Volume 1 – Arco 4
Capítulo 34
O impacto do raio ainda reverberava pela cidade, o som ecoando nas ruas enquanto a poeira começava a se dissipar. O ar estava carregado de eletricidade, e a cena diante dos olhos de todos parecia algo tirado de um conto mítico.
Gurok, agora envolto em uma armadura platinada que brilhava como uma estrela no meio das trevas, segurava Infelix pelo pescoço, erguendo o Juiz como se ele fosse uma simples criaça. A força que emanava de Gurok era algo além de humano ou orc, quase divino, uma aura de poder e justiça que parecia irradiar de sua nova forma. A transformação, embora apenas física, tornava-o um verdadeiro cavaleiro celestial renascido.
Os olhares das pessoas se fixaram em Gurok. O medo que antes reinava sobre a multidão começava a se dissipar, sendo substituído por algo raro em tempos sombrios: esperança. Sem palavras, eles começaram a se curvar, um por um, em reverência ao guerreiro que agora representava a força de uma nova era.
Infelix recobrou a consciência, seus olhos arregalados ao perceber o que havia acontecido.
— Seu desgraçado! Essa armadura era para ser minha! Eu que sou o cavaleiro dos céus! — gritou ele, sua voz cheia de ódio e inveja.
Com um movimento desesperado, Infelix se libertou, permitindo parte da armadura de seu pescoço e peito serem desmanchadas, ainda na mão de Gurok. Utilizando seus últimos resquícios de força, ele bateu uma palma para invocar um raio para fugir. O relâmpgo rasgou o céu e Infelix foi lançado para o alto, desaparecendo nas nuvens escuras.
Mas no céu, seu destino já estava selado.
Lois, com os cabelos esvoaçando ao vento e seus olhos cheios de determinação, estava esperando por ele. Com uma agilidade semelhante aos raios, ela agarrou ele pelo pescoço, causando-lhe medo e espanto. O Juiz mal teve tempo de processar o que estava acontecendo antes de ser arrastado de volta ao chão em um raio descendente. Quando caíram, Lois aterrissou com elegância, sua bota pressionando o rosto de Infelix, que agora estava derrotado no chão.
— O Juiz Infelix tentou fugir da batalha! Isso faz de Gurok o vencedor! — proclamou Lois, sua voz ecoando com a força de quem nunca duvidou de sua vitória.
Infelix soltou um riso fraco e desesperado, cuspindo sangue enquanto tentava intimidar todos ao seu redor.
— Seus idiotas! O Governador já deve ter fugido da cidade e buscado auxílio do Império! Logo chegarão milhares de soldados e todos vocês morrerão!
Antes que qualquer um pudesse reagir, Kenshiro e seu grupo emergiram da multidão, carregando o Governador amarrado, inconsciente e claramente derrotado. Seu corpo estava coberto de ferimentos profundos, e sua armadura, outrora imponente, estava despedaçada, revelando sua impotência diante da batalha.
Sebastian, pálido e visivelmente exausto, estava coberto de seu próprio sangue. Ele havia usado tanto de sua regeneração vampírica que sua aparência estava mais frágil do que nunca. Em seus braços, Xin estava dormindo, com a perna devidamente enfaixada e protegida, esperando apenas pela cura final de Erina.
Kenshiro, embora ferido e em um estado crítico, com braços quebrados e a perna exibindo um osso exposto, ainda sorria. Seu rosto estava contorcido de dor, mas a visão de Gurok e Lois vitoriosos trouxe um alívio evidente.
O plano havia funcionado até o presente momento.
***
Infelix, caído ao chão, olhou ao redor, percebendo que sua derrota estava selada. Seus planos, seus segredos, suas ambições... tudo desmoronava diante de seus olhos. Ele não era mais o Juiz infalível, mas um homem vencido pelos pobres que tanto desprezou.
Infelix, percebendo que estava encurralado, soltou um grito de fúria pura. Sua energia explodiu, emanando de sua armadura em ondas de poder tão intensas que Lois foi repelida com força, lançada para longe como se estivesse sendo empurrada por uma força invisível. O impacto foi tão violento que ela mal conseguiu se equilibrar antes de cair. Era como se o próprio ar ao redor de Infelix estivesse se dobrando à sua vontade.
— Se não posso controlar Eldoria, ninguém mais o fará! — rugiu o Juiz, erguendo os braços para o céu.
Uma tempestade furiosa começou a se formar, e raios caíam descontroladamente sobre a cidade, atingindo edifícios, ruas e qualquer coisa que estivesse em seu caminho.
Lois ergueu os braços e convocou uma barreira energética ao redor da cidade. A barreira brilhava intensamente, contendo os raios que despencavam como punhais do céu. Porém, a força de Infelix aumentava a cada segundo, e a pressão sobre Lois era imensa. Ela rangia os dentes, sabendo que não conseguiria sustentar aquela defesa por muito mais tempo.
Kenshiro, mesmo gravemente ferido, fez um último esforço para deter Infelix. Mancando, ele avançou com sua única perna boa, determinado a acabar com o Juiz antes que fosse tarde demais. Mas antes que pudesse se aproximar, o Juiz aponto-lhe um dedo, criando um raio que atravessou o corpo do espadachim, paralisando-o no mesmo instante.
Kenshiro caiu, seus músculos contorcendo-se em agonia.
Sebastian não ousou fazer nada, não possuia a força ou resistência necessária para lutar contra aquela monstruosidade.
Lois rangeu os dentes em frustração, ela conseguiria lutar de igual contra Infelix, era possível até vencê-lo, mas estava ocupada garantindo a proteção da cidade com sua barreira de energia.
Apesar de Infelix gostar em ver a maneira como Kenshiro caiu derrotado ao chão, não era ele quem Infelix mais queria matar.
— Você, Gurok! — gritou Infelix, com um ódio primitivo em sua voz.
Sua raiva o consumia, e a necessidade de vingança era a única coisa que o mantinha de pé. Ele se lançou em um ataque devastador, seu corpo se movendo tão rápido que suas imagens se multiplicaram, tornando impossível prever onde ele realmente estava.
O soco de Infelix atingiu o centro do peito de Gurok, e no impacto, um clarão imenso iluminou tudo ao redor. A luz foi tão intensa que por um breve momento parecia que outro "super-raio" havia caído.
Quando a claridade diminuiu, Gurok ainda estava de pé, sua armadura imaculada, sem sequer uma fissura.
Infelix, ofegante, olhou para o próprio punho com descrença. O golpe mais poderoso que ele poderia desferir não havia feito nada. Seu rosto, marcado pela fúria, se contorceu em derrota.
— Adeus, meu irmão — disse Gurok com uma expressão triste, uma melancolia profunda ecoando em sua voz.
O golpe final veio, mas não de Gurok. Foi a própria energia caótica de Infelix que o destruiu. Com parte de sua armadura faltando, a eletricidade que ele manipulava o consumiu. Seu braço explodiu dentro da armadura, e seu corpo, saturado pela energia, começou a se desfazer por dentro. Cada órgão foi destruído pelas correntes elétricas, queimando-o por completo, mas seu cérebro danificado poupou-o da dor.
Nos seus últimos instantes de consciência, Infelix viu o rosto de seu irmão. A tristeza nos olhos de Gurok o perturbou. Ele não compreendia por que Gurok se sentia assim.
Em um breve momento de reflexão, lembrou-se de sua vida, dos dias com seu pai e seu irmão antes da ambição corrompê-lo. Haveria realmente uma chance de ter sido feliz? Ele sabia que sua vida poderia ter sido diferente, mas não se arrependia de suas escolhas. Ele havia sido fiel a si mesmo até o fim, e, em algum lugar de sua mente corrompida, isso o satisfazia.
Infelix estava morto antes de seu corpo tocar o chão. Quando caiu, sua armadura se despedaçou com o impacto, o som metálico ecoando em meio ao silêncio que se seguiu.
Por um breve momento, o mundo parecia suspenso no tempo. Todos os presentes, exaustos e feridos, absorveram o que havia acabado de acontecer. O ar estava pesado, carregado com a tensão da batalha, e ninguém ousava se mover.
Então, a realidade finalmente se impôs, e um grito de dor e triunfo ecoou pela cidade. O povo de Eldoria, unindo suas vozes, chorava e celebrava ao mesmo tempo. A revolução havia sido um sucesso, mas o custo tinha sido alto.
Enquanto o corpo de Infelix jazia no chão, Gurok olhou para ele uma última vez. Mesmo com a vitória em suas mãos, havia uma dor profunda no coração do paladino. Ele não lutara apenas contra um inimigo, mas contra sua última família.
— Que descanse em paz — murmurou Gurok, o peso do luto finalmente caindo sobre seus ombros.
Eldoria estava finalmente livre, mas as cicatrizes daquele dia permaneceriam para sempre.