Volume 1 – Arco 4
Capítulo 35
Após a batalha e a vitória em Eldoria, a cidade começou lentamente a respirar novamente.
Todos estavam exaustos, mas sabiam que ainda havia muito trabalho a ser feito. Os mercenários que Infelix havia contratado foram pagos e dispensados rapidamente por Lois, que desconfiava de qualquer um que pudesse ser comprado. Ela sabia que precisava de guardas leais, não de soldados interesseiros.
Os apoiadores do antigo governador foram aprisionados, mas Lois planejava entregá-los ao Império, numa tentativa de criar uma relação diplomática.
Quando chegaram à prefeitura, porém, a cena que os aguardava era caótica. Papéis estavam espalhados por todo lado, móveis tombados, e a bagunça refletia a falta de cuidado e administração da cidade sob o controle do antigo governador.
Erina e Takashi foram os últimos a chegar. Assim que Erina viu o estado de seus companheiros, ela soltou um grito furioso.
— KENSHIRO! — ela berrou, suas palavras ecoando pela sala. — Você me garantiu que protegeria eles!
Kenshiro, com um sorriso resignado e ferimentos visíveis, inclinou a cabeça levemente. Sebastian, que estava ao lado, interveio antes que a situação piorasse.
— Calma, Erina — disse Sebastian com sua voz suave e calma. — Passamos por muitas dificuldades, mas foi graças a Kenshiro que conseguimos sobreviver.
— Dane-se isso! — rebateu Erina, com raiva. — Olha o estado da Xin! Ele deveria tê-la protegido melhor!
Xin, como sempre silenciosa, apenas olhou para Erina e depois para Kenshiro, como se dissesse "eu estou bem", mas a tensão no ar continuava. Kenshiro, mesmo com os braços e a perna quebrados, não demonstrou nada além de sua expressão calma, como se estivesse esperando essa reação de sua esposa.
— Erina, por favor... — disse Takashi, tentando amenizar a situação. — Já acabamos com isso. Podemos relaxar um pouco, certo?
Erina bufou, mas relutantemente assentiu, e começou a usar seus poderes de cura para tratar os ferimentos de todos. Lois, Gurok, Takashi e Xin receberam atenção, mas ela fez questão de curar Kenshiro por último, como uma forma de punição silenciosa por não ter, em sua visão, protegido o grupo adequadamente.
Após algum tempo, a prefeitura estava um pouco mais organizada, e os móveis e documentos foram recolocados em seus lugares.
— Não acredito que tinha tanta tralha aqui! — reclamou Erina, depois de arrastar um piano para fora do prédio.
— Com Infelix e os mercenários "cuidando" dos pobres, e os ricos satisfeitos, ninguém se importava com a administração da cidade. — comentou Lois, limpando a poeira de sua mesa.
Kenshiro, sempre direto, cruzou os braços e olhou para Lois com seriedade.
— E o que a nova Governadora pretende fazer agora?
Todos se voltaram para Lois, que se sentou atrás da mesa com um ar pensativo.
— A cidade tem grandes reservas de ouro e pedras preciosas. Com isso, acredito que posso começar a fazer algumas mudanças significativas.
Foi nesse momento que Sebastian, Xin e Kenshiro trocaram olhares, e todos na sala perceberam o desconforto. Lois, curiosa, se levantou e foi verificar o cofre da cidade. Ao abrir a porta, seu rosto empalideceu.
— Mas... o quê...?
Lois caiu para trás ao ver o cofre praticamente vazio, com apenas algumas centenas de moedas de ouro e quase nenhuma pedra preciosa.
Os outros observaram, incrédulos, os cortes profundos nas paredes do cofre, marcas feitas por lâminas afiadas.
Após um longo momento de recuperação, Lois voltou à sala, visivelmente abalada. Erina, percebendo que não havia mais necessidade de prolongar a estadia do grupo em Eldoria, tomou a iniciativa.
— Sobre aquele ferreiro... Ele está em alguma prisão ou algo do tipo?
— Sou eu — disse Gurok calmamente, pegando todos de surpresa.
— Você? Pensei que, com o cargo de Juiz, ficaria aqui para ajudar Lois.
Gurok deu de ombros.
— Lois dará conta. E, além disso, o povo ainda não está preparado para ter um orc como Juiz. Talvez no futuro...
Erina sorriu, satisfeita com a ideia de ter Gurok no grupo. Mas o clima ficou tenso novamente quando Lois lançou-lhe um olhar desafiador.
— Que tipo de grupo é esse? — ela perguntou, desconfiada. — Eu realmente não sei se posso confiar em vocês.
— O que quer dizer? — retrucou Erina, com a sobrancelha arqueada.
Lois, com as mãos nos quadris, respondeu com firmeza.
— Eu posso estar dando algo precioso para pessoas que tratam seus subordinados como peças de xadrez. Gente que só pensa em alcançar seus objetivos a qualquer custo.
O comentário deixou Kenshiro e Erina desconfortáveis, mas antes que Erina pudesse responder, Gurok interveio.
— Não se preocupe, Lois. Se eu não confiasse neles, eu não me juntaria a eles. E veja só o que eles fizeram por nós, eles salvaram nossa cidade.
Lois hesitou, mas acabou cedendo, percebendo que não conseguiria arrancar mais informações do grupo. Suspirando, ela deu um passo para trás.
— Acho que vocês deveriam partir logo. Se ficarem, vão acabar sendo associados à revolução, e isso pode trazer problemas na jornada de vocês.
Erina assentiu, compreendendo o conselho de Lois. Ela olhou para o grupo, e embora estivessem todos exaustos, havia um sentimento de missão cumprida no ar. A revolução havia sido um sucesso, e agora, eles estavam prontos para seguir em frente.
***
O grupo caminhava em direção à saída da cidade, com Lois os acompanhando. A atmosfera era de incerteza. Ninguém sabia se voltariam vivos da missão, e Erina fez questão de dar a Gurok um momento para se despedir. Todos sabiam que essa poderia ser sua última conversa.
— Acho que não poderia ter sido de outra forma. — disse Lois, em tom de resignação.
— Não. Diria até que foi perfeito. — respondeu Gurok, com sua voz firme, mas cheia de emoção. Ele escondia o rosto sob o elmo, evitando que Lois visse seus olhos marejados. — Eu só iria te atrapalhar ou te distrair.
Lois, com sua postura firme, olhou para ele com uma mistura de tristeza e carinho.
— Meu Juiz, ajoelhe-se para sua Governadora.
Gurok, sempre fiel e honrado, ajoelhou-se diante dela, mantendo a cabeça abaixada. Mesmo assim, sua imponente figura não era facilmente diminuída; ele continuava a ser uma presença forte, mesmo curvado. Lois deu um passo à frente e retirou o elmo de Gurok com delicadeza, revelando o orc imponente e as lágrimas que ele lutava para conter.
Ele tentou desviar o rosto, envergonhado por demonstrar vulnerabilidade. Porém, Lois, com um gesto suave, segurou seu rosto, forçando-o a encará-la. Seus olhos encontraram os dela, e naquele momento de pura honestidade, ela se inclinou e lhe deu um beijo, um gesto de afeição e respeito, livre de preconceitos.
— Agora levante-se e siga para sua missão. E não olhe para trás. — disse Lois, com uma autoridade que apenas uma verdadeira líder poderia ter.
Gurok se levantou, lentamente, segurando o elmo nas mãos enquanto olhava uma última vez para Lois e para a cidade que ele sempre chamou de lar. A lembrança dela e de Eldoria, agora gravada em sua memória, poderia ser sua última visão desse lugar.
Ele deu um passo à frente, depois outro, até se afastar completamente, andando firme em direção ao seu novo destino. Quando se aproximou de Erina, que esperava um pouco mais adiante, encostada em uma árvore, ela observou o semblante determinado de Gurok.
— Está pronto para ir, Gurok? — perguntou Erina, sem traços de hesitação na voz, mas com um olhar mais atento, tentando captar suas emoções após a despedida.
— Sim, senhora. — Gurok respondeu com a mesma postura honrada, sua voz agora mais firme, como se a despedida o tivesse fortalecido.
Sem mais palavras, Gurok caminhou à frente de Erina, demonstrando que, apesar do que havia deixado para trás, ele não olharia para o passado. Ele estava comprometido com o futuro, com sua missão, e com o grupo que agora seguia.
Erina sorriu levemente, sabendo que, com ele ao seu lado, o grupo havia ganhado não apenas um guerreiro poderoso, mas um verdadeiro paladino, um símbolo de honra e lealdade.
A jornada poderia ser longa, mas com Gurok ao lado, Erina sabia que tinha um aliado em quem podia confiar, um homem que nunca trairia seus princípios, nem o amor que deixara para trás em Eldoria.