ingênuos o suficiente para cair em sua armadilha.
***
Depois de alguns anos, Justis ficou novamente desapontado com seu povo. Embora compreendesse que pudesse ser um dos responsáveis pela alienação e imbecilidade, não conseguia entender como todas as pessoas prefeririam viver uma vida de miséria, dificuldades, doenças e fome à lutar por seus direitos e ter ao menos uma morte mais rápida.
E assim, ele desistiu de vez, focando-se apenas em seus projetos pessoais.
Quando finalmente atingiu a perfeição que tanto buscava, espantou-se ao perceber que não era muito melhor que seus pais, seus antepassados e até mesmo o próprio Fabris, pois ele não estava nem perto de finalizar o último, e mais importante, trabalho de sua família.
Pensava que precisava estudar mais, mas ao ver seu primeiro fio de cabelo branco, percebeu que era hora de uma nova geração seguir seus passos; estava na hora dele ter um filho.
Justis não fez nenhum anunciamento, como a maioria dos nobres e outras pessoas importantes fariam. Ele apenas andou pelas ruas das cidades, em busca daquela que ele julgasse ser perfeita para ele. Ela precisava ser bonita e ter um belo corpo, pois acreditava que a beleza não era apenas algo natural, mas algo que se conquista e lutava diariamente para manter.
Foi quando ele viu aquele que lhe mais agradou os olhos. Uma mulher alta, cabelos cacheados escuros, pele clara e corpo naturalmente magro, possuindo o quadril largo e coxas grossas. Não havia nada de mais em seu rosto ou corpo, mas Justis sentiu uma atração natural, concluindo que ela deveria ser a mão de seu filho.
Justis, acreditando que era seu direito como o mais forte em tê-la, raptou-a até sua torre e a utilizou como bem quis. Ele a fecundou todas as noites até ter a certeza que ela estivesse grávida. Quando finalmente engravidou, Justis tomou cuidado para que a mulher fosse bem alimentada, para que nada de mal acontecesse com seu filho.
No dia em que deu à luz, Justis pouco se importou com a dor daquela mulher, retirando seu filho de maneira brutal de sua frente. A criança estava bem e saudável, o mesmo não podia ser dito da mãe, mesmo que ela ainda estivesse viva.
Emocionado por finalmente ter um herdeiro, Justis disse que a mulher deveria criá-lo com amor, enquanto ele seria duro e disciplinar, como naturalmente deveria ser. Porém, a alegria de seu filho tirou sua atenção, pois a mulher havia acabado de se jogar da torre, morrendo com a queda.
Percebendo que teria que criar seu filho sozinho, ele lamentou pelo fato dele não poder crescer com uma figura materna, apenas com um pai duro e disciplinado, como um pai deveria ser naturalmente.
A criança recebeu o nome de Infelix.
***
Justis procurou os melhores pais e mães para ensiná-lo a cuidar de uma criança, pois agora era usa obrigação garantir que seu filho sobrevivesse. Ele não se importou se eram nobres ou pobres, ele aprendeu o melhor que pôde, porém não havia uma resposta correta sobre como criar; cada casal criava sua criança do seu próprio jeito.
Justis decidiu que a melhora maneira era manter uma criação dura e disciplinar, da maneira como ele acreditava ser o melhor. Assim, a criança teria seu caráter natural sendo desenvolvido, sem qualquer alteração; fosse para o bem ou para o mal.
Então, para sua surpresa, o choro de outra criança o despertou no meio da noite. Deixando seu quarto, ele a encontrou perto de sua forja, era um pequeno bebê orc recém-nascido.
Justis ficou confuso, pois nunca vira um orc antes em toda a sua vida, apenas ouvido histórias sobre eles. Ele sabia também que ninguém de Eldoria poderia ser capaz de entregar tal criança até ele. Por isso, concluiu que seja quem foi que tenha entregado o bebê para ele, era uma pessoa que ele nunca conseguiria encontrar.
Assim, o destino da criança estava em suas mãos. Levando o orc até a beirada da sua torre, Justis estava considerando deixá-lo para morrer pela queda, mas ao vê-lo nos olhos, percebeu que apesar das diferenças, o pequeno orc era apenas um bebê comum qualquer outro.
Depois daquele dia, Justis adotou o pequeno orc e deu-lhe o nome de Gurok. Ele o criaria da melhor maneira que podia, ou seja, sendo duro e com disciplina.